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Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
Campus de Marechal Cândido Rondon
Centro de Ciências Humanas Educação e Letras (CCHEL)
Colegiado do Curso de História

O CAIPIRA CHICO BENTO:
Representações do caipira nas Histórias em Quadrinhos do Chico Bento de Mauricio de Sousa
(1962-2012).

DOUGLAS LUIS WRASSE

MARECHAL CÂNDIDO RONDON
2013
DOUGLAS LUIS WRASSE

O CAIPIRA CHICO BENTO:
Representações do caipira nas Histórias em Quadrinhos do Chico Bento de Mauricio de Sousa
(1962-2012).

Monografia apresentada na Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Centro de
Ciências Humanas Educação e Letras (CCHEL),
para obtenção da graduação em história, sob
orientação da professora Geni Rosa Duarte.

MARECHAL CÂNDIDO RONDON
2013
Dedicado ao tempo
Que insiste em mudar minha vida.
Resumo
A presente monografia visa analisar a revista em quadrinhos “Chico Bento”,
do autor Mauricio de Sousa, problematizando as relações sociais do caipira que
estão inseridos dentro da revistinha no período de 1961 a 2012. Para essa análise
buscamos entender a origem dessa população, indo além do recorte estabelecido,
buscando entender como foram constituídos alguns estereótipos caipiras, para isso
buscando relacionar o personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato e o trabalho de
Cornélio Pires, que disseminaram a representação social do caipira no Brasil. Na
revistinha do Chico Bento buscou-se analisar como esses estereótipos estão sendo
apresentados, buscando analisar conceitos entre eles: religião, folclore, cidade x
campo, desigualdade social, linguagem caipira, educação, assim como as
vestimentas, os cenários, as falas, as relações e as contradições sociais que estão
presentes nessas histórias em quadrinhos.
Palavras Chaves: Quadrinhos, Chico Bento, Caipira.

Abstract
This monograph analyzes the comic book "Chico Bento", the author Mauricio de
Sousa, questioning the social relations of the peasant that are inserted into the comic
in the period1961-2012. For this analysis we seek to understand the origin of this
population, going beyond the established crop, trying to understand how some
hillbilly stereotypes were formed, seeking to relate to this character Jéca Tatu Lobato
and work of Cornélio Pires, who spread the social representation of the peasant in
Brazil. In the comic Chico Bento we sought to examine how these stereotypes are
presented, trying to analyze concepts including: religion, folklore, city x field, social
inequality, hillbilly language, education, and the costumes, the sets, the lines, the
relations and social contradictions that are presenting these comics.
Key Words: Comics, Chico Bento, Grit.
Agradecimentos:

Este é o momento de agradecer a todos que me apoiaram e me ajudaram
durante toda a graduação, e da minha formação social. Por isso agradeço:
Primeiramente á minha família que me apoiou em cada fase da minha e das
minhas decisões de vida. Agradeço pelo apoio financeiro e psicológico que meu pai,
Enio Wrasse, e minha mãe, Marisa Wrasse, me deram. Ao meu irmão pela
cumplicidade e pelos momentos de alegria. Ao meu Tio, Egon Wrasse, por me ceder
vários exemplares da revistinha do Chico Bento, que foram fundamentais para
terminar a monografia. Agradeço também a minha avó Iolanda pelos anos de
companhia e ao meu avô Valdevino, que faleceu antes de eu terminar a faculdade,
foi uma grande perda para mim.
Foram seis anos de graduação, muitos amigos partiram e novos chegaram.
Nesse processo tenho de agradecer a todos que de alguma maneira me deram
forças para continuar, mesmo não estando mais presentes. Agradeço também os
professores que me ajudaram a crescer intelectualmente. Não vou elencar nomes,
pois são muitos, agradeço a todos da mesma maneira, cada um foi especial dentro
desse processo.
A todos os meus colegas que me ajudaram e me alegraram durante a
constituição da monografia. Agradeço em especial aos colegas Miriam, Mara,
Camila, Deivid, Jhonny, Leonita, Jonas, e vários outros que fizeram parte da minha
graduação. Agradeço em especial a Talita Santana e Ana Paula Lenhardt pela
indicação do acervo de gibis da biblioteca pública de Toledo que foi fundamental
para entender o universo do caipira Chico Bento.
Por fim agradeço ao professor Davi Félix que me ajudou a montar o projeto e
a minha orientadora que me auxiliou, apesar dos muitos desencontros e muitas
discussões, e possibilitou transformar o projeto nesta presente monografia.
Sumário

Introdução: ....................................................................................................................................... 9
Capítulo 1: A construção do caipira..............................................................................................13
1.1

O caipira e suas origens.................................................................................................13

1.2 O estereotipo criado: Monteiro Lobato e Cornélio Pires. .................................................17
1.3 A reconstrução do caipira....................................................................................................25
Capítulo 2: O caipira Chico Bento. ...............................................................................................31
2.1 Mauricio de Sousa: Autor e obra. .......................................................................................31
2.2 – Chico Bento e sua turma..................................................................................................32
2.2.1 – O processo de transformação dos personagens. .......................................................37
2.2.2 – O caipira como sujeito ingênuo, literal, preguiçoso e humilde. .................................41
2.2.3 – A educação brasileira no campo representado nas histórias do Chico Bento. ........45
2.2.4 – A linguagem caipira. ......................................................................................................47
2.2.5 – A religiosidade no universo caipira. .............................................................................49
2.2.6 – A relação campo x cidade e a desigualdade social....................................................52
2.2.7 – As relações familiares. ..................................................................................................57
2.2.8 – O Folclore brasileiro representado nos quadrinhos....................................................59
2.2.9 – “O caipira não pode mudar”. .........................................................................................62
Considerações finais:.....................................................................................................................64
Referencias Bibliográficas: ............................................................................................................66
Sites consultados. .........................................................................................................................67
Índice de imagens
Figura 1 Chico Bento e suas diferentes versões .............................................. 34
Figura 2 Chico Bento em sua primeira aparição .............................................. 35
Figura 3 Evolução da Tina................................................................................ 39
Figura 4 primeiras representações do personagem Chico Bento nas histórias de
Hiroshi e Zezinho ............................................................................................. 39
Figura 5 Chico Bento na cidade ....................................................................... 40
Figura 6 Representação da preguiça ............................................................... 43
Figura 7 Chico Bento na escola ....................................................................... 46
Figura 8 Padre Lino nota-se sua vestimenta e a cabeça raspada típica dos monges
franciscanos. .................................................................................................... 51
Figura 9 Chico Bento e seu Primo Zeca representação dos problemas entre a cidade
e o campo......................................................................................................... 53
Figura 10 Montagem de quadrinhos com lendas nacionais e internacionais.....61
Figura 11 Chico busca dinheiro para comprar um presente para Rosinha....... 63
Introdução:
Este presente trabalho de conclusão de curso é o resultado de uma
análise da revista em quadrinhos “Chico Bento”, do autor Mauricio de Sousa,
que problematiza as representações sociais do caipira, inseridas dentro das
histórias da revistinha.
A primeira publicação das histórias em quadrinhos do Chico Bento
ocorreu em 1962, no formato de tiras, no jornal Diário de São Paulo, e, desde
então, vem mexendo com o imaginário de muitas crianças, adolescentes e
alguns adultos. Desde minha infância fui cercado por esse universo mágico que
são as histórias em quadrinhos. Essa questão pessoal de aproximação com
esse universo e com as leituras acadêmicas me despertou o interesse de
discutir as relações em torno da formação do caipira Chico Bento.
O trabalho se propôs a analisar a representação do caipira desde a sua
primeira publicação, de 1962, até o ano de 2012. Não tive acesso a todos os
exemplares já publicados da revistinha do Chico Bento, e não teria tempo hábil
para a leitura de todos também, pois seriam em torno de 720 exemplares ao
longo desses 50 anos de história, mas dentro deste número foram lidas 80
exemplares que abarcaram todo o período de publicação da revistinha, além da
observação de várias capas disponíveis na internet. Dentro deste processo foi
possível notar várias mudanças na estética e nas ações dos personagens.
Para compreende quais representações analisar nas histórias busquei
observar alguns aspectos. Primeiramente

me detive na análise das

representações em torno das relações: Cidade x Campo, e de aspectos como a
ingenuidade, literalidade, humildade, os laços familiares, a religiosidade, o
papel do folclore, a questão da linguagem, a educação e principalmente as
mudanças que foram surgindo no decorrer dos anos. Esses pontos foram
selecionados, pois fazem parte do universo caipira. O segundo ponto analisado
nas histórias foram as peculiaridades. Nesse momento busquei observar
algumas histórias que possuíam aspectos interessantes ligadas ao universo
caipira e que não se repetiam facilmente. Dentro desse processo se notou a
9
história da personagem Marina e toda sua peculiaridade dentro do universo
caipira.
As

mudanças

chamaram

bastante

minha

atenção,

ligadas

a

acontecimentos históricos brasileiros e também outras internas à produção da
revistinha, e essas razões não poderiam deixar de ser problematizadas. Outra
questão que chamou bastante atenção foi que as representações do caipira da
revistinha do Chico Bento apresentam características bem distintas da
realidade de muitos dos leitores. Na maioria são leitores que moram no meio
urbano, mas a revista apresenta situações da vida no campo de um modo de
vida bem diferente das agitadas cidades.
A análise abordou desde exemplares das primeiras publicações da
revistinha até as algumas publicações atuais.
Mas o tema do caipira não tem sua origem nos quadrinhos do Chico
Bento. O modo de vida caipira já era abordado por escritores, pintores,
cineastas e outros quadrinistas desde o final do século XIX até boa parte do
século XX. Por essas razões foi precisoufazer um grande recuo histórico para
apresentar tanto o caipira como sujeito social quanto as representações
construídas por esses autores que retrataram essa figura. Entre eles temos o
trabalho de Monteiro Lobato que é de 1918. Esta incursão à obra de Monteiro
Lobato se fez necessária, pois é nela que se elaborou a representação social
do caipira que se disseminou mais fortemente pela teia social no Brasil, sendo
recriada, em outros tempos e espaços sociais, posteriormente.
Nas produções icnográficas o caipira também foi bem enfatizado antes
dos quadrinhos do Chico Bento. No inicio do século XIX surge o trabalho de
Ângelo Agostini, considerado um dos primeiros quadrinistas do mundo, cujos
personagens principais são os homens do campo. Apesar de seu trabalho ser
diferente das produções feitas por Mauricio de Sousa quase um século depois,
a representação de um personagem ingênuo e literal é muito similar.
Os personagens das histórias em quadrinhos acabam se constituindo de
forma distorcida da realidade. As representações do caipira, dentro das

10
histórias constituídas nos quadrinhos e na literatura, vão mexer com o
imaginário dos leitores, hoje em sua maioria provenientes das cidades.
Para entender a representação de um quadrinho como um todo se deve
ter em mente que tudo que está exposto no quadrinho tem uma característica
representativa que o autor está querendo repassar para o seu público leitor,
pois esse todo é uma relação constante de disputa em que o dominador do
conhecimento “impõem ou tenta impor a sua concepção do mundo social, os
valores que são os seus e o seu domínio”1. Por tanto, não podemos analisar
tão somente os personagens, mas também o que está se passando ao redor
do personagem.
Por essa razão foi analisado a construção dos cenários em que ocorrem
nos quadrinhos. Analisando dentro do contexto histórico as representações que
estes cenários propõem a representar, incluindo as concepções religiosas, a
construção do debate campo verso cidade, o mundo folclórico, e também
discussões em torno de temas como as vestimentas, linguagem, o modo de
vida, de pensar e agir em sociedade torna possível pensar as representações
do caipira de Maurício de Sousa. Para que essas representações sejam
analisadas esse trabalho foi dividido em dois capítulos.
O primeiro capítulo busca apresentar algumas discussões sobre o
surgimento dessa população chamada de “caipira”, apresentaremos a origem
da expressão “caipira”, bem como as visões, em torno de maneira sintetizada,
principalmente de Monteiro Lobato, Darcy Ribeiro, e Antônio Cândido. A origem
de muitos dos estereótipos criados pelas representações sociais do caipira
construídas por Lobato permanecem até hoje no imaginário da sociedade.
Vários intelectuais (literatos, folcloristas, sociólogos, etc.) se preocuparam em
definir essa população, suas características e seu lugar dentro da população
brasileira.
O segundo capítulo busca analisar historicamente as representações
sociais em que o caipira está sendo inserido, dentro de uma perspectiva de
1

CHARTIER, Roger. A História cultural Entre práticas e representações. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand

Brasil, 1990.

11
imagens estereotipadas que vão construir diversas visões para dentro do
universo de leitores e apreciadores de arte, sendo eles crianças ou adultos.
Fizemos então uma análise do caipira Chico Bento e como sua turma e
construída para recriar uma visão do universo caipira. A discussão se centrou
em torno de algumas questões como a religiosidade, a educação, a fala e a
cultura popular, entre outras.

12
Capítulo 1: A construção do caipira.

1.1 O caipira e suas origens.
Caipira é um termo de origem tupi, de ka'apir ou kaa - pira, que significa
"cortador de mato". É o nome que os indígenas guaianás do interior do Estado
de São Paulo, deram aos colonizadores brancos, caboclos, mulatos e negros
que habitavam a região desde os tempos coloniais brasileiros no século XVIII.
A designação do termo caipira alcançou, sobretudo, populações da antiga
Capitania de São Vicente, depois capitania de São Paulo, que abrangia a
extensa região que ia de Minas Gerais, Paraná até à região de Lajes, no
estado de Santa Catarina, abrangendo ainda Mato Grosso e Goiás.2
O termo "caipira", no entanto, costuma ser utilizado com mais frequência
no Estado de São Paulo. Corresponde, em Minas Gerais, ao capiau (palavra
que também significa "cortador de mato") e, na região Nordeste, matuto. O
caipira tem, segundo o dicionário Aurélio, a identidade de “habitante do campo
ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos
rústicos e canhestros”3 uma identificação bem simples e que não representa a
totalidade dessa população. O dicionário ainda segue apresentando as
seguintes denominações pelo Brasil: araruana; babaquera; babeco; baiano;
baiquara;

beira-corgo;

beiradeiro;

biriba ou

biriva;

botocudo;

brocoió;

bruaqueiro; caapora; caboclo; caburé; cafumango; caiçara; cambembe;
camisão; canguaí; canguçu; capa-bode; capicongo; capuava; capurreiro;
cariazal; casaca; casacudo; casca-grossa; catatuá; catimbó; catrumano;
chapadeiro; curau; curumba; groteiro; guasca; jeca; jacu; macaqueiro;
mambira; mandi ou mandim; mandioqueiro; mano-juca; maratimba; mateiro;
matuto; mixanga; mixuango ou muxuango; mocorongo; moqueta; mucofo; pé-

2

Dados disponíveis em:
http://www.ecobrasil.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=338&sid=59. Site consultado
no dia: 05/09/2013.
3
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Positivo,
Curitiba; 2009.

