1) Este documento apresenta uma proposta pedagógica para analisar os gêneros e formatos dos programas de televisão brasileira.
2) O objetivo é ajudar os professores e alunos a entenderem a linguagem e a indústria da televisão, identificando características dos diferentes tipos de programas.
3) Os programas são classificados em categorias, gêneros e formatos, e cada um é analisado em detalhes para mostrar sua estrutura e produção.
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Gêneros+e..
1.
2. SUMÁRIO
PROPOSTA PEDAGÓGICA ......................................................................................................... 03
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS
José Carlos Aronchi
PGM 1
TV COMO ENTRETENIMENTO ................................................................................................. 16
José Carlos Aronchi
PGM 2
TV E INFORMAÇÃO ...................................................................................................................... 28
José Carlos Aronchi
PGM 3
TV E CRIANÇA ............................................................................................................................... 37
O que é infantil nos programas infantis?
Rita Marisa Ribes Pereira
PGM 4
TV E PUBLICIDADE ..................................................................................................................... 46
José Antonio Fardo
PGM 5
NOVAS PROPOSTAS PARA A TV ............................................................................................... 53
A TV Digital e o futuro dos programas: uma visão tecnológica
Antonio Leonel da Luz
PROPOSTA PEDAGÓGICA
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 2 .
3. DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS
Um programa para conhecer os programas
José Carlos Aronchi 1
Esta série vai permitir ao professor identificar as características dos gêneros e dos formatos
dos programas de televisão. O objetivo é ajudar a entender a linguagem dessa indústria que é
a televisão brasileira.
Para atender a um mercado em constante evolução, a televisão brasileira tem procurado
acompanhar o exemplo das grandes redes internacionais, que montaram o que se pode chamar
de “indústria de produção de programas para TV”. Algumas produções, como as novelas, por
exemplo, chegaram a investir US$ 100 mil por capítulo2. Atualmente, com a diminuição dos
custos, um capítulo de novela gira em torno de US$ 40 mil.
A televisão brasileira vale-se da criatividade e do empenho dos profissionais que trabalham
com o veículo televisão para criar e desenvolver seus programas, que devem ser atrativos para
o mercado publicitário. Distribuídos em atividades distintas, mas complementares, os
profissionais de roteirização, produção e direção formam o primeiro grupo especializado.
Outro grupo de profissionais são os especialistas na manipulação e operação de equipamentos
e demais recursos técnicos da televisão, que atuam nas áreas de áudio, vídeo, luz, câmera,
edição, entre outras. Esses dois grupos pertencem à categoria dos radialistas. O terceiro
grupo de profissionais que trabalha em televisão é dos jornalistas. Muitas outras categorias
profissionais colaboram na elaboração e desenvolvimento de programas: arquitetos,
engenheiros, professores, pedagogos, artistas, entre outros recrutados para atender a
determinados gêneros de produção.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 3 .
4. Com esse leque de profissionais, “a televisão brasileira conquistou projeção mundial,
exportando programas para mais de uma centena de países, o que traduz o reconhecimento
da competência e criatividade dos nossos produtores audiovisuais” 3.
Por que entender o gênero dos programas?
O estudo do gênero dos programas exige uma compreensão do desenvolvimento da televisão
sob vários aspectos, inclusive o tecnológico. A identificação dos recursos para produção de
um gênero permite o reconhecimento da tecnologia de áudio, dos efeitos especiais no vídeo,
do uso de equipamentos, enfim, das aplicações técnicas aprimoradas em várias produções,
mesmo em canais diferentes. Com as informações sobre o desenvolvimento histórico de cada
gênero, com a abordagem conceitual e técnica dos recursos utilizados e, também, com os
resultados alcançados no vídeo, chega-se a um perfil da produção em televisão, permitindo ao
professor entender, juntamente com seus alunos, o planejamento, a organização, a criação, a
implantação e o desenvolvimento de programas. Isso auxilia no desenvolvimento crítico do
público-cidadão, que pode avaliar e reconhecer as técnicas de cada programa que prende sua
atenção.
Esta série de programas tem por objetivo mostrar a produção de diferentes gêneros e formatos
da televisão brasileira: programas de auditório, talk show, musicais, telejornais, infantis,
novelas, entre outros. Além da visão geral sobre o entretenimento na TV, que será dada no
primeiro programa, os outros quatro segmentos tratarão de programas Informativos,
Educativos, da Publicidade e de novos gêneros.
Classificação das categorias, gêneros e formatos dos programas de TV
Quando reconhecemos as coisas, nós as ordenamos em diferentes grupos ou categorias:
animais, vegetais, veículos automotores, eletrodomésticos, etc. É o mesmo que colocar as
coisas em gavetas diferentes. Classificar as coisas em categorias é o princípio da lógica de
Aristóteles4.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 4 .
5. Esta série classifica os programas sob a ótica das emissoras, dos departamentos de produção e
operações, que formam a indústria de programação. Por isso, uma explicação sobre a
categorização dos programas, que deixa claros os motivos que levam a uma padronização,
pode ser encontrada no manual de produção de programas desenvolvido pela British
Broadcasting Corporation, a rede BBC da Inglaterra:
“Os programas devem: 1. Entreter; 2. Informar. O entretenimento é necessário para toda e
qualquer idéia de produção, sem exceções. Todo programa deve entreter, senão não haverá
audiência. Não implica entreter só no sentido de vamos sorrir e cantar. Pode interessar,
surpreender, divertir, chocar, estimular ou desafiar a audiência, mas despertar sua vontade
de assistir. Isso é entretenimento. Programas com o propósito de informar são necessários
para toda produção, exceto aquela dirigida integralmente ao entretenimento (balés,
humorísticos, videoclipe etc.) Informar significa possibilitar que a pessoa, no final da
exibição, saiba um pouco mais do que ela sabia no começo do programa, sobre determinado
assunto ou assuntos.”
Em suma, qualquer que seja a categoria de um programa de televisão, ele deve sempre
entreter e pode também informar e educar. Pode ser informativo e educativo, mas deve
também ser de entretenimento.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 5 .
6. Categorias e gêneros dos programas na TV brasileira5
CATEGORIA CATEGORIA
ENTRETENIMENTO INFORMAÇÃO
AUDITÓRIO DEBATE
COLUNISMO SOCIAL DOCUMENTÁRIO
CULINÁRIO ENTREVISTA
DESENHO Animado TELEJORNAL
DOCUDRAMA
ESPORTIVO CATEGORIA
FILME EDUCAÇÃO
GAME SHOW (Competição) EDUCATIVO
HUMORÍSTICO INSTRUTIVO
INFANTIL
INTERATIVO CATEGORIA
MUSICAL PUBLICIDADE
NOVELA CHAMADA
QUIZ SHOW (Perguntas e Respostas) FILME COMERCIAL
REALITY SHOW (TV Realidade) POLÍTICO
REVISTA SORTEIO
SÉRIE TELECOMPRA
SÉRIE BRASILEIRA
SITCOM (Comédia de Situações) CATEGORIA
TALK SHOW OUTROS
TELEDRAMATURGIA (Ficção) ESPECIAL
VARIEDADES EVENTOS
WESTERN (Faroeste) RELIGIOSO
Arte e Televisão - O estudo do gênero em um veículo de comunicação que utiliza as artes
para o seu próprio desenvolvimento aproxima a televisão dos elementos artísticos utilizados
para a criação de um programa. Os roteiros ficcionais, vários advindos de obras clássicas, e
programas com a intenção de aproximar-se ao cinema ou ao teatro, são exemplos do estreito
relacionamento da TV com as artes: literatura, artes plásticas, artes cênicas e música. Por
isso, torna-se necessário reconhecer os aspectos que influenciam a classificação dos gêneros
em algumas manifestações artísticas.
Definição de formato: “As formas são as características das coisas” (Aristóteles). A
classificação de categoria e gêneros em televisão vem sempre acompanhada de um conceito
com poucas referências científicas: trata-se do termo formato, tido como jargão no mercado
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 6 .
7. de produção, mas não reconhecido ou sistematizado em obras científicas que abordam o tema.
Associado ao gênero de um programa, está diretamente ligado a um formato. Buscamos na
Filosofia o significado de ‘formato’ para explicar essa parte principal de um programa de
televisão. “Aristóteles constatou que a realidade consiste em várias coisas isoladas, que
representam uma unidade de forma e substância. A substância é o material de que a coisa se
compõe, ao passo que a forma são as características peculiares da coisa” 6. No caso dos
programas de TV, a ‘forma’ é a característica que ajuda a definir o gênero. “A forma de uma
coisa, portanto, diz tanto sobre as suas possibilidades quanto sobre suas limitações” 7.
Há muita semelhança entre gêneros e formatos na televisão no que se refere ao estudo de
gênero no campo da Biologia. Assim como na Biologia existem os gêneros e as espécies, em
televisão coexistem os gêneros e os formatos. Pode-se fazer uma analogia, com as devidas
diferenças, entre as espécies da Biologia com os formatos da televisão. Na Biologia, várias
espécies constituem um gênero; os gêneros, agrupados, formam uma classe. Em televisão,
vários formatos formam um gênero de programa; esses gêneros de programa, agrupados,
formam uma categoria.
FORMATOS DOS PROGRAMAS NA TELEVISÃO BRASILEIRA8
Exemplos de formatos de produção e a utilização dos gêneros nos programas ao vivo ou
gravados, em estúdio ou em externa (veja na página 8).
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 7 .
8. Formato Ao Vivo Gravado Estúdio Externa
Ao vivo* X X X X
Auditório X X X X
Câmera Oculta X X
(pegadinhas)
Capítulo X X X
Debate X X X X
Depoimento X X X X
Documentário X X
Dublado X X
Entrevista X X X X
Episódio X X X
Esquete X X X
Game Show X X X X
Instrucional X X X
Interativo X X X
Legendado X X
Mesa-Redonda X X X X
Musical X X X X
Narração em Off X X X X
Noticiário X X X
Quadros X X X
Reportagem X X X
Revista X X X
Seriado X X X
Talk Show X X X X
Teleaula X X X
Telejornal X X X
Teletexto X X
Testemunhal X X X X
Videoclipe X X X
Vinheta X X
VoiceOver X X X
* Esse formato apresenta a variação de “transmitido ao vivo” ou “gravado ao vivo”.
O formato de um programa pode apresentar-se de maneira combinada, de modo a reunir
elementos de vários gêneros e, assim, possibilitar o surgimento de outros programas.
Concluímos que o termo FORMATO é uma nomenclatura própria do meio (também
utilizada por outros meios eletrônicos, como o rádio9) para identificar a forma e o tipo da
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 8 .
