SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  4
Télécharger pour lire hors ligne
Economic Letter
2000 número 2
O Brasil, o FMI e o Nhenhenhém
Luiz Nelson Porto Araujo
O Fundo Monetário Internacional foi criado em 1947 com objetivos exclusivos. Ao contrário
do que a maior parte da população dos países membros acredita o FMI não possui controle
efetivo sobre as políticas econômicas dos seus países membros. Para cumprir o seu papel, o
FMI está organizado em três áreas principais de atividade: (i) supervisão, (ii) assistência
financeira e (iii) assistência técnica. O Fundo Monetário disponibiliza recursos financeiros
aos países membros através de inúmeras facilities. O Brasil já recorreu diversas vezes ao
Fundo.
O FMI foi criado no âmbito da Conferência realizada em Bretton Woods, New Hampshire, em julho
de 1944. Sua existência formal deu-se em 27 de dezembro de 1945 quando 29 países assinaram os
Articles of Agreement (o seu estatuto), sendo que as operações comerciais foram iniciadas em
01/03/1947. Atualmente, mais de 180 países são membros do Fundo, cuja estrutura organizacional
compreende um Board of Governors, um Interim Committee e um Executive Board. O atual Diretor-
gerente do Fundo é o francês Michel Camdessus, que assumiu o cargo em 1987. O FMI conta com um
quadro aproximado de 2600 funcionários, representando 110 países.
O Fundo foi criado com o objetivo exclusivo de: (i) promover a cooperação monetária
internacional; (ii) facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional; (iii)
promover a estabilidade cambial; (iv) assistir na instituição de um sistema de pagamentos multilateral;
(v) disponibilizar, temporariamente, suas reservas para os países membros que experimentam
dificuldades em seus balanços de pagamentos, sob salvaguardas (ou condicionantes) claramente
definidas1
e (vi) minimizar a duração e o nível dos desequilíbrios nos balanços dos países membros.
Ao contrário do que a maior parte da população dos países membros acredita o FMI não possui
controle efetivo sobre as políticas econômicas dos seus países membros. Ele não tem capacidade, por
exemplo, para forçar qualquer país a gastar mais com escolas ou hospitais e menos no pagamento de
aposentadorias e benefícios para uns poucos privilegiados do sistema; ou na despesa com obras
faraônicas, muitas vezes associadas à esquemas de desvios de verbas públicas. O FMI pode, e muitas
vezes o faz, ressaltar que os recursos escassos deveriam ser utilizados da melhor forma possível,
1. Fica aqui uma pergunta, e em seguida uma resposta, ao leitor. Ele conhece alguém, ou alguma instituição de crédito,
que ceda recursos sem impor absolutamente nenhuma restrição. Eu responderia que nem mesmo os que acreditam no bicho-
papão ou em satanás.
E C O N O M I C L E T T E R
__________________________________________________________________________________
evitando despesas supérfluas e investindo mais em escolas e hospitais. Na prática, o livre arbítrio dos
países leva-os a tomarem as decisões que quiserem; ele pode apenas tentar persuadi-los a adotar
políticas que beneficiem uma parcela maior da população. Agora, é pura fé acreditar que o Fundo
Monetário tem forças suficiente para adotar uma determinada política econômica, aonde quer que seja,
até mesmo no Brasil. Sua autoridade restringe-se a exigir o disclosure de informações sobre as
políticas monetária e fiscal e evitar, o máximo possível, a imposição de restrições sobre as políticas
que condicionam em última instância o fluxo de recebimentos e pagamentos entre os países membros.2
Para cumprir o seu papel, o FMI está organizado em três áreas principais de atividade: (i)
supervisão (o processo através do qual ele avalia a política cambial dos países membros, no âmbito de
uma análise compreensiva das condições econômicas gerais e das estratégias de política por eles
adotadas); (ii) assistência financeira (que inclui empréstimos e financiamentos pelo Fundo a países
membros com problemas no balanço de pagamentos, com o objetivo de apoiar políticas de ajuste e
reforma) e (iii) assistência técnica (que consiste em expertise e ajuda pelo FMI em diversas áreas:
elaboração e implementação de políticas monetária e fiscal; fortalecimento institucional;
contabilização de transações com o Fundo; coleta de informações estatísticas; e treinamento de
profissionais). Destas atividades, a assistência financeira é a que nos interessa neste momento.
O Fundo Monetário disponibiliza recursos financeiros aos países membros através de inúmeras
facilities. Geralmente eles acessam esses recursos adquirindo DES (Direito Especial de Saque) ou
moedas de outros países com um valor equivalente na sua própria moeda. O Fundo cobra pelos saques
e exige que os tomadores recomprem as suas próprias moedas ao longo de um determinado período de
tempo. Esse processo é absolutamente voluntário. Ao contrário de instituições financeiras privadas,
que estão sempre à procura de tomadores de recursos, o Fundo é procurado por todos aqueles países
membros com problemas "transitórios" no balanço de pagamentos.
Em diversas oportunidades o Brasil já recorreu ao Fundo. Mais do que isso, das várias operações
de assistência financeira que foram acordadas em poucas o país de fato retirou os recursos
disponibilizados. Os eventuais saques foram todos quitados. Tudo isso nos habilita a recorrer ao Fundo
em um momento de crise transitória do balanço de pagamentos. A operação recente de assistência
financeira ao Brasil, que ultrapassou o limite do FMI e envolveu outras agências multilaterais e até
mesmo outros governos, deve ser entendida neste contexto. No entanto, que fique claro uma coisa: o
Brasil foi ao FMI; não foi o FMI que veio ao Brasil.
Ora, isto nos leva à outras perguntas. Por que, em geral, são os países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento que estão recursivamente às portas do FMI? Será que é devido à nossa eterna
condição de colonizado? Será que é porque estamos abaixo da linha do equador? Esta primeira
pergunta nos leva imediatamente à uma outra. Por quê, nestes casos, os saques são costumeiramente
cada vez mais elevados?
Ora, pela simples incompetência gerencial destes países na adoção de políticas monetária, fiscal e
cambial consistentes intertemporalmente, ou seja, políticas que, uma vez corretas e críveis no infinito,
