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SEMINÁRIO SÃO JOSÉ
Introdução à Política
Medieval
Apostila
Wagner Augusto Moraes dos Santos
15/12/2014
A proposta deste trabalho é abordar uma breve história das ideias políticas medievais até
Santo Tomás de Aquino a partir da abordagem de Eric Voeglin.
2
SUMÁRIO
AULA 1 (INTRODUÇÃO) ____________________________________________________ 4
JUSTIFICATIVA ______________________________________________________________ 4
A HERANÇA DA ANTIGUIDADE __________________________________________________ 7
O SACRO IMPÉRIO___________________________________________________________ 10
O FEUDALISMO _____________________________________________________________ 11
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 14
AULA 2 (A QUERELA DAS INVESTIDURAS) _________________________________ 15
AS REFORMAS MONÁSTICAS___________________________________________________ 17
SÃO GREGÓRIO VII _________________________________________________________ 21
PREPARAÇÃO PARA GREGÓRIO VII ______________________________________________ 21
REFORMA PRÉ-GREGORIANA ___________________________________________________ 25
SÃO PEDRO DAMIÃO _________________________________________________________ 25
O PAPADO__________________________________________________________________ 28
PERÍODO PÓS-GREGÓRIO_____________________________________________________ 33
CARDEAL HUMBERTO (1010 - 1061) ________________________________________________ 34
TRATADOS DE YORK (1108)____________________________________________________ 36
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 39
AULA 3 (A NOVA ESTRUTURA DO SAECULUM)______________________________ 40
CONTEXTO HISTÓRICO___________________________________________________________ 40
NO ÂMBITO ESPIRITUAL _______________________________________________________ 40
NO ÂMBITO TEMPORAL _______________________________________________________ 46
JOÃO DE SALISBÚRIA (1115-1180)______________________________________________ 50
JOAQUIM DE FIORE (1145 – 1202) ______________________________________________ 53
SÃO FRANCISCO (1182-1226) __________________________________________________ 57
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 59
AULA 4 (O ‘INTRAMUNDANISMO’ E O ISLAMISMO)_________________________ 60
FREDERICO II (1215-1250)____________________________________________________ 61
CONSTITUIÇÕES DE MELFI (1231) _______________________________________________ 63
O DIREITO ROMANO _________________________________________________________ 67
AS INFLUÊNCIAS ISLÂMICAS __________________________________________________ 71
O ARISTOTELISMO ___________________________________________________________ 71
SIGÉRIO DE BRABANTE (1240-1284) _____________________________________________ 73
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 76
3
AULA 5 – A DOUTRINA DE SANTO TOMÁS (1225-1274) _______________________ 78
APLICAÇÕES _______________________________________________________________ 78
POLÍTICA __________________________________________________________________ 81
DIREITO ___________________________________________________________________ 86
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 90
BIBLIOGRAFIA ___________________________________________________________ 91
4
Aula 1 (Introdução)
Justificativa
O cristão é, pelo próprio nome, outro Cristo. Ao contrário do que se possa
pensar o cristão não é simplesmente alguém que aderiu a um conjunto de ideias, mas a
uma pessoa. Essa distinção é importantíssima para entender a diferença entre uma
escola filosófica e a Igreja. Observa-se que um membro de uma escola filosófica deve
seguir os ensinamentos do mestre para atingir os altos graus do conhecimento, mas não
precisa viver a vida do mestre, por exemplo, um kantiano pode seguir todos os
ensinamentos do mestre sem ter a pontualidade de Kant, sem andar como Kant, sem
falar como Kant etc. Por outro lado, o cristão tende viver a vida de Cristo, que é
Homem-Deus, ou seja, o cristão tem por meta a completa integridade entre a vida
humana e a vida divina, para que possa andar como Cristo, falar como Cristo etc.
É próprio da vida humana se alimentar, crescer, conhecer, trabalhar, relacionar-
se etc. Ou seja, tudo que engloba nosso dia-a-dia. É próprio da vida divina: a oração, os
sacramentos, o amadurecimento da fé, a caridade etc. É a plena integridade entre as
dimensões materiais (humanas) e espirituais (divinas) que realiza plenamente a vocação
cristã. O santo é exatamente aquele que conseguiu, durante a sua vida, integrar tão
perfeitamente quanto a sua natureza permite estas duas dimensões. O oposto disso é a
separação entre a vida espiritual e a vida material, origem de toda sorte de males.
Esta divisão ocorre de modo muito sutil quando se começa a acreditar que, uma
coisa são os pensamentos que se alimenta na Igreja e, outra coisa, são as ideias com as
quais se vive no dia-a-dia. Duas causas podem ser levantadas para isso: preguiça e
ignorância. A primeira delas é objeto para direção espiritual, logo não é a discussão para
agora. A segunda causa diz respeito a ignorância de que as verdades últimas do mundo
são as primeiras da fé. Em outras palavras, é fundamental ter um pensamento sólido que
possibilite tratar todas as situações da vida submetendo-as a vida espiritual. Isto quer
dizer que não basta conhecer os dogmas de fé, é fundamental conhecer as consequências
deles para as ideias que se tem na cabeça.
Este é o grande desafio do mundo de hoje, como fazer para ter um pensamento
sólido que integre a vida material e espiritual com as diversas novidades do tempo
presente? No âmbito material, sempre tem uma novidade científica, uma nova teoria
5
política irreligiosa, alguma afronta aos princípios da religião etc. Enquanto, a vida
espiritual é perene, porque vem de Deus.
Ainda que todos estes problemas sejam individualmente importantes, há um
que salta os olhos: o problema das ideias políticas. Pois, a política é o símbolo próprio
da vida material, mas restaria saber: qual deve ser a atitude do cristão frente a sua vida
política? A resposta a esta pergunta pode se ter na Doutrina Social da Igreja. A Igreja
instrui os seus fiéis para que estes tenham uma vida cívica que fortaleça, igualmente, a
sua vida espiritual.
A Doutrina Social da Igreja não consiste em apenas um documento emitido
pela Igreja, mas sim em um conjunto deles que se iniciou com a encíclica rerum
novarum de Leão XIII. Em 2004, foi promulgado o Compêndio de Doutrina Social da
Igreja, pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz – o compêndio consiste em uma espécie
de compilação dos principais temas tratados da Doutrina Social. Neste compêndio, a
Pontifício Conselho declara que a Rerum novarum é considerada como a carta magna
da doutrina social1
além de ter desenvolvido um método para tratar a ‘questão operária’
que foi julgado como definitivo2
. Ou seja, antes de pensar que ela consiste em um
ensinamento ultrapassado, ela deve ser considerada como um princípio fundamental de
onde os outros ensinamentos procedem. Esta declaração é bastante intrigante, sobretudo
por causa da orientação filosófica presente naquela carta.
Para que se possa entender, o papa Leão XIII foi aquele que escreveu a
encíclica Aeterni Patris que revigora o estudo do tomismo. Além disso, ele próprio era
considerado um tomista antes de chegar à cátedra de São Pedro. Em acréscimo a isto,
percebe-se na carta grande quantidade de citações, conceitos, expressões entre outras
coisas que identificariam, sem dificuldade, a enorme influência do pensamento de Santo
Tomás no escrito.
Ora, se a Doutrina Social da Igreja tem a Rerum Novarum como sua
constituição, então o arcabouço filosófico que está por trás dela é de suma importância
para uma compreensão mais profunda do texto. Em suma, é muito importante conhecer
a doutrina política de Santo Tomás para compreender com profundidade o ensinamento
da Igreja sobre este ponto.
1
Comp. DSI, 89
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Comp. DSI, 90
6
É exatamente neste ponto em que se encontra este curso. Quer-se entender
melhor essa doutrina política. De dois modos se pode fazer isso, o primeiro consiste em
aprofundar o que disse o próprio autor, o segundo em identificar quais eram as ideias
políticas que circulavam na Idade Média antes de Santo Tomás, de sorte a entender sua
doutrina sob o ponto de vista histórico. O curso seguirá a segunda via, por isso vão-se
discutir quais foram os elementos históricos que compuseram a doutrina de Santo
Tomás. O contexto histórico das ideias políticas de Santo Tomás pode ser resumido
pelo dito abaixo.
Santo Tomás nasceu em uma nobre família italiana no condado de Aquino, a
influência de sua família era tanta que atingia a corte do imperador Frederico II, através
do seu irmão mais velho, e os altos cargos eclesiásticos, através do seu tio (abade de
Monte Cassino). Landolfo de Aquino põe seu filho Tomás para estudar no mosteiro de
Monte Cassino aos cinco anos de idade para que, no futuro, viesse a substituir seu tio
como abade. Naquele período, os mosteiros dotavam de prestígio semelhante ao de um
feudo, portanto ser abade daquele mosteiro era praticamente se tornar um senhor feudal.
Estava a família de Santo Tomás amarrada com os dois supremos poderes do medievo,
o imperador e o papa.
Naquela época o papa era Honório III sucessor imediato de Inocêncio III, que
fora tutor de Frederico II e dera permissão de funcionamento às ordens mendicantes;
incluem-se nestas ordens os franciscanos e os dominicanos, que propunham um novo
modo de vida comunitária que atraía os jovens, entre estes o filho mais novo de
Landolfo de Aquino.
Estas ordens são fruto das deficientes estruturas eclesiásticas do século XI e
XII naquilo que tange a harmonia entre a vida espiritual e a vida material. Ou seja, o
espírito que movia o Aquinate advinha de uma crise na estrutura da sociedade que se
agravava com a chegada do pensamento islâmico (Sec. XIII). Crise que se tornara
evidente a partir da Controvérsia das Investiduras (Sec. XI), que, por sua vez, foi
causada pela guerra silenciosa entre a ampliação do regime feudal (Sec. X) e a reforma
do monaquismo (Sec. X). Ambos fenômenos causados pela cisão entre Oriente e
Ocidente centrado na coração de Carlos Magno (Sec. IX) como imperador do Sacro
Império Romano-Germânico. Cisão, essa, que não se deu sem um longo processo
histórico que começou com as Epístolas de São Gelásio I (Sec. V).
7
Assim, percebe-se que a síntese tomista acerca da política inclui certa união
entre as ideias políticas que perpassaram quase toda a Idade Média. Para que fique mais
clara a exposição se dará segundo a ordem temporal, por isso vai-se partir dos códigos
gelasianos até chegar as evocações políticas presentes na doutrina tomista.
A herança da antiguidade
A primeira disputa política a ser considera é aquela que versa sobre o exercício
do primado de Pedro nas questões temporais. Deve-se lembrar que a Sagrada Escritura
dá testemunho de que São Pedro seria um apóstolo diferente dos outros, pois ele foi o
único a quem o Cristo disse apascenta minhas ovelhas, confirma teus irmãos e tu és
pedra e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. O problema é discernir, como
ministério petrino deve ser exercido na vida diária da Igreja. Isto não foi imediatamente
esclarecido por Cristo, mas sim foi sendo compreendido com o passar do tempo até
chegar à concepção que se tem hoje.
A própria Sagrada Escritura dá testemunho das funções de Pedro no Concílio
de Jerusalém e na visita feita por Paulo. No Concílio de Jerusalém, a função de Pedro
foi dar a palavra final e, na visita de São Paulo, a função consistiu em confirmar a fé
daquele que a comunidade suspeitava. Essas duas ações resumem o ministério petrino
no início da Igreja, confirmar os concílios e julgar os acusados de heresia, em suma, o
papa era o juiz universal e a última instância a quem se poderia recorrer nos assuntos
referentes à fé.
Os ofícios do papa ficam mais complexos após a legalização do cristianismo
pelo Imperador Constantino. Pois, junto a legalização o imperador também deu aos
bispos poderes temporais e a privilégios. Entre os poderes recebidos está o poder
judicial e entre os privilégios a isenção de impostos. Naturalmente, o papa se torna uma
pessoa que tem um prestígio enorme no império, pois ele seria o único a ter jurisdição
sob todo o orbe cristão nos assuntos religiosos. Desta vez com o apoio imperial. Por
outro lado, o imperador recebe o título de Pontífex Maximus também tendo poderes para
legislar sobre assuntos religiosos, por exemplo, o Imperador Constantino proclama uma
lei que proíbe faltar missa aos domingos, manda fechar o fórum nos dias de domingo,
proclama feriado nos dias santos etc. Embora Constantino tenha facilitado bastante o
trabalho da Igreja, não será ele a declarar a Igreja religião oficial do império, mas sim o
imperador Teodósio.
8
Essa evocação de religião oficial do império praticamente institucionaliza a
mutua dependência entre o império e a religião. Neste primeiro momento, não parece ter
havido sequestro do poder de nenhuma das partes, o papa permanece juiz e o imperador
permanece gerindo a vida temporal da Igreja, defendendo-a dos inimigos e expandindo-
a pela espada, pois era comum um imperador acreditar ser um grande apóstolo por ter
convertido milhares de pessoas sob a prerrogativa da espada.
A situação começa a mudar com a morte do Imperador Teodósio e a divisão do
Império entre o Império Romano ocidental e o oriental. A partir de então o a capital do
Império passa a ser Bizâncio. Inicialmente, isso não gera muitos problemas para a vida
da Igreja, a não ser pelo fato de que, em 451, o Concílio de Éfeso proclama o
nestorianismo herético contra o desejo do imperador. Esse sancionou um documento
chamado Henoticon – que procurava unir a fórmula ortodoxa com a fórmula monofisita,
que o papa Leão Magno condenara. Eis um problema da estrutura da poder, pois, afinal,
quem deve julgar: o papa ou o imperador? O imperador pode dar uma ordem contrária
ao papa? Nesse contexto, são emitidos, em 492, Tratados IV e a Epístola XII3
de São
Gelásio (492-496) pela primeira vez, distinguindo os poderes entre temporal e
espiritual.
Estes tratados entendem que todo o poder procede do Juiz Supremo que é
Cristo. Nesta perspectiva, o poder do papa e o do imperador é entendido como uma
participação no poder de Cristo. Esse tem em si os dois poderes unidos, mas por causa
da fraqueza dos homens e para favorecer a humildade dividiu os poderes. A proposta é
que um corrige a soberba do outro de modo que o papa se perceba dependente do
imperador para a vida terrena e o imperador do papa para a vida eterna. Para justificar a
querela entre ele e o imperador, São Gelásio I retoma a vida de Davi e sua relação com
Natan, profeta do palácio. Ele faz menção aquela história em que Davi comete um
pecado e Natan o corrige levando-o a conversão. Isto ilustra o que São Gelásio I queria
com suas epístolas.
Neste momento, faz-se mister chamar a atenção quanto a originalidade deste
ato, pois sucede que uma religião oficial do estado, estranhamente, não se deixa
confundir com uma religião estatal. Veja que na religião pagã da Roma pré-cristã os
3
Disponível em: https://archive.org/stream/epistolaeromano00unkngoog#page/n614/mode/2up ,
visitado em: 31 out 2014
9
sacerdotes eram completamente submissos ao imperador e seria pouco provável que
qualquer um deles se arrogasse a limitar o poder do imperador sobre algum assunto,
quanto mais corrigi-lo em público como os tratados de São Gelásio I fazem. Isto ilustra
certa originalidade cristã naquilo que tange a união religião-sociedade. É interessante
ressaltar também que as Epístolae só consideram uma hierarquia entre estes poderes
quando o poder temporal incorre em levar a comunidade ao erro. Se isto não acontece
não se sabe qual deles é o mais importante. Em outras palavras, o sacerdócio é poder na
estrutura do império que não provem do imperador! Naturalmente, esta decisão do papa
alargou a crise entre Ocidente e Oriente.
Os tratados gelasianos foram considerados por alguns como a carta de alforria
da Igreja na Idade Média, pois formam a base de toda a discussão medieval entre a
relação entre Igreja e Império. Esses tratados poderiam ser considerados como a
primeira evocação política medieval.
A cisão se alarga depois do papado de São Gregório Magno (590 – 604); Após
a queda das tropas bizantinas em Roma, Constantinopla, praticamente, deixou de
influenciar a vida dos romanos. Assim, a única personalidade que ainda garantia o
prestígio de Roma era o papa que se tornara líder máximo daquele povo. Como se já
não bastasse o abandono de Constantinopla, a cidade ainda passava pelo terror das
invasões bárbaras que a qualquer momento poderiam chegar na cidade para saquear
tudo. É neste contexto histórico que São Gregório Magno tem uma intuição que vai
mudar profundamente a estrutura do ocidente. Ele intui que o pastoreio a que o bispo, e
o papa, são chamados a exercer inclui o cuidado da pessoa toda, ou seja, inclui o
cuidado tanto da parte material quanto da espiritual.
Devido esta percepção, São Gregório começa a tomar, em Roma, atitudes que
se referiam ao poder temporal, como usar as terras dos estados pontifícios para gerar
comida para o povo de Roma, cuidar dos pobres, fazer alianças políticas com os reinos
cristãos para que protegessem a cidade de Roma etc. Estas ações seriam próprias de um
príncipe temporal, mas acabou por ter de ser executada pelo líder religioso. Devido à a
esta cura das almas o papa ganhou um enorme prestígio na cidade de Roma, a ponto de
o próprio povo romano ser o protetor do papa – o que revela o enorme afastamento entre
o papa e Constantinopla. É interessante refletir sobre esta nova evocação política, pois
ela traz a tona à ideia de que o pastoreio do papa também incide na vida temporal do seu
10
povo. Como se viu, os assuntos temporais incluem a segurança do povo que, naquele
tempo, era sinônimo de fazer acordo com principados, pois o papa não tem exército.
Ora, acordo com principados inclui decisões temporais que excedem a cidade de Roma,
ou seja, ações na ‘política internacional’4
. A saída pensada por São Gregório vai
influenciar muitos papas até a completa cisão que se dará, em 800, com a fundação do
Sacro Império.
O sacro império
Aquela intuição de São Gregório Magno fez com que o povo romano,
praticamente, esquecesse-se de Constantinopla, pois aquilo que deveria ser função do
imperador estava sendo feito pelo papa. Essa situação poderia fazer pensar que uma
cisão seria questão de tempo, entretanto, não se deu deste modo ações efetivas de cisão
só começaram a ser feitas dois séculos depois com o papado de São Zacarias (741 –
752). A grande ação foi a deposição da dinastia merovíngia em favor da coroação de
Pepino, o breve, como rei dos francos. Esse é um ato pontifício bastante diferente
daquele previsto no código gelasiano, pois agora o papa arroga a si o poder de depor um
rei. A deposição é um ato de caráter temporal, a menos que se entenda que o rei seja um
déspota que esteja conduzindo o povo ao erro. É de se chamar a atenção que é a
primeira vez que se vê o poder espiritual, o papa, agir na deposição do poder temporal,
um rei.
Outra originalidade desta ação de São Zacarias é o abandono das ações
passivas no que diz respeito a política fora dos muros de Roma, pois até agora o papa
era consultado ou ia pedia ajuda para resolver um problema temporal na cidade de
Roma, agora ele está exercendo seu poder temporal fora de sua cidade. Em suma,
parece que o papa também tem poder temporal universal.
Essa era prerrogativa que faltava para que seja instaurado um novo império,
alguém com um poder temporal que se estenda a todos os principados. É com essa
prerrogativa que o papa Leão III coroa Carlos Magno como Imperador do sacro Império
Romano-Germânico, em 800. Essa coroação foi feita na Igreja de São Pedro, em Roma,
no dia de Natal. Nestes moldes, o papado fica responsável por coroar os reis e cuidar da
vida espiritual; cabe ao imperador proteger a Igreja, fundar paróquias, escolher bispos
4
Nomenclatura que só faz sentido se considerarmos os nossos tempos, pois a ideia de nação é do
período moderno, portanto quase 10 séculos depois do papado de São Gregório Magno.
11
que vão compor a máquina administrativa do Império etc. É fundamental perceber que
neste momento se retoma aos códigos gelasianos com a sutil diferença de que o poder
temporal vem de Deus através do papa. Assim, como está aludido nos livros do Antigo
Testamento, Samuel (profeta) unge Saul, pela unção Saul se torna rei e Samuel o seu
súdito, quando Saul começa a levar o povo para o erro, Deus manda Samuel ungir outro
rei. Do mesmo modo, o papa unge o imperador e torna súdito dele nas coisas materiais
até o momento em que o imperador leva o povo para o mal, nesta hora o papa o depõe.
Esta evocação entende a Igreja como sendo o Corpo Mistico de Cristo, em que
cada membro tem um carisma especial para a edificação da Igreja. Curiosamente, o
imperador entendeu que o carisma dele era edificar a Igreja sob o aspecto temporal.
Então, esta evocação consistia em ampliar o poderio econômico da Igreja, aumentar o
território em que a Igreja estivesse presente através da conversão dos bárbaros feita a
força das espadas e a ampliação do poder dos arcebispos nas coisas do Império. Neste
sistema é o imperador quem escolhe os arcebispos, pois eles eram uma espécie de
desembargadores nas suas províncias. Isto significa que os bispos deixaram de estar a
serviço do ministério espiritual da Igreja e passaram a ser servidores do Sacro Império.
É óbvio que esta estrutura pode dar problemas, pois, por um lado, o imperador
irá escolher para estes cargos pessoas que não comprometam seus objetivos, por outro
não são todas as pessoas que estão dispostas a seguir as normas eclesiásticas, sobretudo
aquelas que nunca quiseram pertencer ao clero exceto pela gratificação. O resultado
deste projeto de Igreja Territorial foi a degradação do clero. Para que se possam
entender as causas desta degradação, é importante compreender um pouco sobre mundo
feudal.
O feudalismo
Segundo LLORCA, B.; GARCIA VILLOSLADA, R. e MONTALBAN, F. J.,
Consistia o feudalismo em uma espécie de hierarquização dos poderes políticos e
sociais ou na desmembração da soberania real, de seus direitos e prerrogativas. Sua
base jurídica é o feudo, que vem a ser o contrato pelo qual os soberanos outorgavam
terras em usufruto aos grandes senhores e esses a outros de inferior categoria,
obrigando o feudatário a guardar a fidelidade de vassalo ao doador, prestar-lhe
12
serviço militar, ajudá-lo com seu conselho nas assembleias que o senhor convocava
e ajudá-lo com outros subsídios, segundo o que convinha no contrato.5
A pergunta aqui seria: como este sistema se formou? Como ele se vincula com
a degradação do clero? As respostas para estas perguntas passam pela lembrança de que
as Invasões Bárbaras, na antiguidade, alteraram completamente o estilo de vida do
Império. Um dos fatores foi o êxodo urbano, afinal os bárbaros saqueavam o comércio,
destruíam setores de serviço e geravam um clima de insegurança nas cidades.
Analogamente, seria como se viesse um povo estranho e destruísse toda rede elétrica,
acabasse com o sistema de esgoto, distribuição de água, destruísse o comércio etc. Ora,
sem comércio não há como manter a vida na cidade. Por conseguinte, a terra se tornou a
única fonte segura de riqueza. Entretanto, surge um grande problema: as cidades
possuíam grandes fortificações, exércitos e vários instrumentos de defesa oferecidos
pelo governante; no campo, é o proprietário que tem de suster toda esta estrutura, por
isso neste período quase não se vê pequenas propriedades.
Esse processo de êxodo urbano ainda foi catalisado pela própria ação dos
bárbaros, que dividiam entre os chefes do exército as terras conquistadas de modo que
esses tenham jurisdição soberana sobre as terras que lhes cabe. Esse poder incluía
conferir terras a outros homens que lhes jurassem fidelidade através do ritual de
vassalagem. Esse ritual consistia na investidura do feudatário através da recepção do
báculo e do anel. Havia duas formas de fazer doações de terras por meio de juramento
de fidelidade, o primeiro deles é o modo dos merovíngios, que fazia uma doação
hereditária, o segundo o modo dos carolíngios, que fazia uma doação por contrato. Este
segundo foi o que ficou caracterizado como o regime feudal propriamente dito.