13
duro; pé no chão; pioca; piraguara; queijeiro; restingueiro; roceiro; saquarema;
sertanejo; sitiano; tabaréu; tapiocano; urumbeba ou urumbeva.
A quantidade de termos para a designação desses sujeitos ocorre por
sua grande expansão dentro do território brasileiro, sendo que em sua maioria
derivada de línguas indígenas e com significado muito similar ao termo
“habitante do campo”. Ou então derivam da literatura, como no caso de
Monteiro Lobato com o personagem Jeca Tatu, no interior de uma região
voltada para a produção latifundiária e monocultora de café que irá construir
um estereotipo do caipira. Pensando nessa questão temos a seguinte reflexão
de Silvio Romero:
Caipira, matuto, tabaréu, mandioca, capixaba e outros congêneres
são expressões de menosprezo, de debique, atiradas pela gente das
povoações, cidades, vilas, aldeias e até arraiais contra o habitante do
campo, do mato, da roça. São expressões de um antagonismo
secular. São chufas de desfrutadores de empregos, profissões e
outros variados meios de vida, que a habilidade de certas
populações faz nascer nas grandes aglomerações de gente,
especialmente contra os que mourejam nas rudes tarefas do amanho
das terras, do cultivo dos capôs.4

Por sua grande quantidade de designações e por sua maioria ser termos
indígenas, pode-se afirmar que está população surgiu juntamente com a
colonização brasileira, sendo uma população formada da mistura do branco
com o índio, e mais tarde com o negro.
Assim como seus modos de vida, essa população caipira do interior
paulista é vista pelo senso comum de forma preconceituosa como sendo o
habitante de nosso interior atrasado, de instrução precária e costumes
ultrapassados. Contudo, segundo alguns estudos, o caipira constitui a parcela
da população paulista, e possui uma cultura rústica5 e diferenciada,
permanecendo como parte integrante da cultura nacional. O caipira segue
sendo definido como um sujeito social delimitado geograficamente, situando-se

4

ROMERO, Sílvio. apud YATSUDA, Enid. O caipira e os outros. In BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira: Temas
e situações. São Paulo, Ed. Ática, 1992.
5
Entende-se no conceito de cultura rústica a concepção apresentada por Antonio Candido, não sendo
um termo que designa somente a vida rural e grotesca, mas num conceito mais abrangente que abrange
o universo do homem do campo e seu ajustamento na vivencia dentro das mudanças no Brasil. Para
uma melhor explicação ver: CÂNDIDO, Antonio. Os parceiros do rio bonito. São Paulo, Livraria duas
cidades, 1987. P. 21

14
principalmente em São Paulo, e em algumas regiões do Rio de Janeiro, Minas
Gerais e Mato Grosso.
A população caipira é constituída a partir de dois momentos históricos
distintos. Darcy Ribeiro aponta que essa população surge devido a um
processo denominado por ele de regressão social 6, que teria ocorrido no
término das bandeiras e no fim do ciclo do ouro em Minas Gerais e região.
As bandeiras eram organizadas em São Paulo com a finalidade de
explorar o interior do Brasil e caçar e escravizar populações indígenas. Esse
processo surgiu pela necessidade de enriquecimento de parte da população
paulista. As bandeiras vão gerar nessa população uma vida seminômade com
espírito aventureiro. Suas habitações vão ser constituídas de casas feitas de
taipas ou adobe, de forma precária, e temporária, o que demonstra que esses
paulistas estavam sempre prontos para seguir viagem.
No entanto, com o fim da escravidão dos indígenas e, posteriormente,
da escravidão negra, esse processo se encerra e ocorre então aquilo que
Ribeiro nomeou de regressão social. O caboclo retorna para suas terras,
constituindo uma produção de subsistência onde será produzido o suficiente
para manter o sustento de sua família e de sua vila ou cidade.
No segundo processo ocorre a mesma situação. O ciclo do ouro gera
uma grande mobilidade populacional em direção às minas, ocorrendo em
algumas regiões um grande esvaziamento populacional. Com o esgotamento
das jazidas mineiras, na segunda metade do século XVIII, a situação
econômica dessas populações se agrava, ocorrendo então o mesmo processo
que ocorreu com o fim das bandeiras e caças aos indígenas e escravos
fugidos. Parte dessa população se empobrece e retorna para um modo de vida
sobrevivência, se fixando novamente em regiões remotas do interior, paulista,
do sul de Minas Gerais, do oeste de Mato Grosso, e algumas regiões do Rio de
Janeiro e Paraná.
Com esses processos de exploração na região vai correr um grande
processo de miscigenação tanto cultural quanto física, entre os índios e os
6

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. Companhia das Letras, São Paulo, 1997.

15
brancos, e posteriormente com os negros. No século XVIII quando chega ao
fim os processos de exploração de ouro e a caça ao indígena, teria ocorrido em
São Paulo e regiões um processo de estabilização, mas com caráter provisório.
Ou seja, uma parcela dessa população que busca sobreviver e produzir para
seu sustento com excedente formando a chamada a cultura caipira.7 A
população paulista, formada inicialmente por europeus, precisava aprender a
sobreviver e explorar o meio ambiente, porém não possuíam conhecimento
suficiente, dessa maneira tornou-se necessário a absorção da cultura indígena.
Essa população caipira produz basicamente para sua sobrevivência,
com um pequeno espaço para lavoura e criação de animais. A caça e a pesca
vão ser à base de sua produção, o excedente da colheita da lavoura é vendido
ou trocado nas feiras das cidades, com objetivo de obter o que não era
possível produzir em suas terras, como o sal, o tecido e o querosene.
Um dos maiores problemas que está população, constituída então por
posseiros, sitiantes e agregados têm é com a própria posse da terra. Uma
população pobre e isolada, e, na maioria das vezes, não possuírem o título das
terras e o e uma inexistente força política.
[...] onde quer que o jogo e os valores de mercado agrícola
gerassem negócios com a terra de negócios, o lavrador “dono”,
posseiro, ou agregado era expulso, empurrado em direção a
um oeste8.

Os problemas que atingem a população e a cultura caipira, levando a
uma possível extinção, vão surgir a partir de dois momentos de transformação
que se iniciam no final do século XIX e boa parte do XX. Na primeira etapa,
com o aumento da exploração das terras produtivas, as populações caipiras
constituída de posseiros agregados e sitiantes, que não possuíam o registro da
terra, mesmo nela vivendo a vida toda, vão passar a ser perseguidos e
expulsos cada vez mais para o interior. Ou então inseridos dentro da lógica do
mercado agrícola, subordinados ao proprietário da terra ou pior acabam

7

RIBEIRO, op.cit.
BRANDÂO, in HERCULIANI, Sueli. A população tradicional caipira e sua reprodução sociocultura frente
às políticas de conservação e os processos de educação – Parque Estadual do Jurupará, Ibiúna – SP. Tese
de mestrado. USP, São Paulo, 2009.
8

16
parando nas cidades, servindo de mão de obra para as primeiras indústrias e
comércio brasileiro.
Com esse processo de aumento de exploração da terra ocorre um
grande processo de deslocamento populacional, primeiramente em direção as
zonas de fronteiras. Mas, para as populações, que continuaram a viver nessas
regiões nas quais ocorreu o aumento de exploração, da terra tiveram que
alterar seu modo de vida. Para a população caipira a fonte alimentar derivada
de caçadas e pescas passou a ser um problema.
O segundo problema sobre a permanência dessa cultura ocorre com o
avanço tecnológico, melhorias de implantação no campo, expansão das
indústrias e do desenvolvimento das cidades no Brasil a partir do século XX.
Com esses processos ocorre uma maior exploração econômica da terra. A
população que vivia da agricultura familiar foi gradativamente perdendo espaço
para as novas formas de exploração da terra.
Será então dentro desse processo, onde a população caipira não tinha
mais espaço para os novos formatos de exploração da terra que os principais
estereótipos em torno do caipira vão surgir.

1.2 O estereótipo criado: Monteiro Lobato e Cornélio Pires.

É um fato bem curioso que os principais escritores e artistas que falam
sobre o caipira vão surgir no amplo Vale do Paraíba. Temos entre eles o
escritor Monteiro Lobato, o cineasta Amácio Mazzaropi9, que vai dar uma
imagem visual em filmes para o personagem Jeca Tatu, e posteriormente
Maurício de Sousa.

9

Amácio Mazzaropi nasceu em 1912 em São Paulo. Foi um importante cineasta brasileiro da década de
1950, produziu em sua carreira 32 filmes, com modelo independente de fazer filmes, seu principal
sucesso foi encarnando o personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato. Seu principal público foi a
população pobre. O que ajudou a disseminar ainda mais o estereotipo criado por Monteiro Lobato.
Dados disponíveis no site: http://educacao.uol.com.br/biografias/amacio-mazzaropi.jhtm. Consultado
em: 25/11/2013.

17
O vale do Paraíba era uma região de concentração caipira, mas com os
avanços econômicos essa área voltou-se para a produção de café. Nessa
região de grandes latifundiários é que vai ser construído o estereótipo do
caipira. Será então no século XX que a imagem do caipira vai ser debatida,
entre o romantismo de Cornélio Pires e o pré-modernismo de Monteiro Lobato.
Lobato juntamente com o imaginário da elite paulista, vai se pautar pelas
ideias de progresso e modernidade, com repudio ao passado colonial e
imperial, considerados como formas atrasadas de vida. Com isso o que era
nacional passou a ser visto com péssimos olhares, e uma política de
europeização começou a ser imposta mais enfaticamente. Os, “excluídos,
rebeldes, negros, imigrantes, ou trabalhadores que resistissem ou se
opusessem eram classificados como ignorantes”10.
Monteiro Lobato (1882-1948) nasceu em Taubaté, São Paulo, no dia 18
de abril de 1882. Seu avô era o Visconde de Tremembé, o que já demonstra
seu lado voltado para exploração agrícola e o latifúndio. Vai ter sua vida
voltada para escrever livros, principalmente contos, ganhando fama com o
personagem Jeca Tatu (1918), segundo ele símbolo do homem do interior,
preguiçoso, pobre e doente,

um problema

para o desenvolvimento.

Posteriormente já com outro olhar sobre o homem do campo, cria os
personagens infantis do Sitio do Pica-Pau Amarelo (1931). Lobato vai herdar a
fazenda de seu avô, e vai ser no período de sua moradia nessa região que ele
vai entrar em contato com o “estilo caipira” de viver, e vai então construir o
estereótipo do caipira.
“Nada o esperta. Nenhuma ferrotoado o põe de pé. Social, como
individualmente, em todos os atos da vida, Jéca, antes de agir, acocora-se”.11 E
prossegue: “para comer, negociar uma barganha, ingerir um café, tostar um
cabo de foice, faze-lo noutra posição será desastre infalível. Ha de ser de
cocoras”.12 Sobre a falta de iniciativa do caipira com as grandes plantações
Lobato conclui, “Ha mil razões para isso; por que não é sua terra; por que se
10

SETUBAL, Maria Alice. Vivencia caipiras: Pluralidade cultural e diferente temporalidades na terra
paulista. São Paulo. Ed. CENPEC/ Imprensa Oficial de São Paulo, 2005. p. 41.
11
LOBATO, Monteiro. Urupês. Brasiliense, São Paulo, 25 edição p. 147.
12
Idem. p.147.

18
‘tocarem’ não ficará nada que outrem aproveita; por que para fruta ha o mato;
por que a ‘criação’ come; por que ...” 13. Para Lobato o caipira não sabia lidar
com a terra, como os grandes produtores, sem considerar que ele tinha sua
forma de produção, retirando da natureza os materiais fundamentais para sua
vida. Para tal teria que adquirir conhecimentos e desenvolver técnicas, mesmo
que simples/rústicas, que pudessem auxilia-lo com o trabalho na terra.
Lobato vai construir essas representações estereotipadas por ter uma
visão de fazendeiro de café, como Setubal define sobre a visão que os
fazendeiros de café possuíam em relação ao caipira:
O modo de vida caipira e seu ritmo diferenciado do trabalho da terra,
seguindo os ciclos da natureza, eram de impossível compreensão
para os fazendeiros de café, o que gerou inúmeras críticas e
principalmente uma visão estereotipada sobre o lavrador nacional,
visto quase sempre como vadio e inepto para o trabalho, justificando,
assim, a política de imigração para a criação de uma mão-de-obra
disciplinada, sistemática e estável.14

O autor construiu o personagem Jeca Tatu num período em que o ser
nacional era objeto do debate social. Durante o período da Primeira República
brasileira, o autor vivenciou um contexto de confronto entre a herança do
mundo colonial e a cidade. Lobato conviveu com as disputas pelo controle do
Estado entre as oligarquias cafeeiras e as novas forças políticas, econômicas e
culturais originárias do meio urbano-industrial.
Será no período de vivência do autor que as ideias de modernização
brasileira vão ter maior ênfase. Da Primeira República até 1964, o Brasil vai
passar por um processo de estruturação agrária e urbana. Claro que as
mudanças vão ocorrer de formas distintas nos diversos tempos e espaços, mas
o que fica em comum é a expansão e modernização da estrutura produtiva do
meio rural. As estruturas econômicas e políticas no Brasil estavam fortemente
ligadas ao mundo rural, transformando assim num forte confronto de forças
entre as oligarquias agrárias e de uma burguesia emergente. No meio desse
confronto a literatura não ficava livre dessas disputas, nem tampouco os
sujeitos sociais marginalizados como o caipira.

13
14

LOBATO, op.cit. p. 149.
SETUBAL, op.cit. p. 36.

19
Jeca Tatu vai representar o passado colonial que precisava ser
superado e esquecido, simbolizando o que os modernistas chamavam de
“idade das trevas brasileira” que precisava ser expurgada. Crítico do
romantismo, Lobato busca, ao construir a imagem do caipira como um sujeito
marginalizado e débil que precisava ser erradicado da sociedade, criar o Jeca
Tatu, para desconstruir a visão de outros autores. Cita especificamente,
Cornélio Pires, que construiu outra visão sobre o caipira, bem como critica o
movimento do romantismo que estava em transição:
Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como
sonhava Rosseau, protótipo de tantas perfeições humanas que no
romance, ombro a ombro com altos tipos civilizados, a todos
sobreleva em beleza d’alma e corpo.15

Lobato em sua primeira frase “Morreu Peri”, faz a alusão ao personagem
criado por José de Alencar na obra “O Guarani”, representante do romantismo
e do indianismo brasileiro. Seguindo na citação, Lobato aponta a figura de
Rosseau, utilizado como fonte de ideologia pelos romancistas.
“o homem nasce bom e virtuoso, sendo corrompido no momento em
que se insere no sistema social. Sob esse aspecto, a tentativa de
retorno à condição humana primitiva, feita por meio da revalorização
do amor e da amizade, representa também a re-tomada da natureza,
visto como oposto da infelicidade e da injustiça, sentimentos
inerentes à engrenagem que impulsiona a máquina social” 16

Seguindo essa posição, que valoriza o natural, o primitivo, onde homem
puro deve ser valorizado. Lobato vai ser crítico a esta forma de ver a
sociedade. Sobre Peri, Lobato prossegue “Não morreu, todavia. Evoluiu” 17.
Para o autor Peri ressurgiu sob a forma de outro sujeito, com outro nome; o
“indianismo” foi substituído por:
“caboclismo” “o cocar de penas de arára passou a chapeu de palha
rebatido á testa; a ocára virou rancho de sapé: o tacape afilou, criou
gatilho, deitou ouvido e é hoje espingarda troxada; o boré descaiu
lamentavelmente para pio de inambu; a tanga ascendeu a camisa
aberta ao peito” 18.

15

LOBATO, op.cit. p. 145.
Retirado do site : http://www.unicamp.br/~jmarques/cursos/2000rousseau/js.htm. Site consultado na
data :03/09/2013.
17
LOBATO, op.cit. p. 146
18
Idem. P. 146
16

20
Jeca Tatu se tornou um marco divisório entre dois mundos e vai
representar o mundo rural arcaico, injusto e atrasado; enquanto o seu oposto
vai ser o mundo moderno, urbano e industrial, que precisava ser implantado na
sociedade brasileira para superar as injustiças sociais.
Lobato vai construir o Jeca Tatu em duas fases distintas, mas de
maneira geral buscava com elas criticar o modo de vida atrasado da sociedade
brasileira e a falta de política de incentivo para a modernização do campo,
apontando os remédios para a resolução desse problema.
Na primeira fase em 1915 Monteiro Lobato publica o artigo “Urupês”19,
onde cria a personagem do Jeca Tatu. O artigo define e caracteriza o Jeca
como uma criatura ignorante, preguiçosa, inútil, sem nenhuma ambição, “o
caboclo é o sombrio urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das
grota”20, como já apontamos Ao contrário da busca de um primitivismo como
base de uma cultura iminentemente nacional dos modernistas quatro anos
mais tarde, Monteiro vê no caipira como algo constitutivo de nossa fraqueza,
um urupê da sociedade que precisava ser erradicado. O artigo decorre da
publicação, já em 1914, do artigo Velha Praga, no jornal O Estado de São
Paulo.
Em seu segundo momento, Monteiro Lobato publica Jeca Tatu: a
Ressurreição, em 1918, onde traça uma segunda identidade do caipira.
Embora o estereótipo ainda permaneça o mesmo, o Jeca, a ser visto não mais
como o principal problema da sociedade, mas como vítima de políticas públicas
de um Estado que o deixa à margem do desenvolvimento. Se antes o caboclo
era um parasita, agora é um “parasitado por verminoses”, passando de praga a
vítima, "Jeca Tatu não é assim, ele está assim". Lobato busca com o conto “a
ressureição” para além da questão da saúde, a ideologia do trabalho agrícola.
Jeca, cheio de coragem, botou abaixo um capoeirão para fazer uma roça de
três alqueires. E plantou eucaliptos nas terras que não se prestavam para
cultura. E consertou todos os buracos da casa. E fez um chiqueiro para os

19

Urupês é uma palavra derivada do tupi que representa um tipo de cogumelo chamado “orelha de
pau”, fica bem clara a utilização desse termo para representar o caipira brasileiro. Lobato assim
demonstra o caipira como sendo um parasita que nasce e sobrevive a custa do Brasil.
20
LOBATO, op.cit.

