Contenu connexe Similaire à Entrevista fabio bernabei_pt_outubro 2012 (20) Entrevista fabio bernabei_pt_outubro 20121. Entrevista a Fabio Bernabei: “A canábis médica é uma questão de
ideologia, não de compaixão”
Fabio Bernabei é representante nacional de Itália na ECAD – European Cities
Against Drugs e director do OsservatorioDroga (Itália). Neste ano, publicou o
livro “Cannabis Medica. 100 Risposti sull’uso terapêutico della Marijuana”, no qual
que se opõe de forma veemente à legalização da marijuana para fins
medicinais. Segue-se uma entrevista exclusiva da Dianova Portugal na
sequência desta edição.
Dianova Portugal: No prefácio de “Cannabis medica…”, diz-nos que decidiu
escrever o livro devido a uma “experiência pessoal” [a sobrevivência a um cancro],
num contexto de “reconhecimento da marijuana para fins medicinais”. O seu livro
foi uma tentativa de desafiar e influenciar a opinião pública, afirmando que nem
tudo é inevitável?
Fabio Bernabei: Não. Como sobrevivente a um cancro aprendi, entre outras, duas lições.
Primeiro, a pessoa doente é alguém vulnerável que tem que se respeitar e proteger, e não se
deve tentar tirar quaisquer vantagens ideológicas da doença. Políticos e organizações que
nos anos 1960 estavam a lutar por uma política proibicionista, agora tornaram-se adeptos
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2. de algumas terapias medicinais para doenças graves. Custa a acreditar. O Partido Radical
Transnacional Radical, no seu manual “Os Radicais e as drogas”, assume a “estratégia
medicinal” como uma das estratégias possíveis para alcançar a legalização das drogas. A
estratégia menos radical, dizem eles, mas com um bónus: sem pânico na opinião pública.
Segundo, as pessoas com cancro e outras doenças graves merecem o tratamento mais
avançado, baseado na investigação médica mais inovadora, e não erva para fumar. Apenas
um exemplo: em Itália o Sistema Regional de Saúde não tem dinheiro para oferecer uma
radioterapia diária e generalizada nos hospitais e muitos, muitos, outros tratamentos
básicos, mas alguns políticos preferem gastar centenas de milhares de euros do dinheiro
dos impostos para oferecer charros de marijuana para fumar.
A canábis médica é uma questão de ideologia, não de compaixão.
Dianova Portugal: Considera que os italianos estão bem informados sobre o
consumo da marijuana?
Fabio Bernabei: Atente-se ao site da OEDT [Observatório Europeu da Droga e da
Toxicodependência, agência da União Europeia sedeada em lisboa]. Na página do “Perfil
da Prevenção”, dedicada à Itália, as entradas relacionadas com a “Prevenção Universal”
estão reportadas como uma longa lista de “Sem Informação”. É um bom retrato do nível
de conhecimento dos italianos sobre marijuana e outras drogas ilícitas. A razão? Bem,
quando se sabe o quão sérios são os políticos italianos, pode-se compreender melhor por
que preferem usar o dinheiro público de muitas outras formas que não em políticas sociais
efectivas.
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3. Dianova Portugal: Como está a correr o debate sobre a canábis médica em Itália?
Qual tem sido a reacção dos antiproibicionistas a este livro?
Fabio Bernabei: Não há debate em Itália acerca da Marijuana Médica e as poucas
informações disponíveis são apenas num sentido. Nos últimos dez anos foram publicados
apenas dois livros italianos a contestar o uso médico da canábis: o meu, para um público
geral, e outro para peritos, “Canábis e danos para a saúde”, escrito pelo professor Giovanni
Serpelloni, director do Departamento Nacional de Política Anti-Drogas. Não são assim
tantos para um assunto tão importante.
A reacção dos antiproibicionistas ao meu livro? Para muitos deles a canábis médica é uma
espécie de tabu que ninguém ousaria desafiar. Portanto, eles reagiram às vezes de forma
muito agressiva e indelicada. Outros, em contrapartida, escolhem fazer comentários
irónicos acerca do tipo estúpido [eu] que não compreende que fumar marijuana vai salvar o
mundo. Eu não me importo. Prefiro ouvir as vozes do Direito Internacional, as
autoridades científicas oficiais e a minha consciência.
Dianova Portugal: Defende que, se a canábis médica fosse reconhecida legalmente
e distribuída no Sistema Nacional de Saúde italiano, a produção, a venda e o
consumo recreativo aumentariam. O que descobriu no âmbito das suas pesquisas
acerca das causas e consequências da legalização?
Fabio Bernabei: O Sistema Nacional de Saúde não pode disponibilizar qualquer
substância sem a aprovação da AIFA (Agência Italiana de Medicamentos). Para evitar
ensaios clínicos, o lobby pró Marijuana Médica inventou uma espécie de aprovação baseada
num voto de uma maioria dos políticos locais na Assembleia Regional para diferentes
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4. doenças e terapias. Cada cabeça a sua sentença [Tot capita, tot sententiae].
