Em um momento em que cada vez mais o mundo real converge com o virtual, o ciberativismo é um dos exemplos mais claros dessa dinâmica, dois mundos coexistindo e fortalecendo-se mutuamente. A informação transformada em conhecimento, que gera mobilizações e que se estendem para a vida real são os ideais do ciberativismo. Um Teto Para Meu País (UTPMP), uma ONG que luta contra a injustiça da divisão do espaço físico, do latifúndio e da injustiça social da extrema pobreza pode buscar no ciberespaço formas de potencializar o desenvolvimento e alcance de suas ações sociais. Este trabalho pretende estudar e criar soluções para a presença da ONG no ciberespaço, soluções de design que ofereçam meios práticos e eficazes de se trabalhar o ciberativismo em suas ações.
7. UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
DESIGN DIGITAL
NA7
Daniel Graf
Eduardo Schrappe
Odair Auger
Thomas Moraes
William Fernandes
Projeto Transdisciplinar
Ciberativismo “Em Obras”
Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência parcial à
obtenção do título de bacharel em Design Digital da Universidade Anhembi Morumbi.
Orientação: Profº Nelson Somma Jr
Coordenação: ProfªJunia Meirelles
São Paulo
2011/2
11. DEDICATÓRIA
Dedicamos este trabalho a todas as
pessoas que se mobilizam por um
contexto mais amplo, em benefício do
coletivo e de uma sociedade mais justa.
12.
13. AGRADECIMENTOS
A família e amigos que estiveram ao nosso lado, até
mesmo nos momentos de maior ausência, obrigado
pela paciência. Aos professores responsáveis por todo
o conhecimento e reflexões, confirmando que esse
trabalho, mais que uma obrigação é um grande
aprendizado. À Deus, que inspira sensibilidade para a
solidariedade e inteligência para as novas tecnologias.
14.
15. RESUMO
Em um momento em que cada vez mais o mundo real converge com o virtual,
o ciberativismo é um dos exemplos mais claros dessa dinâmica, dois mundos coexistindo e
fortalecendo-se mutuamente. A informação transformada em conhecimento, que
gera mobilizações e que se estendem para a vida real são os ideais do ciberativismo.
Um Teto Para Meu País (UTPMP), uma ONG que luta contra a injustiça da divisão do espaço físico,
do latifúndio e da injustiça social da extrema pobreza pode buscar no ciberespaço formas de
potencializar o desenvolvimento e alcance de suas ações sociais. Este trabalho pretende estudar
e criar soluções para a presença da ONG no ciberespaço, soluções de design que ofereçam
meios práticos e eficazes de se trabalhar o ciberativismo em suas ações.
Palavras-chave: Design. Ciberativismo. Cidadania. Habitação. Redes Sociais.
16.
17. ABSTRACT
In a time when increasingly converges with the real world virtual, cyber activism
is one of the clearest examples of this dynamic, two worlds coexisting and
reinforcing each other. The information transformed into knowledge that leads
protests and extend to real life are the ideals of cyber activism.
Um Teto Para Meu País (UTPMP), an NGO which fights against the injustice of the
division of physical space, the large estates of social injustice and extreme poverty in cyberspace
may seek ways to enhance the development and scope of outreach activities. This work
aims to study and create solutions to the presence of NGOs in cyberspace, design solutions that
offer practical and effective ways of working in the cyber-activism in their actions.
Key words: Design. Cyberactivism.Citizenship.Habitation. Social Networks.
18.
19. LISTA DE FIGURAS Figura 1 ............................................................................................................... 29
Figura 2 ............................................................................................................... 31
Figura 3 ............................................................................................................... 47
Figura 4 ............................................................................................................... 52
Figura 5 ............................................................................................................... 77
Figura 6 ............................................................................................................... 80
Figura 7 ............................................................................................................... 84
Figura 8 ............................................................................................................... 85
Figura 9 ............................................................................................................... 86
Figura 10 ............................................................................................................. 87
Figura 11 ............................................................................................................. 88
Figura 12 ............................................................................................................. 89
Figura 13 ............................................................................................................. 90
Figura 14 ............................................................................................................. 91
Figura 15 ............................................................................................................. 92
Figura 16 ............................................................................................................. 93
Figura 17 ............................................................................................................. 94
Figura 18 ............................................................................................................. 95
Figura 19.............................................................................................................. 96
Figura 20 ............................................................................................................. 97
Figura 21 ............................................................................................................. 98
Figura 22 ............................................................................................................. 99
Figura 23 ............................................................................................................ 101
Figura 24 ............................................................................................................ 103
Figura 25 ............................................................................................................ 104
Figura 26 ............................................................................................................ 105
Figura 27 ............................................................................................................ 106
Figura 28 ............................................................................................................ 107
Figura 29 ............................................................................................................ 108
Figura 30 ............................................................................................................ 110
Figura 31 ............................................................................................................ 111
Figura 32............................................................................................................. 112
Figura 33 ............................................................................................................ 113
Figura 34 ............................................................................................................ 114
20.
21. 1.1 América Latina e suas raízes centralizadoras ................... 2 6
1.2 Um país rico chamado Brasil .............................................................. 29
1.3 Movimentos em relação à habitação ........................................ 36
1.4 O cenário da habitação em São Paulo .................................... 39
1.5 Prática da cidadania ..................................................................................... 43
2.1 Redes sociais e mobilidade .................................................................. 5 1
24 2.2 Movimento zapatista ................................................................................... 55
2.2.1 Formação ........................................................................................................ 55
2.2.2 A ação nos meios de comunicação e na rede ..... 56
Introdução ............................................... 21
2.2.3 Marcos importantes ............................................................................ 60
Considerações finais ...................... 117
Referências .............................................. 121 2.3 Ciberativismo ........................................................................................................ 68
Anexos ........................................................ 129
3.1 História ......................................................................................................................... 7 4
3.2 Missão e Visão ..................................................................................................... 75
3.3 Modelo de Intervenção ............................................................................. 75
48 3.1.1 A casa de emergência ...................................................................... 76
3.4 Construção ............................................................................................................. 79
3.5 Conceitos-chave .............................................................................................. 80
3.6 Escritório ................................................................................................................... 81
3.6.1 Áreas .................................................................................................................... 82
3.6.1.1 Social ......................................................................................................... 82
3.6.1.2 Comercial ............................................................................................. 82
72 3.7 Presença e ações na rede ....................................................................... 84
3.7.1 Site www.umtetoparameupais.org.br ................................. 84
3.7.2 Fan page no Facebook ..................................................................... 104
3.7.3 Ciberativismo no "Teto"? ............................................................... 114
25. Introdução
E
m pleno século XXI é difícil imaginar que ais em relação à habitação e desigualdade social. Por fim, parte-se para uma
ainda existam pessoas vivendo em situa- abordagem local do problema, em que a história de São Paulo vem à tona e
ções precárias, abaixo da linha da pobreza. serve de base para a identificação de movimentos, tentativas e expectativas
Só a América Latina ostenta uma preocu- em relação à habitação no estado. Estado onde, por hora, a ONG Um Teto
pante marca de quase 200 milhões de pes- Para Meu País concentra suas atividades. Uma vez retratada a situação atual
soas vivendo em situação de extrema pobreza. É direito paulista e seus movimentos em prol da habitação, inicia-se a discussão acer-
do cidadão e dever do Poder Público garantir infraestru- ca de temas como cidadania e civilidade, onde a importância da participação
tura básica de saneamento, saúde e segurança, porém, dos cidadãos e do trabalho em equipe fica evidente para que haja, realmente,
na prática, ainda há muito a ser feito. uma transformação da sociedade.
Com o objetivo de resgatar a dignidade dessas pessoas O segundo capítulo, por sua vez, busca apontar, de início, qual o impacto
que vivem nessasituação, ONGs mobilizam-se e reúnem exercido pela internet e pela Comunicação Mediada por Computador (CMC)
milhares de voluntários a fim de tentar amenizar a falta na vida dos brasileiros, indicando como o comportamento dos indivíduos,
de programas públicos do Estado. Uma dessas ONGs, que nesse momento se transformam em usuários interatores, vem se modi-
objeto de estudo deste trabalho, chama-se Um Teto Para ficando graças ao avanço tecnológico e ao surgimento das redes sociais da
Meu País (UTPMP).A entidade já possui uma longa histó- internet. Em um segundo momento, a pesquisa caminha para a discussão
ria de luta em prol de famílias carentes latino-americanas. do ativismo online, ou ciberativismo, um dos pontos centrais deste trabalho.