Como os senhores feudais e seus vassalos tinham autonomia nas propriedades
em que geriam, os reis não dispunham de um exército submetido diretamente a ele.
Portanto, para juntar um exército o imperador precisava de intermediários e a maneira
mais fácil de conseguir o apoio desses era oferecendo alguma vantagem. Duas
vantagens interessam muito neste momento, receber a hereditariedade dos feudos e a
isenção de impostos. A primeira garante a estabilidade do poder e segunda amplia as
riquezas – essa foi a moeda de troca usada no período carolíngio para conter as invasões
5
LLORCA, B.; GARCIA VILLOSLADA, R.; MONTALBAN, F. J. Historia de la Iglesia Católica, em
sus quatro grandes edades: Antiga, Media, Nueva, Moderna. Vol. 1. Madrid: B.A.C., 1958. p.177
(Tradução nossa)
13
Normandas. Naturalmente, isto gera um grande problema, pois a hereditariedade
implica na divisão dos feudos entre os filhos do feudatário. Ora, essa divisão acabaria
com o sistema, pois iria chegar o momento em que um senhor feudal não teria mais do
que um punhado de terra sem qualquer expressão. Foi, então, que se determinou a
herança ser dada apenas aos filhos mais velhos, deixando uma massa ociosa composta
pelos filhos mais novos.
É mais conveniente ao rei que os feudos não fossem hereditários, pois, com a
morte do feudatário, o rei recobra o pleno poder sobre suas. É exatamente neste
momento que os bispos entram na estrutura, pois os bispos seriam os senhores feudais
que nunca teriam herdeiros. Além disso, era fácil para o rei ou o imperador intervir nas
escolhas dos bispos, pois o imperador tinha poder de veto nas ordenações. Portanto, o
bispo era o vassalo ideal. Isto faz do episcopado o caminho mais fácil para obter um
feudo, o que era, sem dúvida, muito interessante para os filhos mais novos que não
tinham direito de herança.
Naquela época eram distintas a ordenação religiosa e a investidura, a primeira
conferia o caráter sacramental da ordenação e a segunda conferia o poder temporal ao
bispo. Este poder era dado por um senhor feudal, por meio do ritual de vassalagem que
inclui o bispo permanecer de joelhos diante do senhor, colocar as mãos nas mãos dele e
jurar fidelidade sobre os Evangelhos e sobre as relíquias dos santos. O senhor feudal
dava ao bispo, como sinal do seu poder, o báculo e o anel. Este juramento de fidelidade
que o bispo fazia ao senhor feudal recebendo dele a posse da sua ‘diocese’ ficou
conhecida como investidura laica. É interessante perceber que estes sinais permanecem
até hoje nos rituais de ordenação, entretanto foram revestidos de outros significados.
Enquanto os bispos estavam se tornavam vassalos de senhores feudais, havia
leigos querendo se tornar vassalos dos santos, especialmente São Pedro. Para os
medievais não havia nenhuma força protetora melhor que a intercessão dos santos, por
isso era muito comum que pessoas fizessem doações de terras e as deixasse sobre o
senhorio de São Pedro. Na prática, o papa é o vassalo de São Pedro, por isso ele é o
responsável por administrar estas doações, portanto responsável por protegê-la. Assim,
havia o sentido espiritual de ser vassalo de algum santo e o sentido material de ter a
proteção do papa. No meio de todas as doações feitas a São Pedro chama atenção a
doação de Guilherme de Aquitânia (sec. X), que doou um feudo a São Pedro para que
14
ali se construísse um mosteiro em vista de restaurar a vivência da regra beneditina.
Neste feudo se instaurou o mosteiro de Cluny símbolo da primeira grande reforma
medieval: A Reforma Monástica.
Perguntas
1. Indique um motivo por que é importante estudar política medieval para um
católico e para um não católico
2. Cite os principais eventos históricos na política medieval que influenciaram a
doutrina de Santo Tomás.
3. Indique qual a relação de poder entre o papa e o imperador entre Constantino e
Teodósio I.
4. Quais foram os motivos para a promulgação das Epístolas Gelasianas?
5. Indique uma originalidade política no papado de São Gregório Magno.
6. Qual é a nova evocação política trazida por São Zacarias?
7. Reflita sobre a fundação do Sacro Império Romano-Germânico e suas
consequências para a vida eclesiástica.
8. Indique qual é a evocação política que é montada a partir da instituição do
sistema feudal.
15
Aula 2 (A querela das investiduras)
A instauração do Sacro Império como um reino teocrático tornou a religião
mais um instrumento civil entre os outros. Comparando com os dias atuais, seria como
se a Igreja fosse mais uma instituição como o é o Supremo Tribunal Federal. Um caso
interessante ocorreu na chamada capitular de 802 em que o juramento ao imperador se
confundia com a disposição ao serviço da Igreja, ou seja, a catolicidade vem junto com
‘cidadania’. Isso é um grande problema, pois se perde o sentido espiritual do serviço
que era feito para a Igreja. O cristão das primeiras comunidades se sentia obrigado a
cuidar bem das viúvas, ter hospitalidade, cuidar dos órfãos etc., mas o motivo pelo qual
fazia estas coisas era a fidelidade a Cristo a quem se vê unido espiritualmente, o cristão
do período carolíngio também se vê obrigado a fazer essas mesmas coisas, mas o
motivo é a obediência a um lei civil. Em outras palavras, o significado espiritual foi
acidentalmente esvaziado em detrimento da legislação. É exatamente contra
esvaziamento espiritual que nascem os movimentos reformadores.
Para que se possa entender a importância de uma renovação espiritual na Idade
Média é fundamental fazer um esforço para se colocar na posição do medieval. Em
primeiro lugar, deve-se lembrar que o medievo europeu é fruto da união e cristianização
de duas culturas: os romanos e os bárbaros. Lembrando que este segundo grupo não
compreende apenas uma cultura, mas sim uma variedade delas. Uma consequência
importante disso é que aqueles hábitos e evocações antigas ainda permanecem presentes
na vida do povo, sobretudo daqueles que estão afastados dos grandes centros urbanos.
Esse dado não pode ser ignorado, pois a conversão destes povos não sucedeu
como um passe de mágica, mas sim através da gradual substituição dos símbolos pagãos
em símbolos cristãos. Por exemplo, acender velas em cemitérios era uma prática pagã
que fora proibida aos católicos no Concílio de Constança6
, percebendo a
impossibilidade de extinguir a prática a Igreja atribui o significado cristão de que a vela
simbolizaria a luz da fé. Essa interpretação secundária dá novo sentido aos símbolos e
transforma um ato pagão em cristão sem retirar o poder evocativo que o símbolo traz as
pessoas. Isso indica que estava arraigado na vida dos povos antigos a percepção de que
há no mundo um poder superior aos homens. A originalidade da Igreja foi expor que há
um Deus que é detentor de todo poder e que o usa para a salvação dos homens pelos
méritos de Cristo que são dispensados no mundo através da ação da Igreja.
6
RIGUHETI, M., Historia de la liturgia. BAC, 1958
16
Geralmente, essa evocação religiosa a que o medieval está mergulhado é
entendido como superstição ignorante, entretanto, guardadas as devidas proporções, o
relacionamento que um contemporâneo tem com a ciência não é muito diferente da
relação que um medieval tinha com a religião. Um exemplo bom disto é a guerra, para
um judeu do antigo Israel quem decidia as guerras era Deus, por isso que Israel perdia,
quando era infiel a lei, e ganhava, quando era fiel. Ou seja, a preparação para a guerra
era uma preparação moral-espiritual. Ocorre exatamente o contrário de agora, entende-
se que a decisão de uma guerra se faz a partir dos preparo técnico, das armas, da
tecnologia de que se dispõe etc. ou seja, a preparação para a guerra é técnico-científica.
As analogias não param por aí, o medieval tem presente com clareza em sua
mente a noção de céu e inferno, entendendo que a felicidade é o céu e a infelicidade é o
inferno. O homem moderno alimenta com mais frequência a noção de prazer-saúde e
dor-doença, hoje entende-se o binômio prazer-saúde como felicidade e o binômio dor-
doença como infelicidade. É como se o céu do contemporâneo fosse ter um vida
confortável e ter saúde e o inferno fosse ter uma doença dolorosa. Assim como no
mundo moderno se entende que uma vida confortável e saudável se obtém por meio da
obediência das ordens do médico que controla a alimentação, os exercícios físicos, o
modo de andar, falar etc., o medieval entendia que para obter o céu teria que seguir as
prescrições dos clérigos que versavam sobre a temperança, mortificações, postura etc.
Assim como a ciência através dos psicólogos, físicos, geógrafos, sociólogos etc.
moldam nosso modo de pensar e enxergar o mundo, a espiritualidade através dos
monges, padres, bispos etc. moldavam a forma medieval de pensar.
Essas analogias mostram que o homem contemporâneo substituiu a
espiritualidade pela ciência e a técnica pela moral. Não é o juízo acerca desta troca que
interessa agora saber, mas sim as implicações sociais geradas por estas evocações
quando elas sofrem alguma alteração substancial. Por exemplo, a descoberta da física
atômica foi uma revolução na ciência, essa revolução possibilitou a produção da bomba
atômica; a existência de um armamento que é capaz de destruir tudo, muda
completamente a forma de fazer guerra a ponto de ela ter de ficar fria. Ou seja, a
cosmovisão é capaz de alterar o modo de fazer política. Analogamente, uma reforma
espiritual na Idade Média seria, para a política daquele tempo, semelhante aquilo ao que
uma revolução científica é para o de hoje. Assim como descobertas científicas mudam a
17
forma de fazer política no mundo contemporâneo, o renascimento espiritual muda a
forma de fazer política no mundo medieval.
O cientista é para o mundo contemporâneo o símbolo do saber certo, na idade
média quem é o símbolo da vida espiritual correta? O monge. Essa evocação foi gerada
por São Gregório Magno que explicitou os mosteiros serem modelo de comunidade
cristã. Assim, ocorre como o esperado que o grande renascimento espiritual ocorra no
meio daqueles que são o símbolo da espiritualidade. Entretanto, ficariam as perguntas:
como aconteceu esse renascimento espiritual? Quais foram seus efeitos para a vida
política?
As reformas monásticas
O século VI é marcado por algumas inovações que vão influenciar toda a Idade
Média, a primeira inovação é a promulgação da Regra de São Bento (547) e a segunda é
a concepção de pastoreio integral defendida por São Gregório Magno (590-604). Estas
inovações poderiam ser consideradas desconexas se São Gregório Magno não tivesse
sido monge no mosteiro de Monte Cassino, onde São Bento foi abade e para quem ele
direcionou a famosa Regra. Ou seja, São Gregório foi formado na Regra de São Bento.
Restaria saber: o que há de tão original nessa regra? A Regra é responsável pela união
de duas formas antagônicas de se viver o cristianismo. Por um lado haviam os
anacoretas, os pais do deserto, que viviam solitários em um rigor ascético heroico, por
outro existiam as comunidades urbanas, que tinham de coadunar a vida secular com a
espiritualidade.
Na sua Regra, São Bento acaba por determinar um lugar em que se vive
isolado do barulho da cidade que atrapalha a vida espiritual e, ao mesmo tempo, vive-se
em comunidade: o mosteiro. Para se manter afastado o mosteiro deveria residir no
campo, deveria ser murado, com extensão suficiente para dar conta das necessidades
materiais e espirituais de seus moradores. Ao olhar para as características do mosteiro se
identifica imediatamente a cidade perfeita projetada por Platão, entretanto a principal
diferença é que a polis platônica devia ficar isolada do resto do mundo e a polis ideal
cristã se vê como um membro do corpo místico de Cristo, que compreende muito mais
que o mosteiro.
Segundo Voegelin,
18
A polis rural espiritual de São Bento, como parte do império Cristão, é o símbolo da
transição da antiga civilização mediterrânea para a civilização ocidental: da polis
para o império territorial (e, mais tarde para o estado territorial); da civilização
urbana para a civilização agrícola feudal; do mito pagão para o espírito de Cristo.7
A Regra de São Bento não ficou restrita ao mosteiro de Monte Cassino, mas
passou a ser usada em praticamente toda a Europa até chegar ao nível de ser estendida a
todos os mosteiros do Sacro Império a partir do século IX. O processo de consolidação
do monaquismo dura cerca de três séculos, oscilando entre altos e baixos. Cerca de
trinta anos após a promulgação de Regra, em 580, os lombardos invadem a Itália e
destroem Monte Cassino. Somente no século VIII é que começa o processo de
restauração de Monte Cassino. Em 717, a conselho do papa Gregório II, alguns monges
voltam as ruínas do antigo mosteiro para restaurar o modo de vida do século VI, a
comunidade cresceu e o papa Zacarias conseguiu restituir a comunidade a regra escrita
pelo fundador, bem como as relíquias de São Bento e Santa Escolástica. Em 747, São
Bonifácio manda um abade para a Itália a fim de que aprenda o modo de vida
cassinense e leve para o seu mosteiro em Fulda. Mosteiro esse que iria gerar pouco
tempo depois (784) dois santos para a Igreja, São Ludgero e São Adalardo – primo de
Carlos Magno – desejoso em expandir o ensinamento cassinense em outros mosteiros
alemãs. Curiosamente, em 787, a pedido de Carlos Magno a Regra de São Bento chega
aos mosteiros franceses. Em 800, Carlos Magno se torna imperador do Sacro Império
Romano-Germânico, devido ao seu desejo de unificar a vida espiritual do império
Carlos Magno tomou várias iniciativas entre elas as mais significativas são universalizar
o rito romano e a regra de Monte Cassino.
Do mesmo modo que a decadência do Império Carolíngio gerou a decadência
no clero devido à estrutura do regime feudal, também geral decadência no monaquismo.
O primeiro motivo era a enorme capacidade que os mosteiros tinham de ser prósperos,
embora a principal função dos monges fosse a liturgia eles geriam com perfeição as
coisas da terra, eram muito respeitados na sociedade, recebiam muitas doações de terras
etc. Alguns abades chegavam a ter poderes de extensão semelhante a de um bispo. Esse
prestígio e poder dos mosteiros poderiam ser usados em favor dos senhores feudais,
pois era muito comum os mosteiros possuírem a chamada libertas romana, ou seja,
7
VOEGELIN, E. Idade Média até Tomás de Aquino: história das ideias políticas. Vol.
2. São Paulo: É realizações, 2012. p.75
19
isenção de impostos. Em uma linguagem contemporânea, dir-se-ia o mosteiro ser a terra
que rende muito sem nenhum imposto pagar.
Percebendo isso, alguns senhores passaram a escolher os abades dos mosteiros
que estavam sob seus domínios, violando a regra que dizia esta função ser exercida
pelos monges das comunidades. Essa violação chegou ao nível de que em uma abadia
chegaram a escolher um abade leigo que levou para o mosteiro esposa e filhos para
sobreviverem daquilo que os monges produziam deixando apenas o resto para a mesa
dos irmãos. Claramente, o mosteiro estava se tornando em mais um instrumento de
poder feudal e perdendo completamente o seu significado espiritual.
O movimento contrário, seguia Guilherme de Aquitânia que, influenciado por
um beneditino piedoso, doa o feudo de Cluny com tudo o que nele encerra aos apóstolos
Pedro e Paulo8
, sem a submissão a qualquer autoridade eclesiástica, tendo, pois, o
mosteiro que se reportar diretamente ao papa. É interessante perceber que a doação não
é feita sequer a pessoa do papa, mas sim diretamente aos santos. Embora o texto de
Guilherme tenha longas exposições piedosas a sua doação é juridicamente precisa. Pois,
a causa da perversão dos mosteiros era a sua falta de autonomia frente os senhores
feudais que na sua época apareciam sob dois aspectos: o laical e o outro clerical. Assim,
era fundamental conservar a posse aos santos, afinal o clero também era um risco.
O fundador de Cluny também escolheu seu primeiro abade, Bernon (910-926),
que implantou a mais fiel e vigorosa observância beneditina. Os efeitos foram
imediatos, em poucos anos o mosteiro já gozava de grande prestígio a ponto de ser
considerado modelo que atraía para si um número grande de vocações de gente que
aspirava a santidade. Era comum que príncipes, senhores feudais, reis etc. que tinham
interesse em reformar os seus mosteiros ou fundar um pedisse ajuda ao abade de Cluny.
Isso fez com que vários mosteiros estivessem sujeitos a autoridade de Bernon. Por isso,
escolheu abades para todos os mosteiros que estavam pessoalmente sujeitos a ele,
inclusive o mosteiro de Cluny. Escolheu para esse último o seu discípulo mais fiel Santo
Odon que comandou o mosteiro entre 926 e 942.
8
Disponível em: http://www.documentacatholicaomnia.eu/02m/0910-
0910,_Willelmus_Arvernorum,_Testamentum_De_Constructione_Cluniacensi_Loci,_MLT.pdf acessado
em: 25/11/14 às 23:40
20
Santo Odon foi responsável pelo reconhecimento pontifício da carta de 910 em
que o papa João XI (em 931) dá à abadia a proteção apostólica e a imunidade para
escolher o abade. Além disso foi responsável pela reforma de inúmeros mosteiros na
Europa ao peregrinar de mosteiro em mosteiro anunciando a reforma, deixando a abade
que lhe sucederia uma rede monástica que chegava a várias regiões da Europa. Outro
sucessor importante foi São Mayolo (954-994) que, assim como Santo Odon, andava
pelos mosteiros anunciando a reforma. Outro dado interessante era a sua bondade e
erudição que acabou por dar a ele grande prestígio entre o papa e as grandes autoridades
da época, inclusive Oton I. Isso fez com a influência do espirito reformador cluniacense
chegasse em muitas partes da Europa. O Apogeu de Cluny ocorre com a regência de
Santo Odilon (994-1049) quando o costume cluniacense é posto por escrito e o mosteiro
já tem influência suficiente para fazer aquela evocação reformista que era propagada
exclusivamente pelos mosteiros começasse a também evocar uma reforma na Igreja.
A reforma espiritual de Cluny não teria apenas efeitos no número de santos a
aparecer no mundo, veja que entre os cinco primeiros abades de Cluny três deles são
santos. Além de terem influenciado a forma das grandes autoridades verem o mundo, o
mosteiro também teve grande importância política devido a sua forma de organização.
Vale ressaltar que a própria estrutura de Cluny passou a interessar muito a
Roma, pois esse mosteiro começou a fundar outros que estavam vinculados a uma
matriz. Os filiados tinham priores que se encontravam anualmente nos capítulos. Essa
organização aparece como algo original na Igreja, pois até então não havia centralização
nas mãos do papado, os bispos não eram para o papa o que os priores eram para o
abade; diversamente, Cluny aparece como uma instituição centralizada e hierárquica,
como ainda não se tinha visto na Idade Média. Esse aumento do poder de Cluny vai
gerar entre o monastério e a Igreja uma relação de mutualismo que eclode na querela
das investiduras, pois, por um lado, a Igreja entende que a administração de Cluny pode
ser usada a serviço da Igreja, por outro Cluny precisa de um papado forte para garantir a
segurança contra os ataques temporais e clericais.
A prosperidade de Cluny foi enorme a ponto de que noventa anos após a sua
fundação ele já era considerado o maior mosteiro do mundo. Acerca das ideias políticas
vale ressaltar que Cluny comporta em si autonomia e poder central. Ora, essa é a
evocação de um Estado Moderno, ou seja, aquele mosteiro medieval traz,
21
acidentalmente, um terceiro poder que até então não se tinha sido visto. Esse mosteiro
se mostra muito a frente do seu tempo ao fazer isso e acaba por colher muito
rapidamente os frutos de tal originalidade: a riqueza. A grande vantagem de um poder
centralizado é exatamente a facilitação do acúmulo de riquezas e de influência política,
não é sem motivo que no século XI já se terá papas cluniacenses. O que sucede dessa
prosperidade material é o afastamento da proposta inicial de revigoramento do espírito,
daí, a partir do ano 1000 já se fazia necessário uma segunda fase da reforma monástica.
A segunda fase das reformas monásticas não ocorrem posterior a primeira, mas
sim juntas. No momento em que se atingia o apogeu de Cluny, renascia o espírito do
monaquismo anacoreta. Esse renascimento ocorreu prioritariamente na Itália onde havia
ainda grande influência oriental. Cabe dizer que esta proposta de retomada da vida
anacoreta não logrou o mesmo êxito que a primeira fase da reforma, pois acontecia que
os mosteiros começavam vazios, mas com o passar do tempo enchiam e não era
possível manter o mosteiro funcionando sem a determinação de uma Regra, que até
então era beneditina. Em outras palavras, aconteceu que grande parte destes mosteiros
anacoretas acabaram por se tornar mosteiros beneditinos depois. Entretanto, eles
possuem uma importância para as ideias políticas, pois mostram que é fundamental
encontrar um meio de conservar o sentido espiritual da reforma sem perder os
benefícios da organização trazida por Cluny. A união entre essas duas necessidades vai
ser feita na terceira fase da reforma no século XII, por São Bernardo de Claraval. Vai-se
mais, apropriadamente, tratar desta terceira fase quando se falar dos papas gregorianos.
São Gregório VII
Preparação para Gregório VII
Por um lado, o século X marca a ascensão de Cluny, por outro marca o período
mais tenebroso da história eclesiástica. Esse século foi tão problemático que alguns
autores o chamaram de saeculum ferreum obscurum. Esse século começa antes de 900 e
termina depois do ano 1000. O marco histórico desse período é a queda do Império
carolíngio com a deposição de Carlos, o gordo, em 888. A queda do Império unificado
como no período de Carlos Magno era um verdadeiro desastre para a Igreja, pois
devemos lembrar que nenhum papa poderia ser eleito sem o consentimento do
imperador, logo o enfraquecimento do Império torna a escolha do papa um assunto para
as nobres famílias italianas.
22
O período em que as famílias italianas mandariam no papado foi muito bem
anunciado pelo sucedido com o papa Formoso, em 891. Segundo LLORCA, o papa
Formoso teria sido homem de ascese diferenciada, e que teria feito de tudo para
conservar a decisão de não compactuar com o erro que teria acontecido em Bizancio,
em que um leigo teria sido feito bispo e depois patriarca do oriente em seis dias
contrariando todas as normas canônicas.
Além disso, esse patriarca teria deposto o verdadeiro patriarca de
Constantinopla, Ignácio. Esse problema foi agravado pelo fato de que Focio, para
alargar as diferenças entre Bizâncio e Roma resolveu trazer a tona série de problemas
teológicos para fundamentar a separação. Um dos problemas foi o famoso problema do
filioque. Esses problemas teológicos atrapalharam a diplomacia a ponto de gerar o
famoso religioso cisma do Oriente, que era o cisma que faltava, pois o cisma político já
tinha sido feito no ano 800 com a eleição de Carlos Magno. O que sucedeu é que Roma
condenou a postura de Focio e deu a ordem de que todos os que haviam sido ordenados
por Focio deveriam ser excomungados e depostos de suas funções. Formoso se manteve
rigoroso nas prescrições do seu predecessor João VIII. Isso teria sido uma atitude
simples se, em Roma, não houvesse cidades que ainda eram dominadas por Bizâncio.
Como o Império Carolíngio estava enfraquecido o papa perdeu a proteção e teve de se
defender por seus próprios meios, o que naturalmente seria um problema. O primeiro
deles foi o caso de uma comitiva que tentava invadir o palácio de Latrão quando
Fomoso morreu, em 896, essa comitiva elegeu o novo papa, Estevão VI, que foi o
responsável pelo famoso concílio cadavérico que visava tratar Formoso como um
antipapa, revogar todas as suas decisões, e despojá-lo de todas as dignidades próprias de
um papa. Assim se fez, julgaram o papa e revogaram todas as suas decisões. Depois
disso não demorou muito para alguém do partido de Formoso invadir o palácio
pontifício e estrangular Estevão VI.