por um processo de indução retroativa, também o são hoje. Em outras palavras, pela incapacidade
destes países em observarem princípios fundamentais para elaboração de seus orçamentos, para a
alocação de recursos escassos entre fins alternativos, para assegurem as condições mínimas
necessárias para o desenvolvimento do setor privado; em essência, para ultrapassarem os horizontes
finitos de cada administração e pensarem na continuidade econômica e social de seus países.
Vejamos o caso particular do Brasil, uma das maiores economias do mundo, com PIB superior a
2. Os países membros deram ao Fundo autoridade sobre estas políticas pela sua relevância estratégica na definição do
fluxo de moeda entre as nações, e porque a experiência histórica confirma que na ausência de uma agência de monitoramento
supranacional o sistema de pagamentos internacional teria dificuldades insuperáveis para ser operacionalizado.
E C O N O M I C L E T T E R
__________________________________________________________________________________
R$ 800 bilhões e população de 160 milhões. A inconsistência daquelas políticas, no âmbito atual do
Plano Real,3
acabou por comprometer a própria continuidade do ajuste e a montagem das condições
necessárias e suficientes para a retomada do processo de crescimento sustentado do país.
Ao contrário da cantilena oficial a crise é essencialmente doméstica. É óbvio que reforçada pela
derrapagem dos países do sudeste asiático em 1997 e da Rússia em 1998. No entanto, caso os
fundamentos macroeconômicos do país estivessem sólidos como em outros lugares, estaríamos muito
menos aflitos do que estamos. Quais fundamentos? Principalmente o equilíbrio das contas públicas.
Não vamos nos esquecer de que, desde o primeiro programa de estabilização em 1986, o setor privado
tem, com sucesso, adaptando-se à nova ordem econômica. Já o setor público e, como nos idos
passados, aqueles que ainda "continuam a mamar nas tetas públicas", pela sua incapacidade em
ajustar-se, mantém o setor privado em um processo de ajuste permanente, sujeitando-o a maiores
impostos, menos produção e emprego.
Isto nos leva ao último ponto. O risco moral. A expressão, no contexto desta discussão, expressa
uma situação onde um tomador qualquer de recursos assume riscos maiores do que aquele suposto
pelo emprestador, devido a um problema de assimetria de informação (ou seja, o tomador sabe muito
mais sobre si mesmo do que o mais perfeito emprestador poderia almejar). Qual o problema deste
risco? É que, ao conhecê-lo com menor perfeição do que seria necessário, o emprestador excede na
concessão de crédito. O tomador, devido ao risco assumido, pode acabar por inviabilizar o pagamento
dos juros e do principal e comprometer a saúde do emprestador. Se o problema ficasse restrito no
âmbito destes dois agentes ele não teria maior relevância.4
Na verdade, ele se extrapola e assume um
caráter multilateral: o tomador sempre acredita que existirá um "salvador" de última instância para
cobrir o prejuízo. Infelizmente, esta é uma das disfunções do FMI. Ao ajudar na solução de crises
temporárias do balanço de pagamento de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, ele
indiretamente está resgatando operações que se mostraram, ex-post, "podres". Ele está socializando os
prejuízos. Os beneficiários, aqueles que tomaram recursos e não foram capazes de repagá-los. Os
prejudicados, aqueles que formaram as reservas do Fundo.
No período recente da nossa história econômica o processo de reformas iniciou-se no governo do
presidente Collor e continuou durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, apesar
das "cabeçadas e trapalhadas" durante a República do Pão de Queijo.5
Apesar dos anos passados, e das
inúmeras conquistas, ainda temos um longo e difícil caminho a percorrer e precisamos estar atentos a
dois perigos. O primeiro, a fracasso-mania, esporte quase que nacional e ciclotímico. O segundo,
parente próximo do primeiro, é o nhenhenhém.
O remédio para ambos é acreditar no país. Continuar a contribuir para a instituição das condições
que irão assegurar o crescimento sustentado da produção e do emprego nacionais, e não ficar apenas
atirando pedras no vidro alheio. Apostar na competência do empresário e do trabalhador brasileiro, e
não gritar por novos esquemas de proteção à indústria local e de isolamento de importantes setores da
economia à concorrência internacional. Parar de questionar os benefícios da divisão internacional do
trabalho, que definem os fluxos de comércio entre as nações e dentro do país, e deixar de acreditar que
nesta divisão não teremos nada a fazer senão exportar matérias-primas. E, acima de tudo, lutar para
que o ajuste fiscal seja feito. Não exclusivamente com aumento da carga tributária, desigual e
prejudicial à alocação de recursos, mas também com o corte das despesas, com a suspensão de
esquemas que beneficiam poucos em detrimento de muitos.
Na tentativa de contribuir, governo e sociedade civil, caíram no nhenhenhém. Deixamos de exigir
o que é de direito, e de fato, do povo brasileiro: trabalho, segurança e condições dignas de vida. É hora
3
. Como também haviam se demonstrado nos programas anteriores. Não existe "mágica" em programas de estabilização.
4
. Já que similar a qualquer outro contrato bilateral voluntário entre as partes.
5
. Que está de volta em Minas Gerais. Boa sorte aos mineiros. Eles vão precisar.
E C O N O M I C L E T T E R
__________________________________________________________________________________
de irmos à luta. De exigirmos das autoridades públicas o ajuste fiscal. A etapa de identificação e
caracterização das medidas necessárias e suficientes para a retomada do crescimento econômico
sustentado e do controle do processo inflacionário já foi cumprida. Resta agora, ao governo e à
sociedade civil deixarem de nhenhenhém e terem vontade política para executá-las.
Luiz Nelson Porto Araujo, economista, é sócio-diretor da Delta Economics & Finance. Foi Professor do Departamento de
Planejamento e Análise Econômica da EAESP-FGV e da FCECA da Universidade Mackenzie.
As opiniões expressas nesse estudo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es) e não expressam, necessariamente, a
visão da Delta Economics & Finance.

