Este documento compara as visões de Sigmund Freud e Melanie Klein sobre o Complexo de Édipo. Klein acreditava que as fantasias primárias eram centrais para o Complexo de Édipo, enquanto Freud via o medo da castração como fundamental. Além disso, Klein propôs que o Complexo de Édipo começa nos primeiros meses de vida da criança, diferentemente de Freud.
1. ISSN 1982 - 1913
2009, Vol. III, nº 1, 1-8
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O Complexo de Édipo: uma comparação entre
Melanie Klein e Sigmund Freud
The Oedipus Complex: a comparison between Melanie Klein and Sigmund Freud
Thaís Utsch Vieira de Oliveira*
Thaísa Vilela Fonseca Amaral*
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
Resumo
O conceito de Complexo de Édipo é fundamental para a concepção da teoria
psicanalítica, tendo em vista que este é o principal eixo de referência que
possibilita a compreensão das psicopatologias. Além disso, a universalidade
da estrutura triangular do Complexo de Édipo nas mais variadas culturas
é um elemento notório, já que, muito mais que curioso, é primordial para a
compreensão do ser humano como um todo. Observando-se os inúmeros
acréscimos feitos no campo da psicanálise desde Freud, torna-se cada vez
mais importante, estudos minuciosos sobre as diferentes lógicas conceituais
dos autores existentes. Assim, pretendeu-se neste trabalho discorrer sobre a
noção de Complexo de Édipo construída pela metapsicologia Kleiniana a fim
de estabelecer um paralelo em relação a algumas das principais diferenças do
conceito original proposto pelo pai da psicanálise.
Palavras-chave: Complexo de castração, Complexo de Édipo, Fantasia, Freud,
Melanie Klein.
Abstract
The concept of Oedipus Complex is fundamental for the conception of the
psychoanalysis theory, having in mind that this is the main referential axis
that makes possible the understanding of the psychopathology. Moreover, the
universality of the triangular structure of the Oedipous Complex in several
cultures is a well-known element, since, much more than curious, it is primordial
for the understanding of the human being as a whole. Observing the innumerable
additions made in the field of psychoanalysis since Freud, detailed studies of
the different conceptual logics of the existing authors become relevant. Thus,
the aim of this work is to investigate the notion of the Oedipous Complex
constructed by the Kleinian Metapsychology in order to establish a parallel
between some of the main differences of the original concept proposed by the
father of the psychoanalysis and new ideas proposed by Melanie Klein.
Key-words: Castration complex, Oedipous Complex, Fantasy, Freud, Melanie
Klein.
*Nossos agradecimentos a todas as pessoas que apóiam nosso trabalho.
1
2. Thaís Utsch Vieira de Oliveira - Thaísa Vilela Fonseca Amaral
Em 15 de Outubro de 1897, Freud (2004), a importância da passagem pelo Édi-
escreve, em mais uma de suas cartas a seu po e sua condição estruturante nos remete a
amigo Wilhelm Fliess, o que mais tarde viria pensar a constituição do sujeito a partir da
a ser o Complexo de Édipo. “... o poder de incontestável presença do outro. Ora, se a
dominação de Édipo-Rei torna-se inteligível triangulação edípica não prescinde da exis-
[...]. O mito grego salienta uma compulsão tência de um casal de pais, seja real ou sim-
que todos reconhecem por terem percebido bólico, torna-se imperativo a inscrição do
em si mesmo marcas da sua existência.” (Mas- outro na estruturação do sujeito. No decor-
son, 1986, p.273). No entanto, será apenas rer da obra freudiana é possível verificar o
em 1910, que Sigmund utilizará a expressão importante papel do outro nos diversos ele-
Complexo de Édipo, em uma alusão ao mito mentos que compõe o cenário edípico.
grego Édipo-Rei, para fazer referência ao ro- O sujeito, por conseqüência do que é
mance familiar. Desde então, o complexo de vivenciado no Édipo, sai com determinadas
Édipo tornou-se central para a teoria psica- identificações. Bleichmar (1988, p. 14) afir-
nalítica. ma que “a identidade sexual é algo que deve
No cerne da imortal tragédia grega ser assumida”. Portanto, vê-se que a iden-
de Sófocles tem-se que Édipo, o herói da tificação com o pai ou a mãe determinará
legenda tebana, é o responsável pelo as- as posteriores escolhas de objeto. É a par-
sassinato do pai e pelo casamento com a tir destas identificações que será possível a
própria mãe. Freud traduz a triangulação constituição do superego.