Essa briga de partidos não iria permanecer por um longo tempo, entretanto é
interessante ressaltar que entre aqueles que eram contra Fomoso se encontrava Sérgio
III (904 – 911). A sua importância espiritual é nenhuma, mas tem a importância de ter
chegado ao papado através da influência da família Teofilacto que será muito
importante até meados do século XI. O curioso nesse caso é que existem alguns indícios
de que Sérgio III teria tido um filho com Marozia, filha dos Teofilacto. Isso já seria
23
bastante escandaloso se 40 anos depois Marozia não estivesse vendo o seu neto chegar a
Sé de Pedro assumindo do nome de João XII (955 – 964).
Esse papa é bastante importante, porque é no seu pontificado que começa a
chamada restauração otoniana que vai se prolongar até praticamente o século XI. Essa
reforma começa quando Oton I, rei da Alemanha, invade a Itália, em 951. Depois
invade Roma e a retira do poder do pai de João XII e coloca nas mãos de seu irmão,
Adalberto. Não obstante, em 960, os próprios italianos pediam para que Oton reinasse
sobre eles para se livrarem dos desmandos do então governante. Assim, em 961, Oton
tem o poder da Itália. A figura de Oton é impactante, tanto pela virtude da guerra tanto
pela santidade que o circunda, entorno deles estão Santa Adelaida (esposa), São Bruno I
(irmão) e Santa Matilde (sua mãe). Além disso, posteriormente iria entrar no cânon um
de seus filhos. Todas essas virtudes de Oton e a saudade dos tempos do Império faz com
que, em 962, o papa João XII coroe Oton I como Imperador do Sacro Império, dessa
vez segundo o rito romano, diferente de Carlos Magno.
A administração imperial de Oton inicialmente pretende restituir o que fora
perdido do Império carolíngio. O Império Otoniano era mais universal e católico que o
de Carlos Magno, dava mais poder aos eclesiásticos, ainda que sua soberania efetiva
sobre os territórios da Europa era mais restrita. Por norma, os reis alemães tinham de ter
a aprovação do papa para serem imperadores, por outro lado os imperadores deveriam
ter por prerrogativa a manutenção da ordem do povo cristão pela obediência as normas
papais e a proteção da Igreja. Ao contrário do que se imagina hoje acerca de um
imperador, é bom lembrar que a soberania do imperador estava restrita as soluções dos
problemas eclesiásticos, não interferia na gestão dos príncipes. O imperador nesse
período tem mais um significado de um cargo eclesiástico do que propriamente dito
poder civil.
O acordo era basicamente o seguinte, os imperadores garantem o poder
temporal da Igreja, e os romanos fazem juramento de fidelidade ao Imperador, esse
juramento inclui a renúncia do direito escolher o papa. É fundamental lembrar que o
juramento de fidelidade medieval quer apenas dizer que não se atentará contra os
interesses do imperador, não significa que se concede ao imperador direito de gerir
todas as dimensões da vida, como se costumam pensar nos dias de hoje. A imagem de
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um governante que coordene todas as dimensões da vida é uma imagem do período
moderno, não uma ideia medieval.
Uma das modificações da estrutura otoniana foi exigir que os arcebispos
recebessem o anel e o báculo das mãos do monarca. Ou seja, é o monarca quem dá as
investiduras e quem escolhe os bispos. Aqui se percebe a diferença, pois agora os
senhores feudais até podem doar as terras, mas quem escolhe o bispo é o monarca, ou
seja, aquele poder que vinha da Igreja para a sua proteção ganha força temporal a
medida que os bispos, senhores feudais, tornam-se diretamente vinculados ao
imperador. O mais interessante disso é que essa ideia de Oton gerou muito pouca
objeção, pois escolhia os bispos segundo os conselhos de seu irmão, quer era um grande
diplomata e tinha fama de santidade. A consequência desse sistema montado por Oton é
o fortalecimento interno do poder do imperador através do episcopado.
É exatamente essa ideia política de usar a influência da Igreja para aumentar o
poder temporal que vai gerar problemas quando se tiver imperadores que não possuem
tantos santos a disposição para consultarem acerca do que devem fazer. Essa
superestrutura de poder imperial fundada na estrutura eclesiástica gera duas coisas: o
fortalecimento do império e a secularização do clero. O primeiro é evidente, o
imperador que só tinha influência passa a ter poder por causa das ordenações episcopais.
A segunda se refere ao fato de que os cargos eclesiásticos se tornaram o caminho mais
fácil para se atingir os pontos mais altos da corte.
Exatamente, a estrutura feudal adicionada a ambição humana que gerou um
verdadeiro sistema de corrupção centrado no nicolaísmo e na simonia. O primeiro deles
devido à completa falta de preparo da parte dos sacerdotes que eram ordenados,
enviados a uma paróquia de interior sem instrução efetiva e sem vocação, pois naquela
época não seria muito difícil confundir o sacerdócio como uma função a ser exercida na
sociedade, assim a união com uma mulher não lhe seria impedimento para bem exercer
seu ofício. No fundo, o nicolaísmo era defendido por alguns como sendo um mandato
bíblico, pois São Paulo diz que aqueles que se abrasam é melhor que se casem, os
sacerdotes acreditavam isso dizer respeito a eles e, então, juntavam-se e constituíam
família.
A simonia constituía um sistema mais complexo ainda. Pois, para ser bispo é
necessário uma indicação, que pode ser adquirida comprando-a de alguém. Entretanto,
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quem vende essa influência não vende por pouco, logo era comum que os bispos
ficassem devendo aos senhores feudais pela indicação ao episcopado. O bispo por sua
vez, vendia as ordenações inferiores às dele: presbiterato e diaconato. Esses acabavam
por ficarem devendo seus bispos, para conseguirem o dinheiro necessário vendiam
todas as coisas sagradas que podiam, relíquias, indulgências, bênçãos etc. Isso mostra
que o problema dessa sociedade é sistemático, por isso somente é possível resolvê-lo
com uma solução igualmente sistemática. É com esse mundo que começa a reforma pre-
gregoriana.
Reforma pré-gregoriana
Se fosse possível resumir o século X, poder-se-ia fazê-lo através da ascensão
do poder temporal do papado, dado que o enfraquecimento do Império Carolíngio
tornou o papa o principal defensor de Roma, e através da ascensão da reforma espiritual
proposta por Cluny. A primeira trata o papado como fonte de poder temporal, a segundo
como fonte de poder espiritual, a primeira entende os bispos como altos funcionários da
administração imperial e a segunda como pastores de almas. As diferenças entre as
evocações espirituais e temporais são tão grandes que seria esperado que um conflito
acontecesse, sobretudo quando os representantes do poder espiritual obtivessem o poder
temporal o que aconteceu quando Leao IX (1049-1054) chegou ao papado. O aumento
do poder temporal daqueles que prezavam pela reforma espiritual sem dúvida seria
causa de conflito, pois agora aqueles que reclamavam da estrutura tem o poder para
mudá-la.
Aquela análise que se mostrou aqui acerca da estrutura de corrupção montada
pelo sistema feudal foi percebida primeiramente por dois cardeais reformadores: São
Pedro Damião e o cardeal Humberto (fl. 1057). Esses dois entendiam que o motivo da
crise no clero era o excesso de intromissão leiga nas coisas eclesiásticas. Essa
descoberta é fundamental para que se inicie um processo de reforma que eclode em São
Gregório VII (Sec. XI) e termina em Inocêncio III (Sec. XIII).
São Pedro Damião
São Pedro Damião faz parte de um movimento italiano que poderia ser
considerado como a segunda fase da reforma monástica, que é a reforma anacoreta.
Essa reforma pretendia revigorar a ascética dos padres do deserto, isso explica o caráter
duro com que ele fala sobre a simonia e o nicolaísmo. É interessante perceber que a
reforma espiritual traz para o campo da política uma coisa que estaria presa ao campo
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dos mosteiros, a necessidade de soluções teóricas. Se se reparar tudo o que foi dito até
aqui, ver-se-á que as decisões dos papas e os imperadores geralmente estavam pautadas
na vida prática, ainda que essa prática fosse a religiosa. A partir de agora, não basta
pautar as decisões na prática, é importante que se reconheça naquela decisão a
fidelidade a vida espiritual, ou seja, a reforma espiritual acaba exigindo justificativas
intelectuais para as ações. Não é sem motivo que as punições dos bispos simoníacos
viesse junto com a pergunta acerca da validade das ordenações compradas.
Essa pergunta é fundamental, pois muitos bispos haviam tido a sua ordenação
comprada além de que a invalidade da ordenação de um bispo torna inválida a
ordenação dos padres e, por conseguinte, inválidos todos os sacramentos administrados
por eles. Em outras palavras, invalidar a ordenação dos bispos simoníacos era o mesmo
que invalidar a vida sacramental da Igreja. Ora, a fonte da vida espiritual são os
sacramentos, ou seja, invalidar as ordenações é o mesmo que invalidar a própria
reforma a que São Pedro Damião e o cardeal Humberto estavam comprometidos. Por
isso a punição dada aos bispos simoníacos foi a proibição de ordenar, a partir da data da
promulgação da lei, e aos sacerdotes que foram ordenados por aqueles bispos eximiram
de penitência. Mas ainda restaria a dúvida: essa decisão versa sobre o poder que Cristo
deu a Igreja ou sobre uma estratégia política conveniente?
O Liber gratissimus (ca. 1052) de São Pedro Damião é exatamente para
resolver esse problema. Resumindo a obra, Veogelin afirma:
Apoiado pela autoridade de Santo Agostinho, ele coloca a Igreja no centro
de sua discussão e decisão. A vida espiritual da Igreja emana diretamente de
Cristo, cabeça do corpo místico. O carisma sacramental é sempre puro,
mesmo que seja indigna a mão que o administra. O sacramento é
administrado somente pelo sacerdote; a substância não é afetada por suas
qualidades pessoais. Para tornar o carisma do sacramento eficaz, o receptor
tem que se encontrar em estado de graça, mas não está em poder do ministro
exercer um poder mágico compulsivo sobre Deus, convertendo-se em pessoa
digna ou indigna como mediador do dom de Deus ao homem.9
A doutrina sacramental de São Pedro Damião foi tão importante que essa é a
doutrina sacramental transformada em dogma no Concílio de Trento, isso faz dessa
doutrina importante sob o ponto de vista da história da Igreja. Entretanto, sob o ponto de
vista das ideias políticas essa doutrina também é muito importante, pois resolve vários
9
VOEGELIN, E. Idade Média até Tomás de Aquino: história das ideias políticas. Vol. 2. São Paulo: É
realizações, 2012. p.97
27
problemas em um momento em que se está falando em reforma espiritual. O principal
deles é o sectarismo eclesiástico que implicaria em um sectarismo imperial. Afinal, se
alguns bispos santos ordenam validamente e os simoníacos não, então deve-se fundar
uma Igreja para os santos e uma para os pecadores.
Essa evocação de que há uma Igreja dos santos que vivem o Evangelho e outra
para os pecadores vai inundar o século XII, transformando as reformas espirituais do
século X e XI em rebeldias violentas. O que aconteceu é que graças ao trabalho de São
Pedro Damião esse sectarismo não foi institucionalizado na doutrina da Igreja. Acerca
da unidade do Império é importante se lembrar que a fé era a evocação que unia o
Império, pois imperadores iam e vinham, mas a fé permanecia; dividir a Igreja era
dividir o império. A maior prova da influência política dessas evocações sectaristas é a
revolta da pataria, cuja originalidade consiste no fato de ter sido uma revolta popular
contra os bispos simoníacos na arquidiocese de Milão. Era a primeira vez, que o povo
manifestava seu descontentamento contra os bispos simoníacos. Mas esse movimento
chegou ao século XII com características heréticas e de caráter anticlerical.
Além disso, o trabalho de São Pedro Damião vai ser muito importante no
sínodo de 1059, pois nesse momento Nicolás II vai proclamar fortes punições aos
padres que viviam em concubinato proibindo-os de celebrar a missa, impondo várias
penas e censuras. Não somente nisso, mas nesse concílio, pela primeira vez, estabelece-
se o critério de eleição do papa fundado nos cardeais bispos. Segundo esse concílio, o
processo seria: primeiro os cardeais bispos, seguindo o clero e o povo. A sugestão do
imperador só deveria ser considerada quando fosse relevante.
O importante aqui é que, pela primeira vez em séculos, a Igreja estava
desenvolvendo um sistema de eleição papal autônomo, é interessante perceber que é na
era dos papas cluniacenses que aquela estrutura de poder central que havia no mosteiro
começa a chegar a Igreja universal. Assim como, os mosteiros tinham autonomia de
escolher seus abades, Nicolás II agora estava querendo dar a Igreja o direito de escolher
o seu papa. Essa ideia política interessa muito, pois um dos poderes supremos da Idade
Média começa a pedir autonomia do outro poder. A partir daqui será apenas questão de
tempo para que o outro poder também queira autonomia e, estando ambos autônomos,
estar-se-á na Idade Moderna.
28
O papado
Em Gregório VII, que as duas correntes do século X se encontram, pois de um
lado, havia o fortalecimento gradativo do Império através da secularização do clero, de
outro havia Cluny que após gerar muitos santos para a Igreja chegava ao papado com
Leão IX, ocorreu que um homem se tornou síntese disso: Hidelbrando (Gregório VII).
Ele havia sido monge de Cluny e alimentava aquele ideal reformador, por outro lado
havia feito parte da corte de Nicolás II e conhecia bem como funcionava o jogo político
medieval. Esse foi eleito papa praticamente por aclamação e começou já nos primeiros
anos de pontificado a usar a estrutura de poder de Cluny na Igreja ao espalhar legados
seus em grande parte da Europa. Isso centralizava o poder papal, possibilitando que
pudesse fazer frente ao imperador Henrique IV.
A disputa entre Gregório VII e Henrique IV é emocionante, mas interessa a nós
saber o básico de que o Imperador Henrique IV queria revogar o sínodo de Latrão que
lhe retirava quase todos os poderes na eleição do papa e na escolha dos bispos e
Gregório se recusou a fazê-lo, pelo contrário reafirmou o poder do papa em um
comunicado chamado dictatus papae que contem as seguintes afirmações:
I. «Quod Romana ecclesia a solo Domino sit fundata». (Que a Igreja Romana foi
fundada somente pelo Senhor).
II. «Quod solus Romanus pontifex iure dicatur universalis». (Que só o Pontífice
Romano seja dito legitimamente universal).
III. «Quod ille solus possit deponere espiscopus vel reconciliare». (Que só ele
possa depor ou repor bispos).
IV. «Quod legatus eius omnibus episcopis presit in concilio etiam inferioris gradus
et adversus eos sententiam depositionis possit dare». (Que os seus legados, ainda
que de grau inferior, em um concílio estão acima de todos os bispos, e pode contra
estes pronunciar sentença de deposição).
V. «Quod absentes papa possit deponere» (Que o Papa possa depor ausentes).
VI. «Quod cum excommunicatis ab illo inter cetera nec in eadem domo debemus
manere». (Que com os excomungados pelo Papa não podem, entre outras coisas,
permanecer na mesma casa).
VII. «Quod illi soli licet pro temporis necessitate novas leges condere, novas plebes
congregare, de canonica abatiam facere et e contra, divitem episcopatum dividere
et inopes unire». (Que só a ele é lícito, segundo necessidade temporal, ditar novas
29
leis, formar novas comunidades, converter uma fundação em abadia e,
reciprocamente, dividir uma diocese rica e reunir dioceses pobres).
VIII. «Quod solus possit uti imperialibus insigniis». (Que só ele possa levar
as insígnias imperiais).
IX. «Quod solius pape pedes omnes principes deosculentur». (Que todos os
príncipes devem beijar os pés do Papa).
X. «Quod illius solius nomen in ecclesiis recitetur». (Que o seu nome deve ser
recitado em toda igreja).
XI. «Quod hoc unicum est nomen in mundo». (Que este nome é único no mundo).
XII. «Quod illi liceat imperatores deponere». (Que lhe seja lícito depor os
imperadores).
XIII. «Quod illi liceat de sede ad sedem necessitate cogente episcopos
transmutare». (Que lhe seja lícito trasladar bispos de uma sede para outra, se lhe
obrigar a isso a necessidade).
XIV. «Quod de omni ecclesia quocunque voluerit clericum valeat ordinare». (Que
possa ordenar clérigos de qualquer igreja onde queira).
XV. «Quod ab illo ordinatus alii eclesie preesse potest, sed non militare; et quod ab
aliquo episcopo non debet superiorem gradum accipere». (Que um ordenado por
ele possa presidir a outra igreja, mas não servi-la; e que o ordenado por ele não
possa receber grau superior de outro bispo).
XVI. «Quod nulla synodus absque precepto eius debet generalis vocari». (Que
nenhum sínodo se chame universal se não for por ordem do Papa).
XVII. «Quod nullum capitulum nullusque liber canonicus habeatur absque illius
auctoritate». (Que nenhum capítulo nem nenhum livro seja considerado
como canônico sem sua autorizada e permissão).
XVIII. «Quod sententia illius a ullo debeat retractari et ipse omnium solus
retractare possit». (Que suas sentenças não sejam retratadas por ninguém e só ele
possa revê-la).
XIX. «Quod a nemine ipse iudicare debeat». (Que não seja julgado por nada).
XX. «Quo nullus audeat condemnare apostolicam sedem apellantem». (Que nada
pode condenar quem apela a Sede Apostólica).
30
XXI. «Quod maiores cause cuiscunque ecclesie ad eam referri debeant». (Que as
causas maiores de qualquer igreja sejam referidas à sede apostólica).
XXII. «Quod Romana ecclesia nunquam erravit nec imperpetuum scriptura testante
errabit».(Que a Igreja Romana nunca errou e não errará nunca, segundo
testemunho das Escrituras).
XXIII. «Quod Romanus pontifex, si canonice fuerit ordinatus, meritis beati Petri
indubitanter efficitur sanctus testante sancto Ennodio Papiensi episcopo ei multis
sanctis patribus faventibus, sicut in decretis beati Symachi pape continetur». (Que
o Pontífice Romano, uma vez ordenado canonicamente, é santificado
indubitavelmente pelos méritos do bem-aventurado Pedro, segundo testemunho do
santo bispo Enódio de Pavia, apoiado pelos muitos santos Padres segundo está
nos decretos do Beato Papa Símaco).
XXIV. «Quod illius precepto et licentia subiectis liceat accusare». (Que por ordem
e permissão sua seja lícito aos subordinados formular acusações).
XXV. «Quod absque synodali conventu possit episcopus deponere et
reconciliare». (Que pode depor e restabelecer os bispos mesmo fora de reuniões de
sínodo).
XXVI. «Quod catholicus non habeatur, qui non concordat Romane ecclesie». (Que
ninguém seja chamado católico se não concorda com a Igreja Romana).
XXVII. «Quod a fidelitate iniquorum subiectos potest absolvere». (Que ele pode
eximir os súditos da fidelidade para com príncipes iníquos)
10
O dictatus papae vai ser praticamente a constituição do papado de Gregório
VII e dele muitas originalidades surgem. A primeira é: o papa tem o poder de depor e
repor bispos. Isso gera uma completa confusão na estrutura de poder feudal, pois agora
não é o senhor feudal que decide qual será o bispo que vai coordenar a terra que lhe
dispõe, mas sim o papa; isso, dá as dioceses autonomia aos senhores feudais
semelhantes à autonomia que Cluny havia recebido no século X, por outro lado dava ao
papa poder sobre as terras dos senhores feudais. Guardadas as devidas proporções é
como se o seu capataz de confiança pudesse ser deposto e reposto a qualquer momento
pelo papa.
10
Disponível em: http://www.avozdedeus.org.br/site/materias/artigos/956-dictatus-papae.html, ou
http://www.fordham.edu/halsall/source/g7-dictpap.asp ou
http://www.documentacatholicaomnia.eu/01p/1073-1085,_SS_Gregorius_VII,_Registrum,_MLT.pdf,
acessado em: 03/12/14 às 16:21
31
A segunda é a determinação de que o papa não pode ser jugado por ninguém e
que ele é o juiz universal, por um lado recobrando aquela função petrina original, por
outro tornando confusa aquela teologia gelasiana que afirmava o poder do imperador ser
o poder de Cristo Rei que existe para evitar que o papa se ensoberbeça.
A terceira é o poder de depor o imperador e interferir nos assuntos entre
reinos. Para Gregório VII, não poderiam haver relações feudais entre reinos, pois um rei
que é vassalo de outro não é um rei e se isso acontecesse o papa teria o direito de
intervir nessas questões, pois entendia que essa relação era tirânica. Isso indica que o
papa está salvaguardando as liberdades nacionais dando aos reinos a autonomia que seu
antigo mosteiro recebera, os efeitos disso é a nacionalização que vai crescendo até
chegar a Idade Moderna com o surgimento do Estado, por outro lado, ao se colocar
como árbitro do imperador e dos reis ele está colocando no papado um poder de
intervenção que ultrapassa o atual poder do imperador, gerando um desequilíbrio entre
os poderes.
Não é difícil imaginar qual deva ter sido a reação do imperador depois desse
pronunciamento, tentou por várias vezes depor Gregório VII, por meio de um concílio
até que o papa faz uso do direito adquirido por Silvestre I, no 1000, ainda no reinado de
Oton III de que o papa poderia excomungar e depor o Imperador. Exatamente isso que
São Gregório VII faz, com isso os súditos de Henrique IV deixam de estarem obrigados
a fidelidade, o que se torna uma oportunidade excelente para seus inimigos os
destronarem. Para evitar isso Henrique IV vai pedir perdão a Gregório VII, em 1077,
perdoa-o depois de ele passar três dias fazendo penitência descalço na neve. Essa é uma
imagem do que foi Gregório VII na querela das investiduras, ainda que seja pouco
significativo para a história das ideias. Pois, logo após o perdão do papa, Henrique volta
a Alemanha e trama contra Gregório que morre desterrado. Há autores que entendem
que a querela das investiduras poderia ter sido o maior debate político da história, mas
evitando panegíricos é mais interessante ir aos fatos e perceber que o mundo se torna
outro depois do papado de Gregório VII.
O motivo disso é que Gregório VII, buscando ampliar o poder espiritual,
acabou aumentando o seu poder temporal a níveis inigualáveis. Repare que a estrutura
de poder do império funcionava a partir dos bispos que eram escolhidos pelo Imperador.
Com a reforma gregoriana o poder dos bispos vai para o papa, logo o poder
32
administrativo do Império sai das mãos do imperador e vai para as mãos do papa.
Guardadas as devidas proporções, seria como se o bispo da cidade pudesse escolher os
assessores do prefeito, tendo esses assessores um juramento de fidelidade ao bispo. Isso
unido ao poder de depor um rei ou o próprio imperador coloca o papado quase no lugar
de Deus, pois terá todo o poder terreno. Se se considerar o código gelesiano dir-se-ia
que o poder espiritual engoliu o temporal. Ou seja, feriu o código gelasiano pela
supremacia hegemônica do papa. É interessante perceber que a proposta de São
Gregório VII realmente foi capaz de garantir a autonomia da Igreja, entretanto essa
autonomia acabou por transformar a Igreja em um Império que começava a disputar
com o outro que havia sido criado por ela mesma.
Segundo Voegelin, Gregório VII junto com os reformadores da sua época
acabaram por cair na falácia de que um grande poder espiritual exige, igualmente, um
grande poder temporal. Essa percepção não parecia estar clara na cabeça dos
reformadores do século XI e, por isso, entendiam que transformar a Igreja em Cluny
daria para a Igreja os mesmos frutos obtidos naquela comunidade. Assim, o papado de
Gregório VII marca o início da guerra explícita entre o poder temporal e o poder
espiritual, aquela representada pelo partido do imperador e essa pelo partido gregoriano.