Contenu connexe

Tendances

Pesquisa SPC Hábitos de consumidores Adimplentes e Inadimplentes
Pesquisa SPC Hábitos de consumidores Adimplentes e InadimplentesPesquisa SPC Hábitos de consumidores Adimplentes e Inadimplentes
Pesquisa SPC Hábitos de consumidores Adimplentes e InadimplentesSPC Brasil
 
Capas de-resvistas-atuais-1224097238017293-9
Capas de-resvistas-atuais-1224097238017293-9Capas de-resvistas-atuais-1224097238017293-9
Capas de-resvistas-atuais-1224097238017293-9Aléxia Fortes
 
Crescimento da capitalização indica que brasileiros estão mais preocupados em...
Crescimento da capitalização indica que brasileiros estão mais preocupados em...Crescimento da capitalização indica que brasileiros estão mais preocupados em...
Crescimento da capitalização indica que brasileiros estão mais preocupados em...Editora Roncarati
 
Boletim 43 - Grupo de conjuntura econômica da UFES
Boletim 43 - Grupo de conjuntura econômica da UFESBoletim 43 - Grupo de conjuntura econômica da UFES
Boletim 43 - Grupo de conjuntura econômica da UFESeconomiaufes
 
Endividamentos virtuosos -_carlos_lessa_valor_08.06.2011
Endividamentos virtuosos -_carlos_lessa_valor_08.06.2011Endividamentos virtuosos -_carlos_lessa_valor_08.06.2011
Endividamentos virtuosos -_carlos_lessa_valor_08.06.2011Luis Nassif
 
Contas reprovadas
Contas reprovadasContas reprovadas
Contas reprovadasoristanio
 

Tendances (7)

Pesquisa SPC Hábitos de consumidores Adimplentes e Inadimplentes
Pesquisa SPC Hábitos de consumidores Adimplentes e InadimplentesPesquisa SPC Hábitos de consumidores Adimplentes e Inadimplentes
Pesquisa SPC Hábitos de consumidores Adimplentes e Inadimplentes
 
CURSO DE ATUALIDADES INICIO
CURSO DE ATUALIDADES INICIOCURSO DE ATUALIDADES INICIO
CURSO DE ATUALIDADES INICIO
 
Capas de-resvistas-atuais-1224097238017293-9
Capas de-resvistas-atuais-1224097238017293-9Capas de-resvistas-atuais-1224097238017293-9
Capas de-resvistas-atuais-1224097238017293-9
 
Crescimento da capitalização indica que brasileiros estão mais preocupados em...
Crescimento da capitalização indica que brasileiros estão mais preocupados em...Crescimento da capitalização indica que brasileiros estão mais preocupados em...
Crescimento da capitalização indica que brasileiros estão mais preocupados em...
 
Boletim 43 - Grupo de conjuntura econômica da UFES
Boletim 43 - Grupo de conjuntura econômica da UFESBoletim 43 - Grupo de conjuntura econômica da UFES
Boletim 43 - Grupo de conjuntura econômica da UFES
 
Endividamentos virtuosos -_carlos_lessa_valor_08.06.2011
Endividamentos virtuosos -_carlos_lessa_valor_08.06.2011Endividamentos virtuosos -_carlos_lessa_valor_08.06.2011
Endividamentos virtuosos -_carlos_lessa_valor_08.06.2011
 
Contas reprovadas
Contas reprovadasContas reprovadas
Contas reprovadas
 

Similaire à El - 2000 - o brasil o fmi e o mhenhenhém

Escorcha financeira inviabiliza a recuperação econômica do brasil
Escorcha financeira inviabiliza a recuperação econômica do brasilEscorcha financeira inviabiliza a recuperação econômica do brasil
Escorcha financeira inviabiliza a recuperação econômica do brasilFernando Alcoforado
 
Dívida pública acumulação de capital e desenvolvimento
Dívida pública acumulação de capital e desenvolvimentoDívida pública acumulação de capital e desenvolvimento
Dívida pública acumulação de capital e desenvolvimentopaulo rubem santiago
 