Este trabalho tem por objetivo identificar se as ações Para isso, utiliza-se da história do Movimento Zapatista, pioneiro nesse tipo
da ONG, que se utiliza da internet para potencializar a de ativismo, para reforçar o estudo do tema e para dar base à análise das
capacidade de mobilização de seus voluntários, podem ações da ONG Um Teto Para Meu País, afim de identificar se suas ações se
ser consideradas ciberativistas. Com isso, busca-se discu- configuram ciberativas de fato.
tir a importância do design para o ativismo digital e gerar Por fim, no terceiro capítulo, imerge-se no objeto de estudo. Utilizando-se
propostas de estratégias e/ou ferramentas que possam de pesquisas bibliográficas, de documentos cedidos pela ONG e até de visitas
potencializar o desenvolvimento dessas ações sociais. a campo, onde foi possível percebero que os voluntários sentem ao trabalhar
Esta pesquisa está dividida em três blocos principais, com as famílias necessitadas, traçou-se a história da entidade, desde suas
organizados em capítulos. O primeiro capítulo traz, em primeiras ações em outros países a até suas perspectivas futuras no Brasil.
um primeiro momento, um brevehistórico do processo Por meio das análises do site da ONG, de seus perfis nas redes sociais, como
de colonização e formação das sociedades na América Twitter e Facebook, e de outras formas de presença na rede,buscou-se reunir
Latina.A partir disso, a discussão é trazida para o Brasil, material suficiente para constatar se e quais ações da organização podem ser
onde procura-se entender a origem dos problemas atu- consideradas ciberativistas.
25
26.
27. Se quisermos que mude a sociedade temos também
que mudar muitas das nossas atitudes
Felipe Berrios de Solar
Sacerdote, jesuíta , ativista e escritor chileno.
Fundador da ONG Um Teto para meu País.
27
28. 1.1 América Latina e suas raízes centralizadoras
P
ara discutir questões contem- francês arcaico civilité e do latim civilitas, que por sua vez,
porâneas sobre a habitação, procede de civilis, relativo a cidadão. Etimologicamente, a
faz-se importanteindicar que palavra está ligada à polidez e cortesia na fala e comporta-
a sociedade atual é produto mento.
das origens civilizatóriasda humanidade. O processo de civilização, historicamente, baseou-se na
Estudos sobre o início das civilizações vol- dominação de um povo sobre outro, gerando uma pirâmide
tam-se a um passado longínquo, de 10.000 social desigual em direitos e oportunidades. Na maior par-
anos atrás, com o registro dos primeiros po- te dos casos, para se manter no topo, a classe dominante
vos a habitarem as terras e suas movimen- utilizou-se e utiliza-se de meios para explorar e sufocar o
tações além-mar. A questão da terra sempre desenvolvimento da população abaixo. Hoje, no século XXI,
foi motivadora de grandes conflitos e mu- isso ainda ocorre, mais discretamente e dentro de princípios
danças nas sociedades. Guerras, tecnologia, envernizados de uma pseudo-ética. A América Latina teve
culturas, conquistas, expansão, colonização, um processo de civilização majoritariamente exploratório
desenvolvimento, todas essas movimenta- e ainda hoje colhe os frutos desse processo: uma socieda-
ções moldaram a sociedade,resultando em de profundamente desigual, patrocinada pelo classicismo e
diferentes contextos locais. Alguns se desen- pela omissão.
volveram mais, outros menos, em diferentes
aspectos, o que habitualmente passa-se a O relato histórico acrescenta que os nobres romanos, ao com-
chamar de países desenvolvidos e países em provarem que sem seus artesãos e labregos a cidade deixava de funcio-
desenvolvimento, dependentes diretamente nar, aceitaram as exigências de um melhor tratamento para convencê-
da forma como fora civilizado. Por civiliza- -los a retornar (BARRANTE et al. – 1985, p. 67)
do entende-se um estado de adiantamen-
to e cultura social, ato de civilizar, conforme O problema da habitação e segregação sócio espacial na
Stavans (2004). Originara-se no final da fase América Latina não pode ser analisado como um efeito de
média da formação do inglês e deriva do fatos recentes, tem sua origem na problemática colonização
28
29. da América Latina, baseada na exploração regimes, em outras áreas. Menos êxito teve, ainda, em seus esforços por
– uma herança histórica dos movimentos integrar-se na civilização industrial. Hoje, seu desígnio é forçar-nos à
da economia e da sociedade a longo prazo,
marginalidade na civilização que está emergindo
cristalizada tanto nas estruturas materiais do
espaço construído como nas formas sociais (RIBEIRO – 1995, p.69)
da sua valorização simbólica e de apropria-
ção (PRÉTECEILLE – 2003). A inércia, histórica na estrutura hierárquica das grandes
cidades da América Latina, promove uma reflexão sobre o
papel do Estado e a participação dos cidadãos em transfor-
Tudo, nos séculos, transformou-se inces-
mar esse quadro. É perceptível que em grande parte da eli-
santemente. Só ela, aclasse dirigente, permaneceu te dominante, minoria na sociedade e maioria no poder, há
igual a si mesma, exercendo sua interminável hege-
um comodismo que mantêm esse quadro parasitário que
dificilmente irá, por si só, promover mudanças significativas
monia. Senhorios velhos se sucedem em senhorios para contribuir com uma melhor distribuição de renda e, por
novos, super-homogêneos e solidários entre si, numa exemplo, uma reforma agrária. Por isso, faz-se necessária
a participação dos cidadãos que sofrem as consequências
férrea união superparada e a tudo predisposta para
desse processo, e que são a maioria.
manter o povo gemendo e produzindo. Não o que
querem e precisam, mas o que lhes mandam produ- Em um continente como a América Latina, em que o cen-
zir, na forma que impõem, indiferentes a seu destino. tralismo transbordou, não só em suas manifestações físicas, tal como a
Não alcançam, aqui, nem mesmo a façanha menor própria macrocefalia metropolitana, como também na nudez de seus
de gerar uma prosperidade generalizável à massa tra- traços econômico, social e politicamente centralizadores e excluden-
balhadora, tal como se conseguiu, sob os mesmos tes, parece estranho perguntar pelo papel que possa caber, dentro desse
29
30. processo, à participação dos cidadãos. E, no entanto, até 2025 (CADENA et. al – 2011). É fato que economias de escala
ela o tem (BARRANTE et al. – 1985, p. 66) têm impulsionado a produtividade de expansão das cidades,
reduzindo o custo de entrega de serviços básicos aos seus ha-
Da formação das cidades na América Lati- bitantes. Mas, ao mesmo tempo, muitos dos maiores centros
na, quase que sem exceção, o papel do Es- urbanos estão enfrentando engarrafamentos, falta de moradia,
tado apareceu antes do lento crescimento e e outros sintomas de deseconomias de escala. Cada cidade da
consciência social civil (papel regional) e cons- América Latina enfrenta seu próprio conjunto distinto de de-
ciência de Nação (papel nacional). Ou seja, safios e prioridades, de acordo com seu ponto de partida. Se
as necessidades do Estado se sobrepuseram as tensões enfrentadas por essas cidades não são abordadas,
às necessidades das comunidades. Esse fato correm o risco de arrastar para baixo a trajetória de crescimento
marca profundamente nossa história, que é da América Latina em geral.
agravada pela postura estatista do Estado em O relatório se baseia em experimentadas e testadas histórias
relação aos problemas. de sucesso da região e de todo o mundo para identificar ações
Em contrapartida, a América Latina concretas que os líderes da região da cidade podem tomar
hoje é um ponto de luz na economia pós-re- para resolver as questões de maior prioridade que enfrentam.
cessão, global, conforme relatório da McKinsey Conforme o relatório, a experiência da McKinsey mostra que as
Global Institute “Construindo cidades global- políticas eficazes podem reverter a situação de uma cidade em
mente competitivas: A chave para o cresci- menos de 10 anos.
mento da América Latina”, de agosto de 2011 Essa expectativa otimista depende de um desenvolvimento
(CADENA et. al – 2011). Trata-se do continente de base efetivo por parte dos governantes, caso contrário, um
mais urbanizado do que qualquer região do mero crescimento econômico, sem dúvida, sucumbirá se ur-
mundo em desenvolvimento, com 80% da gentes questões como condições sociais, uso sustentável dos
população vivendo em cidades relativamente recursos e desempenho econômico não forem trabalhadas
jovens. Esse número tende a subir para 85% devidamente nesse novo ciclo.