Alguns livros foram escritos acerca disso nesse período, mas se poderia resumir a
discussão nos seguintes argumentos:
As teses dos reformistas afirmavam que a chave havia sido dada a Pedro com o
poder de ligar e desligar, afirmavam o poder espiritual ser superior ao temporal,
evocavam a jurisprudência do papa Zacarias ter deposto o último merovíngio, a
necessidade que a Igreja tinha de poder temporal para conservar o poder espiritual,
entendiam que o Imperador era um membro do corpo de Cristo como qualquer outro e
não está isento da disciplina espiritual da Igreja e a necessidade de que o império tivesse
uma instância superior, que seria o papa
As teses do imperador afirmavam que segundo os tratados gelasianos o
sacerdócio dependia reino para a vida temporal; o poder real foi decretado por Deus, e
os sacerdotes devem o respeitar de forma incondicional ou até contribuir; o poder
espiritual só se pode intrometer em caso de heresia; o rei é um elemento do corpo
místico; o poder temporal não é oriundo do mal; a unidade do Sacro Império depende da
unidade dos poderes, o poder espiritual não pode reivindicar supremacia sobre o
33
temporal; é o imperador o protetor oficial de Roma e que era dever do imperador fazer
nomeações abaixo do papa.
Essa disputa no fundo consiste no fato de que os reformadores estão pensando
nas coisas do espírito, enquanto os políticos nas coisas práticas. É ela a principal causa
de uma crise estrutural, pois, como indica uma das teses do imperador, o Sacro Império
depende da harmonia entre os poderes, quando eles começam a brigar é sinal de que a
própria estrutura do mundo está para mudar.
Período pós-Gregório
A morte de Gregório não foi o fim da controvérsia das investiduras, pelo
contrário os papas gregorianos acabaram por intensificar mais ainda a disputa contra o
imperador. Como se vê, tanto as teses dos reformadores quanto as teses do imperador
são bastante razoáveis naquilo que tange a forma como as leis iam sendo proclamadas
com o passar do tempo. Ou seja, far-se-ia necessário algum tratado que fosse capaz de
fundamentar teologicamente uma posição ou a outra. Como já foi dito, a fundamentação
é uma exigência feita, sobretudo, por aqueles que acreditam a vida ter de se comportar
segundo os símbolos, ou seja, para os que pertencem a reforma espiritual. Na proposta
de criar um tratado (sistema) teológico que justifique o poder espiritual dever comandar
o mundo o cardeal Humberto escreve o famoso adversus simoniacos. Em que faz uma
teologia fundada na doutrina paulina do corpo místico de Cristo em contraposição ao
corpo do diabo. Essa é uma evocação de caráter espiritual, ou seja, a argumentação
ainda está considerando que as decisões da vida prática devem ser regidas pelos
símbolos da vida espiritual.
Em primeira análise, a disputa entre o partido do papa e o do Imperador foi
puramente jurídica, ou seja, cada grupo evocava séries de leis que favoreciam a um ou a
outro e chegavam a um empasse. A diferença é que o partido do papa teria a vantagem
de ter dentro da sua argumentação uma elaboração teológica, enquanto o imperador
contava apenas com leis antigas para se defender. Em um momento de reforma
espiritual em que os jovens entram ostensivamente nos mosteiros, é claro que a
elaboração teológica é considerada mais importante que alguma lei antiga, que por sinal,
aqueles que leram Humberto chegariam até a imaginar ser essa lei um elemento do
corpo do diabo, mas do que do corpo de Cristo. Por isso é interessante o aparecimento
de uma teologia das teses do imperador, essa teologia aparece na controvérsia das
34
investiduras inglesa, chamado tratatus eboracenses, ou tratados de York (Sec. XII). A
grande originalidade desse tratado é o caráter espiritual dos textos e a defesa de algumas
doutrinas que seriam consideradas completamente heterodoxas no seio da Igreja.
Cardeal Humberto (1010 - 1061)
A primeira coisa importante a ressaltar e a influencia do cardeal Humberto, ele
era um monge cluniacense que foi levado a Roma e feito cardeal pelo papa Leão IX, o
primeiro papa cluniacense. É interessante ressaltar que foi levado devido à sua
capacidade intelectual, piedade e ao seu rigor ascético11
. Em outras palavras, o cardeal
Humberto seria um daqueles teólogos do papa. É importante lembrar que o jovem
Hidelbrando também teve participação no papado de Leão IX, assim não é impossível
imaginar que os pensamentos do Cardeal Humberto tenham influenciado Gregório VII.
Por causa dessa enorme influência política que esse cardeal tinha, é esperado que sua
principal obra adversus simoniacos, tenha sido importante para as ideias políticas que
estavam por trás do dictatus papae.
A figura premente no adversus simoniacos é a de Simão, o mago12
. É tão
ressaltada no tratado que em certo momento o cardeal afirma que aqueles que compram
e vendem as coisas sagradas são chamados simoníacos por causa daquilo que tinha feito
aquele Simão. A história de Simão, o mago, se encontra no livro dos Atos dos
Apóstolos, segundo o relato Simão teria sido um homem que tendo visto o poder que os
apóstolos dispensavam através da imposição de suas mãos tentou comprar esse poder de
São Pedro. A resposta dada a ele nessa tentativa de extorsão foi uma maldição terrível
em que São Pedro alerta-o de que ele não receberá nem a herança (salvação) nem o
ministério.
O posicionamento do cardeal Humberto acerca das ordenações é bastante
diverso daquele pensado por São Pedro Damião, para ele as ordenações feitas por bispos
simoníacos não é válida, bem como os batizados etc. A razão disso é que ele entende
que um simoníaco, na realidade, é um herege. Essa é a tese central desse livro, a partir
dela todas as outras são tidas como consequência. A justificativa dada por Humberto é:
aqueles que acreditam o Espírito Santo agir por meio de mãos simoníacas, na realidade,
11
Disponível em: http://www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_1010-
1061__Humbertus_Silvae_Candidae_Episcopus__Adversus_Simoniacos_Libri_Tres__MLT.pdf.html
acessado em 09/12/14. (admonitio praevia)
12
Cf. At 8, 9-25
35
acreditam que esse mesmo Espírito obedece ao homem, afinal a Escritura mostrou que
Deus não criou o seu ministério para ser comprado. Ora, se o Espírito obedece ao
homem, então deveria ser menor que o homem. O que seria um absurdo, pois foram
considerados hereges os arianos que diziam o Pai se maior que o Filho, que dirá aqueles
que dizem o Espírito Santo ser menor que o homem. Em suma, o cardeal Humberto diz
que acreditar que a ordenação dos simoníacos é válida é o mesmo que incorrer em uma
heresia trinitária.
Essa inferência faz com que o cardeal possa usar todo o estatuto vigente na
Igreja referente aos hereges contra os bispos simoníacos. É exatamente isso que ele faz,
como a heresia indica separação da Igreja, é natural que as ações feitas pelos hereges
não sejam católicas, ou seja, não sejam válidas para a Igreja; logo as ordenações, os
batizados etc. quando feito pelos hereges deveriam ser considerados inválidos.
Naturalmente, esse posicionamento retoma aquela discussão acerca do caráter objetivo
da administração dos sacramentos. Essa abordagem geralmente divide opiniões, aquele
que defende a objetividade nos sacramentos entenderá que a Igreja é o corpo místico de
Cristo que possui nela bons e maus. Outra é a oposição entre o corpo místico de Cristo e
o ‘contracorpo’ místico do diabo. Embora, haja essa contraposição deve-se lembrar que
para Humberto o caráter sagrado do Rei está conservada, inclusive um dos argumentos
que ele usa contra a simonia é a de que ela corrompe o poder temporal.
Outro dado interessante é de que para o cardeal a cidade do diabo pode ser
transformada, senão até superada. Isso é bastante importante, pois na cidade de Deus
Santo Agostinho coloca o tempo como sendo um lugar de espera para a escatologia, ou
seja, a ‘cidade do diabo’ só seria transformada ou superada na escatologia. Para
Humberto, não, a reformulação da nossa ação é capaz de fazer, ainda em vida, o reino
cristão.
Na terceira parte de seu livro, o cardeal põe a espiritualidade no nível do
mundo corpóreo, ou seja, entende a história do mundo como sendo a manifestação do
Espírito. Essa modificação também é profundamente radical, pois ao inserir as coisas do
espírito no mundo material e visível, Humberto acabou por legitimar as propriedades
dos sacerdotes. Veja que o poder sacerdotal é um poder referente as coisas do espírito,
entretanto, se a estrutura do mundo é manifestação do Espírito, então faz parte do poder
espiritual coordenar as propriedades da Igreja, que também são uma dimensão da vida
36
espiritual. Com isso o cardeal justificava o poder temporal dos bispos, por outro lado
não acredita razoável conceder ao imperador o direito de escolher os bispos, pois esse é
um assunto de poder espiritual. Em outras palavras, a espiritualização da história serve
de fundamentação teórica para as atitudes do dictatus papae que faziam exatamente
isso, davam todo o poder espiritual ao papa, autonomia aos bispos sem retirar deles
nenhum poder temporal. É interessante perceber que essa espiritualização também
elimina a tensão escatológica, pois aquele Reino de Deus que há de vir, praticamente, já
veio a medida que os poderes temporais se encontram submetidos aos poderes
espirituais. Isso vai ser muito importante para o século XII, pois a identificação do
Reino de Deus como sendo um reino para esse mundo, será a causa de diversa revoltas
violentas no medievo europeu.
Tratados de York (1108)
Os Tratados de York13
são constituídos de uma série de escritos na controvérsia
inglesa das investiduras, sua importância reside no fato de conseguir sistematizar em
formato filosófico os grandes a confusão que havia tomado conta do império depois da
guerra estabelecida entre o imperador e o papa.
O anônimo, como é conhecido o autor do tratado, assemelha-se ao cardeal
Humberto naquilo que tange o entendimento de que história é o lugar próprio da
manifestação do Espírito. Essa percepção faz com que esses tratados acabem por
entender que é a história o lugar próprio da Revelação divina, ou seja, Deus revela a sua
vontade através dos acontecimentos da história humana. Em outras palavras, o Reino de
Deus é uma mistura da realidade histórico-politica.
Essa percepção dos Tratados de York contribui decisivamente para duas
percepções importantes, a primeira delas referente estrutura política e a segunda ao
pensamento religioso. Acerca da política começou-se a pensar o mundo segundo
critérios imanentes, ou seja, segundo aquelas coisas que vemos e ouvimos. Acerca do
pensamento religioso começou-se a evocar a percepção de que o mundo histórico é
divinamente revelante, ou seja, Deus tem algo a nos dizer a partir do mundo visível.
13
Disponível em: http://normananonymous.org/ENAP/ToC.jsp. Acessado em 09/12/14. A fonte parece
confiável, mas não dispõe de um material em pdf, por isso não serviria para análises mais precisas. Ainda
que atenda bem aos nossos objetivos iniciais
37
Essa visão de que Deus se manifesta através do mundo visível vai influenciar
muito a forma de enxergar a função da lei eterna. Essa lei foi formulada por Santo
Agostinho para indicar a ordem divinamente desejada no mundo, por exemplo, as leis
físicas indicam a ordem que Deus quis dispor as coisas na natureza. Esse é o argumento
que o Anônimo usa para justificar que os filhos dos sacerdotes ou das concubinas só
podem ser considerados bastardos pela lei dos homens, não pela lei eterna, pois o desejo
de Deus é que a união carnal entre homem e mulher dê origem a seres humanos tão
dignos quanto os outros. Ele acrescenta que após o batismo essa criança tem a mesma
dignidade no corpo místico que uma criança que não fosse considerada bastarda. Essa
argumentação, para nós, é trivial, mas para a época não era; pois, alguns anos antes, em
1095, o concílio de Clermont havia proibido a ordenação de filhos de sacerdotes. Deve-
se ressaltar que nesse tipo de argumentação concordariam ele e o cardeal Humberto, a
divergência ocorreria no peso que o Anônimo dá à lei eterna, pois como se viu no
argumento o que garante a igualdade entre os homens é Deus por meio da lei eterna, que
é imanente. Ou seja, a dignidade procede de um princípio imanente.
Outro princípio imanente evocado pelo Anônimo é a história, essa entendida
como uma imagem do paradigma da história presente na mente e na vontade de Deus.
Algo semelhante ao conceito de reminiscência de Platão, ou seja, existe uma história na
mente de Deus e a história que se vive é uma imagem dessa história. Segundo o
Anônimo, esse paradigma consiste em três saecula14
: o Antigo Testamento, o Novo
Testamento e o Reino Verdadeiro de Deus. O primeiro se refere a representação geral
da realeza e do sacerdócio, que consistia em dar ao primeiro a função de fazer obedecer
a lei e culto ao Deus verdadeiro e ao segundo o ofício de oferecer sacrifícios em
expiação dos pecados. O segundo se refere a plenitude do sacerdócio em Cristo e a
generalização desse sacerdócio a todos os fieis. O terceiro se refere a situação em que os
crentes reinam com Cristo em sua glória.
Desse modo a redenção é um meio de fazer o homem atingir a realeza final, ou
seja, a obra da redenção feita pelos sacerdotes existe para conduzir os homens a realeza.
Assim a realeza de Cristo é mais importante que o seu sacerdócio, porque esse existe
para que os homens possam atingir aquela. Logo, a função real é mais nobre que a
14
Talvez se pudesse entender como eras, mas como essa nomenclatura de eras é de Vico, far-se-á uso do
termo saecula mesmo.
38
sacerdotal, pois os sacerdotes são o sinal do Cristo que se faz homem para redimir a
humanidade e o rei é o sinal do Cristo que é Deus e atingiu a glória do céu.
Outro dado interessante é que o sacerdócio passou a ser comum a todos os fieis
após Cristo, daí surge a pergunta: qual é a função de um sacerdócio especial na
hierarquia da Igreja? Nenhuma. Para o Anônimo os sacerdotes são usurpadores que
conservaram em suas mãos um poder que só lhes teria sido concedido na Igreja
primitiva para resolver o problema das heresias. Exatamente, para evitar cismas que um
dos sacerdotes teria sido como superior entre os outros, papa, o bispo de Roma,
escolhido assim por causa do prestígio daquela cidade. Por isso, ele entende que
encerrado o período dos grandes cismas a função dos sacerdotes também cessa e quem
deve assumir a regência do povo de Deus é o rei. No texto abaixo, Eric Voegelin
destaca do tratado uma passagem que mostra a devoção dada a figura do rei.
O poder do rei é o poder de Deus; Deus detém-no por sua natureza; o
rei por graça de Deus. O rei é portanto, Deus e Cristo, por meio da
Graça, e o que quer que faça, não o faz simplesmente como um
homem, mas como Deus e Cristo por meio da Graça. Em verdade,
aquele que é Deus e Cristo por natureza age através de seu vigário por
meio de quem executa seus assuntos. [o rei] não deve ser chamado
leigo, por que é o Cristo do Senhor, é Deus pela graça é líder supremo
(rector), é o sumo pastor, e governante, e defensor, e professor da
santa Igreja, é o senhor de seus irmãos e deve ser adorado (adorandus)
por todos, pois está acima de todos como Senhor supremo.15
Com essa declaração o Anônimo de York destruiu de vez com as declarações
gelasianas e o poder sacerdotal institucionalizado. O sacerdote nesse sistema se torna
apenas um membro a mais do ‘povo cristão’ que está submetido ao poder do rei que é
conregnans (‘co-reinante’) com Cristo nesse saeculum16
. É interessante perceber que
esse tratado não faz qualquer questão de conservar as estruturas do Sacro Império, pelo
contrário ele prevê a fragmentação das estruturas do Sacro Império.
Essa fragmentação deveria atingir, sobretudo, a hierarquia da Igreja. Como já
se disse, o autor entende que o papado foi uma medida temporal para resolver os
problemas de cismas, por isso Roma deveria deixar de ter o poder central em detrimento
de maior autonomia dos poderes locais. Juntamente, com isso acabava por defender uma
Igreja nacional, dando igualdade de poder a todos os bispos. Para ele, tanto o bispo de
15
ANÔNIMO NORMANDO, Tractatus Eborecensis. apud VOEGELIN, E. Idade Média até Tomás de
Aquino: história das ideias políticas. Vol. 2. São Paulo: É realizações, 2012.
16
Esse termo não será traduzido por parecer indicar um termo técnico na obra de Voegelin, mas poderia
ser entendido como mundo, sociedade, era etc.
39
Rouen como o bispo de Roma são Pedro e o poder das chaves é dado a ambos, pois a
reunião em Roma dos bispos empobrece a interferência das dioceses longínquas. Uma
das consequências do desejo do aumento da influência episcopal nas suas dioceses é a
Defesa de que os mosteiros deveriam estar subjugados exclusivamente a seus bispos
locais, para evitar que guerra na Igreja.
Com isso o tratado já teria retirado do papa, o direito de escolher os bispos, de
ter um poder central sobre eles, de possuir um mosteiro que deve obrigação a ele, de
possuir um poder temporal institucionalizado e de ser juiz em todas as dioceses do
mundo; para, por fim, destruir completamente a figura do papado só faltava retirar a sua
função de ensino do papa. Foi exatamente o que foi feito, o Anônimo entendia que a
interpretação da Sagrada Escritura deveria ser livre sem a preocupação com a exegese
tradicional e com as instituições eclesiásticas. Diria que se o papado quiser ser mestre
da humanidade que faça isso com os pagãos, pois os cristãos não precisam de seus
ensinamentos. Não é difícil encontrar semelhança entre o pensamento do Anônimo e o
que virá a ser falado na Reforma Protestante.
O tratado de York, independente de influência que tenha tido sobre a mente das
pessoas da época, sem dúvida marca o tipo de pensamento que vigorava na Europa, esse
pensamento deixava claro que o Império estava se deteriorando e que se faria necessário
descobrir qual será a nova estrutura do Saeculum.
Perguntas
1. Faça um paralelo entre a ciência moderna e a espiritualidade medieval
2. Explicite uma originalidade filosófica na vida beneditina
3. Verse sobre a importância de Cluny para a Igreja no século X
4. O que foi o saeculum ferreum obscurum? Indique o principal fator que o
caracteriza.
5. Disserte sobre Otón I e seu império.
6. Apresente em linhas gerais a doutrina de São Pedro Damião
7. Destaque quais as principais alterações que o dictatus papae faz na estrutura do
Sacro Império.
8. Liste as originalidades do pensamento do cardeal Humberto
9. Considerando o conteúdo abordado no tratado de York, comente a frase A Igreja
Romana pode ter se transformado em grande parte em corpo do ‘diabo’.
40
Aula 3 (A nova estrutura do Saeculum)
Contexto histórico
Para se entender o clima em que se encontrava o século XII, é bom ter em
mente o que estava acontecendo nos dois séculos que o precedem. No X, o Império é
fragmentado, as famílias italianas brigam pelo poder e longe do poder temporal está
Cluny com a primeira fase da reforma monástica. No século XI, o Império volta a sua
influência e tem os bispos como principal instrumento do exercício do poder temporal,
ocorre que Cluny adquire poder temporal e resolve reformar, não só a vida monacal,
mas toda a Igreja, daí surge a querela das investiduras que revela o mundo não mais
conseguir suportar as declarações gelasianas como estrutura adequada para o saeculum.
O século XII aparece exatamente como aquele que vai começar a reestruturação. A
reestruturação não é um projeto feito por alguém, mas sim o espírito de uma terceira
reforma que pairava tanto para aqueles que buscavam o aprofundamento espiritual
quanto para aqueles que queriam resolver os problemas da ordem temporal. A surpresa
ocorrida no século XII é o aparecimento de um ‘terceiro poder’, até então, não visto: o
leigo.
No âmbito espiritual
O final do século XI, mostrou que Cluny já havia se tornado uma superpotência
na ordem temporal inclusive. Ter tido uma série de papas e cardeais que vieram do seu
seio deu ao mosteiro não só poder econômico como também altíssima influência
política. Ocorreu que aquela busca pela espiritualidade monástica rigorosa foi se
esvaindo e se transformando em busca pelos prazeres do poder temporal. Já no século
XI os anacoretas acenavam para o risco de que a estrutura de Cluny atrapalhasse o seu
desenvolvimento espiritual, mas não conseguiram encontrar um modo alternativo para
corrigir a estrutura.
Essa mudança só vai ocorrer, em 1113, quando São Bernardo vai fundar
Claraval reformando a ordem cisterciense que havia sido criada, em 1098, por Roberto
Malesme. Com seus 25 anos, São Bernardo conseguiu unir a estrutura anacoreta com a
organização de Cluny. Provavelmente, essa união entre duas correntes que
aparentemente se chocavam poderia ser comparada aquela feita por São Bento na
formulação de sua Regra.
41
Para se entender como a estrutura é uma síntese das duas correntes é
importante saber qual era a atividade dos anacoretas, ou pais do deserto. O que se sabe
sobre eles é que eram homens de altíssimo rigor ascético que viviam praticamente
isolados no deserto. Eram pessoas que queriam estar longe das estruturas sociais, alguns
dos escritos sobre eles diziam que temiam duas coisas: as mulheres e os bispos; as
primeiras para que não caíssem na tentação da carne a os segundos para que não os
fizessem bispos. A única estrutura de poder que se encontrava entre esses era a da
relação de paternidade espiritual, pois muitos jovens iam até eles para se aconselhar
devido à fama de santidade que tinham. Assim, cada pai do deserto podia ordenar coisas
a seus filhos espirituais, entretanto jamais ordenaria algo a outro pai do deserto.
São Bernardo vai combinar isso a estrutura centralizada de Cluny, assim todos
os mosteiros passam a ter abades e não priores. A segunda modificação é que a
influência que um mosteiro pode ter em outro consiste apenas em uma dependência
espiritual, não material, como em Cluny; por exemplo, nenhum mosteiro poderia cobrar
impostos de outro. A terceira modificação diz respeito a influência que um mosteiro
pode ter, para Cluny o todos estavam sujeitos à abadia matriz, para os cistercienses o
mosteiro só poderia influenciar aqueles que poderia ter como filhos espirituais, ou seja,
daqueles mosteiros fundados por ele. Uma forma interessante de distinguir a diferença
entre o poder que Cluny dispensava a seus mosteiros filiais e a forma de poder de
Claraval é através do gráfico abaixo:
42
Ocorreu que Claraval se tornou para os jovens do século XII o que Cluny fora
para os jovens do século X. Era impressionante a capacidade que São Bernardo tinha de
encontrar jovens interessados em entrar na vida monacal. Conta-se que toda vez que
tinha de fazer alguma pregação sempre voltava para casa com novos monges. LLORCA
declara que ele foi o diretor espiritual da Europa no seu tempo, provavelmente na
primeira metade do século XII não tivesse personalidade tão influente no nível da
espiritualidade quanto o abade de Claraval. Uma evidência disso é que trinta anos após
a fundação do mosteiro já se tinha um papa cisterciense, Eugênio III (1145-1153).
Diferentemente do século X, em que Cluny tinha o monopólio das novidades
espirituais, o início do século XII está cheio de novas evocações. Uma das mais
importantes é a cruzada. O processo histórico que vai eclodir nas cruzadas é bastante
longo, não é possível tratar aqui com detalhes. Entretanto, basta saber que na época de
Gregório VII, Bizâncio havia pedido ajuda do ocidente para retomar Jerusalém que
havia sido invadida por muçulmanos e que teriam destruído os lugares sagrados
construídos na época de Carlos Magno através de um acordo com os egípcios.
Inicialmente, Gregório se sentiu interessado, mas as suas disputas com o imperador
acabaram por consumir suas forças, além do fato de que Bizâncio não havia pedido
ajuda apenas ao papa, mas também ao imperador Henrique IV. Isso também assustou
Gregório VII que, desterrado, muito pouco pode fazer para ajudar os orientais.