9. produção de um gênero de programa de televisão. Formato está sempre associado a um
gênero, assim como gênero está diretamente ligado a uma categoria.
A seguir, são apresentados trechos que podem atestar a popularidade do termo:
Formato: as características gerais de um programa de televisão10.
A forma geral de um programa de TV. Os aspectos de um programa de TV11.
“O formato telenovela tem muitos elementos de produção que podem ser organizados para
criar uma resposta desejada do telespectador: melodrama, caráter das personagens, elenco,
diálogos, locações, cenários, propriedades, música, figurino, maquiagem, passos no cenário,
planos de câmeras, horários e periodicidade, edição e assim mais” 12.
“Desde que adotou um formato híbrido, mesclando as entrevistas de estúdio com
reportagens externas, Gente de Expressão (Rede Bandeirantes) ficou mais próximo da
estética modernosa adotada pelos programas do núcleo de Guel Arraes, na Globo” 13.
“Ambos os países transmitem formatos similares (ex. Roletrando no SBT assemelha-se ao
“Wheel of Fortune”, dos EUA). Ambos os formatos são apresentados com a mesma
orientação: um convidado famoso contra outro, ambos formulam perguntas ou pedem ao
adversário para fazer algo (ex. Sexolândia no SBT e Family Feud, dos EUA)” 14.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 9 .
10. Em um gênero podemos encontrar vários formatos de programas.
Por exemplo: Categoria Entretenimento; Gênero Variedades; Formatos: entrevistas,
musicais, sorteios, games, reportagens...
TV e Programação - A televisão é como uma indústria que tem seus produtos à venda, no
caso, os programas de TV. O comprador desse produto é o mercado publicitário, que precisa
identificar um público alvo e tem pouca disposição para o risco. “Poucos anunciantes desejam
arriscar patrocinar programas não convencionais” 15. Nas emissoras comerciais, a TV precisa
atender às necessidades dos anunciantes, ao contrário das educativas, que buscam as
necessidades do público.
O que é Programação - Programação é o conjunto de programas transmitidos por uma rede
de televisão. O principal elemento para a programação é o horário de transmissão de cada
programa. A economia é imprescindível hoje em dia para entender o funcionamento da
televisão, desde a produção de programas até as estratégias de programação e de marketing 16.
Atualmente, as emissoras comerciais baseiam-se nos dados de audiência para decidirem pela
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 10 .
11. programação de um gênero em determinado horário. O principal fornecedor dessas
informações é o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), que trabalha
com pesquisa de mercado. O IBOPE estima o número de aparelhos de TV ligados em um
canal no mesmo horário.
O que é Grade Horária - A distribuição dos programas em horários planejados e
previamente divulgados pela emissora, desde o início da programação até o encerramento das
transmissões, cria um plano conhecido como grade horária semanal. A grade horária de uma
emissora é o resultado das pesquisas de audiência e da estratégia de cada rede. Sua elaboração
gráfica permite a visualização da programação semanal num único quadro.
Obs.: Pode-se observar a estratégia da programação horizontal, de segunda a sexta-
feira. No mesmo horário, são exibidos os mesmos programas.
Objetivos da série:
Esta série aborda apenas alguns dos 31 formatos aplicados em 37 gêneros distribuídos em
cinco categorias. As pesquisas e a criatividade profissional podem levar a uma nova
classificação. Conclui-se que um mesmo programa de televisão pode ser classificado em
várias categorias, gêneros e também pode possuir vários formatos. Com o material desta série,
o professor pode estimular os alunos a conhecer as entranhas da produção audiovisual, suas
rotinas operacionais, estratégias mercadológicas e determinações tecnológicas, vindo a formar
a consciência crítica dos novos e futuros produtores audiovisuais que podem surgir na sua sala
de aula17.
A proposta principal desta série é começar a fomentar, juntamente com os professores, novos
centros de produção de programas de televisão em todos os Estados brasileiros, aproveitando
os canais comunitários, públicos e universitários já existentes. Isso vai ajudar a promover a
criação e a pluralidade das produções, com novos olhares sobre as comunidades que estão
fora dos eixos das grandes redes de TV que atualmente se concentram numa única região
brasileira.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 11 .
12. É preciso conhecer os gêneros da televisão para depois subvertê-los.
A subversão dos gêneros é o caminho para descobrir formatos inéditos.
Temas abordados na série Debate: Televisão, gêneros e linguagens, que será
apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 26 a 30 de
junho de 2006:
PGM 1 – TV como entretenimento
No primeiro programa, será feita a apresentação geral da série, com a classificação das
categorias, gêneros e formatos dos programas de televisão. A TV como indústria audiovisual,
que tem rotinas de trabalho e normas para o desenvolvimento dos programas. Os principais
recursos técnicos e de produção que diferenciam os programas. A TV brasileira no contexto
internacional de produção, os gêneros de sucesso que são exportados, como as novelas,
documentários e programas esportivos. Uma visão geral dos programas da categoria
Entretenimento. Os exemplos virão dos gêneros Auditório, Esportivo, Novela, Humorístico,
Colunismo Social e Talk Show. A discussão dessa série pretende chegar à importância da
descentralização desse eixo de produção, que está concentrado nas regiões Sul e Sudeste.
PGM 2 – TV e Informação
O segundo programa da série vai abordar os programas da categoria “Informação”. A
natureza informativa da TV. Histórico da informação na televisão. Programas que marcaram o
telejornalismo. Elementos do entretenimento necessários para a transmissão da informação. O
que entretém não é somente a notícia, mas também o cenário, o figurino, a gravata, o
penteado, o repórter na rua, os enquadramentos de câmera, iluminação, aberturas dos
programas, músicas, etc. Os gêneros informativos: o telejornal, o documentário, o programa
de debates e de entrevista. O “infortenimento”, a informação como entretenimento, e o
“shownalismo”, o jornalismo como um show. Os canais de notícias 24 horas. O
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 12 .
13. aproveitamento de reportagens de redes internacionais. A diferença entre jornalismo e os
programas de entretenimento que utilizam técnicas jornalísticas, como, por exemplo, um
programa de Entrevistas e um Talk Show.
PGM 3 – TV e Criança
No terceiro programa, será mostrado um histórico dos programas para crianças. Diferenças
entre os programas infantis nas Tevês educativas e comerciais. Os programas educativos e
instrutivos e as produções de entretenimento, como desenhos e filmes. As cores do cenário,
do figurino, a duração dos quadros e atrações, que seguem o formato de programas para
crianças e que prendem a atenção. A necessidade de o apresentador abandonar o público
infantil por questões de marketing e imagem e buscar novos públicos, jovens e adultos, ou
seja, seu público que cresceu. O que a criança gosta de ver na TV.
PGM 4 – TV e Publicidade
O quarto programa pretende discutir: “Quem paga a conta?”. Histórico da Publicidade na
Televisão. Principais propagandas e patrocinadores. A distribuição do bolo publicitário e a
parte da televisão. A chamada de patrocínio, o filme comercial, a propaganda política, sorteios
e testemunhais. Diferença entre propaganda e merchandising. Formatos das propagandas, a
duração de 30’’, os testemunhais (um famoso falando... “faça como eu, use...”), a migração do
comercial para dentro do programa para escapar do zapping. Por que nas propagandas tudo é
tão detalhado: a luz, o figurino, a/o artista? Como são escolhidos os personagens nas agências
de atores? A quantidade de equipamentos, os efeitos. Os custos de veiculação nos principais
programas. Alternativas para a comercialização de espaços na TV (programas religiosos,
colunismo social, telecompras...).
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 13 .
14. PGM 5 – Novas propostas para a TV
A indústria de novos formatos, a importação de modelos de produtoras estrangeiras, como a
Endemol (Big Brother) e também novas propostas para o veículo com a chegada da TV
digital. O que muda? Como a tecnologia também influencia a produção de novos formatos.
As perspectivas com a implantação da TV digital no Brasil. A TV na Internet. As tevês
comunitárias, universitárias e públicas, canais de experimentação próximos da comunidade.
Como fazer a sua produção? Um passo a passo do que é necessário – equipamentos básicos –
para montar uma produção regional. Como o professor e os alunos podem produzir os SEUS
programas: roteiro e locações que servem de cenários. Experimentar novos formatos. A
relação das pessoas com a televisão. Neste último programa, será enfatizada a importância da
descentralização desse eixo de produção. Pretende-se estimular o professor a tentar fazer um
programa de TV com a participação dos alunos, buscando apoio de Tevês universitárias e
comunitárias.
Notas:
Jornalista e radialista. Doutor em Ciências da Comunicação (USP),
professor e coordenador dos Laboratórios de Imagem e Som da
UNINOVE (SP). Autor de Gêneros e formatos na televisão brasileira
(Editora Summus) e consultor desta série.
2
“Vale a pena registrar que, na mesma época (sic), a TV Rede TV! (ex
Manchete) - em fase de ascensão no mercado interno e começando a
concorrer com a Globo no exterior - superou estes gastos de produção.
Na novela Corpo Santo (1987), a Rede TV! (ex Manchete) despendeu
recursos da ordem de US$ 200.000.00 por capítulo, quase o dobro do
orçamento atingido pela Globo.” In: Melo, op. cit. p. 60.
3
Melo, José Marques de. Revista Imprensa, setembro 2003.
4
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da
filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
5
ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e Formatos na Televisão
Brasileira. São Paulo, Summus, 2003.
6
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da
filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 124.
7
GAARDER, Jostein. Op. Cit. p. 125.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 14 .
15. 8
ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e Formatos na Televisão
Brasileira. São Paulo, Summus, 2003.
9
BARBOSA FILHO, André. Gêneros radiofônicos: os formatos e os
programas em áudio. São Paulo: Paulinas, 2003.
10
ELLMORE, R. Terry. Mass Media Dictionary. EUA, NTC Publishing
Group, 1996.
11
WEINER, Richard. Webster’s New World Dictionary of Media and
Communication. EUA, 1996.
12
FADUL, Anamaria. Serial Fiction in TV. The Latin American
Telenovelas with an Anotated Bibliography of Brazilian Telenovela.
Edited by Anamaria Fadul. São Paulo: Núcleo de Pesquisa de
Telenovelas, ECA/USP, 1992. p.15.
13
Folha de S.Paulo, suplemento TV Folha, 1/6/97, p.2.
14
COOPER, Anne e SILVA, Regina: Television Game Shows in Brazil
and The United States - cópia xerográfica. College of Communication -
Ohio University - Athens, OH 45701, 1991.
