O documento discute a privatização do Banespa no contexto dos programas de desestatização do governo brasileiro com o objetivo de reduzir o déficit público e fortalecer o sistema financeiro. A intervenção do estado na economia cresceu significativamente desde o Império, mas agora é questionada devido à crise fiscal atual. A privatização do Banespa é um passo importante para a reestruturação do setor bancário brasileiro em um ambiente mais competitivo.
1. Economic Letter
2000 número 1
Privatização do Banespa
Luiz Nelson Porto Araujo
A desestatização do Banespa deve ser analisada no contexto do Programa Nacional de
Desestatização (PND) e do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do
Sistema Financeiro Nacional (PROER).
O Banco do Estado de São Paulo S.A. (Banespa) foi incluído no Programa Nacional de Desestatização
(PND) pelo Decreto n 2469, de 21/01/1998, ficando o Banco Central do Brasil (BACEN) responsável
pela execução e acompanhamento do processo, sob a supervisão do Conselho Nacional de
Desestatização (CND).1
O PND foi a primeira tentativa abrangente, consistente e rápida de se redefinir o papel do Estado
na economia, particularmente, no que diz respeito à sua capacidade de produzir bens e serviços. O
Programa foi instituído pela Lei nº 8031, de 12/04/1990, que definiu os seus objetivos: a reordenação
da posição estratégica do Estado na economia; a redução da dívida pública; a retomada de
investimentos nas empresas e atividades transferidas; a modernização do parque industrial do país,
ampliando sua competitividade; e o fortalecimento do mercado de capitais.2
Por sua vez, o PROER, adotado pela Resolução CMN n° 2.208, de 03/11/1995, é implementado
por meio de reorganizações administrativas, operacionais e societárias, previamente autorizadas pelo
BACEN, que resultem em transferência de controle acionário de instituição financeira, ou na
modificação de seu objeto social para finalidades não privativas de instituições integrantes do sistema.
O objetivo do Programa é assegurar liquidez e solvência ao Sistema Financeiro Nacional e resguardar
os interesses de depositantes e investidores.3
Ainda com vistas ao fortalecimento deste Sistema, o governo editou a Medida Provisória n°
1.556, de 18/12/1996, que estabeleceu mecanismos para incentivar a redução da presença do setor
público estadual na atividade financeira bancária. Foram delegados poderes ao CMN com o fim de
1. A transferência do controle do Banespa do Estado para a União foi celebrada pelo Contrato de Confissão, Promessa de
Assunção, Consolidação e Refinanciamento de Dívidas, celebrado em 22/05/1997, aditado em 23/12/1997, entre a União e o
Estado de São Paulo; e pelo Contrato de Compra e Venda: Aditivo ao Contrato de Promessa de Venda e Compra de Ações do
Capital social do Banespa, entre o Estado de São Paulo e a União, celebrado em 23/12/1997.
2. Essa lei sofreu inúmeras modificações por medidas provisórias e, finalmente, foi revogada pela Lei nº 9491, de
09/09/1997, que, no entanto, reproduz a estrutura e o conteúdo original da Lei nº 8031/90.
3. No âmbito desses programas já foram transferidas à iniciativa privada seis instituições financeiras (estaduais e
federais), durante o período 1997-1999, gerando uma receita total de R$ 1,7 bilhões.
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baixar normas, no âmbito de sua competência, para - preferencialmente mediante a privatização,
extinção ou transformação em instituição não financeira, inclusive agência de fomento - criar
condições para a reestruturação dos intermediários financeiros estaduais. Neste contexto, foi editada a
Resolução CMN nº 2.365, de 11/03/1997, que instituiu o Programa de Incentivo à Redução do Setor
Público Estadual na Atividade Bancária (PROES).
A desestatização do Banespa deve, portanto, ser analisada no âmbito da discussão sobre a
intervenção do Estado na ordem jurídico-econômica - em particular, na sua dimensão estatizante -
discussão esta surgida de maneira incipiente no governo Ernesto Geisel e que adquiriu proporções
significativas a partir da administração Fernando Collor. Esta intervenção condicionou fortemente o
processo de desenvolvimento do país, assumindo as seguintes formas: (i) regramento constitucional,
que compreende, em geral, a defesa do direito de propriedade; (ii) criação de empresas estatais para a
produção de bens e serviços; (iii) montagem de aparato regulatório; (iv) investimento direto do Estado
em atividades específicas; (v) concessão de subsídios creditícios e fiscais para regiões e setores
determinados; (vi) controle dos preços, das taxas de juros e do câmbio e (vii) controle do crédito ao
setor privado.