30
31. 1.2 Um país rico chamado Brasil
O que entende-se hoje por sociedade brasi- eram, a selvageria e a civilização. Suas concepções, não só diferentes mas
leira originou-se na formação do povo brasi- opostas, do mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram cruamente.
leiro. Provém do primeiro encontro, o choque
Os navegantes, barbudos, hirsutos, fedorentos, escalavrados de feridas de
entre a civilidade dos colonizadores europeus,
e os índios nativos dessa terra, a América. Uma escorbuto, olhavam o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas. Os
civilidade menos baseada na “polidez e corte- índios, esplêndidos de vigor e de beleza, viam, ainda mais pasmos, aqueles
sia, na fala e comportamento”, e mais na do-
seres que saíam do mar (RIBEIRO – 2007, p. 33)
minação de um povo invasor sobre um povo
nativo, o que Darcy Ribeiro (2007)chama de
E assim seguiu-se o processo de colonização do Brasil
“avassalamento de povos estranhos”. Ainda
pelos portugueses, envolvendo um genocídio gigantesco de
conforme Ribeiro, as próximas etapas segui-
índios, que, é claro, não aceitaram aquela condição brutalmen-
ram na ordenação econômico-social, criação
te imposta pela civilidade européia. Morreram lutando por sua
de novas formas de produção e exploração
liberdade ou por maus-tratos nos cativeiros. A questão da terra
das formas antigas, vinculando os novos nú-
pode ser observada desde a chegada dos portugueses no Bra-
cleos à sociedade em expansão e a difusão in-
sil. A terra como território, e tudo mais que há nela, é o grande
tencional de sua tradição cultural.
motivador das expedições colonizadoras, que de um jeito ou
de outro resultavam na dominação de um povo sobre o outro.
Para os que chegavam, o mundo em que en-
travam era a arena dos seus ganhos, em ouro e glórias.
Para os índios que ali estavam, nus na praia, o mundo
era um luxo de se viver. Este foi o encontro fatal que ali
Figura 1: A escravidão
se dera. Ao longo das praias brasileiras de 1500, se de- indígena na história colonial.
Fonte: www.brasilescola.com/
frontaram, pasmos de se verem uns aos outros tal qual historiab/escravidao-indigena.
31
32. Na primeira década deste século, a situação a força braçal que construiria o país. Desterrados de sua terra
indígena brasileira era altamente conflitiva. Missioná- pátria, conforme Ribeiro:
rios se apropriavam das terras dos índios que cate-
quizavam e as estavam loteando, com grande revol- A primeira tarefa cultural do negro brasileiro foi a de apren-
ta dos índios. Vastas áreas entregues à colonização der a falar o português que ouvia nos berros do capataz. Teve de fazê-
estrangeira (RIBEIRO – 1995, p. 147) -lo para comunicar-se com seus companheiros de desterro, oriundos de
diferentes povos (RIBEIRO – 1995, p. 220)
Os índios formam o primeiro grupo no Bra-
Os negros, sendo tratados como mero combustível huma-
sil a ter seu espaço tomado pela colonização no a gastar nas plantações, sofriam as mais pesadas repressões
centralizadora da Coroa portuguesa. Os grupos e punições preventivas. Essa situação perdurou até 1888 com
indígenas das costas brasileiras que não eram a abolição da escravatura. Livres no papel, porém, nem um
capturados ou que fugiam, migravam cada vez pouco livres para escolher seus destinos. Uma liberdade sem
oportunidade pouco mudou a situação de sofrimento dos ex-
para o interior do país. Esse início de civilização -escravos.Os negros sem nenhuma solução do que fazer com
latino-americana, baseada no classicismo, em essa liberdade foram jogados no mundo a toda sorte, ainda de
pouco tempo gerou uma esmagadora maioria mãos atadas.
de excluídos e desdobramentos bastante pro-
blemáticos ainda no século XXI, isso porque a Em consequência, os ex-escravos abandonam as fazendas em
raiz centralizadora ainda permanece. O segun- que labutavam, ganham as estradas à procura de terrenos baldios em que
do grupo de excluídos no Brasil foi formado pudessem acampar, para viverem livres como se estivessem nos quilombos,
pelos negros trazidos da África como escravos, plantando milho e mandioca para comer. Caíram, então, em tal condição de
32
33. miserabilidade que a população negra reduziu-se subs- E as senzalas de ontem são as favelas de hoje. Alguns histo-
tancialmente. (...) Muito mais pela terrível miséria a que riadores atribuem o início das favelas exatamente à abolição da
foram atirados. Não podiam estar em lugar algum, por- escravatura, pois os negros eram livres, mas não tinham casas,
nem terreno, nem comida. Começaram a viver em casas feitas
que cada vez que acampavam, os fazendeiros vizinhos
de qualquer maneira, em terrenos que não pertencia a eles.
se organizavam e convocavam forças policiais para Mais de 120 anos se passaram desde que os negros foram
expulsá-los, uma vez que toda a terra estava possuída libertos do título de escravos e as condições de vida da maioria
e, saindo de uma fazenda, se caía fatalmente em outra.
dos negros ainda são lamentáveis.
As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e
A nação brasileira, (...) nunca fez nada pela massa negra que a cons-
netos dos antigos senhores de escravos, guardam, dian-
truíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e culti-
te do negro, mesma atitude de desprezo vil
var, de escolas em que pudesse educar seus filhos, e de qualquer ordem
(RIBEIRO – 1995, p. 222)
de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Gran-
de parte desses negros dirigiu-se às cidades, onde encontrava um am-
biente de convivência social menos hostil. Constituíram, originalmente, os
chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas
vêm se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar
e conviver. Sempre debaixo da permanente ameaça de serem erradicados
e expulsos (RIBEIRO – 1995, p. 222)
Conforme aponta o Relatório de Desenvolvimento Humano
Figura 2: Escravos negros trazidos da África.
Fonte: http://www.50emais.com.br/2010/11/
33
34. Brasil de 2005, 64,1% dos pobres são negros, a mulheres negras, 21,3% por homens brancos e 11,7% por mu-
porcentagem foi calculada com base na ren- lheres brancas. Essa distribuição reforça as dificuldades e maior
da per capita média dos negros em 2000 (R$ vulnerabilidade social dos negros (www.socialismo.org.br). Será
162,75), que correspondeu a menos da meta- mesmo que deve-se continuar alimentando essa postura cen-
de do que ganhavam os brancos em 1980 (R$ tralizadora com a indiferença?
341,71). O percentual de negros que viviam em
favelas em 1991 (6,6%) era mais que o dobro do
O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes
de brancos vivendo nessas condições (3,1%)
(www.revistacidades.com.br). a transpô-lo, porque se cristalizam num modus vivendi que aparta os ricos
A pesquisa “Retrato das Desigualdades de dos pobres, como se fossem castas e guetos. Os privilegiados simplesmente
Gênero e Raça” detectou que nos últimos 15
se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres, cuja
anos houve uma melhora nas condições de
habitação no Brasil. Divulgada em dezembro miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia
de 2008 pelo Instituto de Pesquisa Econômi- social, que perpetua a alternidade. O povo‐massa, sofrido e perplexo, vê a
ca Aplicada (Ipea), o material aponta que entre ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria con-
1993 e 2007 o percentual de residências que
templada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido. Inclusive o dom
se encontravam em favelas ou semelhantes
passou de 3,2% para 3,6%. Apesar de aparentar de serem, às vezes, dadivosos, mas sempre frios e perversos e, invariavel-
ser um percentual baixo, representa um uni- mente, imprevisíveis (RIBEIRO – 1995, p. 224)
verso de 2 milhões de domicílios, ou pelo me-
nos 8 milhões de pessoas. Os números ainda Ainda não foram suficientes 511 anos de colonização para
mostram que a presença dos negros na favela mudar essa situação. A origem das cidades no Brasil segue o
é predominante, sendo que 40,1% dessas ca- mesmo modelo das cidades latino-americanas, entregando as
sas são chefiadas por homens negros, 26% por raízes centralizadoras impostas historicamente pelos coloni-
34
35. zadores vindos da Europa. Raízes profundas e num cruzamento de caminhos, na entrada de vale ou no topo de uma
impregnadas culturalmente na sociedade bra- colina. A partir daí, foram essas cidades consolidando seu papel regional e
sileira até os dias de hoje. As cidades brasileiras
nacional, ampliando a sua representação simbólica de uma poder adminis-
já nasceram como civilização urbana desde
meados de 1500. A primeira delas, de fato,foi trativo e político (BARRANTE et al. – 1985, p. 85)
a Bahia, junto com Rio de Janeiro e João Pes-
soa. Diferentemente da experiência do pro- O Brasil, predominantemente rural durante alguns séculos,
gressivo crescimento e desenvolvimento ad- somente em meados de 1930 sofreu transformações na agro-
quirido pelos burgos europeus, na América pecuária e aumento das migrações internas decorrentes do iní-
Latina esse processo ocorre de maneira bem cio da industrialização no país.
menos natural, baseado na propriedade, extra-
ção de matéria-prima, produção de alimentos
Com a industrialização se altera essa constelação urbana no que
e lucro sobre serviços, com o objetivo de servir
os grandes centros da economia mundial por tinha de fundamental, que era sua tecnologia produtiva, transformando
meio da utilização de mão-de-obra escrava e todo o seu modo de ser, de pensar e de agir. Provocaria uma sequência de
pela exploração da população indígena local.
alterações reflexas nas sociedades dependentes, de natureza tanto técnica
Ao contrário das cidades européias:
quanto ideológica que, aqui também, transfiguraram o caráter da própria
(...) foram, no passado longínquo, aldeias neolí- civilização (RIBEIRO – 1995, p. 197)
ticas, aldeias da antiguidade clássica, ou aldeias de ori-
Conforme Faria (1976), em 1920 apenas 16,6% da população
gem posterior; e se caracterizavam pelo crescimento
brasileira residia em cidades. Em1940, a população urbana já
lento e transformação em burgos fortificados na Idade representava 31,2% dos residentes do país. Mesmo com a ex-
Média, capitalizando sua localização à beira de um rio, pansão do desenvolvimento industrial no Brasil, em 1960, foi
35
36. somente nos anos 80 que a nação tornou- mente por parte das classes proletárias em busca de emprego,
-se predominantemente urbana, com 67,6% do campo para a cidade. Depois, pelas classes dominantes, que
dos brasileiros residindo em centros urbanos, notaram o potencial econômico das cidades. Assim, nos anos 70
conforme Ribeiro (1995). A população urbana iniciou-se um movimento por parte do governo para o afasta-
saltou de 12,8 milhões, em 1940, para 80,5mi- mento da população mais pobre do centro para as áreas perifé-
lhões, em 1980. No ano 2000, totalizou-se ricas, sendo realocadas nos conjuntos habitacionais.