posta na tragédia para os seus pacientes e Em 1923, Freud postula, em um
a concretiza em sua auto-análise, afirmando texto nomeado de “O Ego e o Id”, o su-
a existência de uma universalidade dos de- perego como o herdeiro do complexo
sejos amorosos e hostis que a criança sente de Édipo. “O superego resulta de um
em relação aos pais. O Complexo de Édipo
processo identificatório com a lei, da qual
passa a ser visto como o núcleo das neuro-
o pai é o representante.” (Moreira, 2004,
ses. O próprio Freud usou a denominação
Complexo Nuclear para referir-se ao Com- p. 224).
plexo de Édipo em alguns de seus escritos. A castração tem aqui um papel fun-
(BRITON, 1994) damental. A primazia do falo em períodos
Como bem ressalta Britton (1994) o anteriores ao complexo de Édipo permite
Complexo de Édipo descrito por Freud pos- ao menino ou menina temer, neste momen-
sui três elementos essenciais, independen- to, a castração1.
te do sexo da criança. O primeiro elemen- Segundo Pellegrino (1987):
Aqui se levanta o problema crucial da relação
to diz da necessidade de um casal de pais do ser humano com a Lei. (...) Não há dúvi-
que pode ser real ou simbólico. No segundo, da de que a lei, para ser respeitada, precisa
tem-se o desejo de morte em relação ao ge- ser temida. Neste sentido, para a resolução
nitor do mesmo sexo. No terceiro e último do Édipo, é necessário o temor a castração,
segundo a concepção freudiana. Uma lei que
elemento verifica-se a existência de um so- não seja temida – que não tenha potência de
nho ou mito de realização do desejo de to- interdição e de punição – é uma lei fajuta, de
mar o lugar de um dos pais e casar-se com o fancaria, impotente. No entanto, o temor à lei,
outro. sendo necessário, é absolutamente insufi-
Assim, Freud preconiza a situação
1 É imprescindível ressaltar que Freud postula uma dife-
edípica como uma das problemáticas funda- renciação do complexo de Édipo na menina e no menino e,
mentais à teoria psicanalítica, visto que este portanto o medo à castração também incide em ambos os
é o momento no qual se dará a constituição sexos distintamente. Neste trabalho esta diferença não foi
apresentada visto que o nosso objetivo não é fazer uma des-
do sujeito. crição minuciosa do complexo de Édipo para Freud, mas sim
Nesse sentido, como aponta Moreira apresentá-lo de forma a tornar possível uma posterior com-
paração ao aprofundamento do conceito por Melanie Klein.
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ciente para fundar a relação do ser humano Sendo assim, faz-se necessário algu-
com a lei. (...) (1987, p.198) mas considerações sobre os estágios iniciais
E continua afirmando que “Só o amor da vida do bebê Kleiniano. Inicialmente esse
e a liberdade, subordinando e transfigurando se encontra imerso em fantasias inconscien-
o temor, vão permitir uma verdadeira, positi- tes, que são associadas a todas as experiên-
va – e produtiva – relação com a lei.” (1987, cias por ele vivenciadas, ou seja, permeiam
p.198) a relação da criança com os objetos que a
A dissolução do Complexo de Édipo rodeia. Isto significa dizer que ocorrem ex-
desempenha papel fundamental na estru- periências de gratificação e sofrimento, res-
turação da personalidade e na orientação ponsáveis pela introjeção de um seio bom
do desejo humano, além de ser a principal – objeto de amor e fonte de desejo incor-
temática de referência no que diz respeito poração - e um seio mau - objeto persecutó-
às psicopatologias. Do mesmo modo, é uma rio causador de sofrimento, o qual a criança
chave importante para se pensar a passa- deseja destruir. Neste estágio, então, não há
gem do biológico ao cultural. a percepção de realidade; o bebê possui a
Depois das inúmeras descrições de dimensão de existir um seio provedor de
Freud acerca do Complexo de Édipo, vários satisfação e gratificação e ao mesmo tempo
autores pensaram e repensaram tal conceito. de um outro seio, causador de fome e sofri-
Dentre esses autores tem-se Melanie Klein, mento - não há a percepção de um objeto
psicanalista britânica de origem austríaca inteiro e sim objetos parciais, separados.
considerada pós-freudiana por suas idéias Há a prevalência de um ego imaturo, e estes
inovadoras. mecanismos de divisão correspondem às
Em setembro de 1927, durante o X primeiras defesas desse ego primitivo.