Aula 21 sistema financeiro e mercado de capitais(economia brasileira)
Aula 21  sistema financeiro e mercado de capitais(economia brasileira)Aula 21  sistema financeiro e mercado de capitais(economia brasileira)
Aula 21 sistema financeiro e mercado de capitais(economia brasileira)petecoslides
 
Apresentação sobre spread giuliano oliveira 09nov09
Apresentação sobre spread giuliano oliveira 09nov09Apresentação sobre spread giuliano oliveira 09nov09
Apresentação sobre spread giuliano oliveira 09nov09Pablo Mereles
 
O sistema bancário português bancos com pernas de barro
O sistema bancário português   bancos com pernas de barroO sistema bancário português   bancos com pernas de barro
O sistema bancário português bancos com pernas de barroGRAZIA TANTA
 
Sociologia da Globalização e Conhecimento - Fundo Monetário Internacional
Sociologia da Globalização e Conhecimento - Fundo Monetário InternacionalSociologia da Globalização e Conhecimento - Fundo Monetário Internacional
Sociologia da Globalização e Conhecimento - Fundo Monetário InternacionalSergio Pinto
 
Como Fazer os juros serem mais baixos no brasil - Febraban
Como Fazer os juros serem mais baixos no brasil - FebrabanComo Fazer os juros serem mais baixos no brasil - Febraban
Como Fazer os juros serem mais baixos no brasil - FebrabanÉdila F.
 
Porque não é pagável a dívida pública portuguesa
Porque não é pagável a dívida pública portuguesaPorque não é pagável a dívida pública portuguesa
Porque não é pagável a dívida pública portuguesaGRAZIA TANTA
 
Grécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da ue
Grécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da ueGrécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da ue
Grécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da ueGRAZIA TANTA
 
CI - 2003 - delta - a independência do banco central
CI - 2003 - delta - a independência do banco centralCI - 2003 - delta - a independência do banco central
CI - 2003 - delta - a independência do banco centralDelta Economics & Finance
 
CI - 2010 - perspectivas econômicas para 2010
CI - 2010 - perspectivas econômicas para 2010CI - 2010 - perspectivas econômicas para 2010
CI - 2010 - perspectivas econômicas para 2010Delta Economics & Finance
 
Visao e438 - Edição online
Visao e438 - Edição onlineVisao e438 - Edição online
Visao e438 - Edição onlineFilipe Pontes
 
Carta desenvolvimentista ii
Carta desenvolvimentista iiCarta desenvolvimentista ii
Carta desenvolvimentista iiGusthavo Santana
 

Similaire à El - 2000 - o brasil o fmi e o mhenhenhém (20)

Conhecimentos bancarios
Conhecimentos bancariosConhecimentos bancarios
Conhecimentos bancarios
 
Escorcha financeira inviabiliza a recuperação econômica do brasil
Escorcha financeira inviabiliza a recuperação econômica do brasilEscorcha financeira inviabiliza a recuperação econômica do brasil
Escorcha financeira inviabiliza a recuperação econômica do brasil
 
Dívida pública acumulação de capital e desenvolvimento
Dívida pública acumulação de capital e desenvolvimentoDívida pública acumulação de capital e desenvolvimento
Dívida pública acumulação de capital e desenvolvimento
 
Aula 21 sistema financeiro e mercado de capitais(economia brasileira)
Aula 21  sistema financeiro e mercado de capitais(economia brasileira)Aula 21  sistema financeiro e mercado de capitais(economia brasileira)
Aula 21 sistema financeiro e mercado de capitais(economia brasileira)
 
Apresentação sobre spread giuliano oliveira 09nov09
Apresentação sobre spread giuliano oliveira 09nov09Apresentação sobre spread giuliano oliveira 09nov09
Apresentação sobre spread giuliano oliveira 09nov09
 
Sistema financeiro ppt 2003
Sistema financeiro ppt 2003Sistema financeiro ppt 2003
Sistema financeiro ppt 2003
 
Investindo no-mercado-financeiro
Investindo no-mercado-financeiroInvestindo no-mercado-financeiro
Investindo no-mercado-financeiro
 
O sistema bancário português bancos com pernas de barro
O sistema bancário português   bancos com pernas de barroO sistema bancário português   bancos com pernas de barro
O sistema bancário português bancos com pernas de barro
 
Politicas macroeconomicas
Politicas macroeconomicasPoliticas macroeconomicas
Politicas macroeconomicas
 
Sociologia da Globalização e Conhecimento - Fundo Monetário Internacional
Sociologia da Globalização e Conhecimento - Fundo Monetário InternacionalSociologia da Globalização e Conhecimento - Fundo Monetário Internacional
Sociologia da Globalização e Conhecimento - Fundo Monetário Internacional
 
Como Fazer os juros serem mais baixos no brasil - Febraban
Como Fazer os juros serem mais baixos no brasil - FebrabanComo Fazer os juros serem mais baixos no brasil - Febraban
Como Fazer os juros serem mais baixos no brasil - Febraban
 
Porque não é pagável a dívida pública portuguesa
Porque não é pagável a dívida pública portuguesaPorque não é pagável a dívida pública portuguesa
Porque não é pagável a dívida pública portuguesa
 
DIEESE - Nota Técnica - Banco dos BRICs
DIEESE - Nota Técnica - Banco dos BRICsDIEESE - Nota Técnica - Banco dos BRICs
DIEESE - Nota Técnica - Banco dos BRICs
 
Grécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da ue
Grécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da ueGrécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da ue
Grécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da ue
 
CI - 2003 - delta - a independência do banco central
CI - 2003 - delta - a independência do banco centralCI - 2003 - delta - a independência do banco central
CI - 2003 - delta - a independência do banco central
 
Uma Outra Estratégia é Possível
Uma Outra Estratégia é PossívelUma Outra Estratégia é Possível
Uma Outra Estratégia é Possível
 
CI - 2010 - perspectivas econômicas para 2010
CI - 2010 - perspectivas econômicas para 2010CI - 2010 - perspectivas econômicas para 2010
CI - 2010 - perspectivas econômicas para 2010
 
A Crise Fiscal Brasileira
A Crise Fiscal BrasileiraA Crise Fiscal Brasileira
A Crise Fiscal Brasileira
 
Visao e438 - Edição online
Visao e438 - Edição onlineVisao e438 - Edição online
Visao e438 - Edição online
 
Carta desenvolvimentista ii
Carta desenvolvimentista iiCarta desenvolvimentista ii
Carta desenvolvimentista ii
 

Plus de Delta Economics & Finance

PR - 2017 - iasp - crime corporativo e compliance nos estados unidos
PR - 2017 - iasp - crime corporativo e compliance nos estados unidosPR - 2017 - iasp - crime corporativo e compliance nos estados unidos
PR - 2017 - iasp - crime corporativo e compliance nos estados unidosDelta Economics & Finance
 
TD - 2016 - Dissemination of Information by the Federal Reserve System
TD - 2016 - Dissemination of Information by the Federal Reserve SystemTD - 2016 - Dissemination of Information by the Federal Reserve System
TD - 2016 - Dissemination of Information by the Federal Reserve SystemDelta Economics & Finance
 
TD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos Administradores
TD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos AdministradoresTD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos Administradores
TD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos AdministradoresDelta Economics & Finance
 
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Fator X do Setor de...
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Fator X do Setor de...TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Fator X do Setor de...
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Fator X do Setor de...Delta Economics & Finance
 
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Custo de Capital na...
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Custo de Capital na...TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Custo de Capital na...
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Custo de Capital na...Delta Economics & Finance
 
TD - 2003 - Estrutura e Custo de Capital na Revisão Tarifária
TD - 2003 - Estrutura e Custo de Capital na Revisão TarifáriaTD - 2003 - Estrutura e Custo de Capital na Revisão Tarifária
TD - 2003 - Estrutura e Custo de Capital na Revisão TarifáriaDelta Economics & Finance
 
TD - 2000 - Do Equilíbrio Econômico-financeiro, da Política Tarifária e do Co...
TD - 2000 - Do Equilíbrio Econômico-financeiro, da Política Tarifária e do Co...TD - 2000 - Do Equilíbrio Econômico-financeiro, da Política Tarifária e do Co...
TD - 2000 - Do Equilíbrio Econômico-financeiro, da Política Tarifária e do Co...Delta Economics & Finance
 
TD - 2003 - Fator X na Revisão Tarifária da Eletropaulo
TD - 2003 - Fator X na Revisão Tarifária da EletropauloTD - 2003 - Fator X na Revisão Tarifária da Eletropaulo
TD - 2003 - Fator X na Revisão Tarifária da EletropauloDelta Economics & Finance
 
El - 2010 - planejamento de infraestrutura e o pac
El - 2010 - planejamento de infraestrutura e o pacEl - 2010 - planejamento de infraestrutura e o pac
El - 2010 - planejamento de infraestrutura e o pacDelta Economics & Finance
 
El - 2010 - brasil precisa investir mais em infraestrutura
El - 2010 - brasil precisa investir mais em infraestruturaEl - 2010 - brasil precisa investir mais em infraestrutura
El - 2010 - brasil precisa investir mais em infraestruturaDelta Economics & Finance
 
El - 2005 - reestruturação do setor petroquímico brasileiro
El - 2005 - reestruturação do setor petroquímico brasileiroEl - 2005 - reestruturação do setor petroquímico brasileiro
El - 2005 - reestruturação do setor petroquímico brasileiroDelta Economics & Finance
 
El - 2004 - estado e desenvolvimento econômico
El - 2004 - estado e desenvolvimento econômicoEl - 2004 - estado e desenvolvimento econômico
El - 2004 - estado e desenvolvimento econômicoDelta Economics & Finance
 
El - 2002 - governança corporativa stakeholders e instituições bancárias
El - 2002 - governança corporativa stakeholders e instituições bancáriasEl - 2002 - governança corporativa stakeholders e instituições bancárias
El - 2002 - governança corporativa stakeholders e instituições bancáriasDelta Economics & Finance
 
El - 2001 - localização industrial e incentivos tributários
El - 2001 - localização industrial e incentivos tributáriosEl - 2001 - localização industrial e incentivos tributários
El - 2001 - localização industrial e incentivos tributáriosDelta Economics & Finance
 
PR - 2011 - bdo - brazil -the future is arriving
PR - 2011 - bdo - brazil -the future is arrivingPR - 2011 - bdo - brazil -the future is arriving
PR - 2011 - bdo - brazil -the future is arrivingDelta Economics & Finance
 

Plus de Delta Economics & Finance (20)

PR - 2017 - iasp - crime corporativo e compliance nos estados unidos
PR - 2017 - iasp - crime corporativo e compliance nos estados unidosPR - 2017 - iasp - crime corporativo e compliance nos estados unidos
PR - 2017 - iasp - crime corporativo e compliance nos estados unidos
 
TD - 2016 - Dissemination of Information by the Federal Reserve System
TD - 2016 - Dissemination of Information by the Federal Reserve SystemTD - 2016 - Dissemination of Information by the Federal Reserve System
TD - 2016 - Dissemination of Information by the Federal Reserve System
 
TD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos Administradores
TD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos AdministradoresTD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos Administradores
TD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos Administradores
 
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Fator X do Setor de...
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Fator X do Setor de...TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Fator X do Setor de...
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Fator X do Setor de...
 