15
BRIAN, Rose. TV Genre. TV Genres. Wesport, Connecticut:
Greenwood, 1985.
16
BUSTAMANTE, Enrique. Visión económica: Financiación, estrategias
y mercados. Espanha: Gedisa, 1999.
17
Melo, José Marques de. Revista Imprensa, setembro 2003.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 15 .
16. PROGRAMA 1
TV COMO ENTRETENIMENTO
José Carlos Aronchi 1
Em todo o espaço cultural indo-europeu há uma palavra determinada que, em cada cultura,
significa “compreensão” e “conhecimento”. Em sânscrito esta palavra é vidya, em
norueguês viten, em indiano vidya, em grego idé e no latim video, que para os romanos
significa simplesmente “ver” 2.
Ver televisão. Esse é um termo usado com freqüência por crianças e adultos em todo o
mundo. Principalmente no Ocidente, é uma distração das mais populares e influentes. Não é
só no Brasil que a televisão tem esta importância. Nos Estados Unidos a televisão tem uma
influência muito grande sobre a sociedade, por ser uma fonte de entretenimento popular3.
Neste programa, faremos a apresentação geral da série e também a classificação das
categorias, gêneros e formatos dos programas de televisão. Mostraremos que a TV pode ser
entendida como indústria, no caso, uma indústria audiovisual, que tem rotinas de trabalho e
normas para o desenvolvimento dos programas, visando atender ao público e aos anunciantes.
Para entender a televisão como indústria, é necessário conhecer os principais recursos
técnicos e de produção que diferenciam os programas. E nesses aspectos, a TV brasileira
ganhou espaço no contexto internacional de produção. O mundo todo conhece algumas
produções brasileiras. Temos gêneros de sucesso que são exportados, como as novelas,
documentários e programas esportivos. E por isso, vamos tratar nesse programa, basicamente,
dos programas da categoria Entretenimento. Os exemplos virão dos gêneros Auditório,
Esportivo, Novela, Humorístico, Colunismo Social, Reality Show e Talk Show. Todos os
programas exibidos nas grandes redes de televisão são produzidos ou no Rio de Janeiro ou em
São Paulo, porque lá estão os estúdios das chamadas “cabeça-de-rede”, que transmitem por
satélite para todo o Brasil. A discussão dessa série pretende chegar à importância da
descentralização desse eixo de produção que está concentrado nas regiões Sul e Sudeste.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 16 .
17. GÊNEROS DA CATEGORIA ENTRETENIMENTO
Esta série classifica os programas sob a ótica das emissoras, dos departamentos de produção e
operações, que formam a indústria de programação, como já comentamos na proposta
pedagógica.
Em suma, qualquer que seja a categoria de um programa de televisão, ele deve sempre
entreter e pode também informar e educar. Pode ser informativo e educativo, mas deve
também ser de entretenimento. Mesmo nos programas jornalísticos, o que entretém não é
somente a notícia, mas também o cenário, o repórter na rua, os enquadramentos de câmera, a
iluminação, as aberturas e vinhetas. Nós gostamos de dar uma “olhadinha” no figurino do
apresentador, na gravata, no penteado da apresentadora, no terninho da moça do tempo, etc.
Todos esses itens compõem os elementos do entretenimento na TV. Mas como eles são
trabalhados? Como eles são usados para distrair e fazer o telespectador entrar nesse mundo
mágico? Cada programa aplica uma técnica diferente e agora vamos desvendar isso para que
você, professor, também possa trabalhar esses elementos do entretenimento com os seus
alunos em várias atividades didáticas.
Os programas de auditório: “Vamos sorrir e cantar”
A televisão, como veículo de comunicação de massa, promove artistas e forma ídolos que, por
sua vez, precisam do contato direto com o público para dar sinais de interação com seus fãs.
Chacrinha, Hebe Camargo, Perdidos na Noite com Fausto Silva, Silvio Santos, Flávio
Cavalcanti são algumas das produções mais marcantes da história do gênero auditório. Os
programas que mais aproximam o telespectador da realidade da produção em televisão são os
de auditório, pois permitem a entrada do público nos estúdios ou locais preparados para
gravação. Nestes locais, o público é freqüentemente convidado a participar do programa.
Atualmente, os programas de auditório são classificados pelas emissoras como Variedades,
principalmente porque são programas caracterizados pela apresentação de música, comédia,
quadros dramáticos, dança e muitos outros4. Mas é importante se referir ao gênero pela
denominação anterior, para melhor compreensão da sua história e do seu desenvolvimento.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 17 .
18. Os programas de auditório prendem a atenção do público e do telespectador pela variedade
das atrações apresentadas num só programa, aproximando-se da mesma linguagem utilizada
pelo circo. O público do gênero auditório também aparece para mostrar alegria, animação,
interesse, podendo cantar, dançar e dar opinião, sempre instigado pela figura de um
apresentador que centraliza as atenções e conduz o programa. A produção deste gênero que se
notabilizou pela apropriação total da linguagem televisiva foi o Programa do Chacrinha.
No início, os programas de auditório estavam sempre ligados a um nome, o do apresentador
ou apresentadora, que fazem o sucesso do gênero. Chacrinha, J. Silvestre, Flávio Cavalcanti,
Silvio Santos, Hebe Camargo deram origem a outros que permaneceram no ar em várias
redes, utilizando-se das mesmas técnicas usadas pelos antecessores. Raul Gil (Record), Gugu
Liberato (SBT), Fausto Silva (Globo) são alguns apresentadores que mantêm a fórmula
“vamos sorrir e cantar”5 presente na grade de programação da TV brasileira, já com a
denominação atual de programa de “Variedades”. O elemento principal para os programas
que levam o público ao estúdio é o controle do auditório. A sucessão de quadros musicais,
entrevistas, jogos e atrações diversas fazem do programa de auditório um gênero que aceita
facilmente vários formatos: há pequenas reportagens, debates, videoclipes e encenações que
dão o ritmo da produção. Daí uma melhor denominação, que parte das emissoras, em
classificar essas produções de programas de “Variedades”.
VARIEDADES
Quando a emissora pretende preencher um longo período da programação e precisa deixar
uma abertura para todo tipo de patrocínio, desde os anunciantes nanicos até os donos de
polpudas verbas publicitárias, pode-se esperar um programa do gênero Variedades. Nele tem
aparecido todo tipo de atração e formato, nos moldes de um programa do gênero Revista,
porém tendo alguns elementos, como o auditório e o improviso, como suportes do programa
para sustentar horas (e horas!) da grade. As mais recentes criações para assumir o gênero são
as apresentadoras Luciana Gimenez, na Rede TV!, e Adriane Galisteu, no SBT. A
reclassificação do gênero Variedades, antes denominado Auditório, é um artifício criado pelas
emissoras para não assumir uma imagem de programa popular. Rebatizados, os programas de
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 18 .
19. Variedades são os programas de auditório pós-modernos na TV, e promovem uma guerra de
audiência com prejuízo para o telespectador que vê, ri, chora e se espanta com tudo o que é
apresentado. Há uma tentativa de dar continuidade à fórmula desenvolvida por Hebe
Camargo, Silvio Santos, Flávio Cavalcanti, entre outros, há décadas. Alguns programas
tentam manter o nível das atrações, mas os escorregões são freqüentes. O grotesco e o bizarro
têm sido os ingredientes de programas do gênero Variedades, que preenchem a tarde e a noite
da TV brasileira com assuntos inusitados e que levam para a TV os mais variados desastres e
conturbações: pessoas com doenças graves, deformações no corpo, brigas de família, crimes,
abusos policiais... E carregam ainda uma dose assistencialista, pedindo auxílio aos
necessitados6.
A popularização dos programas de Variedades, com forte envolvimento com os assuntos
grotescos, é apontada por Muniz Sodré como uma falta de capacidade de criação que impera
atualmente na TV brasileira: “No Brasil, o empobrecimento ou a banalização da mensagem
televisual decorre, na verdade, da incapacidade do comunicador (desde a direção das
estações até os produtores de programas) de entender a verdadeira natureza do veículo que
controla e de elaborar mensagens específicas” 7. O apresentador Carlos Massa, o Ratinho,
recebe o título que não assume: o “pai” da baixaria moderna na TV8. Mas Ratinho não
esconde o queijo, ele diz que se inspirou em muitos que se utilizaram da sua linguagem
simples e debochada: “Mazzaropi é meu grande inspirador. Procuro seguir a mesma linha
desse gênio na arte de se comunicar com o povo. Vou continuar escrachando e falando pra
nossa gente simples minha linguagem de deboche que agride e ao mesmo tempo diverte” 9.
COLUNISMO SOCIAL
O colunismo social tem uma trajetória na televisão que tenta seguir o caminho do jornalismo,
mas não encontra fôlego para gerar credibilidade, por isso apresenta um misto de talk show,
propaganda institucional e telecompra. Em 1984, o pioneiro Amaury Jr., seguindo o estilo
carismático do jornalista Ibrahim Sued, o mais famoso colunista social da história da
imprensa brasileira10, implantou na TV Gazeta uma coluna social eletrônica11. Sua câmera
passou a circular por festas e lançamentos de produtos nos quais, religiosamente, o anfitrião e
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 19 .
20. sua fiel esposa atual, o proprietário da marca e os famosos convidados são entrevistados para
o programa. As entrevistas seguem no estilo “Oh! que surpresa! eu não sabia que você
estava aqui... então aproveita e fala para o público que está nos assistindo...”.
Depois de 20 anos e 15 mil entrevistas, Amaury viu sua fórmula copiada por cerca de 200
colunistas eletrônicos espalhados pelo Brasil. Para muitos desses, entrevistar o precursor é um
momento de glória12.
Existe um elemento fundamental que separa o colunismo social de um programa jornalístico.
No informativo, o repórter ou apresentador pode questionar, debater ou até discordar do
entrevistado em nome da informação. No colunismo social isso é inadmissível, o apresentador
tem compromisso financeiro firmado com o entrevistado a curto ou médio prazo, por isso
deve respeitar os limites entre a entrevista polêmica e a descompromissada da verdade, para
não ferir os interesses de seu patrocinador que paga para aparecer bem. O entrevistado vai
falar à vontade, não importa se a informação está correta ou parcial, desde que não ultrapasse
a duração do programa, pois o horário da emissora está comprado pelo apresentador. O
formato videoclipe, com cenas rápidas dos presentes ao evento, é uma solução para mostrar o
ambiente e agraciar os convidados com alguns segundos de fama, se o programa tiver
audiência.
ESPORTIVO
“A TV é um esporte violento”. João Saad, fundador da Rede Bandeirantes.