21
porcos. E um galinheiro para as aves. O homem não parava, vivia a
trabalhar com fúria que espantou até o seu vizinho italiano.21

Para além da mudança de hábito do Jeca, ele se transformou em um
homem sem medo e que tudo poderia fazer para melhorar sua vida. Até
mesmo transformar a fazenda, pois “tudo ali era por meio do rádio e da
eletricidade. Jeca, de dentro do seu escritório, tocava num botão e o cocho do
chiqueiro se enchia automaticamente de rações muito bem dosadas”.22 Assim
Lobato faz uma construção do conceito de trabalho e do que ele espera para o
Brasil, como um país moderno para o campo. Em outro trecho e possível
perceber a influencia que Lobato recebia dos Estados Unidos da América:
“Quero falar a língua dos bifes para ir aos Estados Unidos ver como é lá a
coisa. O seu professor dizia: O Jeca só fala inglês agora. Não diz porco; é pig.
Não diz galinha! É hen...”23.
Em 1924 com a aproximação de Lobato das ideais dos sanitaristas e
por estar bastante em foco o seu personagem na mídia e na política, o Jeca
Tatu é usado numa campanha pública de saúde, com o nome de Jeca
Tatuzinho. E, em 1927, passa a protagonizar a campanha do Biotônico
Fontoura, quando se torna nacionalmente conhecido.

24

Desde o início do século XX até a década 1970, o personagem Jeca
Tatu foi usado para justificar a necessidade se produzir um processo
modernizador e civilizador do meio rural brasileiro. O personagem foi muito
utilizado pelos discursos de políticos, de autoridades governamentais, de
21

Retira do conto “Jeca Tatu: A ressurreição” disponível em:
http://www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/bibliografialobatiana/contos1.html, site
consultado no dia 05/09/2013.
22
Retira do conto “Jeca Tatu: A ressurreição” disponível em:
http://www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/bibliografialobatiana/contos1.html, site
consultado no dia 05/09/2013.
23
Idem.
24
“Em uma terceira fase Monteiro Lobato cria a personagem Zé Brasil em 1947. O Jeca Tatu de caráter
nacional, uma busca de se retificar perante a sociedade e principalmente para esses sujeitos sociais que ele
tanto marginalizou, essa mudança se dá principalmente pelos ideais comunistas que ele vai agregando em
sua vida. A mudança de perspectiva passa a enfocar as perversões do capitalismo e da modernidade
nacionais, além dos problemas do latifúndio. Se para o escritor de 1914 o caipira era tido como uma
praga, alheio à própria terra, e em 1918 como um oprimido pelo abandono e pelas doenças decorrentes
deste, agora é a expropriação de suas terras, causadas pelo latifúndio, a principal desgraça do caipira”.
Dados disponíveis em: <http://www2.metodista.br/unesco/1_Folkcom%202009/arquivos/Trabalhos/20Folkcom%202009%20-%20Do%20Jeca%20Tatu%20ao%20Z%C3%A9%20Brasil%20%20Eliana_%20Jade_.pdf>. Site consultado do dia: 20 de outubro de 2013.

22
intelectuais, em jornais, obras literárias, cinema, inclusive por propagandas da
saúde, e medicamentos. Como vimos anteriormente, o personagem ao longo
do século sofreu algumas modificações, e mesmo assim manteve a essência
de sua personalidade, ou seja, um sujeito qualificado como “ignorante”, sem
conhecimento com o trato da terra, um urupê, segundo o próprio Lobato, que
está no caminho da modernidade.
A população caipira, em meio de vida aventureira e provisória de
existência, vive em habitações em condições precárias e usufrui da terra até
seu esgotamento ou sua expulsão dela. Então, com o avanço tecnológico,
capitalista e o aumento populacional, essa população que Monteiro Lobato
denomina em a “Velha Praga” de “caboclo”, vai sendo obrigada a afastar-se
cada vez mais para o interior brasileiro. Devido ao avanço do “progresso”, das
linhas férreas, e a valorização da propriedade, “o caboclo” vai indo se fixar nas
fronteiras agrícolas, levando com ele sua “sarcopta fêmea, esta com um filhote
no útero, outro ao peito, outro de sete anos à ourela da saia – este já de pitinho
na boca e faca à cinta”25 e ainda o “cachorro sarnento, a foice, a enxada, a
pica-pau, o pilãozinho de sal, a panela de barro, um santo encardido, três
galinhas pevas e um galo índio”26, utilizando do espírito bandeirante, abrindo
novos caminhos para o interior de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, e oeste
paulista. Em a “Velha Praga”, Monteiro Lobato descreve a figura do caipira
como sendo “um parasita, um piolho da terra”27, que praticava a cultura das
queimadas, espécie de homem seminômade, das zonas fronteiriças. Quando a
terra se exauria, esse agregado mudava de sítio, deixando os vestígios de sua
presença pela tapera e o sapezeiro.
Para Darcy Ribeiro, as páginas escritas por Lobato “revelaram às
camadas cultas do país a figura do Jeca Tatu, apesar de sua riqueza de
observações, divulgam uma imagem verdadeira do caipira dentro de uma
interpretação falsa”28

25

LOBATO, Urupês. Brasiliense, São Paulo, 25 edição. p. 141.
Idem. p. 141.
27
Ibidem. p. 141.
28
RIBEIRO, op.cit. P. 390.
26

23
Outros literatos construíram, todavia, uma imagem diferenciada do
caipira. Cornélio Pires escritor, jornalista, poeta, conferencista, do inicio do
século XX, procurou nas suas obras reproduzir o vocabulário, as músicas, os
termos e expressões usadas pelos caipiras. Numa busca para recuperar a
figura do caipira que estava sendo utilizada dentro de embates políticos e
ideológicos no Brasil, Pires procurava demonstrar a riqueza cultural da cultura
caipira do interior paulista. Ele escrevia no dialeto caipira para divulgar de
forma positiva e valorizar a cultura caipira, enfatizando a sua parte na formação
da identidade nacional. Mas, ele cria uma visão muito idealizada e romântica, o
que gerou diversas críticas, inclusive por Lobato.
Pires busca tratar o seu personagem caipira especificamente sobre o
fato de ser paulista, e como tal parte da identidade cultural de São Paulo.
Busca se posicionar contrário a visão de “Urupês” de Lobato, que como vimos
acima, é descrito no conto como um sujeito pobre, tanto material, quanto
cultural. Pires busca demonstrar a riqueza de costumes, cantos, danças e
tradições que a população caipira paulista possuía, e como ela vai influenciar a
sociedade em seu entorno, inclusive os imigrantes.
Cornélio Pires classifica o caipira dentro de grupos distintos, dentro de
um mesmo universo cultural cita o “caipira branco”; o “caipira caboclo” que vai
ser o Jeca Tatu de Lobato; o “caipira negro” e o “caipira mulato”29. Utilizando
esses termos pode englobar dentro de uma discussão diversos tipos étnicos no
universo da cultura caipira, preservando as diferenças entre os diversos grupos
sociais.
Mas, apesar desse autor ter apresentado o caipira a partir de
diversidades raciais, físicas e de ascendência, ele construiu seus personagens
sem problematizar a existência de diversidades dentro de sua divisão e de
outros grupos caipiras em outras regiões do Brasil. Pires, diferente de Lobato,
mas também carregado de estereótipos, transforma o caipira e sua sabedoria
em anedotas, algumas com críticas à sociedade, mas que geram no seu

29

Para mais informações sobre os tipos descritos ver a obra PIRES, Cornélio. Conversa ao Pé de Fogo.
São Paulo, Ottoni. 2002.

24
público alvo, os moradores de São Paulo, e em geral os moradores das
cidades, uma imagem negativa e cristalizada. Cornélio Pires criou:
Estereótipos para identificação, homogeneizando aqueles tipos
étnicos com os quais convivia para designar e generalizar
comportamentos, posturas e atitudes, enfim, a cultura do homem do
interior paulista; não considerou que haveria diversidade em outros
lugares ou mesmo dentro da classificação que propôs. Salvaguardou
a língua, o dialeto caipira ao menos. Rememorou-o em sua literatura,
aproximando seu leitor da terminologia própria que caracteriza a
variação linguística do paulista, mesmo que em forma de humor e
curiosidade.30

Ao contrário de Lobato, o caipira para Cornélio Pires tinha senso político,
e principalmente medo dos recrutamentos forçados e da dominação patriarcal.
Por isso, essas populações rurais buscavam o isolamento. O autor vai usar
disto para criticar em seus versos os costumes políticos, o coronelismo que
dominavam o sistema eleitoral vigente.
Cornélio Pires produz vários escritos, entre poesias, livros de contos,
revistas todos voltados para o universo caipira. Mas será com a organização e
divulgação da música caipira é que ele ganhará mais ênfase no cenário
nacional, tendo a cidade de São Paulo como difusora dela. A música caipira
será muito divulgada pelo rádio e posteriormente, num processo cada vez mais
rápido, será divulgada pela televisão, criando um processo de diluição das
diversas culturas brasileiras. Por interesse não somente mercadológico, mas
também político e ideológico, as mídias passam a reproduzir a música e a
cultura popular, para com isso atrair um maior público. Desse modo também
acaba gerando no público diversos tipos de estereótipos sobre os sujeitos
sociais de diferentes culturas ou um diferente modo de vida dentro das cidades.

1.3 A reconstrução do caipira

Buscando reconstruir a visão do caipira, que é utilizada pela literatura de
maneira estereotipada, temos as discussões dos escritores Antônio Cândido e
Darcy Ribeiro. Eles vão criar uma visão pessimista, onde a cultura caipira vai
30

SETUBAL, op.cit. P. 45.

25
se esfacelando devidos os avanços da tecnologia e da exploração capitalista
da terra.
Antônio Cândido, escritor, crítico literário, sociólogo e professor da USP,
produz em 1954 o livro Parceiros do Rio Bonito, abordando a vida do caipira,
especificamente em regiões do interior de São Paulo. Portanto, o termo caipira
vai ser uma designação para um tipo cultural especifico de influência da
constituição histórica do interior paulista, enquanto para ele o termo caboclo é a
concepção mais abrangente que qualifica vários indivíduos sociais de diversas
regiões do Brasil, derivados da miscigenação entre o branco e o índio:
(...) o termo caboclo é utilizado apenas no primeiro sentido,
designando o mestiço próximo ou remoto de branco e índio, que em
São Paulo forma talvez a maioria da população tradicional. Para
designar os aspectos culturais, usa-se aqui caipira, que tem a
vantagem de não ser ambíguo (exprimindo desde sempre um-modode-ser, um tipo de vida, nunca um tipo racial), e a desvantagem de
restringir-se quase apenas, pelo uso inveterado, à área de influência
histórica paulista.31

Antônio Cândido traz uma análise do modo de vida, cultural, econômico,
e religioso dos grupos caipiras por ele analisados. O caipira e sua razão de ser
estão em seu modo de ligação com o equilíbrio ecológico e social por ele
elaborado, e todo fator externo pode mudar sua estrutura cultural, inclusive
destruí-la. O caipira está ligado a determinados limites físicos (dentro dos
bairros rurais) e sociais, em certas esferas (a familiar, a religiosa, a vicinal e a
lúdica). Dentro de determinados limites se daria também à produção dos
recursos que propiciavam a sua sobrevivência, por isso as mudanças advindas
do progresso com as novas formas de exploração da terra geram mudanças
bruscas em seu modo de vida, Cândido chega afirmar que:
Mudança é o seu fim porque está baseada em tipos tão precários de
ajustamento ecológico e social, que a alteração destes provoca a
derrocada das formas de cultura por eles condicionadas. Daí o fato
de encontrarmos nela uma continuidade impressionante, uma
sobrevivência de formas essenciais, sob transformações de
superfície, que não atinge o cerne se não quando a árvore já foi
derrubada e o caipira deixou de o ser.32

31
32

CÂNDIDO, Antônio. Os parceiros do rio bonito. São Paulo, Livraria duas cidades, 1987. P. 22
CÂNDIDO, op.cit. P. 82-83.

26
Para Cândido, o processo de industrialização e de urbanização do
Estado de São Paulo intensificou as relações do campo com a cidade,
ocorrendo assim a desarticulação da economia de subsistência baseada na
vida do bairro, e na produção de multiculturas na terra, rompendo-se os laços
sociais estabelecidos. Esse processo vai gerar uma desestabilização da
ocupação da terra, gerando um movimento de mudança em direção à capital
ou às cidades mais próximas.
Com o processo de modernização e industrialização nas décadas de
1930/40/50, centenas de milhares de trabalhadores do campo migram para as
novas zonas pioneiras ou para as cidades em busca de novas terras e
trabalhos. Isso faz com que aumente o número de pessoas que morram nas
cidades. Esse processo foi continuo passando a existir mais moradores na
cidade que no campo finalmente na década de 1960.
Darcy Ribeiro antropólogo, lança em 1995, o livro “O Povo Brasileiro”,
onde buscou retomar as discussões sobre a cultura popular. O livro, segundo o
autor, levou 30 anos para ser escrito, mas a ideia de produzi-lo surgiu na
década de 1950, procurando discutir quem é o povo brasileiro e como ele se
formou a partir de uma mistura cultural e racial. Para o autor, o Brasil vai ser
marcado por uma vasta diversidade cultural que resultou, basicamente, de
fatores ecológicos, econômicos e migratórios. Tendo em vista essa grande
diversidade, ele divide o Brasil em cinco áreas culturais bastante específicas,
as quais ele denomina de brasis crioulo, caboclo, sertanejo, caipira e sulino.
Darcy Ribeiro trata o caipira como sendo um sujeito social marginalizado
e desarticulado, surgindo a partir das entradas dos bandeirantes paulistas em
busca de ouro e escravos indígenas e negros. Foi, segundo ele, no processo
de locomoção que partes dos bandeirantes se fixam criando fazendas de gado
ou de lavradores. Com a descoberta das jazidas de ouro e diamante apesar de
propiciar uma riqueza aparente, elas geraram muita pobreza, onde parte da
população morria de fome com as mãos cheias de ouro. Com o fim das jazidas
toda população das regiões Centro-Oeste, Sudeste e até mesmo do Sul entra
em um processo de “deculturação”. Nessas áreas, o sujeito social se