Congresso Internacional de Innsbruck2, Melanie Klein denominou esses pro-
Klein apresentou uma comunicação, “Os es- cessos iniciais infantis como posição esqui-
tádios precoces do conflito edipiano”, na qual zoparanóide, ocorrendo no primeiro trimes-
expôs explicitamente suas discordâncias tre de vida da criança.
com Freud sobre a datação do complexo Posteriormente, no segundo semes-
de Édipo, sobre seus constitutivos e sobre o tre de vida do bebê, este começa a perce-
desenvolvimento psicossexual diferenciado ber que o objeto que o gratifica é o mesmo
dos meninos e meninas. objeto que propicia frustração. Inicia-se uma
Na visão de Britton (1994) o contras- nova percepção e conseqüente integração
te entre Freud e Klein no que se refere ao de um objeto inteiro e único. O bebê conse-
Complexo de Édipo está na primazia ou gue não só perceber que a fonte de prazer
não das fantasias primárias. Segundo o au- e desprazer é a mesma, mas também que
tor, Freud ressaltou a importância das fan- esta fonte está integrada a um outro objeto,
tasias primárias, incluindo a cena primária, à mãe. Assim, instaura-se um conflito de am-
em três dos seus artigos: “Homem dos Lo- bivalência de sentimentos, pois a mãe que
bos” (Freud, 1918), “Moisés e o Monoteís- a criança odeia e a quem direcionou seus
mo” (Freud, 1939) e “Esboço de Psicanálise” impulsos destrutivos é a mesma a quem di-
(Freud, 1940). No entanto, esse, ao longo do reciona amor, é quem teme perder. Tal am-
relato de seus pensamentos concedeu ao bivalência gera grande ansiedade e senti-
complexo de castração o eixo central para a mento de culpa, e a criança anseia reparar
compreensão do Complexo de Édipo. Dife- todo o mau que causou à mãe. Este momen-
rentemente, Melanie Klein descreveu a situ- to é o princípio do que Klein denominou de
ação edípica com foco nas fantasias primá- posição depressiva.
rias. Ao conseguir distinguir objetos to-
2Para maiores esclarecimentos sobre o assunto ver http:// tais, a existência dos pais como pessoas que
psicanalisekleiniana.vilabol.uol.com.br/biografia.html
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possuem seus próprios desejos e que se Um fator importante a ser levantado
voltam para outros campos que não a crian- diz respeito ao fato de tanto a menina quan-
ça, essa começa a direcionar seus impulsos to o menino oscilarem entre posições homo
e fantasias a estes, o que instala o cenário e heterossexuais durante o complexo de
para o início do Complexo de Édipo. É im- Édipo, como se verá adiante.
portante ressaltar que a ansiedade, a culpa Tendo-se em vista os estágios primi-
e os sentimentos depressivos, característi- tivos deste complexo, comuns ao menino e à
cos da posição depressiva, permeiam este menina, faz-se necessário abordar caracte-
processo desde seu início, pois perpassam rísticas distintas deste processo a cada um
as relações criança-objeto. dos sexos.
De acordo com Heimann (1986), o Iniciando-se pelo menino, em sua
início desta fase coincide com várias exci- posição feminina ou homossexual, há uma
tações que a criança experimenta, prove- equivalência inicial do pênis do pai ao seio
nientes de todas as zonas erógenas de seu da mãe, passando ser, este último, objeto de
corpo, que são também fontes de impulsos desejo, de ser sugado, engolido e incorpo-
destrutivos. Mergulhada em impulsos orais, rado oralmente e também por seu ânus e
uretrais e anais, a criança possui o desejo de seu pênis, “o menino deseja penetrar com
experimentar estas excitações por contato seu próprio pênis no corpo do pai pela boca,
com seus pais, e fantasia esses conteúdos. ânus e órgão genital. Na última parte do pri-
Neste contexto existem desejos de gratifi- meiro ano, o desejo de receber um filho do
cação em relação a objetos novos, além do pai desempenha importante papel” (Hei-
seio da mãe, sendo um deles o pênis do pai. mann, 1986, pág. 55). Sendo assim, nesta po-
E a frustração obtida com seio da mãe faz sição a mãe torna-se uma rival para o me-
com que tanto a menina quanto o menino se nino. Instauram-se neste período fantasias
afastem dele, procurando gratificação oral sobre a vagina materna, e desejos e atacá-la
no pênis do pai. Como afirma Melanie, há e destruí-la.