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Custo de Capital na...
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Custo de Capital na...TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Custo de Capital na...
TD - 2009 - Avaliação da Metodologia para Determinação do Custo de Capital na...
 
TD - 2003 - Estrutura e Custo de Capital na Revisão Tarifária
TD - 2003 - Estrutura e Custo de Capital na Revisão TarifáriaTD - 2003 - Estrutura e Custo de Capital na Revisão Tarifária
TD - 2003 - Estrutura e Custo de Capital na Revisão Tarifária
 
TD - 2000 - Do Equilíbrio Econômico-financeiro, da Política Tarifária e do Co...
TD - 2000 - Do Equilíbrio Econômico-financeiro, da Política Tarifária e do Co...TD - 2000 - Do Equilíbrio Econômico-financeiro, da Política Tarifária e do Co...
TD - 2000 - Do Equilíbrio Econômico-financeiro, da Política Tarifária e do Co...
 
TD - 2003 - Fator X na Revisão Tarifária da Eletropaulo
TD - 2003 - Fator X na Revisão Tarifária da EletropauloTD - 2003 - Fator X na Revisão Tarifária da Eletropaulo
TD - 2003 - Fator X na Revisão Tarifária da Eletropaulo
 
El - 2014 - lei de okun
El - 2014 - lei de okunEl - 2014 - lei de okun
El - 2014 - lei de okun
 
El - 2010 - planejamento de infraestrutura e o pac
El - 2010 - planejamento de infraestrutura e o pacEl - 2010 - planejamento de infraestrutura e o pac
El - 2010 - planejamento de infraestrutura e o pac
 
El - 2010 - brasil precisa investir mais em infraestrutura
El - 2010 - brasil precisa investir mais em infraestruturaEl - 2010 - brasil precisa investir mais em infraestrutura
El - 2010 - brasil precisa investir mais em infraestrutura
 
El - 2006 - pilares macroeconômicos
El - 2006 - pilares macroeconômicosEl - 2006 - pilares macroeconômicos
El - 2006 - pilares macroeconômicos
 
El - 2005 - reestruturação do setor petroquímico brasileiro
El - 2005 - reestruturação do setor petroquímico brasileiroEl - 2005 - reestruturação do setor petroquímico brasileiro
El - 2005 - reestruturação do setor petroquímico brasileiro
 
El - 2004 - estado e desenvolvimento econômico
El - 2004 - estado e desenvolvimento econômicoEl - 2004 - estado e desenvolvimento econômico
El - 2004 - estado e desenvolvimento econômico
 
El - 2002 - nova ordem econômica
El - 2002 - nova ordem econômicaEl - 2002 - nova ordem econômica
El - 2002 - nova ordem econômica
 
El - 2002 - governança corporativa stakeholders e instituições bancárias
El - 2002 - governança corporativa stakeholders e instituições bancáriasEl - 2002 - governança corporativa stakeholders e instituições bancárias
El - 2002 - governança corporativa stakeholders e instituições bancárias
 
El - 2001 - localização industrial e incentivos tributários
El - 2001 - localização industrial e incentivos tributáriosEl - 2001 - localização industrial e incentivos tributários
El - 2001 - localização industrial e incentivos tributários
 
El - 2001 - governança corporativa
El - 2001 - governança corporativaEl - 2001 - governança corporativa
El - 2001 - governança corporativa
 
El - 2000 - privatização do banespa
El - 2000 - privatização do banespaEl - 2000 - privatização do banespa
El - 2000 - privatização do banespa
 
PR - 2011 - bdo - brazil -the future is arriving
PR - 2011 - bdo - brazil -the future is arrivingPR - 2011 - bdo - brazil -the future is arriving
PR - 2011 - bdo - brazil -the future is arriving
 