81,2% de residentes urbanos e a formação de
novos centros e grandes aglomerações me-
Esse crescimento explosivo entra em crise em 1982, anunciando a
tropolitanas.
Cresceu-se imensamente. O estado desen- impossibilidade de seguir crescendo economicamente sob o peso das cons-
volvimentista colheu os louros do processo de trições sociais que deformavam o desenvolvimento nacional. Primeiro, a es-
substituição de importações, do período após
trutura agrária dominada pelo latifúndio que, incapaz de elevar a produção
a segunda grande guerra até os anos 70. A ri-
queza e a renda per capita foram multiplicadas agrícola ao nível do crescimento da população, de ocupar e pagar as mas-
por cinco e o produto interno bruto aumentou sas rurais, as expulsa em enormes contingentes do campo para as cidades,
a uma taxa média de 5,9% ao ano (POCHMANN
condenando a imensa maioria da população à marginalidade. Segundo, a
et al., 2004).
Como se vê, a sociedade passou por um gran- espoliação estrangeira, que amparada pela política governamental fortalecera
de êxodo rural. A gravidade disso está no fato de seu domínio, fazendo-se sócia da expansão industrial, jugulando a economia
que nenhuma cidade brasileira tinha condições
do país pela sucção de todas as riquezas produtivas. O Brasil alcança des-
de receber essa enorme quantidade de gente.
O resultado disso foi a miserabilização da po- se modo, uma extraordinária vida urbana, inaugurando, provavelmente, um
pulação urbana e o alto índice de desemprega- novo modo de ser das metrópoles. Dentro delas geram-se pressões tremen-
dos. Pode-se observar esse movimento, inicial-
das, porque a população deixada ao abandono mantém sua cultura arcai-
36
37. ca, mas muito integrada e criativa. Dificulta, porém, uma dução comercial da agricultura não foi prejudicada, ao contrário,
verdadeira modernização, porque nenhum governo se mecanizada, passou a produzir mais e melhor. Talvez se um país
desenvolvido se fizesse somente pelo aumento das exportações
ocupa efetivamente da educação popular e da sanidade
esse enorme êxodo seria admissível. Mas, conforme Ribeiro
as expulsa em enormes contingentes do campo para as (1995, p. 56), “como a questão que a história nos põe é organi-
cidade (RIBEIRO – 1995, p. 200) zar toda a economia para que todos trabalhem e comam”, essa
equação gera enormes problemas.
A população de baixa renda é, então, “joga-
da” para áreas periféricas pelos programas dos O grande desafio que o Brasil enfrenta é alcançar a necessária lu-
conjuntos habitacionais de baixo custo, inicia-
cidez para concatenar essas energias e orienta-las politicamente, com clara
dos nos anos 60 e tendo seu ápice nos anos 70.
Abordaremos melhor esse assunto no próximo consciência dos riscos de retrocessos e das possibilidades de liberação que
capítulo. elas ensejam. O povo brasileiro pagou, historicamente, um preço terrivelmen-
te alto em lutas das mais cruentas de que se tem registro na história, sem
esse desenvolvimento teve um caráter bastante
conseguir sair, através delas, da situação de dependência e opressão em que
desigual e excludente, sendo incapaz de efetuar as refor-
vive e peleja. Nessas lutas, índios foram dizimados e negros foram chacinados
mas civilizatórias do capitalismo (como a reforma agrária,
aos milhões, sempre vencidos e integrados nos plantéis de escravos. O povo
a reforma tributária ou uma reforma que universalizasse a
inteiro, de vastas regiões, às centenas de milhares, foi também sangrado em
proteção social) e de distribuir melhor a riqueza
contra-revoluções sem conseguir jamais, senão episodicamente, conquistar
(CARVALHO – 2006, online)
o comando de seu destino para reorientar o curso da história. Ao contrário
Ainda sobre o crescimento econômico, a pro- do que alega a historiografia oficial, nunca faltou aqui, até excedeu, o apelo à
37
38. violência pela classe dominante como arma fundamen- 1.3 Movimentos em relação à habitação
tal da construção da história. O que faltou, sempre, foi
Os movimentos em relação à habitação surgem de problemas
espaço para movimentos sociais capazes de promover relacionados à terra, ao latifúndio e à falta de trabalho como ge-
sua reversão. Faltou sempre, e falta ainda, clamorosa- rador de renda. São problemas acumulados entre o descaso, e
incapacidade do governo em resolvê-los, do papel constritor das
mente, uma clara compreensão da história vivida, como
classes dominantes internas e do conformismo do povo.
necessária nas circunstâncias em que ocorreu, e um cla-
ro projeto alternativo de ordenação social, lucidamente Se quisermos construir uma verdadeira democracia, é urgente for-
talecer os mecanismos de participação popular. Mas a participação não deve
formulado, que seja apoiado e adotado como seu pelas
significar que a perversa economia de mercado e o Estado negligente e in-
grandes maiorias. Não é impensável que a reordenação
competente descarreguem sobre a população um problema que são incapa-
social se faça sem convulsão social, por via de um refor-
zes de resolver para ela (SACHS apud BOLAFFI –1999, p. 83)
mismo democrático
Conforme afirma RIBEIRO, a situação de desigualdade da
(RIBEIRO – 1995, p. 25) América Latina não pode ser resumida de forma simplista a uma
crise de transição entre o feudalismo e capitalismo, como afirma
Para onde cresce o Brasil, então? Há grande o marxismo dogmático, transformando, assim, uma crise evolu-
crescimento econômico, sim, porém, sobre tiva em um trauma paralisante. E assim é, desde o início:
uma das maiores desigualdades sociais do pla-
neta. Crescimento não significa desenvolvi- A sociedade como um todo era, porém, passiva em face des-
mento. se estado de coisas. Explicava a pobreza e a riqueza por conceitos místicos
38
39. capazes de infundir uma atitude de resignação a certas que não resolvem a questão por um trabalho efetivo e a longo pra-
camadas. Essa situação não pode alterar-se devido à co- zo. Foram programas como a Cohab, iniciado nos anos 60, época
em que o problema da habitação ficou mais evidente. Ao longo
munidade de interesses das classes dominantes e dos
de sua existência, as políticas econômicas e fundiárias limitaram
agentes externos da exploração, empenhados, ambos, os programas de promoção publica de habitações sociais a meros
em manter a escravidão, o latifúndio, a monocultura de programas de compensação social. Conforme SACHS, novos va-
que todos, afinal, viviam. (...) O sistema vigente também zios urbanos foram criados na cidade com a tendência resultante
dos conjuntos da Cohab em direção à periferia sua passagem, a
não era capaz de evoluir para formas autônomas e pro-
partir disso temos uma especulação imobiliária incessantemente
gressistas de ordenação da sociedade e da economia. renovada e que abarca espaços vazios cada vez maiores.É preciso
Quando as condições de vida em uma área alcançavam mais do que programas habitacionais que trabalhem só nos efei-
níveis demasiado baixos, eclodindo atos desesperados de
tos do problema, trabalhar na causa significa superar a burocracia
e movimentar os diversos setores da sociedade, é ai que entram a
expansão místico-religiosa da penúria, estes eram pron-
maiores dificuldades.
tamente esmagados em nome da ordem. Os excedentes
de população gerados dentro de cada região distribuíam- Poderia ter sido diferente se os programas de apoio à auto-cons-
-se por outras, indo engrossar as fronteiras de penetração trução houvessem tido um desenvolvimento maior. As iniciativas da Cohab
das regiões inexploradas ou regrediam a uma economia nesse sentido mal ultrapassaram o estágio de projetos pilotos
de subsistência (...) (RIBEIRO – 2007, p. 41) (SACHS –1999, p. 23)
Dentro da grave questão da habitação, por par- A primeira vez que esse conformismo foi quebrado em um
te do governo,observam-se programas que mo- movimento mais organizado aconteceu nos quilombos. Grupos
dificaram paliativamente algumas situações, mas formados por escravos negros africanos que fugiam das casas
39
40. de engenho para encontrar na sua liberdade, Entre os conflitos ideológicos, raciais e classistas que fazem
mesmo que por um momento, o seu pedaço parte da história, o último é o mais problemático desde a época
de terra. Seus irmãos, não mais em raça, mas de colônia. O atraso de vida na América Latina.