27
“submerge numa economia de pobreza, com a regressão cultural”33. Nessas
áreas de mineração vão ser edificadas “arraiais e cidades” que com o fim das
reservas minerais acabam estagnados e em decadências onde o comércio e as
populações sumiam com os anos entrando em desequilíbrio. Para se chegar ao
equilíbrio dessas regiões vai surgir segundo Darcy Ribeiro:
O equilíbrio é alcançado numa variante da cultura brasileira e rústica,
que se cristaliza como área cultural caipira. É um novo modo de vida
que se difunde paulatinamente a partir das antigas áreas de
mineração e dos núcleos ancilares de produção artesanal e de
mantimentos que a supriam de manufaturas, de animais e serviço e
outros bens. Acaba por esparramar-se, falando afinal a língua
portuguesa, por toda a área florestal e campos naturais do centro-sul,
desde São Paulo, Espirito Santo e estado do Rio de Janeiro, na
costa, até Minas Gerais e Mato Grosso, estendendo-se ainda sobre
áreas vizinhas do Paraná. Desse modo, a antiga área de correrias
dos paulistas velhos na preia de índios e na busca de ouro se
transforma numa vasta região de cultura caipira, ocupada por uma
população extremamente dispersa e desarticulada. Em essência,
exaurido o surto minerador e rompida a trama mercantil que ele
dinamizava, a Paulistânia se “feudalizava”, abandonada ao desleixo
da existência caipira.34

Ribeiro em oposição a Lobato descreve o caipira como um sujeito
independente que dentro de sua rede de relações (os bairros) 35, consegue
sobreviver e produzir o suficiente para manter os “enfermos, débeis, insanos e
dependentes produtivos”36. Apesar de a sua base cultural estar sendo
desintegrado com os avanços de novas formas de exploração agrícola, o
caipira

ainda

constitui

uma

grande

camada

populacional

brasileira

marginalizada servindo de reserva de mão de obra para as grandes lavouras
de café.
Darcy Ribeiro não vai descrever a cultura caipira com muitos detalhes.
Para ele a questão em torno da cultura caipira foi bem trabalhada por Antônio
Cândido. Ribeiro classifica a importância da especificidade que o caipira tem
dentro da formação cultural brasileira, deixando bem claro que o caipira é um
33

RIBEIRO, op.cit. p. 366
RIBEIRO, op.cit. P. 383.
35
Os bairros são a forma de organização de grupos caipiras, onde a solidariedade com o seu
companheiro de bairro e bem presente, para uma melhor discussão ver: CÂNDIDO, Antônio. Os
parceiros do rio bonito. São Paulo, Livraria duas cidades, 1987.
36
RIBEIRO, op.cit. P. 385.
34

28
homem do campo especifico de uma região brasileira e que não deve ser
confundido com o sertanejo. O caipira para o autor vive na economia de
subsistência completada por algumas criações domésticas, como galinha,
porco e vaca leiteira, o que surgiu devido a vários fatores econômicos,
ecológicos, migratórios e históricos, que se desenvolveu nas regiões Sudeste e
Centro-Oeste, atingindo também algumas regiões do Paraná. Ao contrário do
sertanejo, que tinha uma economia voltada a atividades de pastoril e criação de
gado para o mercado interno, original do sertão nordestino, apesar de,
posteriormente, tivesse migrado para a região Centro-Oeste.
Com a difusão desse sistema novo, os caipiras vêm desaparecendo, por
se tornarem inviáveis as formas de solidariedade que a comunidade possuía,
passando a ser substituídas por relações comerciais. Tudo passou a ser
comprado, as suas artes artesanais, os tecidos, os utensílios que antes eram
produzidos em casa, passaram a ser parte da lógica capitalista do campo e da
cidade. O golpe final na vida do caipira tradicional que acaba por marginalizálos e levá-los a migrar para as cidades definitivamente se dão com a ampliação
do mercado urbano de carne, e como consequência a necessidade de explorar
as áreas mais remotas e de terras pobres ou ricas para a criação de gado. A
partir de então, os roçados que ainda lhes pertenciam, por não ter valor para a
produção do café ou posterior do milho e da soja passam a servir para o plantio
de capim para o gado. Como consequência tira o caipira de seu modo de vida,
incorporando os que insistiram em ficar na terra ao sistema de pastoreio.
Esse pessimismo dos dois autores em relação à sobrevivência da
cultura caipira não é somente do resultado apenas da constatação real dos
fatos, mas também de uma relação de imposições arbitrarias, advindas do
processo de modernização das cidades e do campo e das políticas
governamentais que excluíram esses sujeitos do cenário sociopolítico
brasileiro. Com essas imposições que a cultura caipira sofreu leva o indivíduo a
mudar seus hábitos, mas sem que isso signifique a perda da sua identidade
cultural.
A cultura caipira vai ser absorvida no século XX pela mídia e alguns
escritores para perpetuar tanto a tradição cultural do interior do Brasil, quanto
29
lucrar com visões estereotipadas e muitas vezes fora do contexto real da
cultura popular. Além da literatura, já abordada nesse capítulo, as mídias
icnográficas como a música, a pintura, o cinema e os quadrinhos vão trabalhar
com a imagem do caipira. Dentro deste contexto vão surgir várias figuras de
renome nacional. Primeiramente temos as pinturas de Almeida Júnior que
retratam a população do interior brasileiro no final do século XIX, temos
também Nhô Quim, primeiro personagem das histórias em quadrinhos do Brasil
produzido por Ângelo Agostini. No século XX temos o inesquecível Amacio
Mazzaropi, figura histórica do cinema nacional, e na década de 60 a grande
figura que vai encantar crianças e adultos o Chico Bento de Mauricio de Sousa.

30
Capítulo 2: O caipira Chico Bento.

2.1 Mauricio de Sousa: Autor e obra.
Na década de 60, as histórias em quadrinhos americanas chegavam ao
Brasil por um preço muito abaixo daquele do mercado nacional. Nesse
processo muitas revistas nacionais não encontravam parâmetros para uma
competição mercadológica. Vão ocorrer no Brasil nesse período profundas
transformações políticas e sociais.
O período vai ser de uma fase de transição. No campo ocorre uma
grande imigração populacional rumo às cidades fazendo com que o número da
população urbana fosse maior que a rural. Também ocorre na década de 60
uma grande mobilização social com os movimentos das ligas camponesas com
pautas como a reforma agrária, o movimento estudantil com caráter de
reivindicações educacionais entre outros grupos organizados como sindicatos e
outras organizações sociais. No meio dessa efervescência ocorre o golpe civilmilitar de 1964 que transforma o cenário político e social no Brasil, com a
implantação de um regime civil-militar autoritário. Será nesse cénario de
efervecencia cultural e politica que surgirá uma nova representação do caipira
será agora sobre os traços do quadrinista Mauricio de Sousa.
Mauricio de Sousa nasceu em Santa Isabel, São Paulo, no dia 27 de
outubro de 1935. Ele vai produzir em sua carreira mais de 500 personagens, e
dentro deles 50 são bem expressivos representativos de diferentes setores
sociais brasileiros e alguns internacionais. Diferente de outros autores inova o
mercado de produções, trazendo para o Brasil o modo de distribuição no
formato dos Syndicates americano. Nesse modelo as histórias em quadrinhos
sairiam publicadas em vários jornais.
Em 1959, aos 24 anos, trabalhando ainda como reporter policial,
Mauricio de Sousa vai publicar seu primeiro personagem, O Cãozinho Bidu no
jornal Folha da Manhã. Durante 10 anos suas tiras vão passar a ganhar novos
personagens passou a atingir vários outros jornais. Vão surgir as histórias, no

31
formato de tiras, do Cebolinha, Piteco, Chico Bento, Penadinho, Horácio,
Raposão, Astronauta, cheio de humor e voltado para diferentes públicos e
questões sociais.
Com a fama e uma maior necessidade do mercado, ele buscou ainda
na década de 60 montar uma equipe que lhe ajudasse a produzir, sob sua
supervisão, as histórias em quadrinhos. Na década de 70, o projeto só vem a
ampliar com as histórias em quadrinhos, que passam a ser publicadas em
revistas pela parceria entre Mauricio de Sousa e Editora Abril. Essa parceria
perdurou até 1986. O sucesso foi tão grande que logo chegaram ao mercado
diversos produtos como lápis, canetas, roupas, roupas de cama, xampus,
brinquedos que trazem estampados os personagens de Mauricio de Sousa. Na
década de 80, outro problema atingem as produções das revistas em
quadrinhos: a invasão dos desenhos animados, principalmente os japoneses,
que retiram uma grande fatia do público leitor. Juntamente com a crise
financeira ocorrida nessa época, os quadrinhos do Mauricio somente entram
para o universo da animação na década de 90.37

2.2 – Chico Bento e sua turma.

Para entender o universo do Chico Bento é preciso analisar como cada
personagem vai ser inserido na história e quais são os seus papéis sociais, o
que gera o caráter social e estereotipado do Chico Bento, para tal serão
discutidos os seguintes personagens: Zé da Roça; Hiro; Rosinha; Zé Lelé;
Padre Lino; Mariana, Dona Marrocas, avó Dita; Bento e Cotinha; Primo Zeca;
Genesinho. Há outros personagens secundários, mas serão esses citados que
vão ter maior ênfase na construção de uma representação histórica dentro da
sociedade e de relevância para a discussão em torno do caipira Chico Bento.
Francisco Bento foi criado por Maurício de Sousa em 1961. Seu
aniversário é comemorado em 1° de julho. Ele tem 7 anos de idade assim
como a maioria dos principais personagens desse autor, Chico Bento surgiu
37

Dados disponíveis em: <http://www.tvsinopse.kinghost.net/art/m/mauricio-de-sousa.htm> Site
consultado na data: 02/10/2013.

32
como coadjuvante dentro das histórias “Hiroshi e Zezinho”, no jornal Diário de
S. Paulo. Ele sempre está vestido com uma calça azul quadriculada, camiseta
amarela, chapéu e costuma andar descalço, exceção quando vai visitar
familiares na cidade, nos dias chuvosos, quando vai à missa aos domingos,
quando vai namorar Rosinha ou a festas. Sobre a vestimenta fica bem clara a
utilização das cores para simbolizar a brasilidade do Chico Bento, o azul e
amarelo da bandeira do Brasil. Chico Bento possui como sua maior
característica a linguagem caipira, de que voltaremos a falar mais a frente.
Na figura 1 se têm alguns exemplos das diferentes representações do
personagem Chico Bento, das mudanças que o personagem sofreu durante os
diferentes períodos em que ele foi produzido. Inicialmente ele era representado
como um garoto bem magro, onde os pés descalços são bem enfatizados.
Notam-se os traços bem delineados dos pés do Chico Bento e uma falta de
preocupação com outros detalhes. Fechando o conjunto o personagem usa
uma roupa esfarrapada e com remendos, um chapéu de palha bem gasto, o
galho de arruda na cabeça para espantar o mau olhado e o penduricalho no
pescoço. Chico Bento foi construído assim para simbolizar a pobreza da vida
do caipira, com alguns traços que representam a vida social do sujeito como a
religiosidade, tão presentes no universo caipira. A mudança para um
personagem mais infantil ocorreu, pois o personagem era inicialmente
destinado para um público adulto, voltado para discutir problemáticas da terra
de maneira cômica nas tiras do jornal Diário de São Paulo, ao lado dos
personagens Zé da Roça e Hiroshi.

33
Figura 1 Chico Bento e suas diferentes versões38

O personagem Zé da Roça é um dos primeiros criados por Maurício de
Sousa. Surge em 1961 em tirinhas no Diário de São Paulo com nome de
“Hiroshi e Zezinho”. Acaba perdendo espaço para o personagem secundário
Chico Bento, segundo o relato do Mauricio de Sousa, que considerava o Chico
Bento “mais interessante do que os dois primeiros muito certinhos”39, Zezinho
com o tempo tem seu nome modificado para Zé da Roça. Recentemente o
38

Imagem retirado do site:
http://www.getback.com.br/Monica/Evolucao%20dos%20personagens/evolucao%20personagens.htm.
Site consultado no dia 02/10/13
39

SOUSA, Mauricio de. In http://www.guiadosquadrinhos.com/personbio.aspx?cod_per=469. Site
consultado no dia 05/10/13.

34
autor para dar nome aos personagens revela o seu nome oficial, que é José
Augusto Oliveira. O personagem também vai ter sete anos de idade, usa um
chapéu de palha e botas o que distingue dos personagens caipiras que andam
descalços. O personagem não fala o “caipirês”, pois ele não representa o
caipira nas histórias, apesar de ter uma vestimenta típica do campo, isso fica
bem visível comparando-se com a primeira tira em que o Chico Bento aparece.

Figura 2 Chico Bento em sua primeira aparição40

A caracterização do personagem Chico Bento é bem diferente do
personagem Zé da Roça. Isso fica visível na própria vestimenta dos
personagens: Zé da Roça se apresenta utilizando sapatos, e roupas em bom
estado a o contrario do personagem Chico Bento, que está de pés descalços,
com roupas remendadas e rudimentares, usando um chapéu de palha bem
velho.
Nas histórias apresentadas nos balões também não vão ser diferentes
as falas e a mentalidade de ambos. As tirinhas do Zé da Roça também vão ser
publicadas na revista chamada “Coopercotia”41,

voltada para o público do

campo e principalmente ao agricultor associado a essa cooperativa, o que
também vai enfatizar a representação de um agricultor, não a de um caipira.
Nesse mesma tira a história apresentada diz respeito a um dos problemas
sociais em discussão na época, a questão da reforma agrária. Por ser voltada
40

Imagem retirada do site: http://www.mundohq.com.br/site/detalhes.php?tipo=5&id=297. Site
consultado no dia 02/10/13.
41
Essa cooperativa surge em São Paulo na década de 1920 dentro dos grupos de imigração Japonesa
atuando até 1994 quando entra em falência. Dados disponíveis em:
<http://nikkeypedia.org.br/index.php/CAC-Cooperativa_Agr%C3%ADcola_de_Cotia> Site consultado na
data: 24/11/2013.

35
para um público adulto a questão pode ser bem problematizada no quadrinho,
e Chico Bento, por representar o lado pobre da sociedade, fez com que a
questão se tornasse bem enfatizada: primeiro sua ignorância sobre o assunto,
e depois pela sua ação em buscar de maneira “cômica” de fazer doações de
porções de terra dos seus amigos, uma vez que ele próprio não possuía terra.
Essa discussão da reforma agrária foi muito debatida na década de 60.
Nesse período ocorreu um processo de discussão intelectual como Caio Prado
Júnior, Darcy Ribeiro, Alberto Passos Guimarães em torno das questões
agrárias. Essas discussões buscavam soluções para o problema agrário
brasileiro.
“Para Caio Prado Júnior, a solução da questão agrária deveria
significar a realização de uma reforma agrária que modificasse as
condições existentes no campo brasileiro e possibilitasse a elevação
do padrão de vida humano da população trabalhadora do campo”42

Além das discussões intelectuais ocorre a criação do estatuto da terra
em 1964, composto de 128 artigos que regulamenta os fins de execução da
reforma agrária, delimita as taxas de impostos sobre a terra, os investimentos,
a regulamentação da posse e quem fiscaliza as terras43.
Na figura 1 e 2 também e possível notar a representação de outro
personagem o “Hiroshi”. Esse personagem surge conjuntamente com o Zé da
Roça nos quadrinhos “Hiroshi e Zezinho”. Ele é um nissei, descendente de
japonês. Mauricio de Sousa possivelmente deve ter criado o personagem
inspirado na grande quantidade de imigrantes orientais que São Paulo possuía
devido à grande imigração que ocorreu no início do século XX, principalmente
as que se dirigiram para o campo, e por sua própria família possuir alguns
representantes dessa população. Seja como for, o personagem não tem
nenhuma característica do campo, apesar de sua família viver na Vila
Abobrinha e sobreviver do campo, mantendo as tradições orientais veio da
cidade grande, provavelmente de São Paulo, para o campo. Não é um
personagem de humor como os demais, mas tem sua importância por estar
42

SILVA, Ricardo Oliveira da; WASSERMAN, Claudia. A questão agrária brasileira (1950 -1960): A análise
histórica de Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior. Disponível em:
<www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=102>. Site consultado na data: 24/11/2013.
43
Dados disponíveis em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4504-30-novembro1964-377628-normaatualizada-pl.html> Site consultado na data: 24/11/2013.