Apenas para nomear uma, relativa ao aumento da criminalidade, no Canadá, o Supremo
Tribunal do país reconheceu o aumento do mercado negro, a seguir ao reconhecimento
político das propriedades “terapêuticas” da marijuana fumada. Os mesmos juízes que
deliberaram em 2001 a favor de um “mercado regulado” de marijuana médica, argumentam
agora que isto aconteceu devido à “burocracia” e à “qualidade” da marijuana médica do
fornecedor monopolista do sistema de saúde canadiano. Sempre a mesma velha história.
Assim, depois de cerca de dez anos, o próprio Supremo Tribunal, a fim de combater o
mercado negro, deu ordem ao Sistema de Saúde do Canadá para extinguir as limitações à
plantação, à venda e ao consumo de marijuana médica. Aposto que o mercado negro vai
explodir de novo, cada vez mais, como aconteceu sempre que as drogas ilícitas e perigosas
foram promovidas como “miraculosas”.
Dianova Portugal: O livro está a ser traduzido noutros idiomas?
Fabio Bernabei: Para já, não. E é pena, porque é um assunto importante, que afecta todas
as nações. Em inglês sugiro a leitura do “Cannabiz. The Explosive rise of medical marijuana
industry” [“Canabiz. A ascensão explosiva da indústria da marijuana médica”]. O autor, John
Geluardi, tem um ponto de vista oposto ao meu, mas o livro é excelente, pela quantidade e
qualidade das informações sobre aquilo que se está a passar realmente agora nos Estados
Unidos e que em breve se passará na Europa.
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5. Dianova Portugal: O seu background profissional é o jornalismo de investigação.
Como lhe parece que os órgãos de comunicação generalistas e especializados têm
tratado o tema da droga? Faz sentido chamá-lo “jornalista-activista”?
Fabio Bernabei: Em Itália temos algumas ONGs e “think tanks” [grupos de reflexão]
especializados no “tema da droga”, com os seus órgãos internos, e o seu nível de
conhecimento é muito profissional, mas temos ainda um grande fosso entre estes e os mass
media.
Por isso, fundei o Osservatorio Droga, membro da World Federation Against Drugs
[Federação Mundial Contra as Drogas], cuja missão relaciona-se com a arena mediática,
fornecendo informações ao público em geral, para uma melhor e mais profunda
compreensão do “tema da droga”, com o objectivo de alcançar um mundo livre de drogas.
De facto, nós acreditamos que o consumo de quaisquer drogas ilícitas é contrário à
dignidade pessoal do ser humano, porque elas alteram, às vezes permanentemente, os
processos cognitivos. A integridade destes processos cognitivos é parte do conceito de
dignidade humana de ser uma pessoa livre e responsável.
Dianova Portugal: No livro argumenta que os cientistas não reconhecem a
marijuana como um medicamento. O que devem as autoridades fazer com os
fármacos legais, perigosos, actualmente disponíveis no mercado dos
medicamentos?
Fabio Bernabei: Tem razão. Se também os produtos medicinais regulares reconhecidos
como seguros para uso humano, depois de uma longa série de testes científicos necessitam
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6. de uma vigilância pós-marketing para averiguar as reacções adversas suspeitas. Imagine a
canábis, nunca aprovada por nenhumas agências nacionais de fármacos. E, sim, temos que
aumentar a monitorização contínua de qualquer tipo de medicamentos.
Dianova Portugal: “A canábis é de longe a droga ilícita mais cultivada, traficada e
consumida do mundo”, afirma a Organização Mundial de Saúde. Como é que se
pode combater o mercado negro e o crime organizado nesta matéria?
Fabio Bernabei: Como? Prevenção! Historicamente as organizações da Máfia começaram
a envolver-se no tráfico de droga, depois da erupção da procura da droga criada
propositadamente pelos activistas e pensadores da “beat generation”. Nós lutamos contra a
procura, vamos parar as actividades da Máfia baseadas no dinheiro relacionado com a
droga. Agora mais do que nunca.
A prevenção elementar mais bem-sucedida, baseada em provas, vem-nos da Islândia.
Graças a uma tecnologia totalmente nova, [os islandeses] estancaram a ascensão do
consumo excessivo de álcool e do fumo de marijuana, com o consumo de substâncias a
descer constantemente nos últimos dez anos e agora próximo de 1% [Ver mais
informações em www.icsra.net]. Qual foi o segredo? Quebrando o “isolamento” da
comunidade científica das políticas sociais do Governo geridas com um foco especial na
comunidade local. O projecto “Youth in Europe”, implementado pelo Icelandic Centre for
Social Research and Analysis e coordenado pela ECAD [European Cities Against Drugs],
está agora a promover em toda a Europa a experiência da Islândia.