Após isso, os invasores foram depostos, instaurou-se certa paz, até que os
turcos seljúcidas invadiram novamente Jerusalém e expulsaram os egípcios que tinham
acordo com o ocidente. Naquele momento, naquele momento se instaurou uma tensão,
pois deve-se lembrar que as peregrinações a terra santa era uma prática espiritual muito
importante para o medieval. Entendiam que a caminhada até Jerusalém era um exercício
de mortificação que serviria para purgar seus pecados e alcançar a glória do céu. Isso já
seria importante para um cristão em um estado normal, entretanto não se deve esquecer
que após Cluny a evocação da espiritualidade passou a ser o principal motor dos
homens daquele momento, assim fazer uma peregrinação passou a ser algo bastante
mais grave do que antes. Foi desse modo que, em 1095, Urbano II, papa cluniacense,
convoca o povo a tomar o sinal da cruz e ir a Jerusalém para retirar o Santo Sepulcro da
mão dos infiéis.
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Introdução à Política Medieval - Seminário São José

  • 1. SEMINÁRIO SÃO JOSÉ Introdução à Política Medieval Apostila Wagner Augusto Moraes dos Santos 15/12/2014 A proposta deste trabalho é abordar uma breve história das ideias políticas medievais até Santo Tomás de Aquino a partir da abordagem de Eric Voeglin.
  • 2. 2 SUMÁRIO AULA 1 (INTRODUÇÃO) ____________________________________________________ 4 JUSTIFICATIVA ______________________________________________________________ 4 A HERANÇA DA ANTIGUIDADE __________________________________________________ 7 O SACRO IMPÉRIO___________________________________________________________ 10 O FEUDALISMO _____________________________________________________________ 11 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 14 AULA 2 (A QUERELA DAS INVESTIDURAS) _________________________________ 15 AS REFORMAS MONÁSTICAS___________________________________________________ 17 SÃO GREGÓRIO VII _________________________________________________________ 21 PREPARAÇÃO PARA GREGÓRIO VII ______________________________________________ 21 REFORMA PRÉ-GREGORIANA ___________________________________________________ 25 SÃO PEDRO DAMIÃO _________________________________________________________ 25 O PAPADO__________________________________________________________________ 28 PERÍODO PÓS-GREGÓRIO_____________________________________________________ 33 CARDEAL HUMBERTO (1010 - 1061) ________________________________________________ 34 TRATADOS DE YORK (1108)____________________________________________________ 36 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 39 AULA 3 (A NOVA ESTRUTURA DO SAECULUM)______________________________ 40 CONTEXTO HISTÓRICO___________________________________________________________ 40 NO ÂMBITO ESPIRITUAL _______________________________________________________ 40 NO ÂMBITO TEMPORAL _______________________________________________________ 46 JOÃO DE SALISBÚRIA (1115-1180)______________________________________________ 50 JOAQUIM DE FIORE (1145 – 1202) ______________________________________________ 53 SÃO FRANCISCO (1182-1226) __________________________________________________ 57 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 59 AULA 4 (O ‘INTRAMUNDANISMO’ E O ISLAMISMO)_________________________ 60 FREDERICO II (1215-1250)____________________________________________________ 61 CONSTITUIÇÕES DE MELFI (1231) _______________________________________________ 63 O DIREITO ROMANO _________________________________________________________ 67 AS INFLUÊNCIAS ISLÂMICAS __________________________________________________ 71 O ARISTOTELISMO ___________________________________________________________ 71 SIGÉRIO DE BRABANTE (1240-1284) _____________________________________________ 73 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 76
  • 3. 3 AULA 5 – A DOUTRINA DE SANTO TOMÁS (1225-1274) _______________________ 78 APLICAÇÕES _______________________________________________________________ 78 POLÍTICA __________________________________________________________________ 81 DIREITO ___________________________________________________________________ 86 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 90 BIBLIOGRAFIA ___________________________________________________________ 91
  • 4. 4 Aula 1 (Introdução) Justificativa O cristão é, pelo próprio nome, outro Cristo. Ao contrário do que se possa pensar o cristão não é simplesmente alguém que aderiu a um conjunto de ideias, mas a uma pessoa. Essa distinção é importantíssima para entender a diferença entre uma escola filosófica e a Igreja. Observa-se que um membro de uma escola filosófica deve seguir os ensinamentos do mestre para atingir os altos graus do conhecimento, mas não precisa viver a vida do mestre, por exemplo, um kantiano pode seguir todos os ensinamentos do mestre sem ter a pontualidade de Kant, sem andar como Kant, sem falar como Kant etc. Por outro lado, o cristão tende viver a vida de Cristo, que é Homem-Deus, ou seja, o cristão tem por meta a completa integridade entre a vida humana e a vida divina, para que possa andar como Cristo, falar como Cristo etc. É próprio da vida humana se alimentar, crescer, conhecer, trabalhar, relacionar- se etc. Ou seja, tudo que engloba nosso dia-a-dia. É próprio da vida divina: a oração, os sacramentos, o amadurecimento da fé, a caridade etc. É a plena integridade entre as dimensões materiais (humanas) e espirituais (divinas) que realiza plenamente a vocação cristã. O santo é exatamente aquele que conseguiu, durante a sua vida, integrar tão perfeitamente quanto a sua natureza permite estas duas dimensões. O oposto disso é a separação entre a vida espiritual e a vida material, origem de toda sorte de males. Esta divisão ocorre de modo muito sutil quando se começa a acreditar que, uma coisa são os pensamentos que se alimenta na Igreja e, outra coisa, são as ideias com as quais se vive no dia-a-dia. Duas causas podem ser levantadas para isso: preguiça e ignorância. A primeira delas é objeto para direção espiritual, logo não é a discussão para agora. A segunda causa diz respeito a ignorância de que as verdades últimas do mundo são as primeiras da fé. Em outras palavras, é fundamental ter um pensamento sólido que possibilite tratar todas as situações da vida submetendo-as a vida espiritual. Isto quer dizer que não basta conhecer os dogmas de fé, é fundamental conhecer as consequências deles para as ideias que se tem na cabeça. Este é o grande desafio do mundo de hoje, como fazer para ter um pensamento sólido que integre a vida material e espiritual com as diversas novidades do tempo presente? No âmbito material, sempre tem uma novidade científica, uma nova teoria
  • 5. 5 política irreligiosa, alguma afronta aos princípios da religião etc. Enquanto, a vida espiritual é perene, porque vem de Deus. Ainda que todos estes problemas sejam individualmente importantes, há um que salta os olhos: o problema das ideias políticas. Pois, a política é o símbolo próprio da vida material, mas restaria saber: qual deve ser a atitude do cristão frente a sua vida política? A resposta a esta pergunta pode se ter na Doutrina Social da Igreja. A Igreja instrui os seus fiéis para que estes tenham uma vida cívica que fortaleça, igualmente, a sua vida espiritual. A Doutrina Social da Igreja não consiste em apenas um documento emitido pela Igreja, mas sim em um conjunto deles que se iniciou com a encíclica rerum novarum de Leão XIII. Em 2004, foi promulgado o Compêndio de Doutrina Social da Igreja, pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz – o compêndio consiste em uma espécie de compilação dos principais temas tratados da Doutrina Social. Neste compêndio, a Pontifício Conselho declara que a Rerum novarum é considerada como a carta magna da doutrina social1 além de ter desenvolvido um método para tratar a ‘questão operária’ que foi julgado como definitivo2 . Ou seja, antes de pensar que ela consiste em um ensinamento ultrapassado, ela deve ser considerada como um princípio fundamental de onde os outros ensinamentos procedem. Esta declaração é bastante intrigante, sobretudo por causa da orientação filosófica presente naquela carta. Para que se possa entender, o papa Leão XIII foi aquele que escreveu a encíclica Aeterni Patris que revigora o estudo do tomismo. Além disso, ele próprio era considerado um tomista antes de chegar à cátedra de São Pedro. Em acréscimo a isto, percebe-se na carta grande quantidade de citações, conceitos, expressões entre outras coisas que identificariam, sem dificuldade, a enorme influência do pensamento de Santo Tomás no escrito. Ora, se a Doutrina Social da Igreja tem a Rerum Novarum como sua constituição, então o arcabouço filosófico que está por trás dela é de suma importância para uma compreensão mais profunda do texto. Em suma, é muito importante conhecer a doutrina política de Santo Tomás para compreender com profundidade o ensinamento da Igreja sobre este ponto. 1 Comp. DSI, 89 2 Comp. DSI, 90
  • 6. 6 É exatamente neste ponto em que se encontra este curso. Quer-se entender melhor essa doutrina política. De dois modos se pode fazer isso, o primeiro consiste em aprofundar o que disse o próprio autor, o segundo em identificar quais eram as ideias políticas que circulavam na Idade Média antes de Santo Tomás, de sorte a entender sua doutrina sob o ponto de vista histórico. O curso seguirá a segunda via, por isso vão-se discutir quais foram os elementos históricos que compuseram a doutrina de Santo Tomás. O contexto histórico das ideias políticas de Santo Tomás pode ser resumido pelo dito abaixo. Santo Tomás nasceu em uma nobre família italiana no condado de Aquino, a influência de sua família era tanta que atingia a corte do imperador Frederico II, através do seu irmão mais velho, e os altos cargos eclesiásticos, através do seu tio (abade de Monte Cassino). Landolfo de Aquino põe seu filho Tomás para estudar no mosteiro de Monte Cassino aos cinco anos de idade para que, no futuro, viesse a substituir seu tio como abade. Naquele período, os mosteiros dotavam de prestígio semelhante ao de um feudo, portanto ser abade daquele mosteiro era praticamente se tornar um senhor feudal. Estava a família de Santo Tomás amarrada com os dois supremos poderes do medievo, o imperador e o papa. Naquela época o papa era Honório III sucessor imediato de Inocêncio III, que fora tutor de Frederico II e dera permissão de funcionamento às ordens mendicantes; incluem-se nestas ordens os franciscanos e os dominicanos, que propunham um novo modo de vida comunitária que atraía os jovens, entre estes o filho mais novo de Landolfo de Aquino. Estas ordens são fruto das deficientes estruturas eclesiásticas do século XI e XII naquilo que tange a harmonia entre a vida espiritual e a vida material. Ou seja, o espírito que movia o Aquinate advinha de uma crise na estrutura da sociedade que se agravava com a chegada do pensamento islâmico (Sec. XIII). Crise que se tornara evidente a partir da Controvérsia das Investiduras (Sec. XI), que, por sua vez, foi causada pela guerra silenciosa entre a ampliação do regime feudal (Sec. X) e a reforma do monaquismo (Sec. X). Ambos fenômenos causados pela cisão entre Oriente e Ocidente centrado na coração de Carlos Magno (Sec. IX) como imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Cisão, essa, que não se deu sem um longo processo histórico que começou com as Epístolas de São Gelásio I (Sec. V).
  • 7. 7 Assim, percebe-se que a síntese tomista acerca da política inclui certa união entre as ideias políticas que perpassaram quase toda a Idade Média. Para que fique mais clara a exposição se dará segundo a ordem temporal, por isso vai-se partir dos códigos gelasianos até chegar as evocações políticas presentes na doutrina tomista. A herança da antiguidade A primeira disputa política a ser considera é aquela que versa sobre o exercício do primado de Pedro nas questões temporais. Deve-se lembrar que a Sagrada Escritura dá testemunho de que São Pedro seria um apóstolo diferente dos outros, pois ele foi o único a quem o Cristo disse apascenta minhas ovelhas, confirma teus irmãos e tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. O problema é discernir, como ministério petrino deve ser exercido na vida diária da Igreja. Isto não foi imediatamente esclarecido por Cristo, mas sim foi sendo compreendido com o passar do tempo até chegar à concepção que se tem hoje. A própria Sagrada Escritura dá testemunho das funções de Pedro no Concílio de Jerusalém e na visita feita por Paulo. No Concílio de Jerusalém, a função de Pedro foi dar a palavra final e, na visita de São Paulo, a função consistiu em confirmar a fé daquele que a comunidade suspeitava. Essas duas ações resumem o ministério petrino no início da Igreja, confirmar os concílios e julgar os acusados de heresia, em suma, o papa era o juiz universal e a última instância a quem se poderia recorrer nos assuntos referentes à fé. Os ofícios do papa ficam mais complexos após a legalização do cristianismo pelo Imperador Constantino. Pois, junto a legalização o imperador também deu aos bispos poderes temporais e a privilégios. Entre os poderes recebidos está o poder judicial e entre os privilégios a isenção de impostos. Naturalmente, o papa se torna uma pessoa que tem um prestígio enorme no império, pois ele seria o único a ter jurisdição sob todo o orbe cristão nos assuntos religiosos. Desta vez com o apoio imperial. Por outro lado, o imperador recebe o título de Pontífex Maximus também tendo poderes para legislar sobre assuntos religiosos, por exemplo, o Imperador Constantino proclama uma lei que proíbe faltar missa aos domingos, manda fechar o fórum nos dias de domingo, proclama feriado nos dias santos etc. Embora Constantino tenha facilitado bastante o trabalho da Igreja, não será ele a declarar a Igreja religião oficial do império, mas sim o imperador Teodósio.
  • 8. 8 Essa evocação de religião oficial do império praticamente institucionaliza a mutua dependência entre o império e a religião. Neste primeiro momento, não parece ter havido sequestro do poder de nenhuma das partes, o papa permanece juiz e o imperador permanece gerindo a vida temporal da Igreja, defendendo-a dos inimigos e expandindo- a pela espada, pois era comum um imperador acreditar ser um grande apóstolo por ter convertido milhares de pessoas sob a prerrogativa da espada. A situação começa a mudar com a morte do Imperador Teodósio e a divisão do Império entre o Império Romano ocidental e o oriental. A partir de então o a capital do Império passa a ser Bizâncio. Inicialmente, isso não gera muitos problemas para a vida da Igreja, a não ser pelo fato de que, em 451, o Concílio de Éfeso proclama o nestorianismo herético contra o desejo do imperador. Esse sancionou um documento chamado Henoticon – que procurava unir a fórmula ortodoxa com a fórmula monofisita, que o papa Leão Magno condenara. Eis um problema da estrutura da poder, pois, afinal, quem deve julgar: o papa ou o imperador? O imperador pode dar uma ordem contrária ao papa? Nesse contexto, são emitidos, em 492, Tratados IV e a Epístola XII3 de São Gelásio (492-496) pela primeira vez, distinguindo os poderes entre temporal e espiritual. Estes tratados entendem que todo o poder procede do Juiz Supremo que é Cristo. Nesta perspectiva, o poder do papa e o do imperador é entendido como uma participação no poder de Cristo. Esse tem em si os dois poderes unidos, mas por causa da fraqueza dos homens e para favorecer a humildade dividiu os poderes. A proposta é que um corrige a soberba do outro de modo que o papa se perceba dependente do imperador para a vida terrena e o imperador do papa para a vida eterna. Para justificar a querela entre ele e o imperador, São Gelásio I retoma a vida de Davi e sua relação com Natan, profeta do palácio. Ele faz menção aquela história em que Davi comete um pecado e Natan o corrige levando-o a conversão. Isto ilustra o que São Gelásio I queria com suas epístolas. Neste momento, faz-se mister chamar a atenção quanto a originalidade deste ato, pois sucede que uma religião oficial do estado, estranhamente, não se deixa confundir com uma religião estatal. Veja que na religião pagã da Roma pré-cristã os 3 Disponível em: https://archive.org/stream/epistolaeromano00unkngoog#page/n614/mode/2up , visitado em: 31 out 2014
  • 9. 9 sacerdotes eram completamente submissos ao imperador e seria pouco provável que qualquer um deles se arrogasse a limitar o poder do imperador sobre algum assunto, quanto mais corrigi-lo em público como os tratados de São Gelásio I fazem. Isto ilustra certa originalidade cristã naquilo que tange a união religião-sociedade. É interessante ressaltar também que as Epístolae só consideram uma hierarquia entre estes poderes quando o poder temporal incorre em levar a comunidade ao erro. Se isto não acontece não se sabe qual deles é o mais importante. Em outras palavras, o sacerdócio é poder na estrutura do império que não provem do imperador! Naturalmente, esta decisão do papa alargou a crise entre Ocidente e Oriente. Os tratados gelasianos foram considerados por alguns como a carta de alforria da Igreja na Idade Média, pois formam a base de toda a discussão medieval entre a relação entre Igreja e Império. Esses tratados poderiam ser considerados como a primeira evocação política medieval. A cisão se alarga depois do papado de São Gregório Magno (590 – 604); Após a queda das tropas bizantinas em Roma, Constantinopla, praticamente, deixou de influenciar a vida dos romanos. Assim, a única personalidade que ainda garantia o prestígio de Roma era o papa que se tornara líder máximo daquele povo. Como se já não bastasse o abandono de Constantinopla, a cidade ainda passava pelo terror das invasões bárbaras que a qualquer momento poderiam chegar na cidade para saquear tudo. É neste contexto histórico que São Gregório Magno tem uma intuição que vai mudar profundamente a estrutura do ocidente. Ele intui que o pastoreio a que o bispo, e o papa, são chamados a exercer inclui o cuidado da pessoa toda, ou seja, inclui o cuidado tanto da parte material quanto da espiritual. Devido esta percepção, São Gregório começa a tomar, em Roma, atitudes que se referiam ao poder temporal, como usar as terras dos estados pontifícios para gerar comida para o povo de Roma, cuidar dos pobres, fazer alianças políticas com os reinos cristãos para que protegessem a cidade de Roma etc. Estas ações seriam próprias de um príncipe temporal, mas acabou por ter de ser executada pelo líder religioso. Devido à a esta cura das almas o papa ganhou um enorme prestígio na cidade de Roma, a ponto de o próprio povo romano ser o protetor do papa – o que revela o enorme afastamento entre o papa e Constantinopla. É interessante refletir sobre esta nova evocação política, pois ela traz a tona à ideia de que o pastoreio do papa também incide na vida temporal do seu
  • 10. 10 povo. Como se viu, os assuntos temporais incluem a segurança do povo que, naquele tempo, era sinônimo de fazer acordo com principados, pois o papa não tem exército. Ora, acordo com principados inclui decisões temporais que excedem a cidade de Roma, ou seja, ações na ‘política internacional’4 . A saída pensada por São Gregório vai influenciar muitos papas até a completa cisão que se dará, em 800, com a fundação do Sacro Império. O sacro império Aquela intuição de São Gregório Magno fez com que o povo romano, praticamente, esquecesse-se de Constantinopla, pois aquilo que deveria ser função do imperador estava sendo feito pelo papa. Essa situação poderia fazer pensar que uma cisão seria questão de tempo, entretanto, não se deu deste modo ações efetivas de cisão só começaram a ser feitas dois séculos depois com o papado de São Zacarias (741 – 752). A grande ação foi a deposição da dinastia merovíngia em favor da coroação de Pepino, o breve, como rei dos francos. Esse é um ato pontifício bastante diferente daquele previsto no código gelasiano, pois agora o papa arroga a si o poder de depor um rei. A deposição é um ato de caráter temporal, a menos que se entenda que o rei seja um déspota que esteja conduzindo o povo ao erro. É de se chamar a atenção que é a primeira vez que se vê o poder espiritual, o papa, agir na deposição do poder temporal, um rei. Outra originalidade desta ação de São Zacarias é o abandono das ações passivas no que diz respeito a política fora dos muros de Roma, pois até agora o papa era consultado ou ia pedia ajuda para resolver um problema temporal na cidade de Roma, agora ele está exercendo seu poder temporal fora de sua cidade. Em suma, parece que o papa também tem poder temporal universal. Essa era prerrogativa que faltava para que seja instaurado um novo império, alguém com um poder temporal que se estenda a todos os principados. É com essa prerrogativa que o papa Leão III coroa Carlos Magno como Imperador do sacro Império Romano-Germânico, em 800. Essa coroação foi feita na Igreja de São Pedro, em Roma, no dia de Natal. Nestes moldes, o papado fica responsável por coroar os reis e cuidar da vida espiritual; cabe ao imperador proteger a Igreja, fundar paróquias, escolher bispos 4 Nomenclatura que só faz sentido se considerarmos os nossos tempos, pois a ideia de nação é do período moderno, portanto quase 10 séculos depois do papado de São Gregório Magno.