uma mistura de desejos genitais pelo pênis No entanto, os desejos de reparação
do pai com desejos orais, que são radicais anteriormente citados característicos
do Complexo de Édipo positivo na menina da posição depressiva fazem surgir impul-
e invertido no menino. sos de compensar a mãe, pelo fato do bebê
Sendo assim, as imagos do seio da ter medo de perdê-la. Assim, passa a dese-
mãe e do pênis do pai são os primeiros ob- jar dar-lhe prazer e filhos, o que restabele-
jetos introjetados pelo bebê, representantes ce a genitalidade heterossexual no menino,
de figuras internas protetoras e auxiliadoras fazendo com que sinta agora ódio contra o
e de figuras internas persecutórias e retalia- pai e medo de retaliação por parte deste
doras, como afirma Klein (1945/1996). último, o medo da castração. Posteriormen-
Estas figuras introjetadas permeiam te o menino fantasia a relação sexual dos
a visão de mundo externo da criança, bem pais, sendo esta o mesmo motivo pelo qual a
como sua interação com este. Portanto, há criança passa a desejar um dos pais e a que-
uma alternância entre objetos internos e ex- rer destruir um deles, como um rival, o que
ternos ao se perceber a realidade, por parte lhe causa grande ansiedade. De acordo com
do bebê, o que interliga intrinsecamente o Heimann (1996), mais tarde, a observação
complexo de Édipo à formação do supere- de seu próprio pênis somados à sua função
go3. criadora e reparadora que a criança possui
inconscientemente, às fantasias de relação
3 Para melhor conhecimento sobre este assunto, ver Dicio- sexual com a mãe e ao prazer da masturba-
nário do Pensamento Kleiniano (1992), verbete superego.
Ainda: Klein, Melanie (1932) The Psycho-analysis of children ção, possibilitam ao menino possuir um des-
(parte 2); Klein, Melanie (1933) The early development of con- prezo pelo órgão genital feminino, mas seu
science in the child.
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temor em relação à castração ainda persis- Posteriormente, a menina fantasia
te. a existência de um pênis interior, e alme-
Esta ansiedade especificamente é ja que este se desenvolva. Neste período
permeada por características tanto depres- ocorre uma supervalorização do falo em de-
sivas quanto persecutórias, havendo temor trimento da valorização de sua vagina, que
pela perda do órgão genital, pelas formas passa então a ser repudiada. Porém, o não
de expressar amor e de atitudes reparado- desenvolvimento de um órgão masculino
ras. Contudo, uma imagem do corpo da mãe, causa novo desapontamento, fazendo com
introjetada como fonte de bondade, de acor- que essa sinta ressentimentos contra a mãe,
do com Klein (1945/1996), pode possibilitar que se torna responsável pela incompletu-
ao menino sentir que seu corpo é fonte de de da menina. Neste momento, então, há um
gratificação para esta mãe, e ele deseja dar- predomínio da faceta heterossexual.
lhe filhos através de seu pênis. Desta forma, Cabe salientar que a análise de Hei-
passa também a se identificar com um pênis mann (1996) sobre a inveja do pênis na mu-
bom introjetado, e conseqüentemente, um lher aponta para uma rivalidade em relação
pai bom, fator que reforça o componente aos homens na vida adulta como tentativa
heterossexual do menino. de controlar as ansiedades persecutórias e
No que diz respeito ao desenvolvi- depressivas, próprias dos estágios iniciais
mento edipiano na menina é possível dizer do desenvolvimento feminino.
que esta possui sensações vaginais inten- Assim, é possível inferir, na obra de
sas neste período, e que estas estimulam Melanie Klein, algumas considerações a
fortemente o desejo que a menina possui cerca do desenvolvimento edipiano.