Os profissionais contratados pelas emissoras para narrar, comentar ou apresentar as
transmissões esportivas são uma atração à parte dos programas. Os narradores e comentaristas
esportivos desenvolveram técnicas próprias e imprimiram sua marca de empatia com o
público cativo deste gênero. Os programas esportivos acompanham a marca do profissional,
que pode mudar de emissora mas continua com a mesma receita. A negociação de direitos de
transmissão de campeonatos esportivos tem levado esse gênero a interesses que dispensam o
respeito ao público, tanto quem vai ao local das partidas quanto o telespectador. Os horários
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 20 .
21. de exibição são fixados de forma que atendam aos interesses das empresas que compram os
direitos de transmissão e são encaixados na grade de programação. Não existe evento
esportivo no mundo que se realize sem essa cláusula no contrato de transmissão. Na maioria
dos grandes eventos esportivos, as negociações são feitas entre as emissoras e as empresas de
marketing esportivo detentoras dos direitos de transmissão ou promotoras do evento. Por isso,
não é raro os torcedores de futebol comparecerem ao estádio às 22 horas de um dia qualquer
da semana para assistir ao jogo programado para começar após a novela.
Isso demonstra a força do maior veículo de comunicação, que alavanca os patrocínios
esportivos e transforma o esporte em um gênero de televisão muito rentável. Os programas
chegam a preencher duas ou três horas da programação. Comparados a outros gêneros, uma
novela por exemplo, os custos de uma transmissão esportiva são relativamente baixos, porque
dispensam cenários, a equipe técnica pode ser reduzida e os salários da equipe de produção e
jornalismo são fixos, independentemente do número de programas durante o mês. Não é à toa
que muitas das disputas pela compra de eventos esportivos, como a Copa do Mundo de
Futebol ou as Olimpíadas, vão parar na justiça13.
HUMORÍSTICO
“Ô Criiideee!!! Fala pra mãe...”
Bordão do humorista Ronald Golias para chamar um irmão que nunca aparecia, no
programa “Praça da Alegria”, e que virou letra de música do grupo Titãs.
Historicamente, fazer rir sempre deu resultado, tanto que “Aristófanes e Platão, na Grécia
clássica, utilizavam-se do riso para fustigar a sociedade de sua época” 14. O humorístico é
exemplo de outro gênero que veio do rádio com a mesma expectativa de sucesso. Os
programas produzidos pelas redes nacionais marcaram época e alavancaram nomes que
moldaram o humor brasileiro na televisão. A popularidade do gênero no Brasil também leva a
fama de estimular as vendas de aparelhos de televisão no país15.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 21 .
22. Durante o período da ditadura militar, os programas humorísticos traziam mensagens
codificadas que minimizavam a pressão política e econômica da época. As dificuldades do
povo passavam a ser engraçadas. Apesar do histórico de sucesso, os programas humorísticos
não estão presentes na grade de programação de todas as redes por vários motivos. Entre eles,
a falta de disponibilidade de humoristas já conhecidos que atraiam a audiência e a necessidade
de manter um elenco fixo, o que torna o gênero custoso. A falta de redatores leva o gênero a
repetições contínuas das velhas fórmulas, com formatos que atravessaram o século 20 e, pelo
jeito, vão ter lugar garantido na TV digital. Maurício Sherman, diretor de grandes
humorísticos de sucesso desde a era do rádio, explica que é nesse formato que fica mais fácil
apresentar os bons e velhos temas de piadas que o público mais gosta: de sexo, a do caipira na
cidade grande, a escatológica, a de político corrupto e as dificuldades financeiras do País16.
MUSICAL
A força da música popular brasileira junto ao público influenciou a criação de um gênero,
com as mesmas características, forte e popular. Os programas musicais estão presentes em
todas as redes, às vezes em forma de “especiais”, ou de auditório, ou de shows ao vivo.
Qualquer que seja a forma de transmissão do programa, a intenção dos musicais é dar a
impressão de ao vivo, independentemente do ano de produção ou se o programa é inédito ou
reprise. O público dos programas musicais passa a ser um elemento indispensável. Por isso, a
formatação de um programa do gênero musical com auditório, como o Sabadão Sertanejo
(SBT), Som Brasil (Globo), Viola Minha Viola (Cultura), é a mais tradicional. Os shows com
público, como o Bem Brasil (Cultura), produzidos e gravados em locais de maior dimensão,
como praças ou estádios, também aparecem como elemento de valorização do artista e de
aquecimento do espetáculo.
NOVELA
O gênero favorito e também as produções brasileiras mais populares são as novelas. Este
gênero também é classificado na literatura especializada como teledramaturgia ou ficção. Um
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 22 .
23. exemplo da valorização deste gênero está na grade de programação, onde as novelas
aparecem entre 18:00 e 21:00 horas, separadas por telejornais, de cinco a seis dias por
semana17. A Rede Globo ainda reprisa suas produções diariamente, no horário da tarde. As
histórias são classificadas por Ortiz como "realistas, literárias e comédias"18. O sistema de
produção de telenovelas apresenta inúmeros elementos organizados para criar uma resposta
desejada do telespectador: melodrama, tipos, atores, diálogos, locações, cenários,
propriedades, música, figurino, maquiagem, planos de câmeras, horário, edição e muito
mais19. A riqueza de detalhes chega a ser hollywoodiana, o que é confirmado por Daniel Filho,
diretor de novelas da Rede Globo, que confessa que sua fórmula para produzir as novelas e
aperfeiçoá-las na TV ele buscou no cinema americano20. A fórmula é mundial: "a telenovela é
o produto mais rentável da história da televisão mundial” além do que “a telenovela paga
toda a televisão brasileira”.
As melhores novelas produzidas no Brasil, segundo os especialistas e profissionais de
TV
Preferência Título Emissora Ano
1º Dancin’ Days Globo 1978
2º Roque Santeiro Globo 1985
Vale Tudo Globo 1988
3º O Bem-Amado Globo 1973
4º Pantanal Manchete 1990
5º Guerra dos Sexos Globo 1983
6º Beto Rockfeller Tupi 1968
7º Gabriela Globo 1975
Irmãos Coragem Globo 1970
8º Que Rei Sou Eu? Globo 1989
Selva de Pedra Globo 1972
9º Escrava Isaura Globo 1976
10º Pecado Capital Globo 1975
Fonte: Revista Época, 20/08/2001.
A televisão, por sua vez, utilizou-se de fórmulas consagradas do seu antecessor eletrônico.
Nos EUA, o sucesso das radionovelas estimulou a adaptação da linguagem para a TV, que
batizou suas séries televisivas de soap opera. Esse nome (soap opera) vem das indústrias de
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 23 .
24. detergentes (soap, sabão em inglês), que deram o suporte financeiro inicial às primeiras
produções. O alto retorno publicitário fez as empresas estimularem a exportação do gênero
para a América Latina21. No Brasil, as novelas brasileiras percorreram caminho semelhante
das soap operas dos EUA, com algumas inovações. O sucesso da radionovela no Brasil desde
1941 se refletiu nas produções televisivas seriadas. A primeira telenovela, Sua Vida me
Pertence, de autoria de Walter Foster, estreou em 1951 na TV Tupi. Somente em 1963, com a
estréia na TV Excelsior, de 2-5499 Ocupado (com Tarcísio Meira e Glória Menezes), do
argentino Alberto Migré, a telenovela assumiu seu formato diário22. As emissoras que não
conseguem manter seus núcleos de teledramaturgia importam enlatados mexicanos e sitcoms
americanas, mas não deixam de programar folhetins para o horário nobre porque é audiência
garantida23.
REALITY SHOW – Mostrando a “realidade”
O reality show, que mistura a fórmula de um game show de resistência na selva com câmeras
captando as reações, chegou ao Brasil em 2000, batizado pela Rede Globo de No Limite, após
a sucesso de programas internacionais como Survivor, da rede americana CBS, o inglês The
1900 House e o espanhol El Gran Hermano. Todos esses são espelhos do filme “Truman
Show”, no qual o personagem tem sua vida vigiada por câmeras espalhadas por toda a cidade,
inclusive na casa dele. A idéia vem de um fetiche que, segundo Freud, está presente em todo
ser humano, o voyeurismo. A palavra voyeur surgiu no século XIX para designar os
indivíduos que obtêm prazer sexual observando outras pessoas em situações de intimidade. O
termo foi usado em 1866 na obra Psychopathia Sexuallis, um catálogo que descreve várias
formas de fetiche e perversão, de autoria do psiquiatra alemão Richard von Krafft Ebing. Mas
foi o seu aluno Sigmund Freud, o pai da psicanálise, quem soube explicar o mecanismo por
trás desse prazer de ver o proibido. Para ele, o voyeurismo faz parte da vida das pessoas
comuns, e só em casos extremos é que vira doença24.
O gênero é marcado por vários fracassos em alguns países e apenas dois modelos bem-
sucedidos, o holandês Big Brother25 e o Survivor americano, que deram origem à onda de
reality shows. Um ônibus itinerante com baixarias, criado na Espanha, o Temptation Island,
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 24 .
25. trazendo mulheres e homens bonitos assediando casais estáveis, e a versão do Big Brother na
rede CBS americana não tiveram o mesmo sucesso de outros do gênero TV-realidade 26. O
formato ainda não está esgotado e cresce o interesse do público em bisbilhotar a vida do
cidadão comum através de câmeras, escondidas ou não. O sucesso do gênero fez a RTL da
Alemanha produzir uma versão para gordinhos, o Big Diet. Trancafiados numa casa, os
obesos tinham uma dieta rigorosa e ganhou quem chegou mais próximo do peso ideal. “Os
Reality Shows apresentam questões significativas sobre o papel da TV na formação dos
indivíduos e do corpo coletivo. Seria a TV uma versão contemporânea da praça pública (a
ágora), onde os problemas da polis são expostos e discutidos por todos? Ou seria um
zoológico humano, em que as características mais grotescas da sociedade funcionariam
como chamariz do telespectador 27?”
O voyeurismo é o argumento principal para o programa, por isso a formatação direciona as
câmeras e todos os recursos possíveis para oferecer ao telespectador a melhor imagem e som
com as atividades e reações dos participantes que estão sendo vigiados. O gênero reality show
carrega o formato game show, no qual os participantes passam por provas de resistência ou
esperteza, regularmente, e inteligência, raramente. Outro formato utilizado é o interativo, para
incentivar o público a interagir com os participantes ou mesmo prejudicar a vida de alguém
que não transmite simpatia, eliminando-o do programa. A entrevista também é um formato
preparado para dar voz aos participantes e realçar desavenças observadas pelo público. A
narração em off sobre imagens do programa valoriza alguns aspectos para chamar a atenção
da audiência. O formato videoclipe é aplicado para dar um clima especial em determinadas
situações, como, por exemplo, nas relações amorosas entre os participantes.