que também dividiam a mesma situação tor-
tuosa da escravidão, organizando-se em uma Aqui se enfrentam, de um lado, os privilegiados proprietários de ter-
tentativa de combate a toda a humilhação e
ras, de bens de produção, que são predominantemente brancos, e de outro
maus-tratos que vinham sofrendo.
lado, as grandes massas de trabalhadores, estas majoritariamente mestiças ou
Somente nos estratos subalternos fervia o es- negras (RIBEIRO – 1995, p. 174)
pírito de rebelião contra a ordem social, sobretudo sobre
A soma de fatores como o aumento da população e os proble-
negros escravos e índio explorados, que se levantavam, mas decorrentes do não planejamento ou políticas ineficazes de
periodicamente, em insurreições. Estasassumiam, em ordem estrutural e econômica por parte do Estado darão origem
aos movimentos sociais locais e a progressiva participação por
geral, uma feição milenarista porque tinham como único parte da população.
padrão de reordenação social uma idealização do passa-
do remoto em que não existiam senhores de escravos. Desde o início da década de 1970, assistimos a uma participação
Mesmo quando vitoriosas, não se capacitavam a reorde- crescente das massas populares e das classes médias nos movimentos so-
nar intencionalmente a sociedade segundo um projeto ciais mais diversos e na vida associativa em todos os níveis: associações de
próprio que a tornasse economicamente viável e pro- bairro, cujas reivindicações giram em torno dos problemas da vida cotidiana,
gressista. Por isso acabaram sendo todas derrotadas e que somam em São Paulo mais de 1300 movimentos de mulheres, de ne-
(RIBEIRO – 2007, p. 41) gros, de jovens; organizações de estudantes; grupos reunindo as profissões
40
41. 1.4 O cenário da habitação em São Paulo
liberais; sindicatos particularmente ativos na região me- Da questão da terra mais propriamente dita, movimentos como
tropolitana de São Paulo e outros Movimento dos Sem Terra (MST), ainda não conseguiram uma
mudança efetiva. Por mais burocrático que seja, uma alternativa
(BARRANTES et al. – 1985, p. 166)
de trabalho que envolva amplamente a sociedade, inclusive o
poder público, pode ser mais eficaz que movimentos isolados.
Essa participação crescente na cidade de São
Paulo ocorre também nas grandes cidades da
Partindo para uma abordagem local, São Paulo nasceu em
América Latina, porém, conforme TOMIC, nem
1554, em função do poder público-administrativo da época, a
sempre foi assim:
Coroa Portuguesa, não passando pela etapa de aldeia. Cidade
ainda pequena e sem importância econômica durante três sé-
Um conhecido sociólogo europeu, depois de culos.
viver muitos anos na África e outros tantos na América
Latina, emitiu o seguinte juízo revelador: ‘Dez quilôme- (...) com toda a importância de símbolo e coroa, a mensagem
tros adiante das últimas luzes da cidade, a pobreza na dos conquistadores e colonizadores, a soberba implantação urbana so-
América Latina é mais aguda, solitária e dolorosa do que bre o vasto mundo da natureza, em que o índio, habitante autóctone,
nas sociedades africanas, onde a organização tribal e sé- era considerado mero elemento utilizável dessa natureza hostil, porém
culos de solidariedade familiar ainda não corrompida pela potencialmente fértil
(BARRANTES et al. – 1985, p. 86)
racionalidade atomizadora do capitalismo proporciona-
ram aos africanos uma rede solidária, da qual carece os
Conforme Wilheim, São Paulo até então era um mero centro
povos latino-americanos simbólico e administrativo do poder colonial. Mas foi em 1822,
(BARRANTES et al. – 1985, p. 66) com a independência política e a cultura do café, que tudo mu-
41
42. dou. A economia do café exigiu e impulsionou Latina e Caribe”, realizado em 1985:
um importante desenvolvimento da cidade, por
consequência das complexidades empresariais (...) Há outro tema que também surte o efeito de fator cau-
dessa atividade, reforçando, assim, atividades
sador desse crescimento desmesurado: é o da fascinação das luzes da
urbanas e a posterior industrialização paulis-
tana. No século XIX, possuía 64.934 habitan- cidade. Esse fator psicológico, que atrai de um modo quase irresistível
tes, porém, com a imigração de um milhão de o ser humano para os símbolos externos do progresso e da civilização,
italianos para as fazendas do interior, a cidade
soe ser sub-valorizado, justamente por seu caráter subjetivo; porém,
teve seu primeiro salto populacional: 239.820
em 1900, ultrapassando o milhão somente em o subjetivo não o torna falso de maneira alguma. Talvez aí se encerre
1940 (1.326.261). Em 1950 um salto ainda maior, uma ilusão, mas é certo que, no fundo dessa fascinação, encontramos
decorrente do florescimento da indústria na-
mais outra expressão do desejo irrenunciável que o ser humano tem
cional de produtos em substituição aos impor-
tados, e das montadoras de automóveis. A atra- de participar (BARRANTES et al. – 1985, p. 67)
ção de empregos e o contraste que São Paulo
apresentava em relação às condições pré-capi- Participar. Talvez essa seja a palavra mais pronunciada, discuti-
talistas de trabalho no Nordeste foram decisivos da e reivindicada desde que os problemas sociais começaram a
para esse grande salto populacional (3.788.857). surgir. A grande questão se apresenta: qual é o papel que cabe à
Sobre essa atração que as cidades causam, Blás
participação dos cidadãos nesse processo de desenvolvimento?
Tomic, consultor do Programa Regional do Em-
Segundo Tomic:
prego para a América Latina e Caribe (PREALC),
tece interessantes comentários na ocasião do
Seminário “Rede de intercâmbio e informações É prudente entrar nessa reflexão explicitando desde o começo
e experiências entre as metrópoles da América qual é a definição de participação que nos inspira. Em não o fazendo, estarí-
42
43. amos nos condenando a ficar fechados na selva de um ve uma modernização do sistema produtivo e da administração
vocabulário que, nessa matéria, foi repisado, abusado e pública, além de uma forte expansão dos meios de comunica-
ção de massa. Porém, crescimento não necessariamente signifi-
finalmente desvirtuado por um longo tempo de instru-
ca desenvolvimento:
mentalização política interessada. Colocado de maneira
esquemática, participar não é tanto uma ação, mas um A degradação das condições de habitação popular em São Pau-
direito e uma capacidade. É direito que todo cidadão lo explica-se conjunção de um rápido crescimento demográfico com
tem que a sociedade lhe garanta canais institucionais um crescimento econômico pela desigualdade e a exclusão social que
que lhe permitam intervir como sujeito protagonista das dele resulta (SACHS – 1999, p. 70)
decisões e medidas que afetam as condições sociais
de sua existência. Por outro lado, é a capacidade des-
É claro que esse crescimento teve um preço, quem pagou por
tudo isso? A população, sobretudo a população de baixa ren-
se cidadão para exercer esse direito, isto é, contar com
da. Na década de 80 já se totalizavam três milhões de migran-
acesso aos recursos que são indispensáveis para utilizar
tes vindos de diversas regiões do país. Na mesma época, esse
com eficácia aqueles canais institucionais de participação crescimento deparou-se com uma séria contração financeira.
(BARRANTES et al. – 1985, p. 66) A América Latina sofria um reflexo de tomada de decisões por
parte de países centrais, assumindo, aqui, a forma de recessão
Sem uma participação democrática, a popu- econômica. Durante esses anos de crise, as tensões sociais, in-
lação de São Paulo continuou aumentando nas
vasões de áreas por parte de desabrigados, violentos confrontos
décadas de 60 e 70, impulsionada pelo cres-
cimento selvagem e a todo custo, promovido por alimentos e movimentos de massas pela conquista de em-
durante o regime autoritário (entre 4% e 5% ao pregos, emergiram da população carente, que historicamente é
ano. Fonte: SMDU-SP). Com isso, a cidade obte- a que sente mais as consequências dessas crises.
43
44. Um desses fatores é a pobreza desesperada do sociais de todo tipo. Trata-se de um continente extremamente
setor rural (...) É esta pobreza que empurra o homem, a injusto.