El - 2000 - o brasil o fmi e o mhenhenhém

  • 1. Economic Letter 2000 número 2 O Brasil, o FMI e o Nhenhenhém Luiz Nelson Porto Araujo O Fundo Monetário Internacional foi criado em 1947 com objetivos exclusivos. Ao contrário do que a maior parte da população dos países membros acredita o FMI não possui controle efetivo sobre as políticas econômicas dos seus países membros. Para cumprir o seu papel, o FMI está organizado em três áreas principais de atividade: (i) supervisão, (ii) assistência financeira e (iii) assistência técnica. O Fundo Monetário disponibiliza recursos financeiros aos países membros através de inúmeras facilities. O Brasil já recorreu diversas vezes ao Fundo. O FMI foi criado no âmbito da Conferência realizada em Bretton Woods, New Hampshire, em julho de 1944. Sua existência formal deu-se em 27 de dezembro de 1945 quando 29 países assinaram os Articles of Agreement (o seu estatuto), sendo que as operações comerciais foram iniciadas em 01/03/1947. Atualmente, mais de 180 países são membros do Fundo, cuja estrutura organizacional compreende um Board of Governors, um Interim Committee e um Executive Board. O atual Diretor- gerente do Fundo é o francês Michel Camdessus, que assumiu o cargo em 1987. O FMI conta com um quadro aproximado de 2600 funcionários, representando 110 países. O Fundo foi criado com o objetivo exclusivo de: (i) promover a cooperação monetária internacional; (ii) facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional; (iii) promover a estabilidade cambial; (iv) assistir na instituição de um sistema de pagamentos multilateral; (v) disponibilizar, temporariamente, suas reservas para os países membros que experimentam dificuldades em seus balanços de pagamentos, sob salvaguardas (ou condicionantes) claramente definidas1 e (vi) minimizar a duração e o nível dos desequilíbrios nos balanços dos países membros. Ao contrário do que a maior parte da população dos países membros acredita o FMI não possui controle efetivo sobre as políticas econômicas dos seus países membros. Ele não tem capacidade, por exemplo, para forçar qualquer país a gastar mais com escolas ou hospitais e menos no pagamento de aposentadorias e benefícios para uns poucos privilegiados do sistema; ou na despesa com obras faraônicas, muitas vezes associadas à esquemas de desvios de verbas públicas. O FMI pode, e muitas vezes o faz, ressaltar que os recursos escassos deveriam ser utilizados da melhor forma possível, 1. Fica aqui uma pergunta, e em seguida uma resposta, ao leitor. Ele conhece alguém, ou alguma instituição de crédito, que ceda recursos sem impor absolutamente nenhuma restrição. Eu responderia que nem mesmo os que acreditam no bicho- papão ou em satanás.
  • 2. E C O N O M I C L E T T E R __________________________________________________________________________________ evitando despesas supérfluas e investindo mais em escolas e hospitais. Na prática, o livre arbítrio dos países leva-os a tomarem as decisões que quiserem; ele pode apenas tentar persuadi-los a adotar políticas que beneficiem uma parcela maior da população. Agora, é pura fé acreditar que o Fundo Monetário tem forças suficiente para adotar uma determinada política econômica, aonde quer que seja, até mesmo no Brasil. Sua autoridade restringe-se a exigir o disclosure de informações sobre as políticas monetária e fiscal e evitar, o máximo possível, a imposição de restrições sobre as políticas que condicionam em última instância o fluxo de recebimentos e pagamentos entre os países membros.2 Para cumprir o seu papel, o FMI está organizado em três áreas principais de atividade: (i) supervisão (o processo através do qual ele avalia a política cambial dos países membros, no âmbito de uma análise compreensiva das condições econômicas gerais e das estratégias de política por eles adotadas); (ii) assistência financeira (que inclui empréstimos e financiamentos pelo Fundo a países membros com problemas no balanço de pagamentos, com o objetivo de apoiar políticas de ajuste e reforma) e (iii) assistência técnica (que consiste em expertise e ajuda pelo FMI em diversas áreas: elaboração e implementação de políticas monetária e fiscal; fortalecimento institucional; contabilização de transações com o Fundo; coleta de informações estatísticas; e treinamento de profissionais). Destas atividades, a assistência financeira é a que nos interessa neste momento. O Fundo Monetário disponibiliza recursos financeiros aos países membros através de inúmeras facilities. Geralmente eles acessam esses recursos adquirindo DES (Direito Especial de Saque) ou moedas de outros países com um valor equivalente na sua própria moeda. O Fundo cobra pelos saques e exige que os tomadores recomprem as suas próprias moedas ao longo de um determinado período de tempo. Esse processo é absolutamente voluntário. Ao contrário de instituições financeiras privadas, que estão sempre à procura de tomadores de recursos, o Fundo é procurado por todos aqueles países membros com problemas "transitórios" no balanço de pagamentos. Em diversas oportunidades o Brasil já recorreu ao Fundo. Mais do que isso, das várias operações de assistência financeira que foram acordadas em poucas o país de fato retirou os recursos disponibilizados. Os eventuais saques foram todos quitados. Tudo isso nos habilita a recorrer ao Fundo em um momento de crise transitória do balanço de pagamentos. A operação recente de assistência financeira ao Brasil, que ultrapassou o limite do FMI e envolveu outras agências multilaterais e até mesmo outros governos, deve ser entendida neste contexto. No entanto, que fique claro uma coisa: o Brasil foi ao FMI; não foi o FMI que veio ao Brasil. Ora, isto nos leva à outras perguntas. Por que, em geral, são os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento que estão recursivamente às portas do FMI? Será que é devido à nossa eterna condição de colonizado? Será que é porque estamos abaixo da linha do equador? Esta primeira pergunta nos leva imediatamente à uma outra. Por quê, nestes casos, os saques são costumeiramente cada vez mais elevados? Ora, pela simples incompetência gerencial destes países na adoção de políticas monetária, fiscal e cambial consistentes intertemporalmente, ou seja, políticas que, uma vez corretas e críveis no infinito, por um processo de indução retroativa, também o são hoje. Em outras palavras, pela incapacidade destes países em observarem princípios fundamentais para elaboração de seus orçamentos, para a alocação de recursos escassos entre fins alternativos, para assegurem as condições mínimas necessárias para o desenvolvimento do setor privado; em essência, para ultrapassarem os horizontes finitos de cada administração e pensarem na continuidade econômica e social de seus países. Vejamos o caso particular do Brasil, uma das maiores economias do mundo, com PIB superior a 2. Os países membros deram ao Fundo autoridade sobre estas políticas pela sua relevância estratégica na definição do fluxo de moeda entre as nações, e porque a experiência histórica confirma que na ausência de uma agência de monitoramento supranacional o sistema de pagamentos internacional teria dificuldades insuperáveis para ser operacionalizado.