36
representando essa população descendente dos imigrantes japoneses. Outra
característica importante do personagem é seu bom português, talvez como
consequência de imposições dos governos em se estudar somente o português
nas escolas. Sua vestimenta é uma das características que comprovam sua
vida na cidade, Hiro veste uma camiseta pólo branca e um boné, tendência do
estilo urbano. Mauricio de Sousa vai produzir outros personagens orientais,
mas aparecem em poucas histórias da turma da Mônica. O seu nome também
sofreu alteração recebendo uma simplificação, passando de Hiroshi para Hiro,
e recentemente tem seu nome completo divulgado Hiroshi Yoshida Takahashi.
Esses dois personagens que surgem antes mesmo do Chico Bento, não
possuem uma relação cômica com a história, muitas vezes é eles que vão dar
uma resolução para os problemas que a turma cria ou nas quais se envolve. Zé
da Roça e Hiro se tornam a consciência da turma do Chico Bento, e também
representam outro lado do universo do campo, Zé da Roça um caipira em
transformação que possui uma grande inteligência e não fala mais o “caipirês”,
um sujeito que deixou de lado suas características caipiras, pelo contato com a
modernidade cada vez mais presente no interior brasileiro. Enquanto isto o Hiro
está representando a imigração de estrangeiro para o campo em especial a
imigração japonesa que foi bem comum no Brasil.

2.2.1 – O processo de transformação dos personagens.

São cinquenta anos de criação dos principais personagens de Mauricio
de Sousa e durante processo alguns dos personagens vão sofrer diversas
transformações, ou por necessidade de atingir diferentes públicos, ou por
causa das relações sociais e políticas envolvidas durante o processo de
publicação. Os personagens vão sofrer transformações visuais com o
melhoramento das técnicas de criação, “Os cinco grandes: Mônica, Magali,
Cascão Cebolinha e Chico Bento” de Mauricio de Sousa desde seus primeiros
traços vão ganhar diferentes formas e roupagem até atingir os modelos que
hoje são publicados. Mas são dois personagens que vão sofrer grandes
transformações: a Tina e o Chico Bento.
37
Tina foi a personagem de Mauricio de Sousa que mais sofreu alterações
durante os anos. Ela surgiu em 1964 e vai ser publicada dentro das histórias da
Turma da Mônica, baseado também em suas filhas adolescentes, na onda
hippie que ganhou grande força nos Estados Unidos com o slogan “paz e
amor” a filosofia de contracultura, que se espalhou pelo globo chegando a
influenciar movimentos culturais no Brasil. Ela surgiu como personagem
secundária nas histórias do seu irmão Toneco, mas aos poucos acaba se
tornando a personagem principal e seu irmão acaba desaparecendo das
histórias. Tina, representando inicialmente uma criança hippie, ligada aos
problemas familiares, passando depois para uma adolescente. Nos anos 70
com a decadência do movimento hippie Tina sofre mais uma alteração,
deixando de lado seu lado hippie passando a se preocupar com os problemas
que um jovem adolescente enfrenta. Os personagens familiares desaparecem
e surgem novos que vão estar ligados aos problemas adolescentes.
Outra curiosidade da personagem é sua relação com o trabalho. Tina já
foi uma vendedora de badulaques em sua fase hippe nos anos 70, uma
vocalista de banda de rock em 1972, uma joqueta em 1976, uma entrevistadora
em 1977, uma modelo em 1981, uma cozinheira em 1984, uma cabelereira em
1990 e até o momento já teve pouco mais de 65 profissões44. Atualmente Tina
é representada como jornalista, num estereotipo de modelo feminino atual:
magra, cabelos lisos, bonita.

44

Dados disponíveis em: http://turmadamonica.uol.com.br/mauricio/cronicas/cron171.htm. Site
consultado no dia 07/10/2013

38
45

Figura 3 Evolução da Tina

Chico Bento que inicialmente era um personagem secundário nas
histórias de “Hiroshi e Zezinho”, tem as características que podemos ver na
imagem abaixo:

Figura 4 primeiras representações do personagem Chico Bento nas histórias de Hiroshi e Zezinho46

Na imagem e possível notar a diferença de construção entre o
personagem Zezinho e o personagem Chico Bento que apresenta várias
características estereotipadas em torno do caipira. Primeiro, seu grau de
pobreza, demonstrado pelos seus pés descalços bem desenhados, sua calça
remendada e um chapéu de palha bem gasto, em segundo lugar Chico
45

Imagem disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tina_(Mauricio_de_Sousa). Site consultado no
dia 07/10/2013.
46
Imagem disponível em: http://filmesemquadrinhos.blogspot.com.br/2013/06/especial-chicobento.html. Site consultado no dia: 01/11/2013.

39
também representa as crendices populares da população do campo, na
imagem ele apresenta o galho de arruda atrás da orelha, que segundo a
crendice popular serve para espantar o mal olhado, e também a presença do
penduricalho religioso que simboliza a sua ligação com o catolicismo. Podemos
ver sua mudança a partir da imagem abaixo:

Figura 5 Chico Bento na cidade47

O quadrinho acima demonstra outro Chico Bento se comparado com a
figura 4. Suas características físicas são totalmente diferentes: o personagem,
encolheu, ganhou uma aparência mais infantil, e bem menos pobre como
aparenta a primeira representação do Chico, suas roupas também mudaram,
ganhando uma calça quadriculada azul, e uma camiseta amarela, simbolizando
duas cores da bandeira brasileira, demonstrando assim um tom de
nacionalidade ao personagem. No caso do quadrinho acima, Chico Bento está
usando um casaco quadriculado azul combinando com a calça e botas. Essas
duas partes da vestimenta não são comum ao personagem, pois ele só
47

SOUSA, Mauricio de. Chico Bento. São Paulo: Ed. Abril, 1986. Pg. 4.

40
apresenta esse tipo de roupagem em eventos especiais que ocorrem no campo
ou, como no caso desse quadrinho, quando ele vai a cidade visitar seu primo.
Ainda sobre este quadrinho outro ponto importante que ele apresenta é
a utilização de armas de fogo. A utilização da arma de fogo nos quadrinhos do
Chico Bento é bem enfatizada nas histórias que ocorrem no campo,
principalmente ligadas a personagens que buscam caçar animais, ou então em
vigiar sua plantação contra os “furtos” que as crianças fazem em suas
plantações. Nesse período, a criança era vista de forma diferente do que nos
dias atuais, não se via nada estranho no fato de uma criança de 7 anos como o
Chico Bento segurando uma arma de fogo. Estas concepções claro vão se
alterar durante os anos, vão ocorrer mudanças de incentivo ao desarmamento
e de não incitação a violência, principalmente para as crianças.
Essas concepções vão alterar essas representações de violência e de
exposições de armas nos quadrinhos do Chico Bento, desaparecendo a
utilização de qualquer tipo de arma. Mas, vão ter ainda algumas exceções em
casos específicos onde demonstram o lado ruim da utilização ou contra algum
tipo de caçador, já que as revistas do Chico Bento buscam o lado de defensor
da natureza. O uso de armas de fogo é das tradições e uma necessidade para
o povo do campo, e se falar na população caipira que muitas vezes precisavam
caçar para poder ter o que comer. Está é uma representação que as histórias
do Chico Bento deixam de representar. Na década de 1990 com as políticas de
censura de conteúdo violento ou que ínsita a violência para as crianças e
adolescentes o personagem passa de deixar de interagir com mais frequência
com armas de fogo.

2.2.2 – O caipira como sujeito ingênuo, literal, preguiçoso e humilde.

Com a análise das revistas pode se perceber que o personagem Chico
tem várias características humanas, mas sempre ligados a figura do “bom
moço”. Ele foi representado como um menino carinhoso, prestativo,
conservador, apegado à família, com humor instável e sentimental. Ele é

41
apresentado com certa ingenuidade e literalidade, ou seja, na maioria das
histórias ele foi caracterizado como menino sem malícias, que compreende
tudo ao pé da letra. Essa característica é bem enfatizada em suas primeiras
aparições, mas esse conceito de literalidade no Chico Bento foi aos poucos e
com o passar dos anos mudando. Ele não vai deixar de ser um sujeito literal,
mas para contrapor essa característica existente no Chico Bento vai ser criado
um novo personagem o seu primo o Zé Lele.
O personagem Zé Lelé tem por nome José Leucádio da Cunha Bento
Filho, tem 7 anos de idade, é primo do Chico Bento. Maurício de Sousa se
inspirou para criar o Zé Lelé no irmão gêmeo de seu tio avó. Foi criado em
1974 como personagem secundário nas histórias, mas por sua personalidade
acaba se tornando, usando os termos dos quadrinhos, o “Robin para o
Batman”, o seu escudeiro nas suas aventuras. Zé Lelé também fala o caipirês e
usa chapéu de palha, mas ganhou maior fama pela sua falta de inteligência,
por isso o apelido “Lelé”. De certo modo, a aparição do personagem acaba
tirando o foco que antes pertencia ao Chico Bento em relação à inteligência.
O Zé Lelé também representa o caipira, mas é apresentado muito mais
caracterizado na questão da ignorância, como sendo um sujeito que não possui
condições de resolver problemas considerados simples, um sujeito literal em
excelência tomando tudo ao “pé da letra” e isto acaba causando aos outros
personagens um grau de irritação tornando cômicas as histórias do Chico
Bento. Assim como seu alto grau de ingenuidade, caindo sempre nas
conversas e piadas dos colegas, esse problema será muito comum na
caracterização criada por Monteiro Lobato no Jeca Tatu, o que demonstra uma
grande carga de preconceitos definidos da visão que o Mauricio de Sousa
possui em relação ao caipira.
Outro ponto apresentado pelo Maurício de Sousa é a preguiça, como
visto no quadrinho abaixo. Essa característica é a que mais se aproxima da
construção feita por Monteiro Lobato. Nos quadrinhos do Chico Bento têm-se
algumas representações características. A primeira, ao ser representado no
personagem está ligada à sua vontade de não trabalhar, de não ir a escola.
Assim, o pesquisador Waldomiro Vergueiro afirma que Chico Bento é um
42
“menino caipira baseado no Jeca Tatu de Monteiro Lobato” 48. Apesar de muitas
características serem similares, principalmente no Chico Bento representado
nas suas primeiras publicações, esse argumento foi desmentido pelo próprio
Mauricio de Sousa que relata que seu personagem foi inspirado em seu tio avô,
e sua aproximação com Lobato foi uma coincidência, pois ambos são
produzidos no vale do Paraíba49.

Figura 6 Representação da preguiça50

A segunda representação da preguiça está mais vinculada a questão da
vida no campo, por ser considerada uma vida diferente da cidade, um modo
vida calmo e pacato, onde tudo é realizado sem pressa. Uma representação
possível é como ocorre na imagem acima onde o pescar, o trabalhar, o estudar

48

VERGUEIRO, Waldomiro. In CORIO, Maria de Lourdes Del Fáveri. O personagem “Chico Bento”, suas
ações e seu contexto: Um elo entre a tradição e a modernidade. Marília-SP. 2006. Pg. 125
49
CORIO, Maria de Lourdes Del Fáveri. O personagem “Chico Bento”, suas ações e seu contexto: Um elo
entre a tradição e a modernidade. Marília-SP. 2006. Pg. 127
50
SOUSA. Mauricio de. Chico Bento. São Paulo, Ed. Globo: 2003. N° 423.

43
e até desenhar os quadrinhos é preguiçoso. É um modo de vida totalmente
oposto as cidades que sempre são representadas nos quadrinhos do Chico
Bento muito movimentadas cheias de pressa. Isto é possível notar na figura 5,
onde os personagens urbanos são representados correndo em busca do
transporte público.
Além dessa identificação, foi possível notar alguns aspectos de sua vida
e sua relação com o campo para representar algumas concepções de modo
pejorativo como: um genuíno representante da vida rural; não se preocupa com
a “moda”; sua escola é a tradicional; seus maiores amigos são seus animais de
estimação; ele dança nas festas juninas; não é consumista; trabalha na roça;
preserva a simplicidade; canta moda de viola; está sempre pronto a ajudar as
pessoas que dele necessitem; gosta de pescar, isso é bem enfatizado, pois foi
possível ver uma grande quantidade de capas que ilustram uma pescaria.
Apesar de todas essas formas fazerem parte do meio de viver na roça, não é
representação de todos os modos de viver, da cultura do caipira, pois não são
todos que cantam moda de viola ou que não gostam de consumir ou se vestir
bem. A maioria dessa população tem esse estilo de vida, pois não possuem
outro meio de sobrevivência.
Dentro das características apresentadas pelo personagem Chico Bento
destaca-se a concepção de humildade, e a falta de ambição que são dois
fatores recorrentes do personagem. Maurício de Sousa poderia ter pensado
nessa representação por dois motivos. O primeiro para representar a forma de
vida difícil e sem mudança que a população caipira sofre e com isso não
buscam os bens materiais. O segundo motivo talvez se coloque na oposição à
vida urbana e ao consumismo. Sobrevivem mais voltados para o dia-a-dia,
encontrando felicidade e paz com o básico para a sobrevivência. De certo
modo os dois motivos fazem sentido dentro do universo caipira. Porém a
população caipira não é estagnada ela sofre mudanças e constantemente se
interage com o universo capitalista. Essa representações apesar de fazer parte
de uma parcela dessa população é uma visão estereotipada e generalizada,
pois não fazem parte de todos.

44
2.2.3 – A educação brasileira no campo representado nas histórias do
Chico Bento.

O tema escola e bem recorrente nas histórias do Chico Bento, ao
contrário das histórias da Turma da Mônica que raramente apresentam algo
ligado a educação. A partir da análise das revistas pode se chegar a algumas
considerações sobre o porquê da necessidade de representar a escola no
campo.
Primeiramente podemos pensar sobre a questão da linguagem caipira, e
como ela é vista como problema que precisa ser resolvido. Isso fica bem visível
na representação da figura 7 abaixo. Nessa história temos a representação do
nervosismo da professora com o modo de falar “errado”. Dentro das normas
cultas brasileiras, e durante o desenrolar da história ocorre a busca do Chico
em tentar melhorar seu português com auxílio dos colegas e dos pais, mas ele
acaba notando que todos falam igual a ele e que não serão eles que poderão
ajuda-los. Chico Bento, por fim, passa a estudar nos livros e durante a aula
demonstra a mudança falando um português culto dentro das normas dando
alegria para a professora.

45
51

Figura 7 Chico Bento na escola

Um segundo ponto sobre o porquê das escolas aparecerem nas
histórias do Chico Bento, diz respeito à questão da própria realidade de ensino
no campo, principalmente durante as primeiras décadas de publicação das
histórias do Chico Bento. Isso também ocorre ainda hoje, um fator comum
principalmente nas cidades do interior. A educação no campo é bem precária, a
uma grande falta de professores, os mesmos tem a de ensinar mais de uma
matéria, a também uma grande falta de estrutura, faltando desde livros
didáticos, funcionários, cadeiras para os alunos até mesmos os prédios
escolares. Pensando nesse cenário social e bem presente dentro das relações
sociais da população caipira é possível pensar que foram esses os motivos das
representações do universo escolar nas histórias do Chico Bento.
Sobre a educação não podemos deixar de falar da personagem Dona
Marocas. Este personagem é imprescindível para nossa leitura da realidade
escolar das histórias. Ela protagoniza, praticamente, todas as histórias que
envolvem situações escolares. A personagem é a professora da Vila

51

SOUSA. Mauricio de. Chico Bento. São Paulo, Ed. Abril, 1985. Pg. 3-7.