Por outro lado, hoje, o continente latino-americano começa a
mulher e sobretudo o jovem camponês a somar-se aos
se tornar politicamente mais solidário, registrando cada vez mais
milhões de emigrados que procuram nas cidades aque- movimentos e conquistas de expressão no campo da cidadania
las vantagens elementares que não podem conseguir efetiva, assunto que abordado adiante.
em nenhuma outra parte. Que reflete esse fenômeno se
não uma busca angustiada por parte dessas centenas de
milhares de emigrantes de oportunidade para chegarem
a ser donos de seu próprio destino, ou seja, artífices de
um processo do qual se sentem excluídos?
(BARRANTES et al. – 1985, p. 66)
Ser dono do próprio destino é ter um míni-
mo de oportunidade de escolha, que destino
têm pessoas em situação de extrema pobreza?
Atualmente são 16,2 milhões de brasileiros nes-
sa situação, 30 milhões na América Latina. Esse
é nosso legado, a história que deveria ser ensi-
nada nas escolas. Funciona como um câncer
que deteriora a sociedade por dentro, trazendo
mais pobreza, violência, desemprego e tensões
44
45. 1.5 Prática da cidadania de fato. Por um lado, porque tivemos como herança colonial uma so-
ciedade de tradição autoritária, na qual os homens tinham muito mais
Atualmente, as pessoas vivem de acordo deveres do que direitos e cujo fundamento da disciplina era a simples e
com situações onde elas têm o controle de
inquestionável obediência (OLIVEIRA - 2009, p. 1)
coisas que as rodeiam: situações onde se
submetem às regras e políticas trabalhistas
É um erro achar que o que falta na nossa sociedade é mais
e governistas, ocasiões onde perdem quase
”solidariedade”, no sentido de que aquele que tem mais deve
que completamente o controle de suas vi-
ajudar ao que mais necessita. Esse é um dever do Estado.
das como na saúde e dependem do Estado
Cabe aos cidadãos, aprender o raciocínio do servir ao próxi-
e outras Instituições para mantê-las saudá-
mo em que, independente da situação social de um sujeito,
veis, regras das quais se submetem quan-
exista a cultura de todos trabalharem para o bem de um in-
do aderem a uma religião ou credo, o seu
divíduo ou da comunidade.
direito de ‘ir e vir’, um translado entre todas
essas situações, que depende do transporte
público ou particular e que muitas vezes exi- Cidadania não é ajudar o outro, e sim servir o outro. (...) In-
ge paciência de cidadão já estressado pelos felizmente diretores de marketing ou jovens não pensam em ser-
afazeres da vida. Segundo Oliveira (2009), o
vir os outros. Querem patrocinadores, ou seja, querem que alguém
atual cenário da cidadania no Brasil foi her-
dado de uma sociedade que vivia sob regi- sirva financeiramente o projeto que eles criaram. Só pensam no
me autoritário. próprio benefício (KANIT – 2004, p. 221-222)
Um grande problema no Brasil está na falta de autonomia
Num país de capitalismo tardio e periférico
da maior parte da população em exercer a sua cidadania,
como o Brasil o pleno cidadão nunca chegou a existir conhecendo seus direitos e deveres. Hoje milhões de fa-
45
46. mílias ainda moram em barracos e não sa- e saneamento básico, porém, os jovens, principalmente os
bem o que podem e o que não podem ter. universitários, também têm capacidade de contribuir para a
Para piorar essa situação, políticos dão maior melhora de vida dos cidadãos, utilizando os conhecimentos
prioridade às famílias pertencentes às classes que obtêm em suas formações. É necessário haver uma mu-
média e alta. dança de atitude de cada um para que se consiga entender
Com a mudança na estrutura social, novas onde e como vivem as pessoas em pobreza extrema. Revis-
religiões e condutas sociais também foram tas, jornais e televisão mostram diversas situações e imagens
introduzidas, o que antes poderia parecer dessa pobreza, mas esse contato é muito artificial, pouco
um convívio até bastante pacífico, agora motivador e dificilmente estimulará uma mudança de pos-
exige tolerância e aceitação dos diversos tura. Contar para as outras pessoas os acontecimentos de
grupos sociais. Um exemplo disso são os uma situação é diferente de contar o que se vê, com os pró-
mutirões de construção de casas, em que a prios olhos e do que se sente com a própria experiência. Traz
comunidade se move para construir a casa outro sentido e uma reflexão sobre a realidade. Ou seja, não
de um de seus membros, ou a horta comu- bastam apenas intenções para mudar a postura da socieda-
nitária, onde a comunidade ara, semeia, cui- de, mas, sim,é preciso que os cidadãos mudem muitas de
da, colhe e divide o que plantou. Existem vá- suas atitudes (SOLAR – 2010).
rios projetos que levam essa cultura a sério Enquanto não houver uma mudança de atitude e uma
e que movem a comunidade a melhorar as preocupação em relação à extrema pobreza que ainda exis-
condições gerais de seus membros e bairros. te, dificilmente esse cenário mudará. Essa condição precária
A cidadania pode contar com o trabalho em que muitas pessoas vivem continua crescendo, pois a
em equipe, visando melhorar a qualidade própria sociedade, cada vez mais individualista, não oferece
de vida de uma coletividade. Evidentemente meios que solucionem esse grave problema. Qualquer pes-
que é dever do Estado e do Poder Público soa que se depara com esse tipo de situação, seja por meio
garantirem condições básicas de moradia dos noticiários ou até vivenciando como é a vida em comu-
46
47. nidades carentes, se choca e, provavelmen- pela realidade do país. O sistema consegue enganar os jo-
te, dirá que quer mudar esse quadro. Porém, vens, consegue fazer parecerem temíveis (SOLAR - 2010). Em
após um tempo, a indignação vai embora. situações destas, os universitários pensam de forma diferen-
Não existe uma união entre os cidadãos, o te. A juventude é a definição de ajuda e servir o outro, de pôr
que faz com que apenas poucos grupos se o jogo em risco. Saber dar valor à vida e consequentemente
mobilizem, quantidade que não consegue se dispor a melhorar a condição precária em que as pessoas
provocar muitas mudanças. As atitudes que vivem em nosso país. O país está em uma situação em que
são tomadas precisam ser revistas a fim de precisa de bons profissionais que sirvam de exemplo para os
se fomentar engajamento nesses cidadãos. demais profissionais em enfrentar os conflitos e problemas
As pessoas não param para se perguntar o atuais, por exemplo, a superação da pobreza. Encaixa, então,
que é ser universitário, o que se entende por na responsabilidade e à pressão que o universitário tem em
juventude, a importância de trabalho em cumprir o seu papel e nele levar a sério para servir como
equipe e qual o conceito de liberdade. A falta exemplo e crescer em um bom profissional.
de discussões acerca desses temas e a falta Um estado que a mídia e a propaganda normalmen-
de atitude são fatores chave para o aumento te associam aos jovens é a liberdade. Porém, é uma li-
da injustiça e da pobreza (SOLAR – 2010). berdade consumista, voltada para a escolha do jovem de
Ser jovem é mostrar oportunidade e com- forma em que este mesmo seja o seu próprio escravo.
promisso. Atualmente, o jovem vive em um Segundo SOLAR:
país irreal por causa da mídia que provoca o
consumismo. A tendência é um jovem sem-
pre se preocupar com os seus bens e sem- Não é uma liberdade ‘para’, mas uma liberdade ‘pela liberda-
pre se comparar com o que os outros pos- de’. A verdadeira liberdade, com a letra maiúscula, é aquela conseguida
suem. É uma geração que evita sofrer ou de
quando se assume o que a gente é e tem. Grande parte da liberdade
ter compromisso, em que o objetivo é não
encontrar tempo livre para ser influenciado consiste em assumir mais do que escolher (SOLAR – 2010, p. 59)
47
48. Ao exercera liberdade é que se configura o mais necessitadas etc. Porém, trabalhar em equipe tem suas
compromisso. É uma responsabilidade assu- dificuldades, obstáculos no meio do caminho. De certa for-
mida para completar uma tarefa. É quando ma, a cultura atual é individualista e privilegiada, onde o foco
essa responsabilidade é colocada em pri- é competir contra o outro em vez de compartilhar com o
meiro lugar na lista de prioridade indepen- outro (SOLAR - 2010). Ser competitivo não é necessariamente
dente da situação. Significa estar disposto a algo ruim, pois mostra a criatividade, raciocínio rápido ou
trabalhar e se dedicar para realizar um so- produção rápida com qualidade.
nho ou dar o melhor que pode para atingir Logo, este sistema competitivo e individualista não fun-
um objetivo. A partir do momento em que a ciona da mesma forma com os fracos, pouco responsáveis,
pessoa se preocupa com os riscos ou com que possuem dificuldades. O sistema afasta estas pessoas,
o que poderia dar errado, automaticamen- fazendo com que se sintam excluídas, diferente de todos
te não está se comprometendo. Com isso já por causa dos seus pontos fracos. Precisam “se virar” para
se pode filtrar as pessoas que mostram este conseguir um trabalho, uma moradia descente, um terre-
comprometimento, podendo acabar com no registrado, alimentação para a família toda, um emprego
as situações de injustiça e pobreza (SOLAR – fixo com carteira registrada ou até mesmo os direitos huma-
2010). nos, que todos deveriam ter. São criados medos e angús-
A palavra-chave que melhor se encaixa tias nas pessoas, fazendo com que se sintam acomodadas,
dentro da preocupação de terminar com a acreditando que se fizerem alguma coisa fora das regras do
pobreza pode ser trabalho em equipe. Tra- sistema, serão expulsos da zona de conforto em que estão.