TALK SHOW
Talk show é obviamente uma forma de a televisão transmitir uma conversa e precisa ter dois
ingredientes: casualidade e espontaneidade. O talk show combina algumas das principais
qualidades de outros gêneros dramáticos de sucesso: intimidade emocional e um pouco de
bom humor. A versatilidade do talk show permite passar do musical para o jornalismo, da
política para o esporte28. Tanto o gênero talk show quanto o gênero Entrevista29 representam o
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 25 .
26. triunfo da personalidade do apresentador, que tem a tarefa de manter o clima do programa em
alta, qualquer que seja o assunto ou o entrevistado. Nesse ponto, entra uma equipe de
produção primorosa que acompanha todos os momentos da entrevista e passa para o
apresentador as informações e dicas necessárias para manter a conversa interessante.
Para o talk show, o formato de auditório é freqüentemente utilizado para aumentar o clima de
descontração. Os quadros apresentados permitem a apresentação de formatos musicais e de
shows performáticos. Evidenciando a completa simbiose que ocorre com os vários gêneros, o
formato debate também pode fazer parte dos programas de entrevista e talk show. O gênero
pode contar com os formatos auditório, musicais e até humor. Porém, o ingrediente principal
é o formato entrevista, dando tempo para o entrevistado expor suas idéias. Porém, isso tem
sido deixado de lado: “a mistura de talk show com show sufoca a fala e é um risco para o
bom conceito da fórmula” 30.
Notas:
Jornalista e radialista. Mestre pela Universidade Metodista e Doutor
em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Professor e Coordenador
dos Laboratórios de Imagem e Som da UNINOVE/SP. Autor de
Gêneros e Formatos na Televisão Brasileira (editora Summus) e
consultor desta série.
2
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da
filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 168.
3
ROSE, Brian. TV Genre. p. 3.
4
Webster´s New World Dictionary of Media and Communications. EUA,
1996.
5
“Vamos sorrir e cantar” é uma estrofe da música cantada pelo
auditório, na abertura do programa Silvio Santos. Termina com “Silvio
Santos Vem Aí”, enquanto o apresentador aparece sorridente no palco.
6
MIGLIACCIO, Marcelo. “O Povo na TV foi o pioneiro na apelação para
o mundo cão”. TV Folha, Folha de S.Paulo, 25/11/2001.
7
SODRÉ, Muniz. A comunicação do grotesco. Petrópolis, RJ, Editora
Vozes, 1972. p. 64.
8
CROITOR, Cláudia. Os novos reis da baixaria. TV Folha, Folha de
S.Paulo, 25/11/2001.
9
JUNQUEIRA, Beto. Ratinho: coisa de louco! A história empolgante e
divertida de um brasileiro que saiu da roça para se tornar um sucesso
da televisão; depoimento a Beto Junqueira. Porto Alegre, L&PM, 1998.
p. 127.
10
TRAVANCAS, Isabel. A coluna de Ibrahim Sued. Um gênero
jornalístico. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação,
vol. XXIV, nº 1. Intercom, jan./jun./2001. p. 109.
11
AMAURY JUNIOR. Flash Fora do Ar. Revelações e histórias dos 18
anos do programa Flash. São Paulo: Elevação, 1999.
12
VALLADARES, Ricardo. Arroz-de-festa. Revista Veja, 05/06/2002.
p. 153.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 26 .
27. 13
BOMBIG, José Alberto e MARIANTE, José Henrique. Seleção convive
com ingerência da Globo. Folha de S.Paulo, 24/06/2001. p. D3.
14
BARBOSA FILHO, André. Gêneros Radiofônicos - Tipificação dos
Formatos em Áudio. Tese, São Bernardo do Campo, Instituto Metodista
de Ensino Superior, 1996. p.76.
15
SAMPAIO, Mário Ferraz. História do rádio e da televisão no Brasil e
no mundo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.
16
SHERMAN, Maurício. In: Humor Brasileiro. Suplemento Telejornal,
O Estado de S.Paulo, 12/05/2002.
17
KOTTAK, Conrad Phillip. Prime-Time Society. An anthropological
analysis of television and culture. Belmont, California, EUA,
Wadsworth Publishing Company, 1990. p.38.
18
ORTIZ, op. cit. página 96.
19
FADUL, Anamaria. Serial Ficction, op. cit. p. 153.
20
MELO, José Marques de. As telenovelas da Globo - Produção e
Exportação. São Paulo. Summus. 1988. p. 31.
21
FADUL, Anamaria. Serial Fiction in TV. op.cit. p.124.
22
ORTIZ, Renato. op. cit. p. 58.
23
Suplemento Telejornal. O Estado de S.Paulo, 16/07/2000.
24
MARTHE, Marcelo e VALLADARES, Ricardo. Pelo buraco da
fechadura. Revista Veja, 21/11/2001. p. 117.
25
O nome foi inspirado na obra escrita em 1948 por George Orwell
(pseudônimo de Eric Arthur Blair) intitulada 1984 (é a inversão dos
dois últimos algarismos da data de criação). Em São Paulo foi
publicada pela Companhia Editora Nacional, em 1980.
26
PIERRY, Marcos. Suplemento Telejornal. O Estado de S.Paulo,
28/01/2001. p. 8
27
SOUZA E SILVA, Dallmo O. A Ágora ou o Zoológico Humano? In:
Cenários da Comunicação. São Paulo: Uninove/Centro Universitário
Nove de Julho, v.1 n.1, set.2002. p. 43.
28
ROSE, Brian. TV Genres. op. cit. p. 229.
29
Ver as diferenças básicas entre Talk Show e o gênero Entrevista, na
categoria Informação.
30
PRIOLLI, Gabriel. Senta, levanta. Suplemento Telejornal, O Estado
de S.Paulo, 29/07/2001. p. T2.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 27 .
28. PROGRAMA 2
TV E INFORMAÇÃO
José Carlos Aronchi 1
Neste programa, mostraremos porque as redes de televisão investem numa grande estrutura
de jornalismo. E como elas fazem para transmitir informações em vários programas,
enfocando aquilo que ELAS escolhem como notícia. O telejornalismo realizado pelas
emissoras está dividido em: Telejornal, programas de Debates, programas de Entrevistas e
Documentários. Veremos a seguir as diferenças de cada linguagem.
TELEJORNAL
Os programas da categoria Informação poderiam estar, sob outra ótica, reunidos num único
gênero: o Telejornalismo. É o que ocorre em algumas redes comerciais, porém não pode ser
reproduzido o mesmo modelo para as redes educativas que apresentam programas
informativos ligados à área de produção e não ao jornalismo. Por isso, o gênero Telejornal
está classificado, neste estudo, como um programa que apresenta características próprias e
evidentes, com apresentador em estúdio chamando matérias e reportagens sobre os fatos mais
recentes. Os departamentos de jornalismo das redes de televisão mantêm uma estrutura
independente e adaptada tecnologicamente para a produção de programas estritamente
voltados para a categoria Informação. As emissoras classificam de Telejornalismo os
programas noticiários, informativos, segmentados ou não, em diversos formatos. Para
entender a classificação de telejornal como um gênero, é necessário recorrer aos conceitos de
comunicação e informação: “(...) Entendemos que há uma distinção básica entre
comunicação e informação. No primeiro caso, trata-se de um fenômeno bidirecional,
essencialmente dialógico, para usar a caracterização de Paulo Freire. No segundo caso,
trata-se de um fenômeno que Maletzke tipifica como unilateral, indireto e público, o que se
aplica bem aos processos de reprodução simbólica” 2.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 28 .
29. Os programas do gênero telejornalismo apresentam múltiplas funções em face do
desenvolvimento e aprimoramento do jornalismo no mundo. “O jornalismo é um fenômeno
universal, mas suas raízes são européias. Entender as manifestações que floresceram nos
territórios onde essa inovação cultural se deu pela ação dos colonizadores implica resgatar
traços originais que permaneceram e vislumbram as transformações determinadas por
contingências históricas3.” O desenvolvimento do telejornalismo no Brasil foi alavancado
por patrocinadores multinacionais que já conheciam o sucesso e a importância do gênero em
seus países de origem. O primeiro telejornal reflete esta tendência mundial. “Em 4 de agosto
de 1952, a TV Tupi veio a fechar importante contrato com a Esso para a apresentação do
‘Repórter Esso’. O prestígio do programa já vinha do rádio, no qual se tornou o noticioso de
maior evidência. Fora lançado em 20 de agosto de 1941 na Rádio Nacional. (...) Na TV,
eram programas de cinco minutos, várias vezes ao dia e contendo as últimas e mais
destacadas notícias (...). Gontijo Teodoro, o primeiro apresentador de telejornal no Brasil,
escreveu em seu livro: ‘Mas aos poucos o Repórter Esso sentiu a necessidade de ser TV e não
rádio. Modificou-se, ganhou formato próprio e seguiu a sua trajetória pioneira, refletindo a
estrutura do telejornalismo norte-americano, adaptado ao nosso gosto’” 4.
A conquista de uma importância na grade horária da programação fez as redes de televisão
investirem no telejornalismo tanto quanto em outros gêneros. As grades podem deixar de
apresentar um ou outro gênero, mas o telejornalismo ocupa espaço e visibilidade
fundamentais para o conceito de rede de televisão. Nessa ótica, os objetivos traçados por um
dos pioneiros do telejornalismo no Brasil, Gontijo Teodoro, que foi o apresentador do
Repórter Esso e diretor de telejornalismo da TV Tupi do Rio de Janeiro, são claros e ainda
atuais: “os deveres do telejornal são: informar, educar, servir, interpretar, entreter” 5. O
formato pioneiro dentro do gênero telejornal foi o noticiário, com o apresentador lendo textos
para a câmera, sem imagens ou ilustrações. O primeiro formato a aparecer no vídeo mantém,
até hoje, sua fórmula básica: um ou mais apresentadores lêem os textos e apresentam as
reportagens externas realizadas pelos jornalistas, ao vivo ou gravadas. Comentaristas
especializados também fazem parte dos principais telejornais (Jornal da Cultura, Telejornal
Brasil - SBT, Jornal Nacional - Globo, Jornal da Record, Jornal da Manchete, Jornal
Bandeirantes). Os principais telejornais permanecem ao vivo, pois dão um tom de atualidade e
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 29 .