de receber o pênis do pai, e afastando-a da Segundo Klein (1945/1996), o Com-
mãe, como já citado anteriormente. Klein plexo de Édipo começa paralelamente com
(1945/1996), afirma que o bebê do sexo início da “posição depressiva”, uma vez que
feminino possui uma idéia inconsciente de é nesta fase que os sentimentos amorosos
que seu corpo contém o que a autora deno- passam a ocupar cada vez mais espaço, no
mina de “bebês em potencial”, e o pênis do lugar dos sentimentos persecutórios e des-
pai torna-se ainda mais um objeto de desejo truidores, característicos da “posição es-
por ter a capacidade de criar crianças. Além quizoparanóide”. E seu declínio coincidirá
de adquirir o pênis paterno, a menina dese- exatamente com a prevalência de dos sen-
ja também receber um filho do pai. timentos característicos da “posição depres-
À medida que estes desejos são frus- siva”, o amor da criança pelos pais, o desejo
trados, a menina deseja possuir um pênis de preservá-los e não mais de destruí-los.
e se volta para o corpo materno, na tenta- Isto torna visível como é central a questão
tiva de atacar, mutilar, aniquilar este corpo edipiana no desenvolvimento da criança, já
e roubar dele o pênis do pai e os bebês da que a transição da “posição esquizoparanói-
mãe que, em suas fantasias, se encontram de” para a “posição depressiva” se dá neste
no interior do corpo materno. No entanto, contexto e é favorecida por ele. Os impulsos
ao desejar destruir o corpo da mãe, esses sexuais são direcionados para uma forma
ataques se voltam para a própria menina, e de reparar efeitos da agressividade, o que
ela fantasia que seu órgão genital será des- induz ao nascimento de fantasias reparado-
truído, havendo, portanto temor de uma mãe ras, de extrema importância para a sexuali-
retaliadora. Ela sente também que lhe falta dade adulta.
um pênis. No entanto, a frustração de seus Klein (1925/1996) ainda afirma que
desejos femininos faz com que a menina os sentimentos de culpa têm origem nos de-
sinta raiva e temor pelo pai, direcionando-a sejos sádico-orais, e não são conseqüências
novamente para a mãe. do Édipo, mas sim um dos fatores que acom-
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panham o desenvolvimento edipiano. morte em relação ao genitor do mesmo sexo
Já origem Superego, como afirma e um sonho ou mito de realização do desejo
Marta Rezende (2002) a respeito da teoria de tomar o lugar de um dos pais e casar-se
Kleiniana, se localiza já nos primeiros es- com o outro.
tágios do conflito edípico. Sua formação se No entanto, verifica-se que vários
inicia desde muito cedo, “e o que faz com pontos da teoria acerca do Complexo de
que ele apareça é o advento do Complexo Édipo formulada por Melanie Klein trazem
de Édipo” (Cardoso, 2002, pág. 55.). Melanie uma nova faceta sobre aquilo que foi postu-
(1945/1996) revela que a criança introjeta lado por Sigmund Freud. Tratar-se-á, neste
objetos em cada fase de sua organização li- trabalho, de alguns destes aspectos, como
bidinal, e o superego é construído a partir se segue.
destes elementos introjetados. “O superego Antes de dar seguimento, vale lem-
se desenvolve a partir dessas figuras introje- brar que as considerações kleinianas par-
tadas – as identificações da criança – influen- tem de uma matriz clínica diferenciada já
ciando, por sua vez, a relação com os pais que essa tinha por base crianças pequenas
e todo o desenvolvimento sexual.” (Klein, – neuróticas e psicóticas – enquanto Freud
1945/1996, págs 463-4). teoriza a partir da análise de adultos neuró-
Ainda segundo Marta Rezende (2002, ticos.
pág 66), “o superego vai acabar por aceder, No que diz respeito ao momento da
ainda que secundariamente, a um caráter éti- vida da criança em que tal processo acon-
co e moral. É a transformação de um ‘supere- tece, verifica-se que para Freud, seu início
go persecutório’ em um superego legislador, data da faixa etária de 3 a 5 anos, na qual
passagem que não deixa de evocar a culpa.”. a criança está mergulhada na fase fálica.