balho esse, que aproxima o exercício dos Dá-se, então, o início do que entende-se por a guerra de
universitários para o resultado final, a exter- sobrevivência,em que cada indivíduo luta para manter o seu
minação da pobreza extrema. Ter as opor- terreno, seus bens, seu emprego, sua moradia, seus direitos
tunidades de compartilhar idéias, destacar de permanecer incluído no sistema.
os pontos fortes e fracos de todo o processo Por causa desta guerra de sobrevivência, pela forma em
de trabalho, facilitar a localização de famílias que o sistema trabalha e pela velocidade em que vai levando
48
49. os “fortes” é que aparece a pobreza e, logo, o Os que precisam mais destas instituições são os fracos, os
compromisso e trabalho que os universitá- prtunidades que em outras situações não terobres, para se-
rios tomam e fazem. Conforme SOLAR: rem protegidos e para abrirem opoiam. O trabalho em equi-
pe é fundamental para dar a força em manter as instituições
Para isto é muito importante trabalhar para e também para ajudar a melhorar a condição da pobreza ex-
trema deste país. É importantíssimo o universitário divulgar,
construir instituições, fortalecê-las e cuidar daquelas
manifestar-se para os demais e procurar maneiras de mudar
que já existem. As instituições protegem os mais fra- a atitude que a juventude tem na cultura atual.
cos e aqueles que são fortes ajuda-os a serem irmãos
dos seus irmãos. Os fortes não precisam das insti-
tuições para ser protegidos. Eles podem e sabem se
proteger, eles podem prescindir das instituições para
subsistir (SOLAR – 2010, p. 75)
Figura 3: Felipe Berrios de Solar.
Fonte: .wikipedia.org/wiki/Felipe_Berr%C3%ADos
49
51. É preciso ser visto para existir no ciberespaço
Raquel Recuero
Jornalista, professora e pesquisadora.
Autora do livro “Redes sociais na internet”.
51
52. A
tualmente é impossível imagi- casa e do trabalho, passando de 33,3 milhões em 2009 para
nar o mundo sem a internet. O 40 milhões em 2010, tornando-se o país latino-americano
avanço tecnológico vem tornan- com maior população online e ultrapassando países desen-
do a web mais colaborativa do volvidos como o Reino Unido, que possui 38,6 milhões de
que nunca, permitindo que indivíduos criem, usuários (COMSCORE – 2011, p. 16-19). Porém, para o IBOPE
editem e recombinem conteúdo. A cada dia Nielsen Online (2011), o número total de brasileiros, com 16
que passa, a estruturação da linguagem vir- anos ou mais, que acessam a internet de casa, do trabalho,
tual vem se tornando mais sólida, ganhando em lanhouses, clubes etc., chega a 73,9 milhões de pessoas,
estilo próprio e características únicas. sendo o acesso de casa o ponto de maior crescimento nos
Porém, não é somente a internet que está últimos meses (+24%) (IBOPE – 2011).
mudando, mas, também, o comportamento
Dados como esses só atestam o poder e o impacto que
dos seus usuários. Em uma pesquisa reali-
a web exerce no país e, por que não, no mundo. Com mais
zada pela multinacional Cisco Systems Inc.,
de 38% da população do Brasil acessando a rede mundial de
que entrevistou mais de 2800 pessoas em
computadores e com o volume de informações e possibili-
14 países (entre eles, o Brasil), na faixa etá-
ria de 18 a 29 anos, constatou-se que “um dades que ela dispõe, fica evidente a mudança de paradigma
em cada três estudantes e jovens profissio- dos dias atuais.
nais consideram a internet tão importante Essa infinidade de meios e ferramentas disponíveis no ci-
quanto alimento, água e ar, e nove em cada berespaço propiciou que novas formas de comunicação
dez estudantes e profissionais possuem uma se estabelecessem, criando, assim,um outro jeito de se co-
conta no Facebook” (CISCO – 2011). Outra municar, a Comunicação Mediada por Computador (CMC).
pesquisa, realizada pela ComScore (2011),
mostra que em apenas um ano, o país cres- Porém, segundo Raquel Recuero (2010), ela não se resume
ceu em 20% o número de usuários com 15 apenas à comunicação convencional, uma vez que “essa co-
anos ou mais que acessam a internet de municação, mais do que permitir aos indivíduos comunicar-
52
53. -se, amplificou a capacidade de conexão, fortes em intensidades por vezes bastante significativas” (RI-
permitindo que redes fossem criadas e ex- BEIRO, 2001, p. 142).
pressas nesses espaços: as redes sociais me- A partir da interação entre os atores, considerada a “ma-
diadas pelo computador” (RECUERO – 2010, téria-prima das relações e dos laços sociais” por Recuero
p. 16). (2010, p. 30-31), é que suas identidades serão estabelecidas e
reconhecidas pelos demais no ciberespaço. Com isso, per-
cebe-se que um dos aspectos mais importantes no estudo
2.1 Redes sociais e mobilidade de redes sociais na internet é a conexão, pois são suas varia-
ções que alteram as estruturas e as formas de organização
Antes de se discutir redes sociais media- nas redes.
das por computador é importante explicitar Apesar das interações serem processos sempre comuni-
como se constitui uma rede social, quaissão cacionais, existem algumas particularidades reservadas às
seus elementos fundamentais e como ela se interações mediadas por computador. Um primeiro fator re-
organiza. Para que uma rede social seja defi- levante é que os atores não se conhecem imediatamente.
nida como tal, ela precisa de dois elementos Toda comunicação se dá pela mediação do computador.
fundamentais: os atores (também chamados Outro ponto importante se dá pelo fato de existirem diversas
de nós da rede), que podem ser pessoas, ins- ferramentas que suportam essas interações no ciberespaço
tituições ou grupos1 , e suas conexões (inte- – proporcionando formas distintas de se comunicar e dese
rações entre os atores ou laços sociais). relacionar – e que o produto dessas interações permane-
Segundo José Carlos S. Ribeiro (2001), o ce na rede, podendo promover o surgimento de interações
ciberespaço pode proporcionar aos atores assíncronas2 (RECUERO – 2010). Outro fator de diferenciação
relações sociais sólidas, uma vez que “dentro entre a comunicação através das vias convencionais e a Co-
deste espaço de convivências, constata-se municação Mediada por Computador é o estímulo ao ano-
que as pessoas frequentemente iniciam rela- nimato em detrimento da identificação. Justamente pelo
ções, formam grupamentos, criam ligações fato dos atores envolvidos na interação não necessariamen-
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Porém, segundo Recuero (2010), instituições, grupos, weblogs, fotologs etc., não são, de fato, considerados atores sociais, mas, sim, representações dos mesmos.
Portanto, esses nós da rede são espaços de interação construídos pelos atores de forma a expressar elementos das suas personalidades. 2 Uma interação é consi-
derada assíncrona quando não há resposta imediata, por exemplo, um e-mail, que pode ser lido muito tempo depois de ter sido enviado. Já a interação síncrona
é aquela que simula uma comunicação em tempo real (RECUERO – 2010).
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54. te se conhecerem, a não identificação torna-
-se uma atitude tentadora, diminuindo a res-
ponsabilidade ante ao conteúdo publicado e
protegendo o ator de uma possível punição.
Observando como os atores sociais se dis-
tribuem e se conectam à internet, modelos
estruturais das redes foram desenvolvidos.
Por meio de grafos, que são representações
gráficas das redes, a estrutura de uma rede
pode ser facilmente distinguida de outra. Os
grafos ilustram os atores (nós) e suas cone-
xões, evidenciando as características da rede
por eles constituída. Figura 4: diagrama de Paul Baran (1964, p. 2).
Existem muitas topologias diferentes nas Fonte: www.rand.org/pubs/research_memoranda/2006/RM3420.pdf
redes, porém, segundo Paul Baran (1964), to-
das essas estruturas baseiam-se em apenas Por meio de grafos como os propostos por Baran, a compre-
três modelos (figura 4): centralizada, no qual ensão de como os atores sociais se conectam na rede se torna mais
um nó centraliza a maioria das conexões, tangível, facilitando a análise das redes sociais mediadas por computa-
descentralizada, que possuiu vários peque-
dor. Recuero reforça a importância das conexões ao dizer que elas “são
nos centros – chamados de clusters3 – co-
constituídas dos laços sociais, que, por sua vez, são formados através
nectados a outros nós, e distribuída, em que
todos os nós possuem mais ou menos o da interação social entre os atores
mesmo número de conexões. (RECUERO – 2010, p. 30).