  • 11. 11 que vão compor a máquina administrativa do Império etc. É fundamental perceber que neste momento se retoma aos códigos gelasianos com a sutil diferença de que o poder temporal vem de Deus através do papa. Assim, como está aludido nos livros do Antigo Testamento, Samuel (profeta) unge Saul, pela unção Saul se torna rei e Samuel o seu súdito, quando Saul começa a levar o povo para o erro, Deus manda Samuel ungir outro rei. Do mesmo modo, o papa unge o imperador e torna súdito dele nas coisas materiais até o momento em que o imperador leva o povo para o mal, nesta hora o papa o depõe. Esta evocação entende a Igreja como sendo o Corpo Mistico de Cristo, em que cada membro tem um carisma especial para a edificação da Igreja. Curiosamente, o imperador entendeu que o carisma dele era edificar a Igreja sob o aspecto temporal. Então, esta evocação consistia em ampliar o poderio econômico da Igreja, aumentar o território em que a Igreja estivesse presente através da conversão dos bárbaros feita a força das espadas e a ampliação do poder dos arcebispos nas coisas do Império. Neste sistema é o imperador quem escolhe os arcebispos, pois eles eram uma espécie de desembargadores nas suas províncias. Isto significa que os bispos deixaram de estar a serviço do ministério espiritual da Igreja e passaram a ser servidores do Sacro Império. É óbvio que esta estrutura pode dar problemas, pois, por um lado, o imperador irá escolher para estes cargos pessoas que não comprometam seus objetivos, por outro não são todas as pessoas que estão dispostas a seguir as normas eclesiásticas, sobretudo aquelas que nunca quiseram pertencer ao clero exceto pela gratificação. O resultado deste projeto de Igreja Territorial foi a degradação do clero. Para que se possam entender as causas desta degradação, é importante compreender um pouco sobre mundo feudal. O feudalismo Segundo LLORCA, B.; GARCIA VILLOSLADA, R. e MONTALBAN, F. J., Consistia o feudalismo em uma espécie de hierarquização dos poderes políticos e sociais ou na desmembração da soberania real, de seus direitos e prerrogativas. Sua base jurídica é o feudo, que vem a ser o contrato pelo qual os soberanos outorgavam terras em usufruto aos grandes senhores e esses a outros de inferior categoria, obrigando o feudatário a guardar a fidelidade de vassalo ao doador, prestar-lhe
  • 12. 12 serviço militar, ajudá-lo com seu conselho nas assembleias que o senhor convocava e ajudá-lo com outros subsídios, segundo o que convinha no contrato.5 A pergunta aqui seria: como este sistema se formou? Como ele se vincula com a degradação do clero? As respostas para estas perguntas passam pela lembrança de que as Invasões Bárbaras, na antiguidade, alteraram completamente o estilo de vida do Império. Um dos fatores foi o êxodo urbano, afinal os bárbaros saqueavam o comércio, destruíam setores de serviço e geravam um clima de insegurança nas cidades. Analogamente, seria como se viesse um povo estranho e destruísse toda rede elétrica, acabasse com o sistema de esgoto, distribuição de água, destruísse o comércio etc. Ora, sem comércio não há como manter a vida na cidade. Por conseguinte, a terra se tornou a única fonte segura de riqueza. Entretanto, surge um grande problema: as cidades possuíam grandes fortificações, exércitos e vários instrumentos de defesa oferecidos pelo governante; no campo, é o proprietário que tem de suster toda esta estrutura, por isso neste período quase não se vê pequenas propriedades. Esse processo de êxodo urbano ainda foi catalisado pela própria ação dos bárbaros, que dividiam entre os chefes do exército as terras conquistadas de modo que esses tenham jurisdição soberana sobre as terras que lhes cabe. Esse poder incluía conferir terras a outros homens que lhes jurassem fidelidade através do ritual de vassalagem. Esse ritual consistia na investidura do feudatário através da recepção do báculo e do anel. Havia duas formas de fazer doações de terras por meio de juramento de fidelidade, o primeiro deles é o modo dos merovíngios, que fazia uma doação hereditária, o segundo o modo dos carolíngios, que fazia uma doação por contrato. Este segundo foi o que ficou caracterizado como o regime feudal propriamente dito. Como os senhores feudais e seus vassalos tinham autonomia nas propriedades em que geriam, os reis não dispunham de um exército submetido diretamente a ele. Portanto, para juntar um exército o imperador precisava de intermediários e a maneira mais fácil de conseguir o apoio desses era oferecendo alguma vantagem. Duas vantagens interessam muito neste momento, receber a hereditariedade dos feudos e a isenção de impostos. A primeira garante a estabilidade do poder e segunda amplia as riquezas – essa foi a moeda de troca usada no período carolíngio para conter as invasões 5 LLORCA, B.; GARCIA VILLOSLADA, R.; MONTALBAN, F. J. Historia de la Iglesia Católica, em sus quatro grandes edades: Antiga, Media, Nueva, Moderna. Vol. 1. Madrid: B.A.C., 1958. p.177 (Tradução nossa)
  • 13. 13 Normandas. Naturalmente, isto gera um grande problema, pois a hereditariedade implica na divisão dos feudos entre os filhos do feudatário. Ora, essa divisão acabaria com o sistema, pois iria chegar o momento em que um senhor feudal não teria mais do que um punhado de terra sem qualquer expressão. Foi, então, que se determinou a herança ser dada apenas aos filhos mais velhos, deixando uma massa ociosa composta pelos filhos mais novos. É mais conveniente ao rei que os feudos não fossem hereditários, pois, com a morte do feudatário, o rei recobra o pleno poder sobre suas. É exatamente neste momento que os bispos entram na estrutura, pois os bispos seriam os senhores feudais que nunca teriam herdeiros. Além disso, era fácil para o rei ou o imperador intervir nas escolhas dos bispos, pois o imperador tinha poder de veto nas ordenações. Portanto, o bispo era o vassalo ideal. Isto faz do episcopado o caminho mais fácil para obter um feudo, o que era, sem dúvida, muito interessante para os filhos mais novos que não tinham direito de herança. Naquela época eram distintas a ordenação religiosa e a investidura, a primeira conferia o caráter sacramental da ordenação e a segunda conferia o poder temporal ao bispo. Este poder era dado por um senhor feudal, por meio do ritual de vassalagem que inclui o bispo permanecer de joelhos diante do senhor, colocar as mãos nas mãos dele e jurar fidelidade sobre os Evangelhos e sobre as relíquias dos santos. O senhor feudal dava ao bispo, como sinal do seu poder, o báculo e o anel. Este juramento de fidelidade que o bispo fazia ao senhor feudal recebendo dele a posse da sua ‘diocese’ ficou conhecida como investidura laica. É interessante perceber que estes sinais permanecem até hoje nos rituais de ordenação, entretanto foram revestidos de outros significados. Enquanto os bispos estavam se tornavam vassalos de senhores feudais, havia leigos querendo se tornar vassalos dos santos, especialmente São Pedro. Para os medievais não havia nenhuma força protetora melhor que a intercessão dos santos, por isso era muito comum que pessoas fizessem doações de terras e as deixasse sobre o senhorio de São Pedro. Na prática, o papa é o vassalo de São Pedro, por isso ele é o responsável por administrar estas doações, portanto responsável por protegê-la. Assim, havia o sentido espiritual de ser vassalo de algum santo e o sentido material de ter a proteção do papa. No meio de todas as doações feitas a São Pedro chama atenção a doação de Guilherme de Aquitânia (sec. X), que doou um feudo a São Pedro para que
  • 14. 14 ali se construísse um mosteiro em vista de restaurar a vivência da regra beneditina. Neste feudo se instaurou o mosteiro de Cluny símbolo da primeira grande reforma medieval: A Reforma Monástica. Perguntas 1. Indique um motivo por que é importante estudar política medieval para um católico e para um não católico 2. Cite os principais eventos históricos na política medieval que influenciaram a doutrina de Santo Tomás. 3. Indique qual a relação de poder entre o papa e o imperador entre Constantino e Teodósio I. 4. Quais foram os motivos para a promulgação das Epístolas Gelasianas? 5. Indique uma originalidade política no papado de São Gregório Magno. 6. Qual é a nova evocação política trazida por São Zacarias? 7. Reflita sobre a fundação do Sacro Império Romano-Germânico e suas consequências para a vida eclesiástica. 8. Indique qual é a evocação política que é montada a partir da instituição do sistema feudal.
  • 15. 15 Aula 2 (A querela das investiduras) A instauração do Sacro Império como um reino teocrático tornou a religião mais um instrumento civil entre os outros. Comparando com os dias atuais, seria como se a Igreja fosse mais uma instituição como o é o Supremo Tribunal Federal. Um caso interessante ocorreu na chamada capitular de 802 em que o juramento ao imperador se confundia com a disposição ao serviço da Igreja, ou seja, a catolicidade vem junto com ‘cidadania’. Isso é um grande problema, pois se perde o sentido espiritual do serviço que era feito para a Igreja. O cristão das primeiras comunidades se sentia obrigado a cuidar bem das viúvas, ter hospitalidade, cuidar dos órfãos etc., mas o motivo pelo qual fazia estas coisas era a fidelidade a Cristo a quem se vê unido espiritualmente, o cristão do período carolíngio também se vê obrigado a fazer essas mesmas coisas, mas o motivo é a obediência a um lei civil. Em outras palavras, o significado espiritual foi acidentalmente esvaziado em detrimento da legislação. É exatamente contra esvaziamento espiritual que nascem os movimentos reformadores. Para que se possa entender a importância de uma renovação espiritual na Idade Média é fundamental fazer um esforço para se colocar na posição do medieval. Em primeiro lugar, deve-se lembrar que o medievo europeu é fruto da união e cristianização de duas culturas: os romanos e os bárbaros. Lembrando que este segundo grupo não compreende apenas uma cultura, mas sim uma variedade delas. Uma consequência importante disso é que aqueles hábitos e evocações antigas ainda permanecem presentes na vida do povo, sobretudo daqueles que estão afastados dos grandes centros urbanos. Esse dado não pode ser ignorado, pois a conversão destes povos não sucedeu como um passe de mágica, mas sim através da gradual substituição dos símbolos pagãos em símbolos cristãos. Por exemplo, acender velas em cemitérios era uma prática pagã que fora proibida aos católicos no Concílio de Constança6 , percebendo a impossibilidade de extinguir a prática a Igreja atribui o significado cristão de que a vela simbolizaria a luz da fé. Essa interpretação secundária dá novo sentido aos símbolos e transforma um ato pagão em cristão sem retirar o poder evocativo que o símbolo traz as pessoas. Isso indica que estava arraigado na vida dos povos antigos a percepção de que há no mundo um poder superior aos homens. A originalidade da Igreja foi expor que há um Deus que é detentor de todo poder e que o usa para a salvação dos homens pelos méritos de Cristo que são dispensados no mundo através da ação da Igreja. 6 RIGUHETI, M., Historia de la liturgia. BAC, 1958
  • 16. 16 Geralmente, essa evocação religiosa a que o medieval está mergulhado é entendido como superstição ignorante, entretanto, guardadas as devidas proporções, o relacionamento que um contemporâneo tem com a ciência não é muito diferente da relação que um medieval tinha com a religião. Um exemplo bom disto é a guerra, para um judeu do antigo Israel quem decidia as guerras era Deus, por isso que Israel perdia, quando era infiel a lei, e ganhava, quando era fiel. Ou seja, a preparação para a guerra era uma preparação moral-espiritual. Ocorre exatamente o contrário de agora, entende- se que a decisão de uma guerra se faz a partir dos preparo técnico, das armas, da tecnologia de que se dispõe etc. ou seja, a preparação para a guerra é técnico-científica. As analogias não param por aí, o medieval tem presente com clareza em sua mente a noção de céu e inferno, entendendo que a felicidade é o céu e a infelicidade é o inferno. O homem moderno alimenta com mais frequência a noção de prazer-saúde e dor-doença, hoje entende-se o binômio prazer-saúde como felicidade e o binômio dor- doença como infelicidade. É como se o céu do contemporâneo fosse ter um vida confortável e ter saúde e o inferno fosse ter uma doença dolorosa. Assim como no mundo moderno se entende que uma vida confortável e saudável se obtém por meio da obediência das ordens do médico que controla a alimentação, os exercícios físicos, o modo de andar, falar etc., o medieval entendia que para obter o céu teria que seguir as prescrições dos clérigos que versavam sobre a temperança, mortificações, postura etc. Assim como a ciência através dos psicólogos, físicos, geógrafos, sociólogos etc. moldam nosso modo de pensar e enxergar o mundo, a espiritualidade através dos monges, padres, bispos etc. moldavam a forma medieval de pensar. Essas analogias mostram que o homem contemporâneo substituiu a espiritualidade pela ciência e a técnica pela moral. Não é o juízo acerca desta troca que interessa agora saber, mas sim as implicações sociais geradas por estas evocações quando elas sofrem alguma alteração substancial. Por exemplo, a descoberta da física atômica foi uma revolução na ciência, essa revolução possibilitou a produção da bomba atômica; a existência de um armamento que é capaz de destruir tudo, muda completamente a forma de fazer guerra a ponto de ela ter de ficar fria. Ou seja, a cosmovisão é capaz de alterar o modo de fazer política. Analogamente, uma reforma espiritual na Idade Média seria, para a política daquele tempo, semelhante aquilo ao que uma revolução científica é para o de hoje. Assim como descobertas científicas mudam a
  • 17. 17 forma de fazer política no mundo contemporâneo, o renascimento espiritual muda a forma de fazer política no mundo medieval. O cientista é para o mundo contemporâneo o símbolo do saber certo, na idade média quem é o símbolo da vida espiritual correta? O monge. Essa evocação foi gerada por São Gregório Magno que explicitou os mosteiros serem modelo de comunidade cristã. Assim, ocorre como o esperado que o grande renascimento espiritual ocorra no meio daqueles que são o símbolo da espiritualidade. Entretanto, ficariam as perguntas: como aconteceu esse renascimento espiritual? Quais foram seus efeitos para a vida política? As reformas monásticas O século VI é marcado por algumas inovações que vão influenciar toda a Idade Média, a primeira inovação é a promulgação da Regra de São Bento (547) e a segunda é a concepção de pastoreio integral defendida por São Gregório Magno (590-604). Estas inovações poderiam ser consideradas desconexas se São Gregório Magno não tivesse sido monge no mosteiro de Monte Cassino, onde São Bento foi abade e para quem ele direcionou a famosa Regra. Ou seja, São Gregório foi formado na Regra de São Bento. Restaria saber: o que há de tão original nessa regra? A Regra é responsável pela união de duas formas antagônicas de se viver o cristianismo. Por um lado haviam os anacoretas, os pais do deserto, que viviam solitários em um rigor ascético heroico, por outro existiam as comunidades urbanas, que tinham de coadunar a vida secular com a espiritualidade. Na sua Regra, São Bento acaba por determinar um lugar em que se vive isolado do barulho da cidade que atrapalha a vida espiritual e, ao mesmo tempo, vive-se em comunidade: o mosteiro. Para se manter afastado o mosteiro deveria residir no campo, deveria ser murado, com extensão suficiente para dar conta das necessidades materiais e espirituais de seus moradores. Ao olhar para as características do mosteiro se identifica imediatamente a cidade perfeita projetada por Platão, entretanto a principal diferença é que a polis platônica devia ficar isolada do resto do mundo e a polis ideal cristã se vê como um membro do corpo místico de Cristo, que compreende muito mais que o mosteiro. Segundo Voegelin,
  • 18. 18 A polis rural espiritual de São Bento, como parte do império Cristão, é o símbolo da transição da antiga civilização mediterrânea para a civilização ocidental: da polis para o império territorial (e, mais tarde para o estado territorial); da civilização urbana para a civilização agrícola feudal; do mito pagão para o espírito de Cristo.7 A Regra de São Bento não ficou restrita ao mosteiro de Monte Cassino, mas passou a ser usada em praticamente toda a Europa até chegar ao nível de ser estendida a todos os mosteiros do Sacro Império a partir do século IX. O processo de consolidação do monaquismo dura cerca de três séculos, oscilando entre altos e baixos. Cerca de trinta anos após a promulgação de Regra, em 580, os lombardos invadem a Itália e destroem Monte Cassino. Somente no século VIII é que começa o processo de restauração de Monte Cassino. Em 717, a conselho do papa Gregório II, alguns monges voltam as ruínas do antigo mosteiro para restaurar o modo de vida do século VI, a comunidade cresceu e o papa Zacarias conseguiu restituir a comunidade a regra escrita pelo fundador, bem como as relíquias de São Bento e Santa Escolástica. Em 747, São Bonifácio manda um abade para a Itália a fim de que aprenda o modo de vida cassinense e leve para o seu mosteiro em Fulda. Mosteiro esse que iria gerar pouco tempo depois (784) dois santos para a Igreja, São Ludgero e São Adalardo – primo de Carlos Magno – desejoso em expandir o ensinamento cassinense em outros mosteiros alemãs. Curiosamente, em 787, a pedido de Carlos Magno a Regra de São Bento chega aos mosteiros franceses. Em 800, Carlos Magno se torna imperador do Sacro Império Romano-Germânico, devido ao seu desejo de unificar a vida espiritual do império Carlos Magno tomou várias iniciativas entre elas as mais significativas são universalizar o rito romano e a regra de Monte Cassino. Do mesmo modo que a decadência do Império Carolíngio gerou a decadência no clero devido à estrutura do regime feudal, também geral decadência no monaquismo. O primeiro motivo era a enorme capacidade que os mosteiros tinham de ser prósperos, embora a principal função dos monges fosse a liturgia eles geriam com perfeição as coisas da terra, eram muito respeitados na sociedade, recebiam muitas doações de terras etc. Alguns abades chegavam a ter poderes de extensão semelhante a de um bispo. Esse prestígio e poder dos mosteiros poderiam ser usados em favor dos senhores feudais, pois era muito comum os mosteiros possuírem a chamada libertas romana, ou seja, 7 VOEGELIN, E. Idade Média até Tomás de Aquino: história das ideias políticas. Vol. 2. São Paulo: É realizações, 2012. p.75
  • 19. 19 isenção de impostos. Em uma linguagem contemporânea, dir-se-ia o mosteiro ser a terra que rende muito sem nenhum imposto pagar. Percebendo isso, alguns senhores passaram a escolher os abades dos mosteiros que estavam sob seus domínios, violando a regra que dizia esta função ser exercida pelos monges das comunidades. Essa violação chegou ao nível de que em uma abadia chegaram a escolher um abade leigo que levou para o mosteiro esposa e filhos para sobreviverem daquilo que os monges produziam deixando apenas o resto para a mesa dos irmãos. Claramente, o mosteiro estava se tornando em mais um instrumento de poder feudal e perdendo completamente o seu significado espiritual. O movimento contrário, seguia Guilherme de Aquitânia que, influenciado por um beneditino piedoso, doa o feudo de Cluny com tudo o que nele encerra aos apóstolos Pedro e Paulo8 , sem a submissão a qualquer autoridade eclesiástica, tendo, pois, o mosteiro que se reportar diretamente ao papa. É interessante perceber que a doação não é feita sequer a pessoa do papa, mas sim diretamente aos santos. Embora o texto de Guilherme tenha longas exposições piedosas a sua doação é juridicamente precisa. Pois, a causa da perversão dos mosteiros era a sua falta de autonomia frente os senhores feudais que na sua época apareciam sob dois aspectos: o laical e o outro clerical. Assim, era fundamental conservar a posse aos santos, afinal o clero também era um risco. O fundador de Cluny também escolheu seu primeiro abade, Bernon (910-926), que implantou a mais fiel e vigorosa observância beneditina. Os efeitos foram imediatos, em poucos anos o mosteiro já gozava de grande prestígio a ponto de ser considerado modelo que atraía para si um número grande de vocações de gente que aspirava a santidade. Era comum que príncipes, senhores feudais, reis etc. que tinham interesse em reformar os seus mosteiros ou fundar um pedisse ajuda ao abade de Cluny. Isso fez com que vários mosteiros estivessem sujeitos a autoridade de Bernon. Por isso, escolheu abades para todos os mosteiros que estavam pessoalmente sujeitos a ele, inclusive o mosteiro de Cluny. Escolheu para esse último o seu discípulo mais fiel Santo Odon que comandou o mosteiro entre 926 e 942. 8 Disponível em: http://www.documentacatholicaomnia.eu/02m/0910- 0910,_Willelmus_Arvernorum,_Testamentum_De_Constructione_Cluniacensi_Loci,_MLT.pdf acessado em: 25/11/14 às 23:40
  • 20. 20 Santo Odon foi responsável pelo reconhecimento pontifício da carta de 910 em que o papa João XI (em 931) dá à abadia a proteção apostólica e a imunidade para escolher o abade. Além disso foi responsável pela reforma de inúmeros mosteiros na Europa ao peregrinar de mosteiro em mosteiro anunciando a reforma, deixando a abade que lhe sucederia uma rede monástica que chegava a várias regiões da Europa. Outro sucessor importante foi São Mayolo (954-994) que, assim como Santo Odon, andava pelos mosteiros anunciando a reforma. Outro dado interessante era a sua bondade e erudição que acabou por dar a ele grande prestígio entre o papa e as grandes autoridades da época, inclusive Oton I. Isso fez com a influência do espirito reformador cluniacense chegasse em muitas partes da Europa. O Apogeu de Cluny ocorre com a regência de Santo Odilon (994-1049) quando o costume cluniacense é posto por escrito e o mosteiro já tem influência suficiente para fazer aquela evocação reformista que era propagada exclusivamente pelos mosteiros começasse a também evocar uma reforma na Igreja. A reforma espiritual de Cluny não teria apenas efeitos no número de santos a aparecer no mundo, veja que entre os cinco primeiros abades de Cluny três deles são santos. Além de terem influenciado a forma das grandes autoridades verem o mundo, o mosteiro também teve grande importância política devido a sua forma de organização. Vale ressaltar que a própria estrutura de Cluny passou a interessar muito a Roma, pois esse mosteiro começou a fundar outros que estavam vinculados a uma matriz. Os filiados tinham priores que se encontravam anualmente nos capítulos. Essa organização aparece como algo original na Igreja, pois até então não havia centralização nas mãos do papado, os bispos não eram para o papa o que os priores eram para o abade; diversamente, Cluny aparece como uma instituição centralizada e hierárquica, como ainda não se tinha visto na Idade Média. Esse aumento do poder de Cluny vai gerar entre o monastério e a Igreja uma relação de mutualismo que eclode na querela das investiduras, pois, por um lado, a Igreja entende que a administração de Cluny pode ser usada a serviço da Igreja, por outro Cluny precisa de um papado forte para garantir a segurança contra os ataques temporais e clericais. A prosperidade de Cluny foi enorme a ponto de que noventa anos após a sua fundação ele já era considerado o maior mosteiro do mundo. Acerca das ideias políticas vale ressaltar que Cluny comporta em si autonomia e poder central. Ora, essa é a evocação de um Estado Moderno, ou seja, aquele mosteiro medieval traz,
  • 21. 21 acidentalmente, um terceiro poder que até então não se tinha sido visto. Esse mosteiro se mostra muito a frente do seu tempo ao fazer isso e acaba por colher muito rapidamente os frutos de tal originalidade: a riqueza. A grande vantagem de um poder centralizado é exatamente a facilitação do acúmulo de riquezas e de influência política, não é sem motivo que no século XI já se terá papas cluniacenses. O que sucede dessa prosperidade material é o afastamento da proposta inicial de revigoramento do espírito, daí, a partir do ano 1000 já se fazia necessário uma segunda fase da reforma monástica. A segunda fase das reformas monásticas não ocorrem posterior a primeira, mas sim juntas. No momento em que se atingia o apogeu de Cluny, renascia o espírito do monaquismo anacoreta. Esse renascimento ocorreu prioritariamente na Itália onde havia ainda grande influência oriental. Cabe dizer que esta proposta de retomada da vida anacoreta não logrou o mesmo êxito que a primeira fase da reforma, pois acontecia que os mosteiros começavam vazios, mas com o passar do tempo enchiam e não era possível manter o mosteiro funcionando sem a determinação de uma Regra, que até então era beneditina. Em outras palavras, aconteceu que grande parte destes mosteiros anacoretas acabaram por se tornar mosteiros beneditinos depois. Entretanto, eles possuem uma importância para as ideias políticas, pois mostram que é fundamental encontrar um meio de conservar o sentido espiritual da reforma sem perder os benefícios da organização trazida por Cluny. A união entre essas duas necessidades vai ser feita na terceira fase da reforma no século XII, por São Bernardo de Claraval. Vai-se mais, apropriadamente, tratar desta terceira fase quando se falar dos papas gregorianos. São Gregório VII Preparação para Gregório VII Por um lado, o século X marca a ascensão de Cluny, por outro marca o período mais tenebroso da história eclesiástica. Esse século foi tão problemático que alguns autores o chamaram de saeculum ferreum obscurum. Esse século começa antes de 900 e termina depois do ano 1000. O marco histórico desse período é a queda do Império carolíngio com a deposição de Carlos, o gordo, em 888. A queda do Império unificado como no período de Carlos Magno era um verdadeiro desastre para a Igreja, pois devemos lembrar que nenhum papa poderia ser eleito sem o consentimento do imperador, logo o enfraquecimento do Império torna a escolha do papa um assunto para as nobres famílias italianas.