“Trata-se da transformação progressiva de Melanie Klein, contudo, afirma que este es-
um puro ataque pulsional em ‘consciência tágio aparece logo no primeiro ano de vida
moral’”. (Cardoso, 2002, pág 62). do bebê, mais precisamente no segundo
A autora também ressalta a idéia de semestre, no qual estão presentes os com-
Klein de que a ação de um superego “terri- ponentes da fase pré-genital das fantasias
ficante” atuando sobre o início da formação edipianas, ou seja, oral e anal. Percebe-se
do ego é um dos principais fatores dos dis- assim que a constituição do superego como
túrbios psicóticos. “herdeiro do Complexo de Édipo”, como
Assim, é possível verificar a relação foi afirmado por Freud, é contraposto por
intrínseca entre o desenvolvimento edipia- Klein, na medida em que sua análise clínica
no e a formação do superego, e entre estes demonstrou “que versões internalizadas de
fatores e a passagem da “posição esquizopa- genitores que atacam o ego são claramente
ranóide” para a “posição depressiva”, fatores fenômenos da mesma categoria que o supe-
esses que incidirão diretamente da estrutu- rego” (Hinshelwood, 1992, p. 76).
ração da personalidade do sujeito. Outro ponto que merece ser destaca-
Após as apresentações realizadas ao do diz respeito ao papel que Klein atribui às
longo deste trabalho, algumas reflexões en- fantasias, enquanto Freud destaca o comple-
tre as teorias de Sigmund Freud e Melanie xo de castração como eixo central do Com-
Klein, em relação ao Complexo de Édipo, plexo de Édipo. As descobertas clínicas de
tornam-se plausíveis e relevantes. Klein nortearam seu enfoque teórico nos
Primeiramente, é interessante res- cenários das fantasias inconscientes. Segun-
saltar que os elementos primordiais para a do a autora, tais fantasias correspondem às
composição do cenário edipiano proposto formas mais arcaicas de prazer de despra-
por Britton (1994) estão presentes em am- zer, segurança, conforto e pavor (Figueire-
bas as teorias: um casal de pais; o desejo de do e Cintra, 2008), e, portanto, movimentam
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7. O Complexo de Édipo: uma comparação entre Melanie Klein e Sigmund Freud
toda infra-estrutura pulsional do psiquismo. de amar e reparar, que devem prevalecer
Já Freud denota a primazia do complexo de sobre os sentimentos de ódio e desconfian-
castração quando identifica a existência de ça próprios da posição esquizoparanóide.
uma fase fálica. Sendo assim, Desta maneira, de acordo com Fi-
gueiredo e Cintra (2008), é a partir do atra-
Abre para a menina a busca que a leva a de- vessamento da posição depressiva e a so-
sejar o pênis paterno; constitui, pois, o mo-
lução do complexo edipiano que o sujeito
mento de entrada no Édipo. No menino, mar-
ca, pelo contrario, a crise terminal do Édipo, amplia a capacidade de experimentar rela-
vindo interditar à criança o objeto materno; a ções complexas e ambivalentes com obje-
angústia de castração inaugura para ele o pe- tos integrais, admitindo a relativa autonomia
ríodo de latência e precipita a formação do destes objetos e suas ligações com os outros
superego. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.74)
e com eles próprios.
Cabe aqui salientar que estes são
É de grande importância ressaltar
apenas alguns aspectos que diferenciam o
que durante este processo e também na
Complexo de Édipo da teoria Kleiniana da-
vida adulta, com menor intensidade, o bebê
quele que foi originalmente postulado por
oscila entre a posição depressiva e a para-
Freud, sendo que este trabalho não tem por
nóide. Segundo Klein (1945/1996), o ideal é
intuito esgotar o tema abordado, e sim lan-
que haja a preponderância da posição de-
çar sementes para possíveis germinações
pressiva sobre a esquizoparanóide, tendo
teóricas.
em vista que é na primeira que ocorrem as
elaborações que possibilitam a capacidade
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Sobre as autoras:
Thaís Utsch Vieira de Oliveira é aluna do curso de graduação em psicologia pela Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: thaisutsch@yahoo.com
Thaísa Vilela Fonseca Amaral é aluna do curso de graduação em psicologia pela Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais e bolsista PIBIC/PROBIC pelo
CNPq. E-mail: thaisavilela@yahoo.com.br
8 Mosaico: estudos em psicologia ♦ Belo Horizonte-MG ♦ 2009 ♦ Vol. III ♦ nº 1 ♦ p. 1-8