46
Abobrinha. Quando Dona Marocas surgiu, era uma professora velha, que
distribuía broncas, bem no estilo de ensino tradicional, com regras e punições
para os alunos.
Isso podemos ver no exemplo da figura 6, onde a professora busca
castigar o aluno por não falar um português correto. Maurício de Sousa talvez
representa neste personagem a sua visão sobre o processo educacional no
Brasil, mas enfatizado com as características da educação no interior do Brasil,
por isso a personagem sofre mudanças físicas durante o processo, ganhando
um par de óculos tradicionais e um coque no cabelo, com uma metodologia de
ensino diferente.
Um dos problemas enfrentados pela professora e muito comum no
ensino brasileiro é a negação do aluno em estudar. Isso fica visível na falta de
“pressa” dos alunos, assim como também a falta de interesse pela
aprendizagem. Contudo, não será em todas as histórias que isto vai acontecer.
Vai haver momentos em que a relação do personagem Chico Bento com a
educação busca um sentido diferente como no caso das datas comemorativas,
das questões religiosas e da família. O personagem acaba deixando de lado
sua realidade de um aluno que não liga para o ensino tirando sempre notas
baixas, para um aluno completamente conhecedor do conteúdo digno de uma
nota dez.

2.2.4 – A linguagem caipira.

A língua utilizada pelo personagem Chico Bento e pela maioria dos
personagens que representam a o modo de vida caipira é o “caipirês” uma das
principais marcas das histórias em quadrinhos do Chico Bento. Todas as falas
de Chico Bento são escritas de maneira a ferir propositalmente a ortografia.
Maurício de Sousa utiliza desse recurso para transportar o leitor ao contexto
rural, mas mais especificamente para o mundo caipira.
O “caipirês” apresentado pelo personagem Chico Bento possui em mais
de 50 anos de sua existência algumas transformações. Durante as suas
47
primeiras publicações o personagem possui uma fala muito mais complexa.
Para um público leitor e leigo, o modo de falar do caipira chega a ser
incompreensível, exigindo um esforço do leitor para entender o que o
personagem está falando. Com a mudança de público leitor, e por diversas
críticas recebida por outros intelectuais, que ocorreram principalmente durante
a ditadura civil-militar “O Chico Bento era para ser proibido de ser publicado, ou
ele tinha de falar o português correto”52. Sousa adapta a língua caipira para
uma forma mais simplificada, assim as crianças poderiam entender facilmente
as falas do Chico Bento.
Vários escritores, escrevendo sobre o caipira vão se utilizar da fala do
caipira para satirizar esse morador do campo. Nos quadrinhos do Chico Bento
isso também e percebido, principalmente quando o personagem entra em
contato com pessoas da cidade onde as relações socioculturais são diferentes.
Mauricio de Sousa traz a fala do caipira para o personagem, e demonstra-o da
mesma forma que o português de norma culta, ou seja, as falas em “caipirês”
não são sublinhadas ou grifadas para distinguir da norma culta brasileira, o que
demonstra que ele entende que a fala do personagem é uma realidade social
de grupos específicos que vivem nas regiões de São Paulo. Apesar disso,
como podemos ver na figura 6, a uma busca de demonstrar que a língua
caipira precisa ser eliminada por estar fora dos padrões da norma culta.
Segundo Darcy Ribeiro, a língua caipira vai ser uma miscigenação da
língua e modo de falar dos indígenas com o português; assim o caipira vai
adquirir dos indígenas suas dificuldades com a fala, por exemplo, “em articular
o ‘lh’ o que fazia a pronúncia não soar como deveria. Por isso, colher se
transformou em ‘cuié’ e mulher em ‘muié’” 53. Esse tipo variação da linguagem
vai se adaptar e existir dentro de uma determinada cultura a partir do momento
em que ocorre um isolamento de grupos sociais que estavam integrados dentro
de uma lógica social mais abrangente.

52

Entrevista concedida ao programa “Agora e Tarde” do apresentador Danilo Gentili na data de
19/04/2013. Disponível: <http://www.youtube.com/watch?v=BAKEYURkxiY> Site consultado na data.
25/11/2013.
53
RIBEIRO, op.cit.

48
Com esse isolamento esse grupo social vai produzir e adaptar o meio
para suas formas de sobrevivência, isto vai incluir a língua dessa população.
Quando esse fenômeno ocorre em larga escala e durante um longo período de
tempo essas populações vão acabar adquirindo tantas características próprias
que será difícil que grupos sociais antes unidos possam se compreender. Nos
casos em menor escala e de menor duração esse fenômeno não chega a se
completar.

As

características

dos

grupos

apesar

de

apresentarem

diferenciações ambos conseguiram entrar em comunicação, passando assim a
romper o processo de diferenciação sociocultural 54. Com essas considerações
é possível afirmar que a fala do personagem Chico Bento é a representação da
língua caipira uma variação linguística da língua portuguesa e que está possui
uma construção sociocultural dentro da história brasileira.

2.2.5 – A religiosidade no universo caipira.

As histórias do Chico Bento trazem uma importante discussão sobre o
mundo religioso que raramente vai aparecer nas histórias em quadrinhos
voltadas para o universo infantil. As representações religiosas são voltadas
para o universo do catolicismo. As questões religiosas vão aparecer em dois
aspectos importantes dentro da história. A primeira na formação do próprio
nome do Chico Bento. A segunda na representação do personagem padre
Lino.
O nome de um personagem já é uma parte importante para identificar as
características do personagem, será o nome que indicará os conteúdos
ideológicos e estéticos do personagem. Mauricio de Sousa é um grande
exemplo desse tipo de construção, podemos citar alguns exemplos de seus
personagens, entre eles temos, o “Teveluisão” um personagem fanático por
televisão, temos também o “Cebolinha” um personagem com cara de cebola,
ou então o “Louco” personagem maluco que comete todo tipo de loucuras. O
Chico Bento também é um personagem muito ligado ao seu nome, e o nome
dele podemos dividir em duas representações.
54

Adaptado do site: <http://www.aldobizzocchi.com.br/artigo52.asp> Site analisado na data:
24/11/2013

49
A primeira parte do nome “Chico” é o apelido do nome real dele que é
Francisco, esse nome é derivado de São Francisco de Assis. Em uma das
histórias do Chico Bento se apresenta a história de seu nascimento e como a
representação do próprio Francisco de Assis vai auxiliar a família Bento a
chegar ao cartório para dar nome ao seu filho, e por essa ajuda inesperada a
família Bento coloca o nome de Francisco Bento. São Francisco de Assis foi
santificado pela igreja católica como o maior exemplo de humildade humana
que já viveu na terra. É a partir desta representação de humildade que São
Francisco possui que vai ser construída a representação do personagem Chico
Bento. Sobre o seu sobrenome “Bento”, que significa algo ou alguma coisa
consagrada pela proteção concedida por Deus55, demonstra toda sua ligação
com as tradições religiosas católicas.
Mauricio de Sousa traz o mundo religioso para os quadrinhos, pois está
é uma relação fundamental no universo caipira. Vai ser a relação organizada
pelas comunidades caipiras em torno das igrejas, que vai constituir grande
parte das tradições culturais desta população, ficando ligado ás relações de
festividades em torno de dias santos.
A segunda representação importante em torno das questões religiosas é
o personagem padre Lino. Ele é uma figura emblemática nas histórias do Chico
Bento. É conhecido como padre Lino ou frei Lino ou também vigário Lino, é o
pároco da igreja da Vila Abobrinha. Ele é católico, veste trajes típicos de
monges franciscanos visível na figura 8. O personagem utiliza túnicas, com
capuz e tem na cintura uma correia ou o cordão, o topo da cabeça raspada e
sandálias de couro, mas por não ser um personagem principal seu tipo de
vestimenta pode sofrer alterações de uma revistinha para outra, mas não deixa
de representar um padre da igreja católica.

55

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Positivo,
Curitiba; 2009.

50
Figura 8 Padre Lino nota-se sua vestimenta e a cabeça raspada típica dos monges franciscanos.56

Vai ser o padre Lino que irá perdoar os “pecados” que os personagens
vêm cometendo nas histórias e também mediar os conflitos como demonstrado
no quadrinho acima. Também a partir dessa representação é possível afirmar
que se trata de um padre franciscano que vai simbolizar os votos de pobreza e
auxilio à população pobre. Busca demonstrar o quanto essa população do
interior brasileiro, entre elas a população caipira do interior paulista, que sofre
com a miséria e o abandono produzido na história brasileira. Será nesses
locais de abandono social que a ordem franciscana vai agir, buscando trazer
conforto espiritual para essa população. Apesar dessa problemática não ser
bem enfatizada nas histórias do personagem ela fica subentendida dentro da
história do Chico Bento. Elas representarem as relações sociais ligadas às
questões religiosas da população do interior paulista.
O autor traz o fator religioso para a revistinha por ser uma das
características que ele aponta ser do mundo caipira. Isso também e bem visível
na figura 1 e 2, onde o personagem Chico Bento carrega em seu pescoço um
escapulário para trazer proteção divina, o mesmo se apresenta no cenário com
56

SOUSA. Mauricio de. Chico Bento: histórias da vó dita. Coleção um tema só. São Paulo, Ed. Globo,
2005. N° 48, p.19

51
a representação de uma igreja. Segundo Darci Ribeiro, a igreja no meio rural
“pode ser o orgulho local pela frequência com que se promovem missas,
festas, leilões, e casamentos, sempre seguidos de bailes”57.

2.2.6 – A relação campo x cidade e a desigualdade social.

Um dos conceitos apresentados nas histórias do Chico Bento é a
diferença entre a cidade e o campo. Mauricio de Sousa produz suas histórias a
partir das histórias ouvidas de sua avó. Tendo pouco contato direto com essa
população, será a partir desse imaginário que ele vai produzir sua
representação do caipira.
Quando ele trata da relação entre o campo e a cidade os problemas
socioeconômicos que a população do campo possui entram em conflito com os
problemas encontrados nas cidades. Apesar das histórias do Chico Bento
apresentarem várias discussões em torno das relações sociais, suas histórias
são voltadas para o universo infantil. Por essa razão, algumas discussões não
são aprofundadas, apresentando discussões de maneira superficial. Uma delas
vai ser a desigualdade social, característica marcante no campesinato
brasileiro.

57

RIBEIRO, op.cit. Pg. 384

52
Figura 9 Chico Bento e seu Primo Zeca representação dos problemas entre a cidade e o campo.

58

Na figura acima temos um exemplo da relação campo x cidade, e
algumas questões podem ser destacados. Primeiramente a construção do
personagem o “Primo Zeca”, que inicialmente era só conhecido como “Primo”,
esse personagem surge na década de 70, com essa característica de sempre
entrar em contradição com o universo do campo. Sua aparência vai se alterar
durante os vários anos de publicação até se fixar com a aparência
representada no quadrinho acima. O mesmo vai acontecer com seus pais. Isso
ocorre por dois motivos, primeiro pela despreocupação em representar o
personagem considerado secundário ou por mudarem de desenhista, e
segundo, pela necessidade de uma estética diferente, pois o personagem pode
ter ganhado um grau de importância nas histórias ou não está mais dentro do
58

SOUSA. Mauricio de. Chico Bento. São Paulo, Ed. Globo, 2001. N° 387. P. 3 e 14.

53
contexto histórico. Como exemplos desses processos, temos também a própria
Mônica que Sousa relata:
Eu tinha criado mais histórias, mais desenhos, eu fui tirando cabelo
dela, eu fui eliminando cabelo, até ficar os cinco fios, por que dava
muito trabalho fazer esse negocio toda a hora.59

Na figura 9 temos nas primeiras falas do personagem: “Nossa, Chico!
Que vidinha chata que você tem aqui, hein?” é uma representação do
descontentamento do personagem Primo Zeca ao modo de vida que o
personagem Chico Bento tem. Logo dá a se entender que o modo de vida do
personagem na cidade é o oposto, uma vida agitada como a representação da
figura 5 onde está representado a pressa que a população urbana possui em
sua vida cotidiana. No segundo quadro do quadrinho acima Zeca fala “sem
eletricidade, gás, água encanada!” e segue “Sem falar em tevê, cinema,
parques de diversão!” Zeca apresenta um dos problemas comuns no campo,
principalmente problemas comuns nas décadas de 70/80/90, onde há uma
grande falta de saneamento básico, água encanada, gás e até mesmo
eletricidade. Essa questão hoje já chega a ser incoerente, pois houve um
grande avanço da distribuição desses meios básicos de vida e da
modernização do campo. Apesar do grande avanço tecnológico do século XXI,
uma parcela da população do campo não possui ainda esses produtos tão
essenciais para a grande maioria da população, mas, como foi visto no capitulo
1, que a modernidade é um dos fatores que levam a extinção da cultura caipira,
é possível concluir que as histórias do Chico Bento não vão perder estes traços
marcantes, mesmo que a realidade social se altere.
O segundo ponto e o descontentamento do personagem ao saber que o
campo não possui equipamentos eletrônicos como a televisão e locais de
diversão como o cinema e parques de diversão. Apesar da questão dos
equipamentos eletrônicos ser uma questão bastante ultrapassada, já que na
maioria da população do campo no sul e no sudeste no século XXI possui pelo
menos acesso a informação global por algum equipamento eletrônico seja ele
59

Entrevista concedida ao programa “JB Fora do ar” na data de 29/10/2012. Disponível no site:
<http://www.youtube.com/watch?v=o7lGj3c1GNQ> Consultado na data: 25/11/2013.