  • 22. 22 O período em que as famílias italianas mandariam no papado foi muito bem anunciado pelo sucedido com o papa Formoso, em 891. Segundo LLORCA, o papa Formoso teria sido homem de ascese diferenciada, e que teria feito de tudo para conservar a decisão de não compactuar com o erro que teria acontecido em Bizancio, em que um leigo teria sido feito bispo e depois patriarca do oriente em seis dias contrariando todas as normas canônicas. Além disso, esse patriarca teria deposto o verdadeiro patriarca de Constantinopla, Ignácio. Esse problema foi agravado pelo fato de que Focio, para alargar as diferenças entre Bizâncio e Roma resolveu trazer a tona série de problemas teológicos para fundamentar a separação. Um dos problemas foi o famoso problema do filioque. Esses problemas teológicos atrapalharam a diplomacia a ponto de gerar o famoso religioso cisma do Oriente, que era o cisma que faltava, pois o cisma político já tinha sido feito no ano 800 com a eleição de Carlos Magno. O que sucedeu é que Roma condenou a postura de Focio e deu a ordem de que todos os que haviam sido ordenados por Focio deveriam ser excomungados e depostos de suas funções. Formoso se manteve rigoroso nas prescrições do seu predecessor João VIII. Isso teria sido uma atitude simples se, em Roma, não houvesse cidades que ainda eram dominadas por Bizâncio. Como o Império Carolíngio estava enfraquecido o papa perdeu a proteção e teve de se defender por seus próprios meios, o que naturalmente seria um problema. O primeiro deles foi o caso de uma comitiva que tentava invadir o palácio de Latrão quando Fomoso morreu, em 896, essa comitiva elegeu o novo papa, Estevão VI, que foi o responsável pelo famoso concílio cadavérico que visava tratar Formoso como um antipapa, revogar todas as suas decisões, e despojá-lo de todas as dignidades próprias de um papa. Assim se fez, julgaram o papa e revogaram todas as suas decisões. Depois disso não demorou muito para alguém do partido de Formoso invadir o palácio pontifício e estrangular Estevão VI. Essa briga de partidos não iria permanecer por um longo tempo, entretanto é interessante ressaltar que entre aqueles que eram contra Fomoso se encontrava Sérgio III (904 – 911). A sua importância espiritual é nenhuma, mas tem a importância de ter chegado ao papado através da influência da família Teofilacto que será muito importante até meados do século XI. O curioso nesse caso é que existem alguns indícios de que Sérgio III teria tido um filho com Marozia, filha dos Teofilacto. Isso já seria
  • 23. 23 bastante escandaloso se 40 anos depois Marozia não estivesse vendo o seu neto chegar a Sé de Pedro assumindo do nome de João XII (955 – 964). Esse papa é bastante importante, porque é no seu pontificado que começa a chamada restauração otoniana que vai se prolongar até praticamente o século XI. Essa reforma começa quando Oton I, rei da Alemanha, invade a Itália, em 951. Depois invade Roma e a retira do poder do pai de João XII e coloca nas mãos de seu irmão, Adalberto. Não obstante, em 960, os próprios italianos pediam para que Oton reinasse sobre eles para se livrarem dos desmandos do então governante. Assim, em 961, Oton tem o poder da Itália. A figura de Oton é impactante, tanto pela virtude da guerra tanto pela santidade que o circunda, entorno deles estão Santa Adelaida (esposa), São Bruno I (irmão) e Santa Matilde (sua mãe). Além disso, posteriormente iria entrar no cânon um de seus filhos. Todas essas virtudes de Oton e a saudade dos tempos do Império faz com que, em 962, o papa João XII coroe Oton I como Imperador do Sacro Império, dessa vez segundo o rito romano, diferente de Carlos Magno. A administração imperial de Oton inicialmente pretende restituir o que fora perdido do Império carolíngio. O Império Otoniano era mais universal e católico que o de Carlos Magno, dava mais poder aos eclesiásticos, ainda que sua soberania efetiva sobre os territórios da Europa era mais restrita. Por norma, os reis alemães tinham de ter a aprovação do papa para serem imperadores, por outro lado os imperadores deveriam ter por prerrogativa a manutenção da ordem do povo cristão pela obediência as normas papais e a proteção da Igreja. Ao contrário do que se imagina hoje acerca de um imperador, é bom lembrar que a soberania do imperador estava restrita as soluções dos problemas eclesiásticos, não interferia na gestão dos príncipes. O imperador nesse período tem mais um significado de um cargo eclesiástico do que propriamente dito poder civil. O acordo era basicamente o seguinte, os imperadores garantem o poder temporal da Igreja, e os romanos fazem juramento de fidelidade ao Imperador, esse juramento inclui a renúncia do direito escolher o papa. É fundamental lembrar que o juramento de fidelidade medieval quer apenas dizer que não se atentará contra os interesses do imperador, não significa que se concede ao imperador direito de gerir todas as dimensões da vida, como se costumam pensar nos dias de hoje. A imagem de
  • 24. 24 um governante que coordene todas as dimensões da vida é uma imagem do período moderno, não uma ideia medieval. Uma das modificações da estrutura otoniana foi exigir que os arcebispos recebessem o anel e o báculo das mãos do monarca. Ou seja, é o monarca quem dá as investiduras e quem escolhe os bispos. Aqui se percebe a diferença, pois agora os senhores feudais até podem doar as terras, mas quem escolhe o bispo é o monarca, ou seja, aquele poder que vinha da Igreja para a sua proteção ganha força temporal a medida que os bispos, senhores feudais, tornam-se diretamente vinculados ao imperador. O mais interessante disso é que essa ideia de Oton gerou muito pouca objeção, pois escolhia os bispos segundo os conselhos de seu irmão, quer era um grande diplomata e tinha fama de santidade. A consequência desse sistema montado por Oton é o fortalecimento interno do poder do imperador através do episcopado. É exatamente essa ideia política de usar a influência da Igreja para aumentar o poder temporal que vai gerar problemas quando se tiver imperadores que não possuem tantos santos a disposição para consultarem acerca do que devem fazer. Essa superestrutura de poder imperial fundada na estrutura eclesiástica gera duas coisas: o fortalecimento do império e a secularização do clero. O primeiro é evidente, o imperador que só tinha influência passa a ter poder por causa das ordenações episcopais. A segunda se refere ao fato de que os cargos eclesiásticos se tornaram o caminho mais fácil para se atingir os pontos mais altos da corte. Exatamente, a estrutura feudal adicionada a ambição humana que gerou um verdadeiro sistema de corrupção centrado no nicolaísmo e na simonia. O primeiro deles devido à completa falta de preparo da parte dos sacerdotes que eram ordenados, enviados a uma paróquia de interior sem instrução efetiva e sem vocação, pois naquela época não seria muito difícil confundir o sacerdócio como uma função a ser exercida na sociedade, assim a união com uma mulher não lhe seria impedimento para bem exercer seu ofício. No fundo, o nicolaísmo era defendido por alguns como sendo um mandato bíblico, pois São Paulo diz que aqueles que se abrasam é melhor que se casem, os sacerdotes acreditavam isso dizer respeito a eles e, então, juntavam-se e constituíam família. A simonia constituía um sistema mais complexo ainda. Pois, para ser bispo é necessário uma indicação, que pode ser adquirida comprando-a de alguém. Entretanto,
  • 25. 25 quem vende essa influência não vende por pouco, logo era comum que os bispos ficassem devendo aos senhores feudais pela indicação ao episcopado. O bispo por sua vez, vendia as ordenações inferiores às dele: presbiterato e diaconato. Esses acabavam por ficarem devendo seus bispos, para conseguirem o dinheiro necessário vendiam todas as coisas sagradas que podiam, relíquias, indulgências, bênçãos etc. Isso mostra que o problema dessa sociedade é sistemático, por isso somente é possível resolvê-lo com uma solução igualmente sistemática. É com esse mundo que começa a reforma pre- gregoriana. Reforma pré-gregoriana Se fosse possível resumir o século X, poder-se-ia fazê-lo através da ascensão do poder temporal do papado, dado que o enfraquecimento do Império Carolíngio tornou o papa o principal defensor de Roma, e através da ascensão da reforma espiritual proposta por Cluny. A primeira trata o papado como fonte de poder temporal, a segundo como fonte de poder espiritual, a primeira entende os bispos como altos funcionários da administração imperial e a segunda como pastores de almas. As diferenças entre as evocações espirituais e temporais são tão grandes que seria esperado que um conflito acontecesse, sobretudo quando os representantes do poder espiritual obtivessem o poder temporal o que aconteceu quando Leao IX (1049-1054) chegou ao papado. O aumento do poder temporal daqueles que prezavam pela reforma espiritual sem dúvida seria causa de conflito, pois agora aqueles que reclamavam da estrutura tem o poder para mudá-la. Aquela análise que se mostrou aqui acerca da estrutura de corrupção montada pelo sistema feudal foi percebida primeiramente por dois cardeais reformadores: São Pedro Damião e o cardeal Humberto (fl. 1057). Esses dois entendiam que o motivo da crise no clero era o excesso de intromissão leiga nas coisas eclesiásticas. Essa descoberta é fundamental para que se inicie um processo de reforma que eclode em São Gregório VII (Sec. XI) e termina em Inocêncio III (Sec. XIII). São Pedro Damião São Pedro Damião faz parte de um movimento italiano que poderia ser considerado como a segunda fase da reforma monástica, que é a reforma anacoreta. Essa reforma pretendia revigorar a ascética dos padres do deserto, isso explica o caráter duro com que ele fala sobre a simonia e o nicolaísmo. É interessante perceber que a reforma espiritual traz para o campo da política uma coisa que estaria presa ao campo
  • 26. 26 dos mosteiros, a necessidade de soluções teóricas. Se se reparar tudo o que foi dito até aqui, ver-se-á que as decisões dos papas e os imperadores geralmente estavam pautadas na vida prática, ainda que essa prática fosse a religiosa. A partir de agora, não basta pautar as decisões na prática, é importante que se reconheça naquela decisão a fidelidade a vida espiritual, ou seja, a reforma espiritual acaba exigindo justificativas intelectuais para as ações. Não é sem motivo que as punições dos bispos simoníacos viesse junto com a pergunta acerca da validade das ordenações compradas. Essa pergunta é fundamental, pois muitos bispos haviam tido a sua ordenação comprada além de que a invalidade da ordenação de um bispo torna inválida a ordenação dos padres e, por conseguinte, inválidos todos os sacramentos administrados por eles. Em outras palavras, invalidar a ordenação dos bispos simoníacos era o mesmo que invalidar a vida sacramental da Igreja. Ora, a fonte da vida espiritual são os sacramentos, ou seja, invalidar as ordenações é o mesmo que invalidar a própria reforma a que São Pedro Damião e o cardeal Humberto estavam comprometidos. Por isso a punição dada aos bispos simoníacos foi a proibição de ordenar, a partir da data da promulgação da lei, e aos sacerdotes que foram ordenados por aqueles bispos eximiram de penitência. Mas ainda restaria a dúvida: essa decisão versa sobre o poder que Cristo deu a Igreja ou sobre uma estratégia política conveniente? O Liber gratissimus (ca. 1052) de São Pedro Damião é exatamente para resolver esse problema. Resumindo a obra, Veogelin afirma: Apoiado pela autoridade de Santo Agostinho, ele coloca a Igreja no centro de sua discussão e decisão. A vida espiritual da Igreja emana diretamente de Cristo, cabeça do corpo místico. O carisma sacramental é sempre puro, mesmo que seja indigna a mão que o administra. O sacramento é administrado somente pelo sacerdote; a substância não é afetada por suas qualidades pessoais. Para tornar o carisma do sacramento eficaz, o receptor tem que se encontrar em estado de graça, mas não está em poder do ministro exercer um poder mágico compulsivo sobre Deus, convertendo-se em pessoa digna ou indigna como mediador do dom de Deus ao homem.9 A doutrina sacramental de São Pedro Damião foi tão importante que essa é a doutrina sacramental transformada em dogma no Concílio de Trento, isso faz dessa doutrina importante sob o ponto de vista da história da Igreja. Entretanto, sob o ponto de vista das ideias políticas essa doutrina também é muito importante, pois resolve vários 9 VOEGELIN, E. Idade Média até Tomás de Aquino: história das ideias políticas. Vol. 2. São Paulo: É realizações, 2012. p.97
  • 27. 27 problemas em um momento em que se está falando em reforma espiritual. O principal deles é o sectarismo eclesiástico que implicaria em um sectarismo imperial. Afinal, se alguns bispos santos ordenam validamente e os simoníacos não, então deve-se fundar uma Igreja para os santos e uma para os pecadores. Essa evocação de que há uma Igreja dos santos que vivem o Evangelho e outra para os pecadores vai inundar o século XII, transformando as reformas espirituais do século X e XI em rebeldias violentas. O que aconteceu é que graças ao trabalho de São Pedro Damião esse sectarismo não foi institucionalizado na doutrina da Igreja. Acerca da unidade do Império é importante se lembrar que a fé era a evocação que unia o Império, pois imperadores iam e vinham, mas a fé permanecia; dividir a Igreja era dividir o império. A maior prova da influência política dessas evocações sectaristas é a revolta da pataria, cuja originalidade consiste no fato de ter sido uma revolta popular contra os bispos simoníacos na arquidiocese de Milão. Era a primeira vez, que o povo manifestava seu descontentamento contra os bispos simoníacos. Mas esse movimento chegou ao século XII com características heréticas e de caráter anticlerical. Além disso, o trabalho de São Pedro Damião vai ser muito importante no sínodo de 1059, pois nesse momento Nicolás II vai proclamar fortes punições aos padres que viviam em concubinato proibindo-os de celebrar a missa, impondo várias penas e censuras. Não somente nisso, mas nesse concílio, pela primeira vez, estabelece- se o critério de eleição do papa fundado nos cardeais bispos. Segundo esse concílio, o processo seria: primeiro os cardeais bispos, seguindo o clero e o povo. A sugestão do imperador só deveria ser considerada quando fosse relevante. O importante aqui é que, pela primeira vez em séculos, a Igreja estava desenvolvendo um sistema de eleição papal autônomo, é interessante perceber que é na era dos papas cluniacenses que aquela estrutura de poder central que havia no mosteiro começa a chegar a Igreja universal. Assim como, os mosteiros tinham autonomia de escolher seus abades, Nicolás II agora estava querendo dar a Igreja o direito de escolher o seu papa. Essa ideia política interessa muito, pois um dos poderes supremos da Idade Média começa a pedir autonomia do outro poder. A partir daqui será apenas questão de tempo para que o outro poder também queira autonomia e, estando ambos autônomos, estar-se-á na Idade Moderna.
  • 28. 28 O papado Em Gregório VII, que as duas correntes do século X se encontram, pois de um lado, havia o fortalecimento gradativo do Império através da secularização do clero, de outro havia Cluny que após gerar muitos santos para a Igreja chegava ao papado com Leão IX, ocorreu que um homem se tornou síntese disso: Hidelbrando (Gregório VII). Ele havia sido monge de Cluny e alimentava aquele ideal reformador, por outro lado havia feito parte da corte de Nicolás II e conhecia bem como funcionava o jogo político medieval. Esse foi eleito papa praticamente por aclamação e começou já nos primeiros anos de pontificado a usar a estrutura de poder de Cluny na Igreja ao espalhar legados seus em grande parte da Europa. Isso centralizava o poder papal, possibilitando que pudesse fazer frente ao imperador Henrique IV. A disputa entre Gregório VII e Henrique IV é emocionante, mas interessa a nós saber o básico de que o Imperador Henrique IV queria revogar o sínodo de Latrão que lhe retirava quase todos os poderes na eleição do papa e na escolha dos bispos e Gregório se recusou a fazê-lo, pelo contrário reafirmou o poder do papa em um comunicado chamado dictatus papae que contem as seguintes afirmações: I. «Quod Romana ecclesia a solo Domino sit fundata». (Que a Igreja Romana foi fundada somente pelo Senhor). II. «Quod solus Romanus pontifex iure dicatur universalis». (Que só o Pontífice Romano seja dito legitimamente universal). III. «Quod ille solus possit deponere espiscopus vel reconciliare». (Que só ele possa depor ou repor bispos). IV. «Quod legatus eius omnibus episcopis presit in concilio etiam inferioris gradus et adversus eos sententiam depositionis possit dare». (Que os seus legados, ainda que de grau inferior, em um concílio estão acima de todos os bispos, e pode contra estes pronunciar sentença de deposição). V. «Quod absentes papa possit deponere» (Que o Papa possa depor ausentes). VI. «Quod cum excommunicatis ab illo inter cetera nec in eadem domo debemus manere». (Que com os excomungados pelo Papa não podem, entre outras coisas, permanecer na mesma casa). VII. «Quod illi soli licet pro temporis necessitate novas leges condere, novas plebes congregare, de canonica abatiam facere et e contra, divitem episcopatum dividere et inopes unire». (Que só a ele é lícito, segundo necessidade temporal, ditar novas
  • 29. 29 leis, formar novas comunidades, converter uma fundação em abadia e, reciprocamente, dividir uma diocese rica e reunir dioceses pobres). VIII. «Quod solus possit uti imperialibus insigniis». (Que só ele possa levar as insígnias imperiais). IX. «Quod solius pape pedes omnes principes deosculentur». (Que todos os príncipes devem beijar os pés do Papa). X. «Quod illius solius nomen in ecclesiis recitetur». (Que o seu nome deve ser recitado em toda igreja). XI. «Quod hoc unicum est nomen in mundo». (Que este nome é único no mundo). XII. «Quod illi liceat imperatores deponere». (Que lhe seja lícito depor os imperadores). XIII. «Quod illi liceat de sede ad sedem necessitate cogente episcopos transmutare». (Que lhe seja lícito trasladar bispos de uma sede para outra, se lhe obrigar a isso a necessidade). XIV. «Quod de omni ecclesia quocunque voluerit clericum valeat ordinare». (Que possa ordenar clérigos de qualquer igreja onde queira). XV. «Quod ab illo ordinatus alii eclesie preesse potest, sed non militare; et quod ab aliquo episcopo non debet superiorem gradum accipere». (Que um ordenado por ele possa presidir a outra igreja, mas não servi-la; e que o ordenado por ele não possa receber grau superior de outro bispo). XVI. «Quod nulla synodus absque precepto eius debet generalis vocari». (Que nenhum sínodo se chame universal se não for por ordem do Papa). XVII. «Quod nullum capitulum nullusque liber canonicus habeatur absque illius auctoritate». (Que nenhum capítulo nem nenhum livro seja considerado como canônico sem sua autorizada e permissão). XVIII. «Quod sententia illius a ullo debeat retractari et ipse omnium solus retractare possit». (Que suas sentenças não sejam retratadas por ninguém e só ele possa revê-la). XIX. «Quod a nemine ipse iudicare debeat». (Que não seja julgado por nada). XX. «Quo nullus audeat condemnare apostolicam sedem apellantem». (Que nada pode condenar quem apela a Sede Apostólica).