30. permitem a realização de entrevistas ao vivo de diversos pontos do país e do mundo. Alguns
telejornais exibidos após o horário nobre são, em sua maioria, gravados para posterior
exibição e otimização dos recursos da emissora.
O telejornalismo buscou outros formatos, além do telejornal. Por isso o telejornalismo se
mantém em evidência em todas as grades de programação. São programas de debates e
entrevistas, mediados pelos jornalistas da rede, e também os documentários e reportagens
especiais, que ocupam os departamentos de jornalismo das emissoras. Todos esses formatos
tornam o gênero importante numa estratégia para modificar a imagem de uma emissora, tal
qual acontece nos EUA, onde “(...) as emissoras, de um modo geral, concentram sua
capacidade produtiva no jornalismo, que é o setor que atribui identidade e credibilidade ao
veículo (...)”6. O telejornalismo norte-americano influenciou o formato brasileiro, ao lançar
alguns elementos que promoveram a credibilidade através da opinião, apresentando um novo
elemento após tantos anos de solidificação do gênero telejornal: “Nesse cenário, a adoção do
modelo de apresentação de telejornais com o uso do âncora trouxe a única mudança
significativa na arte de difundir notícias no horário nobre da TV brasileira. Experiência
ainda não testada na Globo. No entanto, no SBT, o jornalista Boris Casoy, que, com certeza
é o primeiro âncora da TV no país, é hoje o must das referências e reconhecimento da
importância desta inovação no Brasil. Até a chegada deste modelo, todas as emissoras,
mesmo as estatais, tinham no formato e estilo implantados pela Rede Globo, o princípio
televisivo a ser inquestionavelmente seguido”7. Analisando o conteúdo dos telejornais
brasileiros, temos a seguinte identificação dos formatos: Nota, Notícia, Reportagem,
Entrevista, Indicador, Editorial, Comentário e Crônica8. Uma pitada de humor é representada
pelas charges animadas de cunho político.
PROGRAMAS DE DEBATE
As produções de baixo investimento entram como alternativa para emissoras com pouco
poder financeiro para produzir programas informativos mais sofisticados. O gênero de debate
não necessita de grandes investimentos – cenário e transporte de convidados são os elementos
básicos – e pode possibilitar o preenchimento de um espaço da grade horária com duração
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 30 .
31. elástica. O elemento principal que classifica o gênero é o número de entrevistados e
entrevistadores. Podem aparecer no vídeo mais de um entrevistador e convidados, que
também atuam como comentaristas. É o número de pessoas que cria o debate, diferente do
gênero entrevista, que pode ser produzido com apenas um apresentador e um entrevistado. Os
assuntos e os convidados variam de acordo com a proposta da emissora: pode-se debater um
único tema, com vários convidados opinando e respondendo às indagações dos
entrevistadores e apresentadores fixos; um debate sobre vários temas num único programa
também pode dar um tom de atualidade e variedade; programas de natureza definida –
esportivo, política, educativos, entre outros – também se fixam sobre uma fórmula para
aprofundar o tema e apresentar especialistas em assuntos que segmentam o programa.
Pequenas afiliadas das grandes redes utilizam-se deste gênero para produzir programas locais.
Além de mostrar líderes regionais, o gênero debate também é uma forma de produção que
permite à pequena emissora um baixo investimento para cumprir a carga horária prevista pela
legislação brasileira para produções locais.
A fixação de um apresentador faz parte da maioria dos programas de debate. Alguns
entrevistadores, às vezes comentaristas, também se contrapõem para aumentar a diversidade
de opiniões a respeito do tema e interpelar os convidados, como no programa 25ª Hora
(Record). O formato de mesa-redonda, como o programa do mesmo nome na Gazeta, e o
Cartão Verde (Cultura), ambos sobre esportes (apesar de o segundo não estar classificado pela
emissora como programa de debate), é o mais freqüente. Silvia Poppovic desenvolveu uma
fórmula de sucesso, reunindo apresentadora experiente, alguns debatedores fixos (psicólogos,
médicos, artistas) e convidados com currículos variados, além do auditório como pano de
fundo para possíveis intervenções. O programa de debate pode também apresentar pequenas
reportagens que ilustram o assunto a ser debatido, ou ainda entrevistas com um convidado
principal que vai debater com o público ou convidados, sempre com a mediação do
apresentador. A duração do programa é outro elemento característico do formato. Por se tratar
de um gênero que tem a intenção de debater um assunto quase à exaustão, procurando esgotar
o tema com opiniões distintas, a duração também passa a ser mais elástica, com o mínimo de
trinta minutos e podendo preencher mais de uma hora da programação. A dinâmica de
produção e a variedade dos temas apresentados determinam sua duração.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 31 .
32. DOCUMENTÁRIO
Os documentários carregam a bandeira do prestígio de suas emissoras, pois são uma
demonstração da qualidade dos programas do departamento de telejornalismo. O
documentário é a antítese da ficção, da fabricação de fantasia 9. Os temas abordados pelos
documentários apresentam uma certa importância histórica, social, política, científica ou
econômica e também aprofundam assuntos do cotidiano, vistos por um olhar crítico. Mais um
gênero com raízes históricas no cinema, o documentário saiu das salas de exibição para a
televisão com o mesmo respeito obtido pelos documentários produzidos durante a Segunda
Guerra, quando cumpriram um importante papel informativo e também ideológico.
A seriedade assumida pelo gênero documentário permaneceu com a intenção de levar ao
telespectador uma visão do mundo, da realidade de outros países e de outras culturas. “(...)
em 1895 os filmes curtos dos irmãos franceses Auguste e Louis Lumière registravam cenas
cotidianas em diversas regiões do planeta, fundando o documentário com as célebres
imagens de ‘A Chegada do Trem à Estação de La Ciotat’. (...) O documentário ganhou força
nas lentes de ferrenhos opositores da ficção no cinema, entre eles o soviético Dziga Vertov,
que na década de 20 formou o grupo kinoki, que assinou manifestos em defesa do ‘cinema-
olho’. Suas idéias deram origem a documentários clássicos como Câmera-Olho e Um
Homem com uma Câmera”10.
A necessidade de pesquisa, de aprofundamento do tema através de entrevistas e de produção
de imagens em diversos locais eleva o orçamento do gênero. Por isso, nem todas as redes
produzem documentários. Uma alternativa é a compra de produções importadas de países que
produzem com a intenção de servir ao mercado internacional, como é o caso das famosas
séries de documentários ingleses. A proposta de todo documentário é buscar o máximo de
informações sobre um tema. Por isso, sua duração é maior do que as reportagens apresentadas
pelos telejornais. O mercado internacional de produção de documentários desenvolve
produções para ter, em média, de 30 a 50 minutos. São poucas as produções nacionais que
alcançam o formato de série, como é o caso de documentários importados dos EUA e Europa.
As redes que produzem e investem no gênero tendem a torná-lo regular na grade de
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 32 .
33. programação semanal, com um único assunto. Algumas séries de documentários com mais de
um segmento são importadas principalmente pelas Tevês educativas. A produção de um
documentário pode apresentar muitos formatos dentro do próprio gênero. A abordagem de um
assunto pode se utilizar de videoclipes, entrevistas, debates, narração em off, com o objetivo
de não tornar o programa cansativo e apresentar de forma variada as informações colhidas de
várias fontes.
PROGRAMAS DE ENTREVISTA
O gênero entrevista está ligado aos programas jornalísticos da emissora, que procuram
pessoas ligadas às áreas de cultura, política, economia, entre outras, para estarem frente a
frente com o apresentador, na maioria jornalistas de renome. Os programas do gênero
Entrevista, ligados ao departamento de jornalismo das Tevês, deixam evidentes as diferenças
com as entrevistas do tipo talk show. Com elementos de informalidade, este gênero se
aproxima de outro classificado nos EUA como talk show. Esses dois gêneros se aproximam,
mas com diferenças que demarcam o território do jornalismo e do show. No gênero
Entrevista, o entrevistado é o foco e não há show comandado pelo jornalista apresentador.
Os assuntos de política e atualidades são os que freqüentam as pautas dessas entrevistas, como
o Roda Viva (TV Cultura) ou o Sem Censura (TVE Brasil). Diferentemente do gênero talk
show, o apresentador do gênero entrevista não tem o compromisso de deixar o entrevistado à
vontade, podendo interrogá-lo sobre fatos polêmicos e chegar ao clima de discórdia, para
gerar a imagem de seriedade e compromisso com a verdade, atribuições dos programas
jornalísticos. Segundo Marques de Melo, a “entrevista é um relato que privilegia um ou mais
protagonistas do acontecer, possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade” 11. As
entrevistas podem ter como assunto principal tanto a vida do próprio entrevistado quanto uma
ou mais informações de domínio do convidado.
Duas diferenças que envolvem a cenografia e o posicionamento do apresentador também
ajudam a identificar e separar o programa de entrevista do talk show. Uma composição
cenográfica que permita ao apresentador andar pelo cenário e entrevistar os convidados de pé
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 33 .
34. é utilizada pelos programas de talk show, evidenciando os shows do programa. Já os
programas do gênero Entrevista planejam seus cenários para que o convidado e o
apresentador fiquem sentados durante todo o tempo. Isso presume uma entrevista de duração
mais longa do que aquelas normalmente realizadas em programas do gênero talk show. Nesse
sentido, Priolli faz uma defesa ao gênero entrevista no formato apresentador e entrevistado
sentados: “De pé, a entrevista é ruim, rápida, sensacionalista. Sentado, perguntas e respostas
se alongam, o respeito ao entrevistado e ao público aumenta” 12.
RECURSOS E FORMATOS DO TELEJORNALISMO13
AO VIVO - O formato pode ser transmitido ao vivo, em tempo real, ou pode ser gravado
ao vivo para posterior exibição.
CÂMERA OCULTA – O formato significa a captação de cenas sem que o(s) participante(s)
estejam avisados da gravação. A câmera oculta também é utilizada pelo telejornalismo em
reportagens investigativas. Em caso de utilização do formato para o gênero telejornalismo
investigativo, a emissora assume a responsabilidade pela divulgação das imagens.
DEBATE – A produção presume a discussão entre vários participantes, convidados e público
sobre o mesmo assunto. Não existe debate sem que os participantes pensem diferente, por isso
a produção planeja a escalação dos convidados com perfis diferentes. O gênero Esportivo
também aplica este formato. A tônica do programa de debate é a divergência de opiniões,
caso contrário o programa fica morno.
DEPOIMENTO – Formato de reportagem, no qual o entrevistado é enfocado em primeiro
plano, olhando para a câmera ou para o entrevistador que não aparece no vídeo. O depoimento
evita interrupções por perguntas do entrevistador. Quando há perguntas, elas podem ser
eliminadas na edição.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 34 .