  • 3. E C O N O M I C L E T T E R __________________________________________________________________________________ R$ 800 bilhões e população de 160 milhões. A inconsistência daquelas políticas, no âmbito atual do Plano Real,3 acabou por comprometer a própria continuidade do ajuste e a montagem das condições necessárias e suficientes para a retomada do processo de crescimento sustentado do país. Ao contrário da cantilena oficial a crise é essencialmente doméstica. É óbvio que reforçada pela derrapagem dos países do sudeste asiático em 1997 e da Rússia em 1998. No entanto, caso os fundamentos macroeconômicos do país estivessem sólidos como em outros lugares, estaríamos muito menos aflitos do que estamos. Quais fundamentos? Principalmente o equilíbrio das contas públicas. Não vamos nos esquecer de que, desde o primeiro programa de estabilização em 1986, o setor privado tem, com sucesso, adaptando-se à nova ordem econômica. Já o setor público e, como nos idos passados, aqueles que ainda "continuam a mamar nas tetas públicas", pela sua incapacidade em ajustar-se, mantém o setor privado em um processo de ajuste permanente, sujeitando-o a maiores impostos, menos produção e emprego. Isto nos leva ao último ponto. O risco moral. A expressão, no contexto desta discussão, expressa uma situação onde um tomador qualquer de recursos assume riscos maiores do que aquele suposto pelo emprestador, devido a um problema de assimetria de informação (ou seja, o tomador sabe muito mais sobre si mesmo do que o mais perfeito emprestador poderia almejar). Qual o problema deste risco? É que, ao conhecê-lo com menor perfeição do que seria necessário, o emprestador excede na concessão de crédito. O tomador, devido ao risco assumido, pode acabar por inviabilizar o pagamento dos juros e do principal e comprometer a saúde do emprestador. Se o problema ficasse restrito no âmbito destes dois agentes ele não teria maior relevância.4 Na verdade, ele se extrapola e assume um caráter multilateral: o tomador sempre acredita que existirá um "salvador" de última instância para cobrir o prejuízo. Infelizmente, esta é uma das disfunções do FMI. Ao ajudar na solução de crises temporárias do balanço de pagamento de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, ele indiretamente está resgatando operações que se mostraram, ex-post, "podres". Ele está socializando os prejuízos. Os beneficiários, aqueles que tomaram recursos e não foram capazes de repagá-los. Os prejudicados, aqueles que formaram as reservas do Fundo. No período recente da nossa história econômica o processo de reformas iniciou-se no governo do presidente Collor e continuou durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, apesar das "cabeçadas e trapalhadas" durante a República do Pão de Queijo.5 Apesar dos anos passados, e das inúmeras conquistas, ainda temos um longo e difícil caminho a percorrer e precisamos estar atentos a dois perigos. O primeiro, a fracasso-mania, esporte quase que nacional e ciclotímico. O segundo, parente próximo do primeiro, é o nhenhenhém. O remédio para ambos é acreditar no país. Continuar a contribuir para a instituição das condições que irão assegurar o crescimento sustentado da produção e do emprego nacionais, e não ficar apenas atirando pedras no vidro alheio. Apostar na competência do empresário e do trabalhador brasileiro, e não gritar por novos esquemas de proteção à indústria local e de isolamento de importantes setores da economia à concorrência internacional. Parar de questionar os benefícios da divisão internacional do trabalho, que definem os fluxos de comércio entre as nações e dentro do país, e deixar de acreditar que nesta divisão não teremos nada a fazer senão exportar matérias-primas. E, acima de tudo, lutar para que o ajuste fiscal seja feito. Não exclusivamente com aumento da carga tributária, desigual e prejudicial à alocação de recursos, mas também com o corte das despesas, com a suspensão de esquemas que beneficiam poucos em detrimento de muitos. Na tentativa de contribuir, governo e sociedade civil, caíram no nhenhenhém. Deixamos de exigir o que é de direito, e de fato, do povo brasileiro: trabalho, segurança e condições dignas de vida. É hora 3 . Como também haviam se demonstrado nos programas anteriores. Não existe "mágica" em programas de estabilização. 4 . Já que similar a qualquer outro contrato bilateral voluntário entre as partes. 5 . Que está de volta em Minas Gerais. Boa sorte aos mineiros. Eles vão precisar.
  • 4. E C O N O M I C L E T T E R __________________________________________________________________________________ de irmos à luta. De exigirmos das autoridades públicas o ajuste fiscal. A etapa de identificação e caracterização das medidas necessárias e suficientes para a retomada do crescimento econômico sustentado e do controle do processo inflacionário já foi cumprida. Resta agora, ao governo e à sociedade civil deixarem de nhenhenhém e terem vontade política para executá-las. Luiz Nelson Porto Araujo, economista, é sócio-diretor da Delta Economics & Finance. Foi Professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica da EAESP-FGV e da FCECA da Universidade Mackenzie. As opiniões expressas nesse estudo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es) e não expressam, necessariamente, a visão da Delta Economics & Finance.