3
Cluster é um grupo de nós mais densamente conectados em uma rede. aquela que simula uma comunicação em tempo real (RECUERO – 2010).
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55. A autora ainda sintetiza em uma tabela do personalcomputer (PC). Nos anos 80-90, assistimos a popularização
quais os tipos de laços e interações sociais. da internet e a transformação do PC em um “computador coletivo”, co-
(quadro 1)
nectado ao ciberespaço, a substituição do PC pelo CC. Aqui, a rede é o
Com o crescimento da oferta de compu- computador e o computador uma máquina de conexão. Agora, em ple-
tadores pessoais e graças às inovações tec- no século XXI, com o desenvolvimento da computação móvel e das no-
nológicas que os deixaram cada vez meno- vas tecnologias nômades (laptops, palms, celulares), o que está em mar-
res, acoplando-os aos dispositivos móveis e
cha é a fase da computação ubíqua, pervasiva e senciente, insistindo na
trazendo à tona o smartphones, tão comuns
nos dias atuais, as interações sociais no ci- mobilidade. Estamos na era da conexão (LEMOS - 2004, p.1-2)
berespaço ganharam uma grande aliada: a
mobilidade.
Segundo André Lemos, o desenvolvimen-
to tecnológico que propiciou o surgimento Tipo de laço Tipo de interação Exemplo
desses dispositivos portáteis também está
Decidir ser amigo de alguém
sendo responsável por mudanças na socie- Laço associativo Interação reativa no Orkut, trocar links com al-
dade e no comportamento humano. Para o guém no Fotolog etc.
autor, a civilização já passou para uma outra
era, deixando para trás a era da informação. Conversar com alguém atra-
Laço dialógico Interação mútua vés do MSN, trocar recados no
Orkut etc.
O desenvolvimento da cibercultura se dá
com o surgimento da micro-informática nos anos 70,
Quadro 1: Tipos de laços sociais e suas respectivas interações.
com a convergência tecnológica e o estabelecimento Fonte: (RECUERO – 2010, p. 40).
4
Gartner Inc.(http://www.gartner.com/technology/home.jsp);
.
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56. A perspectiva de crescimento das vendas dades foi exposta.
dos smartphones e dos tablets é compro- Logo, um movimento de adaptação configurou-se, em
vada por meio dos dados apresentados pela que sites de redes sociais, que já existiam na internet, cria-
consultoria 4Gartner e divulgados pelo jor- ram versões mobiles, como, por exemplo, o caso dos acla-
nal Valor Econômico em setembro de 2011. mados 5Facebook e 6Twitter . Porém, o inverso também
A reportagem informa que “as vendas mun- ocorreu. Além da adaptação ao mobile, o aperfeiçoamento
diais de smartphones deverão crescer 57,7% dos dispositivos fomentou o surgimento de novos serviços e
até o fim de2011, chegando a 468 milhões aplicações exclusivamente móveis, como o 7Foursquare , um
de unidades, enquanto as vendas de tablets microblog que utiliza dados de localização do GPS do dispo-
deverão mais que triplicar para quase 70 mi- sitivo móvel para que o usuário compartilhe sua localização
de momento com seus amigos.
lhões de unidades” (VALOR – 2011, Online).
Portanto, “laços sociais mediados pelo computador costu-
Com dispositivos cada vez mais portáteis
mam ser mais multiplexos, pois refletem interações aconte-
e poderosos, os atores não mais necessitam
cendo em diversos espaços e sistemas”
de um ponto fixo de acesso à web e, aliado à (RECUERO – 2010, p. 42).
possibilidade de acesso à internet por meio Essa multiplicidade de meios e possibilidades disponíveis
das redes de telefonia celular, podem chegar na web aliados à sua característica descentralizada e de li-
até a ficar conectados e disponíveis 24 horas vre expressão, ainda mais agora, com o aparecimento e a
por dia. O avanço tecnológico desses tipos consolidação das redes sociais mediadas por computador,
de dispositivos promoveu o surgimento de oferece aos usuários a oportunidade de terem suas vozes
novos produtos virtuais: os aplicativos para ouvidas. O caráter colaborativo da internet fez com que gru-
dispositivos móveis. Oferecendo desde jo- pos sociais ganhassem muita força, como se pode ver hoje
gos a até serviços de muita utilidade – como no Oriente Médio, onde a população, unida através da rede
acesso a contas bancárias, geolocalização mundial de computadores, se organiza e se fortalece a ponto
via GPS e etc. –, uma infinidade de possibili- de derrubar governos ditatoriais que pareciam invulneráveis.
5
Facebook (http://www.facebook.com/);
6
Twitter (http://twitter.com/);
7
Foursquare (https://pt.foursquare.com/)
.
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57. Os pioneiros nesse tipo de movimento que 2.2.1 Formação
faz uso do computador para se mobilizar e
ganhar força social foram os Zapatistas, no O Movimento Zapatista teve origem no Sul do México, ins-
México da década de 50. pirado por Emiliano Zapata, um camponês que não se con-
Portanto, conhecer a história do Zapatismo formava com o governo do ditador Porfírio Diaz, um governo
se mostra muito importante antes de abor- oligárquico que só beneficiava os latifundiários e a burguesia
dar temas como ciberativismo e dese pros- ligados ao governo. Inconformado, Zapata havia organizado
seguir com este trabalho. um pequeno grupo de indígenas e camponeses no sul do
México enquanto Pancho Villa, militar revolucionário mexi-
cano, comandava camponeses no norte do México.Ambos
2.2 Movimento zapatista lutavam para que fosse realizada a reforma agrária, em que o
intuito principal seria a divisão de terras de forma igualitária
O movimento zapatista tem duas raízes: entre os latifundiários, indígenas e camponeses.
um grupo político-militar urbano e uma or- Em 1950, período conhecido como Contra Reforma (por
ganização indígena. causa das políticas agrárias que foram modificadas para be-
O grupo urbano era uma organização clan- neficiar os médios e grandes fazendeiros), inúmeras comu-
destina que procurava crescer com trabalho nidades indígenas foram expulsas de seus territórios por la-
político composto basicamente por gente tifundiários. Esses grupos se encaminharam para a região da
de classe média. Como eles precisariam de Selva Lacandona, em Chiapas. A Contra Reforma contribuiu
um lugar para se preparar militarmente, en- para o crescimento de produções individuais dos fazendei-
traram em contato com o grupo indígena de ros, abalando fortemente os ejidos, que eram as proprieda-
Chiapas, que, vivendo dentro da realidade des rurais para uso coletivo que não podiam ser negociadas
deles, sabiam também que haveria essa ne- de forma alguma.
cessidade Em Chiapas já haviam muitas organizações indígenas se
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58. formando contra o governo e com o mes- municação do movimento para mobilizar a população.
mo intuito do movimento zapatista, porém,
faltava força suficiente para combater o go-
verno. Quando o presidente mexicano Luiz 2.2.2 A ação nos meios de comunicação e na rede
Echeverría exigiu que os indígenas da Selva
da Lacandona se retirassem,a situação se A utilização dos meios de comunicação pelos zapatistas
tornou insustentável. As Organizações indí- foi sempre focada no intuito de mobilizar, principalmente, a
genas se uniram com as Furerzas de Libera- população mexicana e, posteriormente, o mundo, falando
cion Nacional (FLN) que tinham acabado de (rádio) ou mostrando (internet, televisão, jornal) a situação
chegar a Lacandona e formaram o Exército desumana e o descaso que se encontravam comunidades
Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). indígenas e camponeses mexicanos.
O ato inicial aconteceu no primeiro dia de A tomada de uma rádio na cidade de San Cristobal de lãs
1994. Havia um tratado Norte-Americano Casas, em 1993, teve como intuito apresentar à população a
do Livre Comércio, o NAFTA,exigindo que 1.ª Declaração da Selva Lacandona, declaração que continha
o México acabasse com os ejidos para que os onze pontos iniciais de reivindicação: trabalho, terra, teto,
pudesse fazer parte do tratado. Os ejidosfoi alimentação, saúde, educação, independência, liberdade,
um direito adquirido com muito suor duran- democracia, justiça e paz.
te a Revolução Mexicana. Dificilmente iriam Desde a tomada na rádio, tudo já estava organizado para
abrir mão desse direito. Para mostrar sua po-
o 1.º dia de Janeiro de 1994, dia em que começava a valer o
sição contrária à política que se instalava no
México, a EZLN dominou cinco cidades do acordo do livre comércio (TLC-NAFTA) entre Estados Unidos,
México (Chiapas, San Crisóbal, Ocosingo, Al- Canadá e México. Se aproveitando do momento, o movi-
tamirano e Magaritas), mais uma estação de mento Zapatista soube expor e trabalhar sua imagem,como
rádio, que passou a servir como meio de co- diz Ortiz, Brige e Ferrari:
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