35. DOCUMENTÁRIO – A formatação de um programa que aplica a fórmula do documentário
procura convencer o telespectador de que as informações são verdadeiras. Programas políticos
e até o gênero Telecompras procuram no formato documentário um apoio para suas
mensagens venderem imagens e produtos com confiança.
ENTREVISTA – O uso do formato entrevista, muito empregado no gênero Telejornalismo,
tem sido cada vez mais variado e quase todos os programas utilizam o formato entrevista para
reforçar assuntos debatidos e enfocados pelo programa de debates ou entrevista.
NOTICIÁRIO – Leitura de notícias pelo apresentador, sem o uso de reportagens ou outros
formatos do gênero Telejornalismo. No jargão jornalístico, é um telejornal somente com
“notas peladas”, sem imagens.
REPORTAGEM – Aplicado principalmente no gênero Telejornalismo, é um formato de
curta duração. Estende a duração quando aplicado no gênero Documentário. Associado a
outros formatos, como o Câmera Oculta e Narração em Off, dá condições para o
desenvolvimento do jornalismo investigativo. Em geral, o formato Reportagem deixa o
repórter em evidência, narrando um assunto e fazendo entrevistas.
REVISTA – O formato, que também é classificado como gênero da categoria
Entretenimento, pode ser aplicado nos programas da categoria Informação, recebendo uma
reclassificação. A fórmula Revista compreende a apresentação de vários formatos – ao vivo
ou gravado – de apresentador em estúdio chamando vários assuntos nos formatos entrevista,
reportagem, videoclipe, entre outros formatos que garantem a multiplicidade de assuntos e
informações.
TELEJORNAL – Formatam-se programas como Telejornal quando um apresentador chama
reportagens ao vivo ou pré-gravadas e editadas, e faz entrevistas em estúdio. Pode ter um ou
dois apresentadores, e incluir comentaristas.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 35 .
36. TELETEXTO – Informações inseridas no vídeo utilizadas pelos canais de notícias. É
utilizado também quando a programação está fora do ar e a emissora divulga sua programação
ou notícias através do gerador de caracteres, conhecido como “letreiros”.
VOICE OVER – Alternativo ao formato Legendado e uma variação do formato Narração em
Off, em produções que necessitam de tradução. O formato Voice Over insere a voz do
narrador em Português sobre a voz original em idioma estrangeiro. Porém, é possível escutar
o som original em volume mais baixo. Com isso, o áudio original permanece baixo em um
canal e a tradução é inserida em outro canal em nível normal.
Notas:
Jornalista e radialista. Mestre pela Universidade Metodista e Doutor
em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Professor e Coordenador
dos Laboratórios de Imagem e Som da UNINOVE/SP. Autor de
Gêneros e Formatos na Televisão Brasileira (editora Summus) e
consultor desta série.
2
MELO, José Marques de. A opinião no Jornalismo Brasileiro.
Petrópolis, Vozes, 1985, p.23.
3
MELO, José Marques de. Para uma leitura crítica da comunicação.
São Paulo, Edições Paulinas, 1985. p.146.
4
TEODORO, Gontijo. Você entende de notícia? In: SAMPAIO, Mário
Ferraz. História do Rádio e da Televisão no Brasil e no Mundo. Rio de
Janeiro: Achiamé, 1984. p.205.
5
TEODORO, Gontijo. Jornalismo na TV. Rio de Janeiro: Ediouro. p.
37.
6
MÉDOLA, Ana Sílvia Lopes Davi. A produção independente na
televisão do interior. O caso de Bauru. Dissertação de mestrado. São
Paulo, ECA/USP. p. 71.
7
SQUIRRA, Sebastião. O telejornalismo brasileiro num cenário de
competitividade. Intercom - Revista Brasileira de Comunicação. São
Paulo, Vol XVIII, n.º 1, jan./jun. de 1995, p. 37.
8
Classificação apresentada por REZENDE, Guilherme Jorge de. In:
Telejornalismo no Brasil - Um perfil Editorial. São Paulo: Summus,
2000. p.216.
9
CARROLL, Raymond. Television Documentary. In: TV Genres. op. cit.
p. 237.
10
RIZZO, Sérgio. Cinema. Coleção Agendas. São Paulo. Editora
Moinho das Artes, 2004.
11
MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro.
Petrópolis, Vozes, 1985, p. 62.
12
PRIOLLI, Gabriel. Jornal O Estado de São Paulo, suplemento
Telejornal, 29/07/2001, p. T2.
13
ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e Formatos na Televisão
Brasileira. São Paulo, Summus, 2003.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 36 .
37. PROGRAMA 3
TV E CRIANÇA
O que é infantil nos programas infantis?
Rita Marisa Ribes Pereira 1
Constantes pesquisas de audiência (IBOPE) revelam que os programas preferidos ou mais
assistidos por crianças de 4 a 11 anos não são programas considerados infantis, sendo que
esses, quando mencionados, ocupam as últimas posições nas clássicas listas dos “dez mais”,
desbancados por novelas, reality shows, programas policiais e jornalísticos2. Curioso observar,
ainda, que os programas que os pais supõem serem assistidos por seus filhos, muitas vezes,
não coincidem com a programação que as crianças dizem ou, indiretamente, dão a entender
que assistem. Indiferentes a isto, pais, professores, profissionais da mídia e crianças
continuam a classificar um determinado campo da programação como infantil.
O que torna um programa infantil? Que temáticas deve privilegiar? Que linguagem deve
assumir? Que mensagens e valores pretende colocar em discussão? O que pretende ensinar?
Em que medida pretende entreter ou prender a atenção infantil? Certamente estas questões
provocam diferentes debates e respostas, ao serem pensadas por pais, por educadores, por
adultos e por crianças, por aqueles que produzem as mídias e por aqueles que se relacionam
com elas na condição de espectadores e, ainda, pelos profissionais do marketing, e da sua
interferência na programação televisiva. Cada grupo, com sua experiência e especificidade,
vai explicitando o que pensa sobre as crianças e sobre as produções culturais a elas dirigidas.
Vale destacar ainda que, sendo a produção televisiva, por natureza, coletiva, a produção de
programas infantis, particularmente, mobiliza um grande número de profissionais da área
técnica e profissionais da Educação, da Psicologia, enfim, de diferentes campos da ciência.
Com isto, coloca-se em jogo, também, o que esses campos do saber instituído postulam ou
mesmo normatizam sobre o universo infantil e sobre o modo como incluem (ou não) as
crianças em seus procedimentos de construção teórica.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 37 .
38. O filósofo Walter Benjamin (1984) lembra que toda produção cultural voltada para as
crianças representa um diálogo silencioso entre gerações, no qual uma geração propõe à outra,
vindoura, concepções de mundo, de linguagem, de valores, de estética, de felicidade, enfim,
de educação e de cultura. Nessa perspectiva, não se distinguem programas ditos educativos
daqueles que são rotulados como mero entretenimento. Com seu conteúdo, seus objetivos,
seus personagens, os temas que abordam, os valores que promovem, eles nos educam, estética
e politicamente, seja para a consciência de nosso lugar no mundo, seja para a tão aspirada
transitoriedade da fama. Assim como os brinquedos ou como os livros infantis, a
programação televisiva voltada para as crianças expressa o projeto educativo de uma geração
ou de um grupo, neste caso, marcado por todas as características que envolvem a época em
que a televisão surge, em que se expande como tecnologia e se torna uma linguagem
onipresente, inclusive entre as crianças.
Nesse sentido, assim como se transformaram os modos como as sociedades concebem e
tratam as crianças, também na história da televisão e dos seus distintos gêneros de
programação percebemos ecos dessas transformações. Pureza infantil, adulto miniaturizado,
criança adultizada, promessa de futuro, símbolo de esperteza, sujeito de direitos, apelo de
consumo: diversificadas visões de infância compõem o cenário televisivo.
Ao longo de sua história de pouco mais de meio século, a televisão brasileira reservou
distintos lugares para a criança no interior de sua programação. Apresentando-se inicialmente
ao vivo e no período noturno, a televisão dirigia-se, basicamente, aos adultos. A elaboração de
uma programação infantil – baseada na dinâmica circense, em clássicos da literatura universal
ou em concursos de conhecimentos gerais – foi a primeira forma de inclusão da criança no
universo do “público televisivo”. Essa inclusão esteve diretamente ligada às transformações
familiares e ao novo lugar social que as crianças passaram a ocupar na família,
transformações essas que, numa análise mais ampla, resultam, dialeticamente, de uma nova
ordem social que a televisão, enquanto aparato técnico, ajudou a consolidar.
Seduzida por esse novo objeto mágico, que passava agora a falar para ela, e com uma
linguagem tão lúdica quanto a das suas brincadeiras, a criança passou a subverter algumas
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 38 .
39. regras familiares, protelando, por exemplo, cada vez mais, os horários estabelecidos para ir
dormir. Fanucci (1996, p. 151) apresenta um curioso trecho de uma das muitas cartas
recebidas pela direção da TV Tupi-Difusora, em 1951, que parece bastante atual: “Desde que
compramos uma televisão não sabemos mais o que fazer para as crianças irem para a cama
no horário a que estavam acostumadas. Se a gente deixa, elas ficam grudadas na televisão
até o último programa. Vocês não têm alguma idéia para ajudar os pais desesperados?”
Percebemos que, ainda na década de 50, a própria emissora de televisão compartilhou com os
pais essa preocupação e deu às crianças o seu recado através de um personagem, o Indiozinho
Tupi, versão infantil do Índio Tupi, logotipo da emissora. Uma forma de dizer que entendiam
que uma criança seria excelente porta-voz para falar com as crianças espectadoras. O
indiozinho usava uma antena em vez de cocar. Pendurar a antena na parede e dirigir-se à rede
era a sua forma de dizer “boa noite” às crianças. Embalado por um jingle infantil, o filme de
animação anunciava a hora de dormir: “Já é hora de dormir... Não espere a mamãe mandar.
Um bom sono pra você e um alegre despertar!”. Além de ser uma recomendação para que as
crianças se recolhessem, percebemos que esse filme representava um balizamento daquilo que
a emissora compreendia ser um horário apropriado – ou não – para a definição de uma grade
voltada à audiência infantil.
(Fonte: Fanucci, 1996, p.85 e p. 162.)
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 39 .
40. Esse mesmo jingle produzido nos anos 50 retornou na década de 70, veiculado em outra
emissora, às 22 horas, agora sob o patrocínio dos cobertores Parahyba:
(Fonte: www.memoriadapropaganda.org.br)
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 40 .