54
radio, televisão, internet ou telefone, em muitas regiões do interior brasileiro o
acesso a cinemas, parques de diversão é muito precária, só ocorrendo com o
aparecimento de cinemas ou parques móveis.
Sobre a questão nesse quadrinho é importante salientar que o
personagem Primo Zeca ao perceber que não existe essas formas de interação
e de divertimento não consegue encontrar alguma forma de se divertir, gerando
nele uma monotonia e tedio, pois para ele não tinha nada para ser feito. Vai ser
a ação do Chico Bento que o leva para nadar no lago, pegar goiabas, brincar
com os animais da floresta, pescar, entre outras atividades.
O quadrinho acima traz uma história onde entram em choque as
concepções do Primo com Chico Bento numa disputa de sobrevivência ao se
perder no meio do mato, Chico age como conhecedor do assunto e passa a
preparar os meios corretos de sobrevivência, enquanto isto o Primo passa a
confiar na tecnológica. Primeiramente Chico trata que só vai precisar de um
graveto para sua sobrevivência e o Primo vai utilizar do seu computador.
Enquanto Chico vai demonstrando como sobreviver, marcando o caminho
procurando agua, fazendo fogo e até pescando com o graveto o Primo vai
afirmando que o computador poderia lhe informar onde ele poderia arranjar
tudo isso. Quando o Primo resolve provar que o computador poderia fazer tudo
isso, o mesmo ficou sem bateria. Essa história demonstra a relação de
conhecimento que os dois diferentes grupos sociais possuem. Primeiro o
sujeito do campo que vai ser o conhecedor de tudo relacionado ao modo de
viver no campo, mas que pouco conhece do modo de viver na cidade,
enquanto isso temos a representação do sujeito social que vive na cidade,
totalmente ligado a tecnologia e que não conseguiria sobreviver sem ela. Como
melhor exemplo a isso temos a última página do quadrinho representado na
figura 9, onde o personagem Primo ao conseguir energia para seu computador
retorna ao seu ponto de origem um sujeito social urbano, que não vive sem
tecnologia.
Seguindo esse mesmo processo o mesmo vai ocorrer quando o
personagem Chico Bento vai visitar seu Primo na cidade. Chico não consegue
se adaptar ao modo de viver na cidade, pois para ele lá é um local muito
55
O caipira chico bento
O caipira chico bento
O caipira chico bento
O caipira chico bento
O caipira chico bento
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  • 1. Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) Campus de Marechal Cândido Rondon Centro de Ciências Humanas Educação e Letras (CCHEL) Colegiado do Curso de História O CAIPIRA CHICO BENTO: Representações do caipira nas Histórias em Quadrinhos do Chico Bento de Mauricio de Sousa (1962-2012). DOUGLAS LUIS WRASSE MARECHAL CÂNDIDO RONDON 2013
  • 2. DOUGLAS LUIS WRASSE O CAIPIRA CHICO BENTO: Representações do caipira nas Histórias em Quadrinhos do Chico Bento de Mauricio de Sousa (1962-2012). Monografia apresentada na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Centro de Ciências Humanas Educação e Letras (CCHEL), para obtenção da graduação em história, sob orientação da professora Geni Rosa Duarte. MARECHAL CÂNDIDO RONDON 2013
  • 3.
  • 4. Dedicado ao tempo Que insiste em mudar minha vida.
  • 5. Resumo A presente monografia visa analisar a revista em quadrinhos “Chico Bento”, do autor Mauricio de Sousa, problematizando as relações sociais do caipira que estão inseridos dentro da revistinha no período de 1961 a 2012. Para essa análise buscamos entender a origem dessa população, indo além do recorte estabelecido, buscando entender como foram constituídos alguns estereótipos caipiras, para isso buscando relacionar o personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato e o trabalho de Cornélio Pires, que disseminaram a representação social do caipira no Brasil. Na revistinha do Chico Bento buscou-se analisar como esses estereótipos estão sendo apresentados, buscando analisar conceitos entre eles: religião, folclore, cidade x campo, desigualdade social, linguagem caipira, educação, assim como as vestimentas, os cenários, as falas, as relações e as contradições sociais que estão presentes nessas histórias em quadrinhos. Palavras Chaves: Quadrinhos, Chico Bento, Caipira. Abstract This monograph analyzes the comic book "Chico Bento", the author Mauricio de Sousa, questioning the social relations of the peasant that are inserted into the comic in the period1961-2012. For this analysis we seek to understand the origin of this population, going beyond the established crop, trying to understand how some hillbilly stereotypes were formed, seeking to relate to this character Jéca Tatu Lobato and work of Cornélio Pires, who spread the social representation of the peasant in Brazil. In the comic Chico Bento we sought to examine how these stereotypes are presented, trying to analyze concepts including: religion, folklore, city x field, social inequality, hillbilly language, education, and the costumes, the sets, the lines, the relations and social contradictions that are presenting these comics. Key Words: Comics, Chico Bento, Grit.
  • 6. Agradecimentos: Este é o momento de agradecer a todos que me apoiaram e me ajudaram durante toda a graduação, e da minha formação social. Por isso agradeço: Primeiramente á minha família que me apoiou em cada fase da minha e das minhas decisões de vida. Agradeço pelo apoio financeiro e psicológico que meu pai, Enio Wrasse, e minha mãe, Marisa Wrasse, me deram. Ao meu irmão pela cumplicidade e pelos momentos de alegria. Ao meu Tio, Egon Wrasse, por me ceder vários exemplares da revistinha do Chico Bento, que foram fundamentais para terminar a monografia. Agradeço também a minha avó Iolanda pelos anos de companhia e ao meu avô Valdevino, que faleceu antes de eu terminar a faculdade, foi uma grande perda para mim. Foram seis anos de graduação, muitos amigos partiram e novos chegaram. Nesse processo tenho de agradecer a todos que de alguma maneira me deram forças para continuar, mesmo não estando mais presentes. Agradeço também os professores que me ajudaram a crescer intelectualmente. Não vou elencar nomes, pois são muitos, agradeço a todos da mesma maneira, cada um foi especial dentro desse processo. A todos os meus colegas que me ajudaram e me alegraram durante a constituição da monografia. Agradeço em especial aos colegas Miriam, Mara, Camila, Deivid, Jhonny, Leonita, Jonas, e vários outros que fizeram parte da minha graduação. Agradeço em especial a Talita Santana e Ana Paula Lenhardt pela indicação do acervo de gibis da biblioteca pública de Toledo que foi fundamental para entender o universo do caipira Chico Bento. Por fim agradeço ao professor Davi Félix que me ajudou a montar o projeto e a minha orientadora que me auxiliou, apesar dos muitos desencontros e muitas discussões, e possibilitou transformar o projeto nesta presente monografia.
  • 7. Sumário Introdução: ....................................................................................................................................... 9 Capítulo 1: A construção do caipira..............................................................................................13 1.1 O caipira e suas origens.................................................................................................13 1.2 O estereotipo criado: Monteiro Lobato e Cornélio Pires. .................................................17 1.3 A reconstrução do caipira....................................................................................................25 Capítulo 2: O caipira Chico Bento. ...............................................................................................31 2.1 Mauricio de Sousa: Autor e obra. .......................................................................................31 2.2 – Chico Bento e sua turma..................................................................................................32 2.2.1 – O processo de transformação dos personagens. .......................................................37 2.2.2 – O caipira como sujeito ingênuo, literal, preguiçoso e humilde. .................................41 2.2.3 – A educação brasileira no campo representado nas histórias do Chico Bento. ........45 2.2.4 – A linguagem caipira. ......................................................................................................47 2.2.5 – A religiosidade no universo caipira. .............................................................................49 2.2.6 – A relação campo x cidade e a desigualdade social....................................................52 2.2.7 – As relações familiares. ..................................................................................................57 2.2.8 – O Folclore brasileiro representado nos quadrinhos....................................................59 2.2.9 – “O caipira não pode mudar”. .........................................................................................62 Considerações finais:.....................................................................................................................64 Referencias Bibliográficas: ............................................................................................................66 Sites consultados. .........................................................................................................................67
  • 8. Índice de imagens Figura 1 Chico Bento e suas diferentes versões .............................................. 34 Figura 2 Chico Bento em sua primeira aparição .............................................. 35 Figura 3 Evolução da Tina................................................................................ 39 Figura 4 primeiras representações do personagem Chico Bento nas histórias de Hiroshi e Zezinho ............................................................................................. 39 Figura 5 Chico Bento na cidade ....................................................................... 40 Figura 6 Representação da preguiça ............................................................... 43 Figura 7 Chico Bento na escola ....................................................................... 46 Figura 8 Padre Lino nota-se sua vestimenta e a cabeça raspada típica dos monges franciscanos. .................................................................................................... 51 Figura 9 Chico Bento e seu Primo Zeca representação dos problemas entre a cidade e o campo......................................................................................................... 53 Figura 10 Montagem de quadrinhos com lendas nacionais e internacionais.....61 Figura 11 Chico busca dinheiro para comprar um presente para Rosinha....... 63
  • 9. Introdução: Este presente trabalho de conclusão de curso é o resultado de uma análise da revista em quadrinhos “Chico Bento”, do autor Mauricio de Sousa, que problematiza as representações sociais do caipira, inseridas dentro das histórias da revistinha. A primeira publicação das histórias em quadrinhos do Chico Bento ocorreu em 1962, no formato de tiras, no jornal Diário de São Paulo, e, desde então, vem mexendo com o imaginário de muitas crianças, adolescentes e alguns adultos. Desde minha infância fui cercado por esse universo mágico que são as histórias em quadrinhos. Essa questão pessoal de aproximação com esse universo e com as leituras acadêmicas me despertou o interesse de discutir as relações em torno da formação do caipira Chico Bento. O trabalho se propôs a analisar a representação do caipira desde a sua primeira publicação, de 1962, até o ano de 2012. Não tive acesso a todos os exemplares já publicados da revistinha do Chico Bento, e não teria tempo hábil para a leitura de todos também, pois seriam em torno de 720 exemplares ao longo desses 50 anos de história, mas dentro deste número foram lidas 80 exemplares que abarcaram todo o período de publicação da revistinha, além da observação de várias capas disponíveis na internet. Dentro deste processo foi possível notar várias mudanças na estética e nas ações dos personagens. Para compreende quais representações analisar nas histórias busquei observar alguns aspectos. Primeiramente me detive na análise das representações em torno das relações: Cidade x Campo, e de aspectos como a ingenuidade, literalidade, humildade, os laços familiares, a religiosidade, o papel do folclore, a questão da linguagem, a educação e principalmente as mudanças que foram surgindo no decorrer dos anos. Esses pontos foram selecionados, pois fazem parte do universo caipira. O segundo ponto analisado nas histórias foram as peculiaridades. Nesse momento busquei observar algumas histórias que possuíam aspectos interessantes ligadas ao universo caipira e que não se repetiam facilmente. Dentro desse processo se notou a 9
  • 10. história da personagem Marina e toda sua peculiaridade dentro do universo caipira. As mudanças chamaram bastante minha atenção, ligadas a acontecimentos históricos brasileiros e também outras internas à produção da revistinha, e essas razões não poderiam deixar de ser problematizadas. Outra questão que chamou bastante atenção foi que as representações do caipira da revistinha do Chico Bento apresentam características bem distintas da realidade de muitos dos leitores. Na maioria são leitores que moram no meio urbano, mas a revista apresenta situações da vida no campo de um modo de vida bem diferente das agitadas cidades. A análise abordou desde exemplares das primeiras publicações da revistinha até as algumas publicações atuais. Mas o tema do caipira não tem sua origem nos quadrinhos do Chico Bento. O modo de vida caipira já era abordado por escritores, pintores, cineastas e outros quadrinistas desde o final do século XIX até boa parte do século XX. Por essas razões foi precisoufazer um grande recuo histórico para apresentar tanto o caipira como sujeito social quanto as representações construídas por esses autores que retrataram essa figura. Entre eles temos o trabalho de Monteiro Lobato que é de 1918. Esta incursão à obra de Monteiro Lobato se fez necessária, pois é nela que se elaborou a representação social do caipira que se disseminou mais fortemente pela teia social no Brasil, sendo recriada, em outros tempos e espaços sociais, posteriormente. Nas produções icnográficas o caipira também foi bem enfatizado antes dos quadrinhos do Chico Bento. No inicio do século XIX surge o trabalho de Ângelo Agostini, considerado um dos primeiros quadrinistas do mundo, cujos personagens principais são os homens do campo. Apesar de seu trabalho ser diferente das produções feitas por Mauricio de Sousa quase um século depois, a representação de um personagem ingênuo e literal é muito similar. Os personagens das histórias em quadrinhos acabam se constituindo de forma distorcida da realidade. As representações do caipira, dentro das 10
  • 11. histórias constituídas nos quadrinhos e na literatura, vão mexer com o imaginário dos leitores, hoje em sua maioria provenientes das cidades. Para entender a representação de um quadrinho como um todo se deve ter em mente que tudo que está exposto no quadrinho tem uma característica representativa que o autor está querendo repassar para o seu público leitor, pois esse todo é uma relação constante de disputa em que o dominador do conhecimento “impõem ou tenta impor a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus e o seu domínio”1. Por tanto, não podemos analisar tão somente os personagens, mas também o que está se passando ao redor do personagem. Por essa razão foi analisado a construção dos cenários em que ocorrem nos quadrinhos. Analisando dentro do contexto histórico as representações que estes cenários propõem a representar, incluindo as concepções religiosas, a construção do debate campo verso cidade, o mundo folclórico, e também discussões em torno de temas como as vestimentas, linguagem, o modo de vida, de pensar e agir em sociedade torna possível pensar as representações do caipira de Maurício de Sousa. Para que essas representações sejam analisadas esse trabalho foi dividido em dois capítulos. O primeiro capítulo busca apresentar algumas discussões sobre o surgimento dessa população chamada de “caipira”, apresentaremos a origem da expressão “caipira”, bem como as visões, em torno de maneira sintetizada, principalmente de Monteiro Lobato, Darcy Ribeiro, e Antônio Cândido. A origem de muitos dos estereótipos criados pelas representações sociais do caipira construídas por Lobato permanecem até hoje no imaginário da sociedade. Vários intelectuais (literatos, folcloristas, sociólogos, etc.) se preocuparam em definir essa população, suas características e seu lugar dentro da população brasileira. O segundo capítulo busca analisar historicamente as representações sociais em que o caipira está sendo inserido, dentro de uma perspectiva de 1 CHARTIER, Roger. A História cultural Entre práticas e representações. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 1990. 11
  • 12. imagens estereotipadas que vão construir diversas visões para dentro do universo de leitores e apreciadores de arte, sendo eles crianças ou adultos. Fizemos então uma análise do caipira Chico Bento e como sua turma e construída para recriar uma visão do universo caipira. A discussão se centrou em torno de algumas questões como a religiosidade, a educação, a fala e a cultura popular, entre outras. 12
  • 13. Capítulo 1: A construção do caipira. 1.1 O caipira e suas origens. Caipira é um termo de origem tupi, de ka'apir ou kaa - pira, que significa "cortador de mato". É o nome que os indígenas guaianás do interior do Estado de São Paulo, deram aos colonizadores brancos, caboclos, mulatos e negros que habitavam a região desde os tempos coloniais brasileiros no século XVIII. A designação do termo caipira alcançou, sobretudo, populações da antiga Capitania de São Vicente, depois capitania de São Paulo, que abrangia a extensa região que ia de Minas Gerais, Paraná até à região de Lajes, no estado de Santa Catarina, abrangendo ainda Mato Grosso e Goiás.2 O termo "caipira", no entanto, costuma ser utilizado com mais frequência no Estado de São Paulo. Corresponde, em Minas Gerais, ao capiau (palavra que também significa "cortador de mato") e, na região Nordeste, matuto. O caipira tem, segundo o dicionário Aurélio, a identidade de “habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos e canhestros”3 uma identificação bem simples e que não representa a totalidade dessa população. O dicionário ainda segue apresentando as seguintes denominações pelo Brasil: araruana; babaquera; babeco; baiano; baiquara; beira-corgo; beiradeiro; biriba ou biriva; botocudo; brocoió; bruaqueiro; caapora; caboclo; caburé; cafumango; caiçara; cambembe; camisão; canguaí; canguçu; capa-bode; capicongo; capuava; capurreiro; cariazal; casaca; casacudo; casca-grossa; catatuá; catimbó; catrumano; chapadeiro; curau; curumba; groteiro; guasca; jeca; jacu; macaqueiro; mambira; mandi ou mandim; mandioqueiro; mano-juca; maratimba; mateiro; matuto; mixanga; mixuango ou muxuango; mocorongo; moqueta; mucofo; pé- 2 Dados disponíveis em: http://www.ecobrasil.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=338&sid=59. Site consultado no dia: 05/09/2013. 3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Positivo, Curitiba; 2009. 13