Das inúmeras consequências da intervenção estatal, duas são especialmente relevantes. A
primeira relaciona-se ao fato de que qualquer intervenção, em geral, altera preços relativos e, portanto,
a alocação de recursos (redefinindo, daí a estrutura produtiva do país). A segunda está associada à
possibilidade de conflito entre os objetivos econômicos, sociais e políticos que fundamentam a
intervenção e as restrições financeiras às quais o Estado deve submeter-se.
Essa intervenção do Estado na ordem econômica cresceu significativamente desde o Império
sendo ainda mais relevante quando do início do processo de industrialização, quando da proclamação
da República. No entanto, mesmo defendendo-se a tese de que o Estado deveria ter um papel
importante no processo de desenvolvimento econômico, foi apenas durante a década de 1940 que o
setor produtivo estatal começou a ser montado. A justificativa, então proposta, era a de que o processo
de industrialização tardia do país requeria uma participação mais intensa do Estado que substituiria o
mercado na alocação de recursos escassos. O Estado deveria, então, ser o principal agente no processo
de transformação de uma economia agrícola ainda incipiente para uma economia capitalista, sendo que
a instalação e expansão do parque industrial deveria ser feita de maneira planejada, evitando-se a
geração de capacidade ociosa.
Desde então, a intensidade dessa intervenção tem sido marcante do ponto de vista do aparato
regulatório, do tamanho do setor produtivo estatal e da capacidade de o Estado captar, controlar e
alocar recursos financeiros para o processo de desenvolvimento. Essa intervenção passou a ser
questionada quando da atual crise fiscal, que acabou por induzir um processo de redefinição do papel
do Estado na economia, onde questiona-se, em particular, se a intervenção estaria gerando maiores
distorções e ineficiências do que se imaginava nos anos 40. Além disso, também se discute a
possibilidade de a intervenção ter-se tornado excessiva prejudicando, no longo prazo, um processo de
crescimento econômico sustentado e, no curto prazo, a alocação eficiente de recursos na economia.
A desestatização do Banespa também deve ser analisada no âmbito do processo mundial de
reestruturação do setor financeiro, em geral, e do setor bancário, em particular. Esse processo, é
sabido, está sendo induzido por sete condicionantes fundamentais: (i) dinâmica macroeconômica; (ii)
estruturas de governança corporativa e organização das instituições financeiras; (iii) regulação e
desregulação; (iv) competição; (v) globalização; (vi) inovações tecnológicas e (vii) inovações
financeiras. É fundamental ressaltar que a adaptação à nova realidade que define o setor é condição
sine qua non para a sobrevivência das instituições, tendo no planejamento estratégico e na busca de
novas fontes de receitas e rentabilidade os pontos mais relevantes.
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No Brasil, esse processo de reestruturação setorial ainda é mais relevante quando sobreposto à
busca da redução e estabilidade do patamar inflacionário. Um dos principais efeitos desta estabilidade
foi a redução da receita do float, que impactou diretamente a rentabilidade de cada instituição e, em
consequência, as respectivas condições de sustentabilidade. Na verdade, este processo iniciou-se a
partir da implantação do Plano Cruzado, em fevereiro de 1986, quando o setor bancário adotou
diversas medidas de ajuste. Dentre elas, a redução do número de funcionários e de agências; o
investimento em tecnologia de transmissão de dados e processamento de informações; a busca de
novas fontes de receitas; e a definição estratégica do nicho de atuação da instituição.
É claro que a reestruturação do setor bancário brasileiro não será concluída com a desestatização
do Banespa, mas, sem dúvida, um passo importante terá sido dado. Caberá ao governo, em seguida, o
estabelecimento de uma estrutura regulatória e de fiscalização que contribua, de maneira efetiva, para
a consolidação do setor em um ambiente competitivo e onde os interesses do cliente também sejam
resguardados.
Luiz Nelson Porto Araujo, economista, é sócio-diretor da Delta Economics & Finance. Foi Professor do Departamento de
Planejamento e Análise Econômica da EAESP-FGV e da FCECA da Universidade Mackenzie.
As opiniões expressas nesse estudo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es) e não expressam, necessariamente, a
visão da Delta Economics & Finance.