  • 30. 30 XXI. «Quod maiores cause cuiscunque ecclesie ad eam referri debeant». (Que as causas maiores de qualquer igreja sejam referidas à sede apostólica). XXII. «Quod Romana ecclesia nunquam erravit nec imperpetuum scriptura testante errabit».(Que a Igreja Romana nunca errou e não errará nunca, segundo testemunho das Escrituras). XXIII. «Quod Romanus pontifex, si canonice fuerit ordinatus, meritis beati Petri indubitanter efficitur sanctus testante sancto Ennodio Papiensi episcopo ei multis sanctis patribus faventibus, sicut in decretis beati Symachi pape continetur». (Que o Pontífice Romano, uma vez ordenado canonicamente, é santificado indubitavelmente pelos méritos do bem-aventurado Pedro, segundo testemunho do santo bispo Enódio de Pavia, apoiado pelos muitos santos Padres segundo está nos decretos do Beato Papa Símaco). XXIV. «Quod illius precepto et licentia subiectis liceat accusare». (Que por ordem e permissão sua seja lícito aos subordinados formular acusações). XXV. «Quod absque synodali conventu possit episcopus deponere et reconciliare». (Que pode depor e restabelecer os bispos mesmo fora de reuniões de sínodo). XXVI. «Quod catholicus non habeatur, qui non concordat Romane ecclesie». (Que ninguém seja chamado católico se não concorda com a Igreja Romana). XXVII. «Quod a fidelitate iniquorum subiectos potest absolvere». (Que ele pode eximir os súditos da fidelidade para com príncipes iníquos) 10 O dictatus papae vai ser praticamente a constituição do papado de Gregório VII e dele muitas originalidades surgem. A primeira é: o papa tem o poder de depor e repor bispos. Isso gera uma completa confusão na estrutura de poder feudal, pois agora não é o senhor feudal que decide qual será o bispo que vai coordenar a terra que lhe dispõe, mas sim o papa; isso, dá as dioceses autonomia aos senhores feudais semelhantes à autonomia que Cluny havia recebido no século X, por outro lado dava ao papa poder sobre as terras dos senhores feudais. Guardadas as devidas proporções é como se o seu capataz de confiança pudesse ser deposto e reposto a qualquer momento pelo papa. 10 Disponível em: http://www.avozdedeus.org.br/site/materias/artigos/956-dictatus-papae.html, ou http://www.fordham.edu/halsall/source/g7-dictpap.asp ou http://www.documentacatholicaomnia.eu/01p/1073-1085,_SS_Gregorius_VII,_Registrum,_MLT.pdf, acessado em: 03/12/14 às 16:21
  • 31. 31 A segunda é a determinação de que o papa não pode ser jugado por ninguém e que ele é o juiz universal, por um lado recobrando aquela função petrina original, por outro tornando confusa aquela teologia gelasiana que afirmava o poder do imperador ser o poder de Cristo Rei que existe para evitar que o papa se ensoberbeça. A terceira é o poder de depor o imperador e interferir nos assuntos entre reinos. Para Gregório VII, não poderiam haver relações feudais entre reinos, pois um rei que é vassalo de outro não é um rei e se isso acontecesse o papa teria o direito de intervir nessas questões, pois entendia que essa relação era tirânica. Isso indica que o papa está salvaguardando as liberdades nacionais dando aos reinos a autonomia que seu antigo mosteiro recebera, os efeitos disso é a nacionalização que vai crescendo até chegar a Idade Moderna com o surgimento do Estado, por outro lado, ao se colocar como árbitro do imperador e dos reis ele está colocando no papado um poder de intervenção que ultrapassa o atual poder do imperador, gerando um desequilíbrio entre os poderes. Não é difícil imaginar qual deva ter sido a reação do imperador depois desse pronunciamento, tentou por várias vezes depor Gregório VII, por meio de um concílio até que o papa faz uso do direito adquirido por Silvestre I, no 1000, ainda no reinado de Oton III de que o papa poderia excomungar e depor o Imperador. Exatamente isso que São Gregório VII faz, com isso os súditos de Henrique IV deixam de estarem obrigados a fidelidade, o que se torna uma oportunidade excelente para seus inimigos os destronarem. Para evitar isso Henrique IV vai pedir perdão a Gregório VII, em 1077, perdoa-o depois de ele passar três dias fazendo penitência descalço na neve. Essa é uma imagem do que foi Gregório VII na querela das investiduras, ainda que seja pouco significativo para a história das ideias. Pois, logo após o perdão do papa, Henrique volta a Alemanha e trama contra Gregório que morre desterrado. Há autores que entendem que a querela das investiduras poderia ter sido o maior debate político da história, mas evitando panegíricos é mais interessante ir aos fatos e perceber que o mundo se torna outro depois do papado de Gregório VII. O motivo disso é que Gregório VII, buscando ampliar o poder espiritual, acabou aumentando o seu poder temporal a níveis inigualáveis. Repare que a estrutura de poder do império funcionava a partir dos bispos que eram escolhidos pelo Imperador. Com a reforma gregoriana o poder dos bispos vai para o papa, logo o poder
  • 32. 32 administrativo do Império sai das mãos do imperador e vai para as mãos do papa. Guardadas as devidas proporções, seria como se o bispo da cidade pudesse escolher os assessores do prefeito, tendo esses assessores um juramento de fidelidade ao bispo. Isso unido ao poder de depor um rei ou o próprio imperador coloca o papado quase no lugar de Deus, pois terá todo o poder terreno. Se se considerar o código gelesiano dir-se-ia que o poder espiritual engoliu o temporal. Ou seja, feriu o código gelasiano pela supremacia hegemônica do papa. É interessante perceber que a proposta de São Gregório VII realmente foi capaz de garantir a autonomia da Igreja, entretanto essa autonomia acabou por transformar a Igreja em um Império que começava a disputar com o outro que havia sido criado por ela mesma. Segundo Voegelin, Gregório VII junto com os reformadores da sua época acabaram por cair na falácia de que um grande poder espiritual exige, igualmente, um grande poder temporal. Essa percepção não parecia estar clara na cabeça dos reformadores do século XI e, por isso, entendiam que transformar a Igreja em Cluny daria para a Igreja os mesmos frutos obtidos naquela comunidade. Assim, o papado de Gregório VII marca o início da guerra explícita entre o poder temporal e o poder espiritual, aquela representada pelo partido do imperador e essa pelo partido gregoriano. Alguns livros foram escritos acerca disso nesse período, mas se poderia resumir a discussão nos seguintes argumentos: As teses dos reformistas afirmavam que a chave havia sido dada a Pedro com o poder de ligar e desligar, afirmavam o poder espiritual ser superior ao temporal, evocavam a jurisprudência do papa Zacarias ter deposto o último merovíngio, a necessidade que a Igreja tinha de poder temporal para conservar o poder espiritual, entendiam que o Imperador era um membro do corpo de Cristo como qualquer outro e não está isento da disciplina espiritual da Igreja e a necessidade de que o império tivesse uma instância superior, que seria o papa As teses do imperador afirmavam que segundo os tratados gelasianos o sacerdócio dependia reino para a vida temporal; o poder real foi decretado por Deus, e os sacerdotes devem o respeitar de forma incondicional ou até contribuir; o poder espiritual só se pode intrometer em caso de heresia; o rei é um elemento do corpo místico; o poder temporal não é oriundo do mal; a unidade do Sacro Império depende da unidade dos poderes, o poder espiritual não pode reivindicar supremacia sobre o
  • 33. 33 temporal; é o imperador o protetor oficial de Roma e que era dever do imperador fazer nomeações abaixo do papa. Essa disputa no fundo consiste no fato de que os reformadores estão pensando nas coisas do espírito, enquanto os políticos nas coisas práticas. É ela a principal causa de uma crise estrutural, pois, como indica uma das teses do imperador, o Sacro Império depende da harmonia entre os poderes, quando eles começam a brigar é sinal de que a própria estrutura do mundo está para mudar. Período pós-Gregório A morte de Gregório não foi o fim da controvérsia das investiduras, pelo contrário os papas gregorianos acabaram por intensificar mais ainda a disputa contra o imperador. Como se vê, tanto as teses dos reformadores quanto as teses do imperador são bastante razoáveis naquilo que tange a forma como as leis iam sendo proclamadas com o passar do tempo. Ou seja, far-se-ia necessário algum tratado que fosse capaz de fundamentar teologicamente uma posição ou a outra. Como já foi dito, a fundamentação é uma exigência feita, sobretudo, por aqueles que acreditam a vida ter de se comportar segundo os símbolos, ou seja, para os que pertencem a reforma espiritual. Na proposta de criar um tratado (sistema) teológico que justifique o poder espiritual dever comandar o mundo o cardeal Humberto escreve o famoso adversus simoniacos. Em que faz uma teologia fundada na doutrina paulina do corpo místico de Cristo em contraposição ao corpo do diabo. Essa é uma evocação de caráter espiritual, ou seja, a argumentação ainda está considerando que as decisões da vida prática devem ser regidas pelos símbolos da vida espiritual. Em primeira análise, a disputa entre o partido do papa e o do Imperador foi puramente jurídica, ou seja, cada grupo evocava séries de leis que favoreciam a um ou a outro e chegavam a um empasse. A diferença é que o partido do papa teria a vantagem de ter dentro da sua argumentação uma elaboração teológica, enquanto o imperador contava apenas com leis antigas para se defender. Em um momento de reforma espiritual em que os jovens entram ostensivamente nos mosteiros, é claro que a elaboração teológica é considerada mais importante que alguma lei antiga, que por sinal, aqueles que leram Humberto chegariam até a imaginar ser essa lei um elemento do corpo do diabo, mas do que do corpo de Cristo. Por isso é interessante o aparecimento de uma teologia das teses do imperador, essa teologia aparece na controvérsia das
  • 34. 34 investiduras inglesa, chamado tratatus eboracenses, ou tratados de York (Sec. XII). A grande originalidade desse tratado é o caráter espiritual dos textos e a defesa de algumas doutrinas que seriam consideradas completamente heterodoxas no seio da Igreja. Cardeal Humberto (1010 - 1061) A primeira coisa importante a ressaltar e a influencia do cardeal Humberto, ele era um monge cluniacense que foi levado a Roma e feito cardeal pelo papa Leão IX, o primeiro papa cluniacense. É interessante ressaltar que foi levado devido à sua capacidade intelectual, piedade e ao seu rigor ascético11 . Em outras palavras, o cardeal Humberto seria um daqueles teólogos do papa. É importante lembrar que o jovem Hidelbrando também teve participação no papado de Leão IX, assim não é impossível imaginar que os pensamentos do Cardeal Humberto tenham influenciado Gregório VII. Por causa dessa enorme influência política que esse cardeal tinha, é esperado que sua principal obra adversus simoniacos, tenha sido importante para as ideias políticas que estavam por trás do dictatus papae. A figura premente no adversus simoniacos é a de Simão, o mago12 . É tão ressaltada no tratado que em certo momento o cardeal afirma que aqueles que compram e vendem as coisas sagradas são chamados simoníacos por causa daquilo que tinha feito aquele Simão. A história de Simão, o mago, se encontra no livro dos Atos dos Apóstolos, segundo o relato Simão teria sido um homem que tendo visto o poder que os apóstolos dispensavam através da imposição de suas mãos tentou comprar esse poder de São Pedro. A resposta dada a ele nessa tentativa de extorsão foi uma maldição terrível em que São Pedro alerta-o de que ele não receberá nem a herança (salvação) nem o ministério. O posicionamento do cardeal Humberto acerca das ordenações é bastante diverso daquele pensado por São Pedro Damião, para ele as ordenações feitas por bispos simoníacos não é válida, bem como os batizados etc. A razão disso é que ele entende que um simoníaco, na realidade, é um herege. Essa é a tese central desse livro, a partir dela todas as outras são tidas como consequência. A justificativa dada por Humberto é: aqueles que acreditam o Espírito Santo agir por meio de mãos simoníacas, na realidade, 11 Disponível em: http://www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_1010- 1061__Humbertus_Silvae_Candidae_Episcopus__Adversus_Simoniacos_Libri_Tres__MLT.pdf.html acessado em 09/12/14. (admonitio praevia) 12 Cf. At 8, 9-25
  • 35. 35 acreditam que esse mesmo Espírito obedece ao homem, afinal a Escritura mostrou que Deus não criou o seu ministério para ser comprado. Ora, se o Espírito obedece ao homem, então deveria ser menor que o homem. O que seria um absurdo, pois foram considerados hereges os arianos que diziam o Pai se maior que o Filho, que dirá aqueles que dizem o Espírito Santo ser menor que o homem. Em suma, o cardeal Humberto diz que acreditar que a ordenação dos simoníacos é válida é o mesmo que incorrer em uma heresia trinitária. Essa inferência faz com que o cardeal possa usar todo o estatuto vigente na Igreja referente aos hereges contra os bispos simoníacos. É exatamente isso que ele faz, como a heresia indica separação da Igreja, é natural que as ações feitas pelos hereges não sejam católicas, ou seja, não sejam válidas para a Igreja; logo as ordenações, os batizados etc. quando feito pelos hereges deveriam ser considerados inválidos. Naturalmente, esse posicionamento retoma aquela discussão acerca do caráter objetivo da administração dos sacramentos. Essa abordagem geralmente divide opiniões, aquele que defende a objetividade nos sacramentos entenderá que a Igreja é o corpo místico de Cristo que possui nela bons e maus. Outra é a oposição entre o corpo místico de Cristo e o ‘contracorpo’ místico do diabo. Embora, haja essa contraposição deve-se lembrar que para Humberto o caráter sagrado do Rei está conservada, inclusive um dos argumentos que ele usa contra a simonia é a de que ela corrompe o poder temporal. Outro dado interessante é de que para o cardeal a cidade do diabo pode ser transformada, senão até superada. Isso é bastante importante, pois na cidade de Deus Santo Agostinho coloca o tempo como sendo um lugar de espera para a escatologia, ou seja, a ‘cidade do diabo’ só seria transformada ou superada na escatologia. Para Humberto, não, a reformulação da nossa ação é capaz de fazer, ainda em vida, o reino cristão. Na terceira parte de seu livro, o cardeal põe a espiritualidade no nível do mundo corpóreo, ou seja, entende a história do mundo como sendo a manifestação do Espírito. Essa modificação também é profundamente radical, pois ao inserir as coisas do espírito no mundo material e visível, Humberto acabou por legitimar as propriedades dos sacerdotes. Veja que o poder sacerdotal é um poder referente as coisas do espírito, entretanto, se a estrutura do mundo é manifestação do Espírito, então faz parte do poder espiritual coordenar as propriedades da Igreja, que também são uma dimensão da vida
  • 36. 36 espiritual. Com isso o cardeal justificava o poder temporal dos bispos, por outro lado não acredita razoável conceder ao imperador o direito de escolher os bispos, pois esse é um assunto de poder espiritual. Em outras palavras, a espiritualização da história serve de fundamentação teórica para as atitudes do dictatus papae que faziam exatamente isso, davam todo o poder espiritual ao papa, autonomia aos bispos sem retirar deles nenhum poder temporal. É interessante perceber que essa espiritualização também elimina a tensão escatológica, pois aquele Reino de Deus que há de vir, praticamente, já veio a medida que os poderes temporais se encontram submetidos aos poderes espirituais. Isso vai ser muito importante para o século XII, pois a identificação do Reino de Deus como sendo um reino para esse mundo, será a causa de diversa revoltas violentas no medievo europeu. Tratados de York (1108) Os Tratados de York13 são constituídos de uma série de escritos na controvérsia inglesa das investiduras, sua importância reside no fato de conseguir sistematizar em formato filosófico os grandes a confusão que havia tomado conta do império depois da guerra estabelecida entre o imperador e o papa. O anônimo, como é conhecido o autor do tratado, assemelha-se ao cardeal Humberto naquilo que tange o entendimento de que história é o lugar próprio da manifestação do Espírito. Essa percepção faz com que esses tratados acabem por entender que é a história o lugar próprio da Revelação divina, ou seja, Deus revela a sua vontade através dos acontecimentos da história humana. Em outras palavras, o Reino de Deus é uma mistura da realidade histórico-politica. Essa percepção dos Tratados de York contribui decisivamente para duas percepções importantes, a primeira delas referente estrutura política e a segunda ao pensamento religioso. Acerca da política começou-se a pensar o mundo segundo critérios imanentes, ou seja, segundo aquelas coisas que vemos e ouvimos. Acerca do pensamento religioso começou-se a evocar a percepção de que o mundo histórico é divinamente revelante, ou seja, Deus tem algo a nos dizer a partir do mundo visível. 13 Disponível em: http://normananonymous.org/ENAP/ToC.jsp. Acessado em 09/12/14. A fonte parece confiável, mas não dispõe de um material em pdf, por isso não serviria para análises mais precisas. Ainda que atenda bem aos nossos objetivos iniciais
  • 37. 37 Essa visão de que Deus se manifesta através do mundo visível vai influenciar muito a forma de enxergar a função da lei eterna. Essa lei foi formulada por Santo Agostinho para indicar a ordem divinamente desejada no mundo, por exemplo, as leis físicas indicam a ordem que Deus quis dispor as coisas na natureza. Esse é o argumento que o Anônimo usa para justificar que os filhos dos sacerdotes ou das concubinas só podem ser considerados bastardos pela lei dos homens, não pela lei eterna, pois o desejo de Deus é que a união carnal entre homem e mulher dê origem a seres humanos tão dignos quanto os outros. Ele acrescenta que após o batismo essa criança tem a mesma dignidade no corpo místico que uma criança que não fosse considerada bastarda. Essa argumentação, para nós, é trivial, mas para a época não era; pois, alguns anos antes, em 1095, o concílio de Clermont havia proibido a ordenação de filhos de sacerdotes. Deve- se ressaltar que nesse tipo de argumentação concordariam ele e o cardeal Humberto, a divergência ocorreria no peso que o Anônimo dá à lei eterna, pois como se viu no argumento o que garante a igualdade entre os homens é Deus por meio da lei eterna, que é imanente. Ou seja, a dignidade procede de um princípio imanente. Outro princípio imanente evocado pelo Anônimo é a história, essa entendida como uma imagem do paradigma da história presente na mente e na vontade de Deus. Algo semelhante ao conceito de reminiscência de Platão, ou seja, existe uma história na mente de Deus e a história que se vive é uma imagem dessa história. Segundo o Anônimo, esse paradigma consiste em três saecula14 : o Antigo Testamento, o Novo Testamento e o Reino Verdadeiro de Deus. O primeiro se refere a representação geral da realeza e do sacerdócio, que consistia em dar ao primeiro a função de fazer obedecer a lei e culto ao Deus verdadeiro e ao segundo o ofício de oferecer sacrifícios em expiação dos pecados. O segundo se refere a plenitude do sacerdócio em Cristo e a generalização desse sacerdócio a todos os fieis. O terceiro se refere a situação em que os crentes reinam com Cristo em sua glória. Desse modo a redenção é um meio de fazer o homem atingir a realeza final, ou seja, a obra da redenção feita pelos sacerdotes existe para conduzir os homens a realeza. Assim a realeza de Cristo é mais importante que o seu sacerdócio, porque esse existe para que os homens possam atingir aquela. Logo, a função real é mais nobre que a 14 Talvez se pudesse entender como eras, mas como essa nomenclatura de eras é de Vico, far-se-á uso do termo saecula mesmo.
  • 38. 38 sacerdotal, pois os sacerdotes são o sinal do Cristo que se faz homem para redimir a humanidade e o rei é o sinal do Cristo que é Deus e atingiu a glória do céu. Outro dado interessante é que o sacerdócio passou a ser comum a todos os fieis após Cristo, daí surge a pergunta: qual é a função de um sacerdócio especial na hierarquia da Igreja? Nenhuma. Para o Anônimo os sacerdotes são usurpadores que conservaram em suas mãos um poder que só lhes teria sido concedido na Igreja primitiva para resolver o problema das heresias. Exatamente, para evitar cismas que um dos sacerdotes teria sido como superior entre os outros, papa, o bispo de Roma, escolhido assim por causa do prestígio daquela cidade. Por isso, ele entende que encerrado o período dos grandes cismas a função dos sacerdotes também cessa e quem deve assumir a regência do povo de Deus é o rei. No texto abaixo, Eric Voegelin destaca do tratado uma passagem que mostra a devoção dada a figura do rei. O poder do rei é o poder de Deus; Deus detém-no por sua natureza; o rei por graça de Deus. O rei é portanto, Deus e Cristo, por meio da Graça, e o que quer que faça, não o faz simplesmente como um homem, mas como Deus e Cristo por meio da Graça. Em verdade, aquele que é Deus e Cristo por natureza age através de seu vigário por meio de quem executa seus assuntos. [o rei] não deve ser chamado leigo, por que é o Cristo do Senhor, é Deus pela graça é líder supremo (rector), é o sumo pastor, e governante, e defensor, e professor da santa Igreja, é o senhor de seus irmãos e deve ser adorado (adorandus) por todos, pois está acima de todos como Senhor supremo.15 Com essa declaração o Anônimo de York destruiu de vez com as declarações gelasianas e o poder sacerdotal institucionalizado. O sacerdote nesse sistema se torna apenas um membro a mais do ‘povo cristão’ que está submetido ao poder do rei que é conregnans (‘co-reinante’) com Cristo nesse saeculum16 . É interessante perceber que esse tratado não faz qualquer questão de conservar as estruturas do Sacro Império, pelo contrário ele prevê a fragmentação das estruturas do Sacro Império. Essa fragmentação deveria atingir, sobretudo, a hierarquia da Igreja. Como já se disse, o autor entende que o papado foi uma medida temporal para resolver os problemas de cismas, por isso Roma deveria deixar de ter o poder central em detrimento de maior autonomia dos poderes locais. Juntamente, com isso acabava por defender uma Igreja nacional, dando igualdade de poder a todos os bispos. Para ele, tanto o bispo de 15 ANÔNIMO NORMANDO, Tractatus Eborecensis. apud VOEGELIN, E. Idade Média até Tomás de Aquino: história das ideias políticas. Vol. 2. São Paulo: É realizações, 2012. 16 Esse termo não será traduzido por parecer indicar um termo técnico na obra de Voegelin, mas poderia ser entendido como mundo, sociedade, era etc.
  • 39. 39 Rouen como o bispo de Roma são Pedro e o poder das chaves é dado a ambos, pois a reunião em Roma dos bispos empobrece a interferência das dioceses longínquas. Uma das consequências do desejo do aumento da influência episcopal nas suas dioceses é a Defesa de que os mosteiros deveriam estar subjugados exclusivamente a seus bispos locais, para evitar que guerra na Igreja. Com isso o tratado já teria retirado do papa, o direito de escolher os bispos, de ter um poder central sobre eles, de possuir um mosteiro que deve obrigação a ele, de possuir um poder temporal institucionalizado e de ser juiz em todas as dioceses do mundo; para, por fim, destruir completamente a figura do papado só faltava retirar a sua função de ensino do papa. Foi exatamente o que foi feito, o Anônimo entendia que a interpretação da Sagrada Escritura deveria ser livre sem a preocupação com a exegese tradicional e com as instituições eclesiásticas. Diria que se o papado quiser ser mestre da humanidade que faça isso com os pagãos, pois os cristãos não precisam de seus ensinamentos. Não é difícil encontrar semelhança entre o pensamento do Anônimo e o que virá a ser falado na Reforma Protestante. O tratado de York, independente de influência que tenha tido sobre a mente das pessoas da época, sem dúvida marca o tipo de pensamento que vigorava na Europa, esse pensamento deixava claro que o Império estava se deteriorando e que se faria necessário descobrir qual será a nova estrutura do Saeculum. Perguntas 1. Faça um paralelo entre a ciência moderna e a espiritualidade medieval 2. Explicite uma originalidade filosófica na vida beneditina 3. Verse sobre a importância de Cluny para a Igreja no século X 4. O que foi o saeculum ferreum obscurum? Indique o principal fator que o caracteriza. 5. Disserte sobre Otón I e seu império. 6. Apresente em linhas gerais a doutrina de São Pedro Damião 7. Destaque quais as principais alterações que o dictatus papae faz na estrutura do Sacro Império. 8. Liste as originalidades do pensamento do cardeal Humberto 9. Considerando o conteúdo abordado no tratado de York, comente a frase A Igreja Romana pode ter se transformado em grande parte em corpo do ‘diabo’.
  • 40. 40 Aula 3 (A nova estrutura do Saeculum) Contexto histórico Para se entender o clima em que se encontrava o século XII, é bom ter em mente o que estava acontecendo nos dois séculos que o precedem. No X, o Império é fragmentado, as famílias italianas brigam pelo poder e longe do poder temporal está Cluny com a primeira fase da reforma monástica. No século XI, o Império volta a sua influência e tem os bispos como principal instrumento do exercício do poder temporal, ocorre que Cluny adquire poder temporal e resolve reformar, não só a vida monacal, mas toda a Igreja, daí surge a querela das investiduras que revela o mundo não mais conseguir suportar as declarações gelasianas como estrutura adequada para o saeculum. O século XII aparece exatamente como aquele que vai começar a reestruturação. A reestruturação não é um projeto feito por alguém, mas sim o espírito de uma terceira reforma que pairava tanto para aqueles que buscavam o aprofundamento espiritual quanto para aqueles que queriam resolver os problemas da ordem temporal. A surpresa ocorrida no século XII é o aparecimento de um ‘terceiro poder’, até então, não visto: o leigo. No âmbito espiritual O final do século XI, mostrou que Cluny já havia se tornado uma superpotência na ordem temporal inclusive. Ter tido uma série de papas e cardeais que vieram do seu seio deu ao mosteiro não só poder econômico como também altíssima influência política. Ocorreu que aquela busca pela espiritualidade monástica rigorosa foi se esvaindo e se transformando em busca pelos prazeres do poder temporal. Já no século XI os anacoretas acenavam para o risco de que a estrutura de Cluny atrapalhasse o seu desenvolvimento espiritual, mas não conseguiram encontrar um modo alternativo para corrigir a estrutura. Essa mudança só vai ocorrer, em 1113, quando São Bernardo vai fundar Claraval reformando a ordem cisterciense que havia sido criada, em 1098, por Roberto Malesme. Com seus 25 anos, São Bernardo conseguiu unir a estrutura anacoreta com a organização de Cluny. Provavelmente, essa união entre duas correntes que aparentemente se chocavam poderia ser comparada aquela feita por São Bento na formulação de sua Regra.
  • 41. 41 Para se entender como a estrutura é uma síntese das duas correntes é importante saber qual era a atividade dos anacoretas, ou pais do deserto. O que se sabe sobre eles é que eram homens de altíssimo rigor ascético que viviam praticamente isolados no deserto. Eram pessoas que queriam estar longe das estruturas sociais, alguns dos escritos sobre eles diziam que temiam duas coisas: as mulheres e os bispos; as primeiras para que não caíssem na tentação da carne a os segundos para que não os fizessem bispos. A única estrutura de poder que se encontrava entre esses era a da relação de paternidade espiritual, pois muitos jovens iam até eles para se aconselhar devido à fama de santidade que tinham. Assim, cada pai do deserto podia ordenar coisas a seus filhos espirituais, entretanto jamais ordenaria algo a outro pai do deserto. São Bernardo vai combinar isso a estrutura centralizada de Cluny, assim todos os mosteiros passam a ter abades e não priores. A segunda modificação é que a influência que um mosteiro pode ter em outro consiste apenas em uma dependência espiritual, não material, como em Cluny; por exemplo, nenhum mosteiro poderia cobrar impostos de outro. A terceira modificação diz respeito a influência que um mosteiro pode ter, para Cluny o todos estavam sujeitos à abadia matriz, para os cistercienses o mosteiro só poderia influenciar aqueles que poderia ter como filhos espirituais, ou seja, daqueles mosteiros fundados por ele. Uma forma interessante de distinguir a diferença entre o poder que Cluny dispensava a seus mosteiros filiais e a forma de poder de Claraval é através do gráfico abaixo:
  • 42. 42 Ocorreu que Claraval se tornou para os jovens do século XII o que Cluny fora para os jovens do século X. Era impressionante a capacidade que São Bernardo tinha de encontrar jovens interessados em entrar na vida monacal. Conta-se que toda vez que tinha de fazer alguma pregação sempre voltava para casa com novos monges. LLORCA declara que ele foi o diretor espiritual da Europa no seu tempo, provavelmente na primeira metade do século XII não tivesse personalidade tão influente no nível da espiritualidade quanto o abade de Claraval. Uma evidência disso é que trinta anos após a fundação do mosteiro já se tinha um papa cisterciense, Eugênio III (1145-1153). Diferentemente do século X, em que Cluny tinha o monopólio das novidades espirituais, o início do século XII está cheio de novas evocações. Uma das mais importantes é a cruzada. O processo histórico que vai eclodir nas cruzadas é bastante longo, não é possível tratar aqui com detalhes. Entretanto, basta saber que na época de Gregório VII, Bizâncio havia pedido ajuda do ocidente para retomar Jerusalém que havia sido invadida por muçulmanos e que teriam destruído os lugares sagrados construídos na época de Carlos Magno através de um acordo com os egípcios. Inicialmente, Gregório se sentiu interessado, mas as suas disputas com o imperador acabaram por consumir suas forças, além do fato de que Bizâncio não havia pedido ajuda apenas ao papa, mas também ao imperador Henrique IV. Isso também assustou Gregório VII que, desterrado, muito pouco pode fazer para ajudar os orientais. Após isso, os invasores foram depostos, instaurou-se certa paz, até que os turcos seljúcidas invadiram novamente Jerusalém e expulsaram os egípcios que tinham acordo com o ocidente. Naquele momento, naquele momento se instaurou uma tensão, pois deve-se lembrar que as peregrinações a terra santa era uma prática espiritual muito importante para o medieval. Entendiam que a caminhada até Jerusalém era um exercício de mortificação que serviria para purgar seus pecados e alcançar a glória do céu. Isso já seria importante para um cristão em um estado normal, entretanto não se deve esquecer que após Cluny a evocação da espiritualidade passou a ser o principal motor dos homens daquele momento, assim fazer uma peregrinação passou a ser algo bastante mais grave do que antes. Foi desse modo que, em 1095, Urbano II, papa cluniacense, convoca o povo a tomar o sinal da cruz e ir a Jerusalém para retirar o Santo Sepulcro da mão dos infiéis.