41. Juntamente com outros incontáveis sons e imagens, esse jingle passou a fazer parte do
imaginário infantil, não se diferenciando de qualquer outra canção da cultura popular que
tradicionalmente velava o sono infantil (Fanucci, 1996; Rixa, 2000), até mesmo porque a
televisão foi tornando-se também um elemento da cultura popular. Entre jingles e
personagens trazidos pela televisão, a criança brasileira ampliou o repertório de suas
referências. Na contrapartida disto, a infância foi sendo descoberta como um público
extremamente fiel e exigente.
Inicialmente com participação restrita à programação infantil ou a espetáculos de cunho
artístico e cultural, a criança tornou-se, aos poucos, uma imagem bastante presente, conforme
apontam os cartazes – pintados à mão – da TV Tupi:
(Fonte: Fanucci, 1996, p. 90 e p. 161.)
Muitas mudanças qualitativas aconteceram na relação entre a criança e a televisão, dentre as
quais algumas se destacam. No que se refere ao lugar social de espectador ocupado pela
criança, uma primeira deu-se ainda nos anos 50, no momento em que a criança deixou de ser
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 41 .
42. apenas espectador e passou a ser também protagonista dos programas exibidos, a exemplo do
“Cirquinho BomBril”, apresentado pelo palhaço Carequinha nos anos 50, e o “Teatrinho
Gessy”, nos anos 60. É importante destacar que, nessa época, era comum os programas serem
produzidos pelas empresas patrocinadoras.
(Fonte: www.memoriadapropaganda.org.br)
Uma mudança significativa na criação de um novo conceito de programa infantil surge nos
anos 80, rompendo com a concepção pautada em histórias da literatura ou em apresentações
artísticas e voltando-se à animação e às gincanas. Esse novo formato faz da apresentadora do
programa sua figura central e confere à criança um novo lugar no espaço midiático:
transformada em cenário, ela se alterna entre a imobilidade de ser um mero “pano de fundo” e
o incessante e desconexo movimento das danças coreografadas, brincadeiras competitivas que
valem prêmios, degustação ou exibição de produtos de empresas patrocinadoras.
Transformada em imagem, a criança assume um novo status, com significativos
desdobramentos na ordem familiar, em que ganha novas prerrogativas de autoridade, e junto
ao mercado, onde tanto é reconhecida como consumidora, quanto como um dos maiores
apelos de marketing.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 42 .
43. Paralelamente, cria-se um mercado de produtos vinculados aos programas e à figura das
apresentadoras, que variam desde bonecas e estampas em vestuário até aparelhos eletrônicos,
utensílios domésticos e alimentos que ajudam a consolidar, junto à criança, o status de
consumidor. O recurso das assim chamadas “assinaturas da fama” – marcas ligadas a
personagens midiáticos –, no mercado brasileiro significou uma possibilidade efetiva de
sucesso frente a até então desigual competição com as marcas estrangeiras, a exemplo da
Disney. Do ponto de vista do consumidor – as crianças, no caso –, possuir objetos assinados
por esses famosos passa a significar uma forma de aproximar-se deles e do mundo que eles
representam.
Por fim, vale destacar que uma terceira mudança significativa no que diz respeito ao lugar
social da criança como espectadora está ligada ao surgimento de emissoras de televisão
especificamente dedicadas ao público infantil, todas de canais por assinatura, na sua maioria
estrangeiros e veiculados em países com distintos fusos horários, durante as 24 horas do dia.
Cinqüenta anos passados da vinheta que nos avisava sobre a hora de dormir, esses canais, ao
contrário, independentemente do horário, nos interpelam a não sair da frente da televisão, seja
de maneira lúdica, com charadas ou anúncios de outros programas, seja pela explicitação de
um argumento de autoridade: “Não saia daí! A gente volta já!”.
Essas emissoras com programação voltada exclusivamente para crianças inauguram uma nova
ordem de transformações qualitativas, expandidas também às TVs abertas, em que a criança
deixa de ser tratada como simples espectadora e passa a ser vista na sua condição potencial de
produtora, sendo chamada a opinar sobre a programação. Ainda assim, parece claro que a
preocupação de buscar a opinião infantil está bastante voltada a estratégias de manutenção de
audiência, em que se destacam os chamados “grupos de discussão”, grupos estes que têm
privilegiado mais a escuta do adulto.
Parece ainda utopia pensar uma programação infantil que inclua efetivamente as crianças em
seu processo de produção, haja vista que, via de regra, os programas infantis são feitos por
adultos, com base naquilo que os adultos supõem que seja bom para a criança. Curiosamente,
as pesquisas de audiência também apontam que os adultos compõem um público significativo
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 43 .
44. da audiência à programação infantil. Em conseqüência disto, destaca-se a criação de novos
canais que veiculam programas que foram exibidos em décadas anteriores – séries, filmes,
desenhos animados, games, shows. Ao planejar uma programação infantil, os adultos, tendo
como referência sua visão adultocêntrica de infância, estariam, consciente ou
inconscientemente, fazendo uma programação para si mesmos? Estariam, eles próprios, um
tanto “infantizados”?
Uma programação infantil que considere a perspectiva infantil, sem abdicar da experiência de
vida, técnica e pedagógica do adulto. Esse é um desafio para que construamos uma
programação infantil que, de fato, as crianças desejem assistir.
Bibliografia
ARIÈS, Philiphe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro, Guanabara,
1981.
BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo,
Summus, 1984.
BUCCI, Eugênio. Brasil em tempo de TV. São Paulo, Boitempo, 1997.
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CARLSSON, Ulla e Von FELITZEN, Cecília. A criança e a mídia. São Paulo, Cortez;
Brasília, DF, UNESCO, 2002.
CASTRO, Lúcia Rabelo de. Infância e adolescência na cultura do consumo. Rio de
Janeiro, NAU, 1998.
FANUCCI, Mário. Nossa próxima atração. São Paulo, Edusp, 1996.
HAMBURGUER, Esther e BUCCI, Eugênio. A TV aos 50: criticando a televisão
brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2000.
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 44 .
45. JOBIM e SOUZA, Solange (org. ) Subjetividade em questão: a infância como crítica
da cultura. Rio de Janeiro, 7Letras, 2000.
STEINBERG, Shirley e KINCHELOE, Joe (orgs.) Cultura infantil: a construção
corporativa da infância. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo, Ed. Senac, 2000.
PACHECO, Elza. Televisão, criança, imaginário, educação. São Paulo, Papirus, 1994.
POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro, Graphia, 1999.
RIXA. Almanaque da TV: 50 anos de memória e informação. Rio de Janeiro, Objetiva,
2000.
SAMPAIO, Inês. Televisão, publicidade e infância. São Paulo, Anablume, 1999.
Notas:
Licenciada em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas -
UFPel/RS e Doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora da
Faculdade de Educação da UERJ.
2
Em setembro de 2004, pesquisa realizada pelo IBOPE em seis
capitais, no período de junho a agosto de 2004, num universo de
453,6 mil crianças de 4 a 11 anos, das classes ABC, apontava entre as
preferências na audiência infantil os seguintes programas: 1º -
"Senhora do Destino" - 19,6% ; 2º - "Começar de Novo" - 18,8% ; 3º -
"Jornal Nacional" - 17,6% ; 4º - "Casseta & Planeta" - 16,2% ; 5º - "A
Grande Família" - 15,9% ; 6º - "Zorra Total" - 15,8% ; 7º - "Programa
Silvio Santos" - 14,2% ; 8º - "A Diarista" - 14% ; 9º - "Fantástico" -
13,7% e 10º - "Tela Quente" - 13,3%. Os dois programas mais
assistidos são novelas. Os dez programas mais citados pelas crianças
são exibidos à noite e não são considerados pela emissora como
programas infantis. (Ver: Folha de São Paulo, Caderno Mais!,
26/09/2004). Essa tendência se repete na pesquisa feita pelo IBOPE
em janeiro de 2002, quando os programas mais vistos pelas crianças
são, em ordem decrescente de preferência: “Belíssima”, “Big-Brother
Brasil”, “Alma gêmea”, “Malhação”, “Tela quente”, “Zorra Total”,
“Sessão da Tarde”, “Globo Notícia Vespertino”, “Globo Repórter” e “TV
Xuxa”, sendo que apenas este último, entre os dez mais citados, é
classificado como infantil. (Ver: O Globo, 25/02/2006, 2º Caderno,
p.8).
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 45 .
46. PROGRAMA 4
TV E PUBLICIDADE
José Antonio Fardo 1
Um dos executivos de maior sucesso da TV brasileira, Walter Clark, que trabalhou na Rede
Globo nos anos 60, disse uma vez: “em televisão é sempre melhor errar depressa do que
acertar devagar”. Podemos resumir nessa frase o quanto é cara a produção de um programa
de televisão e, por isso, quando um programa não dá certo, ele logo é tirado do ar. Milhões
são gastos com cenários, atores, repórteres, equipamentos, transportes, produtos de alta
tecnologia e que exigem inovação constante. Mas quem paga a conta? A resposta todos
sabem: é o patrocinador ou anunciante. Vamos ver, neste programa, como funciona a
máquina de fazer dinheiro da televisão e as novas formas de propaganda que a gente nem
percebe!
A Publicidade nas transmissões da TV – o “real” e o “virtual”
Considerações sobre a publicidade. A propaganda está na TV desde o seu surgimento no
Brasil, há mais de 50 anos, e “a garota propaganda” logo fez sucesso! O projeto Intermeios
pesquisa, desde os anos 80, os investimentos na mídia brasileira e confere historicamente à
TV, aproximadamente, 60% do bolo publicitário. O patrocínio na TV é uma maneira de
rentabilizar os investimentos e aumenta a freqüência-média junto ao telespectador do
programa patrocinado. O filme comercial é uma eficaz forma de atingir o público por meio da
imagem, do som e do movimento em um meio de massa. A propaganda política é muito
questionada, pois são promessas em que, diferentemente dos produtos, poucos acreditam,
devido a não encontrarem nos “anunciantes”, soluções para os problemas apontados em toda a
sua existência. O formato dos 30” é um padrão mundial que existe há muito tempo e que está
com os dias contados, conforme abordarei mais à frente. Embora muito desgastados, os
testemunhais continuam sendo amplamente utilizados por diversas marcas, pois ainda
oferecem muito retorno, uma vez que parte dos hábitos de consumo é explicada pelo padrão
DEBATE: TELEVISÃO, GÊNEROS E LINGUAGENS 46 .