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7. Dianova Portugal: Qual é a sua opinião sobre a lei portuguesa que descrimina o
consumo e a posse de todas as drogas ilícitas em pequenas doses? Um relatório do
Cato Institute refere que o “quadro legal da descriminalização tem sido um sucesso
retumbante, com lições evidentes que devem guiar os debates das políticas de
drogas em todo o mundo”.
Fabio Bernabei: O Cato Institute convidou o Procurador Gleen Greenwald para conduzir
um estudo da política da droga em Portugal. Depois de apenas três semanas em Portugal,
Greenwald regressou aos Estados Unidos e escreveu um livro caracterizando a política de
drogas portuguesa como um grande sucesso. Havia numerosos problemas com o estudo.
Greenwald foi selectivo na categoria de “idade” que usou, ignorando em grande parte o
grupo entre os 20 e os 24 anos no qual o consumo aumentou 50%.
O doutor Manuel Coelho, meu amigo e colega no Drug Watch International, presidente da
Associação para um Portugal Livre de Drogas, numa revisão os aos dados do estudo,
indicava “se olharmos para os números relacionados com a prevalência na população total
portuguesa, não há uma única categoria para as drogas, nem uma, que tenha decrescido
desde 2001. Entre 2001 e 2007, o consumo de droga em Portugal aumentou cerca de 4,2%
em termos absolutos”.
Portugal mantém-se como país com a mais elevada incidência de VIH relacionada com o
CDI (consumo de drogas por via injectável) e é o único país a registar um recente aumento.
Além disso, as investigações da OEDT de 2011 mostram uma situação estável no que diz
respeito ao consumo de canábis em Portugal, mas um possível aumento no consumo de
cocaína entre jovens adultos. O país tem ainda altos níveis no que toca ao problema do
consumo de drogas e da infecção por VIH e não demonstra desenvolvimentos específicos
na sua situação relativamente à droga que o distinguiria claramente de outros países
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8. europeus que têm uma política diferente. Isto é sustentado pelo relatório do Gabinete da
Política Nacional de Controlo de Drogas da Casa Branca (ONDCP) de 2011, que reviu o
“Relatório Cato” e considerou-o falho de precisão.
Dianova Portugal: A NORML [Organização Nacional para a Reforma das Leis da
Marijuana] tem um quadro de “princípios de consumo responsável de canábis”.
Dentro das suas preocupações, mencionam regras como “apenas para adultos”,
“não conduzir”, “resistir ao abuso” e “respeito pelos direitos dos outros”. Defende
no seu livro que este “consumo responsável” é impossível. Porquê?
Fabio Bernabei: A NORML e algumas outras organizações bem organizadas passam a
mensagem de que a canábis é uma droga relativamente inofensiva que podíamos legalizar.
Mas quando põem em relação esta droga psicadélica com a palavra “responsável”, estão a
desafiar o princípio aristotélico da “não-contradição”. A canábis é uma substância
psicadélica, que portanto altera a personalidade a as capacidades de julgamento do
consumidor, por um curto período ou para toda a vida, mais e mais profundamente do que
outras drogas, estimulantes ou sedativas. Há menos overdoses, mas danifica sempre a
integridade do carácter da pessoa.
Dianova Portugal: Um dos reparos às suas “100 respostas” é um certo ponto de
vista etnocêntrico acerca da biomedicina e do consumo da planta de canábis.
Algumas pessoas argumentam que a canábis é uma das 50 ervas “fundamentais” da
medicina tradicional chinesa. Como reage a estas críticas?
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9. Fabio Bernabei: Nasci e vivo em Roma, uma cidade famosa na História por misturar
todas as culturas e tradições de todo o mundo. Além disso, sou católico e rejeito qualquer
atitude xenófoba ou racista, mas nem tudo dos tempos ancestrais é verdade.
Relacionar a marijuana médica com a Medicina Herbal Chinesa, ou outras tradições, é
inapropriado. Porque os poucos documentos existentes e nunca verdadeiramente
analisados reportam afinal o modo de fumo como um consumo médico [o mais comum na
marijuana medicinal]. Mas, por cada possível, ou suposta, necessidade terapêutica
solucionada por algum composto de canábis, a ciência médica contemporânea dispõe de
muitos fármacos baratos, seguros e eficazes.
Dianova Portugal: Se publicasse uma segunda edição do “Cannabis Medica”, o que
actualizaria ou mudaria no livro?
Fabio Bernabei: Não aconteceram grandes mudanças ou uma actualização particular, mas
gostaria de escrever algumas linhas sobre a minha experiência pessoal como um “alvo” dos
“fundamentalistas” Pró-Canábis Médica. Penso que poderia ser útil para ficar bem claro
nas nossas mentes.
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10. -FIM-
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