  • 14. duro; pé no chão; pioca; piraguara; queijeiro; restingueiro; roceiro; saquarema; sertanejo; sitiano; tabaréu; tapiocano; urumbeba ou urumbeva. A quantidade de termos para a designação desses sujeitos ocorre por sua grande expansão dentro do território brasileiro, sendo que em sua maioria derivada de línguas indígenas e com significado muito similar ao termo “habitante do campo”. Ou então derivam da literatura, como no caso de Monteiro Lobato com o personagem Jeca Tatu, no interior de uma região voltada para a produção latifundiária e monocultora de café que irá construir um estereotipo do caipira. Pensando nessa questão temos a seguinte reflexão de Silvio Romero: Caipira, matuto, tabaréu, mandioca, capixaba e outros congêneres são expressões de menosprezo, de debique, atiradas pela gente das povoações, cidades, vilas, aldeias e até arraiais contra o habitante do campo, do mato, da roça. São expressões de um antagonismo secular. São chufas de desfrutadores de empregos, profissões e outros variados meios de vida, que a habilidade de certas populações faz nascer nas grandes aglomerações de gente, especialmente contra os que mourejam nas rudes tarefas do amanho das terras, do cultivo dos capôs.4 Por sua grande quantidade de designações e por sua maioria ser termos indígenas, pode-se afirmar que está população surgiu juntamente com a colonização brasileira, sendo uma população formada da mistura do branco com o índio, e mais tarde com o negro. Assim como seus modos de vida, essa população caipira do interior paulista é vista pelo senso comum de forma preconceituosa como sendo o habitante de nosso interior atrasado, de instrução precária e costumes ultrapassados. Contudo, segundo alguns estudos, o caipira constitui a parcela da população paulista, e possui uma cultura rústica5 e diferenciada, permanecendo como parte integrante da cultura nacional. O caipira segue sendo definido como um sujeito social delimitado geograficamente, situando-se 4 ROMERO, Sílvio. apud YATSUDA, Enid. O caipira e os outros. In BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira: Temas e situações. São Paulo, Ed. Ática, 1992. 5 Entende-se no conceito de cultura rústica a concepção apresentada por Antonio Candido, não sendo um termo que designa somente a vida rural e grotesca, mas num conceito mais abrangente que abrange o universo do homem do campo e seu ajustamento na vivencia dentro das mudanças no Brasil. Para uma melhor explicação ver: CÂNDIDO, Antonio. Os parceiros do rio bonito. São Paulo, Livraria duas cidades, 1987. P. 21 14
  • 15. principalmente em São Paulo, e em algumas regiões do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso. A população caipira é constituída a partir de dois momentos históricos distintos. Darcy Ribeiro aponta que essa população surge devido a um processo denominado por ele de regressão social 6, que teria ocorrido no término das bandeiras e no fim do ciclo do ouro em Minas Gerais e região. As bandeiras eram organizadas em São Paulo com a finalidade de explorar o interior do Brasil e caçar e escravizar populações indígenas. Esse processo surgiu pela necessidade de enriquecimento de parte da população paulista. As bandeiras vão gerar nessa população uma vida seminômade com espírito aventureiro. Suas habitações vão ser constituídas de casas feitas de taipas ou adobe, de forma precária, e temporária, o que demonstra que esses paulistas estavam sempre prontos para seguir viagem. No entanto, com o fim da escravidão dos indígenas e, posteriormente, da escravidão negra, esse processo se encerra e ocorre então aquilo que Ribeiro nomeou de regressão social. O caboclo retorna para suas terras, constituindo uma produção de subsistência onde será produzido o suficiente para manter o sustento de sua família e de sua vila ou cidade. No segundo processo ocorre a mesma situação. O ciclo do ouro gera uma grande mobilidade populacional em direção às minas, ocorrendo em algumas regiões um grande esvaziamento populacional. Com o esgotamento das jazidas mineiras, na segunda metade do século XVIII, a situação econômica dessas populações se agrava, ocorrendo então o mesmo processo que ocorreu com o fim das bandeiras e caças aos indígenas e escravos fugidos. Parte dessa população se empobrece e retorna para um modo de vida sobrevivência, se fixando novamente em regiões remotas do interior, paulista, do sul de Minas Gerais, do oeste de Mato Grosso, e algumas regiões do Rio de Janeiro e Paraná. Com esses processos de exploração na região vai correr um grande processo de miscigenação tanto cultural quanto física, entre os índios e os 6 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. Companhia das Letras, São Paulo, 1997. 15
  • 16. brancos, e posteriormente com os negros. No século XVIII quando chega ao fim os processos de exploração de ouro e a caça ao indígena, teria ocorrido em São Paulo e regiões um processo de estabilização, mas com caráter provisório. Ou seja, uma parcela dessa população que busca sobreviver e produzir para seu sustento com excedente formando a chamada a cultura caipira.7 A população paulista, formada inicialmente por europeus, precisava aprender a sobreviver e explorar o meio ambiente, porém não possuíam conhecimento suficiente, dessa maneira tornou-se necessário a absorção da cultura indígena. Essa população caipira produz basicamente para sua sobrevivência, com um pequeno espaço para lavoura e criação de animais. A caça e a pesca vão ser à base de sua produção, o excedente da colheita da lavoura é vendido ou trocado nas feiras das cidades, com objetivo de obter o que não era possível produzir em suas terras, como o sal, o tecido e o querosene. Um dos maiores problemas que está população, constituída então por posseiros, sitiantes e agregados têm é com a própria posse da terra. Uma população pobre e isolada, e, na maioria das vezes, não possuírem o título das terras e o e uma inexistente força política. [...] onde quer que o jogo e os valores de mercado agrícola gerassem negócios com a terra de negócios, o lavrador “dono”, posseiro, ou agregado era expulso, empurrado em direção a um oeste8. Os problemas que atingem a população e a cultura caipira, levando a uma possível extinção, vão surgir a partir de dois momentos de transformação que se iniciam no final do século XIX e boa parte do XX. Na primeira etapa, com o aumento da exploração das terras produtivas, as populações caipiras constituída de posseiros agregados e sitiantes, que não possuíam o registro da terra, mesmo nela vivendo a vida toda, vão passar a ser perseguidos e expulsos cada vez mais para o interior. Ou então inseridos dentro da lógica do mercado agrícola, subordinados ao proprietário da terra ou pior acabam 7 RIBEIRO, op.cit. BRANDÂO, in HERCULIANI, Sueli. A população tradicional caipira e sua reprodução sociocultura frente às políticas de conservação e os processos de educação – Parque Estadual do Jurupará, Ibiúna – SP. Tese de mestrado. USP, São Paulo, 2009. 8 16
  • 17. parando nas cidades, servindo de mão de obra para as primeiras indústrias e comércio brasileiro. Com esse processo de aumento de exploração da terra ocorre um grande processo de deslocamento populacional, primeiramente em direção as zonas de fronteiras. Mas, para as populações, que continuaram a viver nessas regiões nas quais ocorreu o aumento de exploração, da terra tiveram que alterar seu modo de vida. Para a população caipira a fonte alimentar derivada de caçadas e pescas passou a ser um problema. O segundo problema sobre a permanência dessa cultura ocorre com o avanço tecnológico, melhorias de implantação no campo, expansão das indústrias e do desenvolvimento das cidades no Brasil a partir do século XX. Com esses processos ocorre uma maior exploração econômica da terra. A população que vivia da agricultura familiar foi gradativamente perdendo espaço para as novas formas de exploração da terra. Será então dentro desse processo, onde a população caipira não tinha mais espaço para os novos formatos de exploração da terra que os principais estereótipos em torno do caipira vão surgir. 1.2 O estereótipo criado: Monteiro Lobato e Cornélio Pires. É um fato bem curioso que os principais escritores e artistas que falam sobre o caipira vão surgir no amplo Vale do Paraíba. Temos entre eles o escritor Monteiro Lobato, o cineasta Amácio Mazzaropi9, que vai dar uma imagem visual em filmes para o personagem Jeca Tatu, e posteriormente Maurício de Sousa. 9 Amácio Mazzaropi nasceu em 1912 em São Paulo. Foi um importante cineasta brasileiro da década de 1950, produziu em sua carreira 32 filmes, com modelo independente de fazer filmes, seu principal sucesso foi encarnando o personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato. Seu principal público foi a população pobre. O que ajudou a disseminar ainda mais o estereotipo criado por Monteiro Lobato. Dados disponíveis no site: http://educacao.uol.com.br/biografias/amacio-mazzaropi.jhtm. Consultado em: 25/11/2013. 17
  • 18. O vale do Paraíba era uma região de concentração caipira, mas com os avanços econômicos essa área voltou-se para a produção de café. Nessa região de grandes latifundiários é que vai ser construído o estereótipo do caipira. Será então no século XX que a imagem do caipira vai ser debatida, entre o romantismo de Cornélio Pires e o pré-modernismo de Monteiro Lobato. Lobato juntamente com o imaginário da elite paulista, vai se pautar pelas ideias de progresso e modernidade, com repudio ao passado colonial e imperial, considerados como formas atrasadas de vida. Com isso o que era nacional passou a ser visto com péssimos olhares, e uma política de europeização começou a ser imposta mais enfaticamente. Os, “excluídos, rebeldes, negros, imigrantes, ou trabalhadores que resistissem ou se opusessem eram classificados como ignorantes”10. Monteiro Lobato (1882-1948) nasceu em Taubaté, São Paulo, no dia 18 de abril de 1882. Seu avô era o Visconde de Tremembé, o que já demonstra seu lado voltado para exploração agrícola e o latifúndio. Vai ter sua vida voltada para escrever livros, principalmente contos, ganhando fama com o personagem Jeca Tatu (1918), segundo ele símbolo do homem do interior, preguiçoso, pobre e doente, um problema para o desenvolvimento. Posteriormente já com outro olhar sobre o homem do campo, cria os personagens infantis do Sitio do Pica-Pau Amarelo (1931). Lobato vai herdar a fazenda de seu avô, e vai ser no período de sua moradia nessa região que ele vai entrar em contato com o “estilo caipira” de viver, e vai então construir o estereótipo do caipira. “Nada o esperta. Nenhuma ferrotoado o põe de pé. Social, como individualmente, em todos os atos da vida, Jéca, antes de agir, acocora-se”.11 E prossegue: “para comer, negociar uma barganha, ingerir um café, tostar um cabo de foice, faze-lo noutra posição será desastre infalível. Ha de ser de cocoras”.12 Sobre a falta de iniciativa do caipira com as grandes plantações Lobato conclui, “Ha mil razões para isso; por que não é sua terra; por que se 10 SETUBAL, Maria Alice. Vivencia caipiras: Pluralidade cultural e diferente temporalidades na terra paulista. São Paulo. Ed. CENPEC/ Imprensa Oficial de São Paulo, 2005. p. 41. 11 LOBATO, Monteiro. Urupês. Brasiliense, São Paulo, 25 edição p. 147. 12 Idem. p.147. 18
  • 19. ‘tocarem’ não ficará nada que outrem aproveita; por que para fruta ha o mato; por que a ‘criação’ come; por que ...” 13. Para Lobato o caipira não sabia lidar com a terra, como os grandes produtores, sem considerar que ele tinha sua forma de produção, retirando da natureza os materiais fundamentais para sua vida. Para tal teria que adquirir conhecimentos e desenvolver técnicas, mesmo que simples/rústicas, que pudessem auxilia-lo com o trabalho na terra. Lobato vai construir essas representações estereotipadas por ter uma visão de fazendeiro de café, como Setubal define sobre a visão que os fazendeiros de café possuíam em relação ao caipira: O modo de vida caipira e seu ritmo diferenciado do trabalho da terra, seguindo os ciclos da natureza, eram de impossível compreensão para os fazendeiros de café, o que gerou inúmeras críticas e principalmente uma visão estereotipada sobre o lavrador nacional, visto quase sempre como vadio e inepto para o trabalho, justificando, assim, a política de imigração para a criação de uma mão-de-obra disciplinada, sistemática e estável.14 O autor construiu o personagem Jeca Tatu num período em que o ser nacional era objeto do debate social. Durante o período da Primeira República brasileira, o autor vivenciou um contexto de confronto entre a herança do mundo colonial e a cidade. Lobato conviveu com as disputas pelo controle do Estado entre as oligarquias cafeeiras e as novas forças políticas, econômicas e culturais originárias do meio urbano-industrial. Será no período de vivência do autor que as ideias de modernização brasileira vão ter maior ênfase. Da Primeira República até 1964, o Brasil vai passar por um processo de estruturação agrária e urbana. Claro que as mudanças vão ocorrer de formas distintas nos diversos tempos e espaços, mas o que fica em comum é a expansão e modernização da estrutura produtiva do meio rural. As estruturas econômicas e políticas no Brasil estavam fortemente ligadas ao mundo rural, transformando assim num forte confronto de forças entre as oligarquias agrárias e de uma burguesia emergente. No meio desse confronto a literatura não ficava livre dessas disputas, nem tampouco os sujeitos sociais marginalizados como o caipira. 13 14 LOBATO, op.cit. p. 149. SETUBAL, op.cit. p. 36. 19
  • 20. Jeca Tatu vai representar o passado colonial que precisava ser superado e esquecido, simbolizando o que os modernistas chamavam de “idade das trevas brasileira” que precisava ser expurgada. Crítico do romantismo, Lobato busca, ao construir a imagem do caipira como um sujeito marginalizado e débil que precisava ser erradicado da sociedade, criar o Jeca Tatu, para desconstruir a visão de outros autores. Cita especificamente, Cornélio Pires, que construiu outra visão sobre o caipira, bem como critica o movimento do romantismo que estava em transição: Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como sonhava Rosseau, protótipo de tantas perfeições humanas que no romance, ombro a ombro com altos tipos civilizados, a todos sobreleva em beleza d’alma e corpo.15 Lobato em sua primeira frase “Morreu Peri”, faz a alusão ao personagem criado por José de Alencar na obra “O Guarani”, representante do romantismo e do indianismo brasileiro. Seguindo na citação, Lobato aponta a figura de Rosseau, utilizado como fonte de ideologia pelos romancistas. “o homem nasce bom e virtuoso, sendo corrompido no momento em que se insere no sistema social. Sob esse aspecto, a tentativa de retorno à condição humana primitiva, feita por meio da revalorização do amor e da amizade, representa também a re-tomada da natureza, visto como oposto da infelicidade e da injustiça, sentimentos inerentes à engrenagem que impulsiona a máquina social” 16 Seguindo essa posição, que valoriza o natural, o primitivo, onde homem puro deve ser valorizado. Lobato vai ser crítico a esta forma de ver a sociedade. Sobre Peri, Lobato prossegue “Não morreu, todavia. Evoluiu” 17. Para o autor Peri ressurgiu sob a forma de outro sujeito, com outro nome; o “indianismo” foi substituído por: “caboclismo” “o cocar de penas de arára passou a chapeu de palha rebatido á testa; a ocára virou rancho de sapé: o tacape afilou, criou gatilho, deitou ouvido e é hoje espingarda troxada; o boré descaiu lamentavelmente para pio de inambu; a tanga ascendeu a camisa aberta ao peito” 18. 15 LOBATO, op.cit. p. 145. Retirado do site : http://www.unicamp.br/~jmarques/cursos/2000rousseau/js.htm. Site consultado na data :03/09/2013. 17 LOBATO, op.cit. p. 146 18 Idem. P. 146 16 20
  • 21. Jeca Tatu se tornou um marco divisório entre dois mundos e vai representar o mundo rural arcaico, injusto e atrasado; enquanto o seu oposto vai ser o mundo moderno, urbano e industrial, que precisava ser implantado na sociedade brasileira para superar as injustiças sociais. Lobato vai construir o Jeca Tatu em duas fases distintas, mas de maneira geral buscava com elas criticar o modo de vida atrasado da sociedade brasileira e a falta de política de incentivo para a modernização do campo, apontando os remédios para a resolução desse problema. Na primeira fase em 1915 Monteiro Lobato publica o artigo “Urupês”19, onde cria a personagem do Jeca Tatu. O artigo define e caracteriza o Jeca como uma criatura ignorante, preguiçosa, inútil, sem nenhuma ambição, “o caboclo é o sombrio urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grota”20, como já apontamos Ao contrário da busca de um primitivismo como base de uma cultura iminentemente nacional dos modernistas quatro anos mais tarde, Monteiro vê no caipira como algo constitutivo de nossa fraqueza, um urupê da sociedade que precisava ser erradicado. O artigo decorre da publicação, já em 1914, do artigo Velha Praga, no jornal O Estado de São Paulo. Em seu segundo momento, Monteiro Lobato publica Jeca Tatu: a Ressurreição, em 1918, onde traça uma segunda identidade do caipira. Embora o estereótipo ainda permaneça o mesmo, o Jeca, a ser visto não mais como o principal problema da sociedade, mas como vítima de políticas públicas de um Estado que o deixa à margem do desenvolvimento. Se antes o caboclo era um parasita, agora é um “parasitado por verminoses”, passando de praga a vítima, "Jeca Tatu não é assim, ele está assim". Lobato busca com o conto “a ressureição” para além da questão da saúde, a ideologia do trabalho agrícola. Jeca, cheio de coragem, botou abaixo um capoeirão para fazer uma roça de três alqueires. E plantou eucaliptos nas terras que não se prestavam para cultura. E consertou todos os buracos da casa. E fez um chiqueiro para os 19 Urupês é uma palavra derivada do tupi que representa um tipo de cogumelo chamado “orelha de pau”, fica bem clara a utilização desse termo para representar o caipira brasileiro. Lobato assim demonstra o caipira como sendo um parasita que nasce e sobrevive a custa do Brasil. 20 LOBATO, op.cit. 21
  • 22. porcos. E um galinheiro para as aves. O homem não parava, vivia a trabalhar com fúria que espantou até o seu vizinho italiano.21 Para além da mudança de hábito do Jeca, ele se transformou em um homem sem medo e que tudo poderia fazer para melhorar sua vida. Até mesmo transformar a fazenda, pois “tudo ali era por meio do rádio e da eletricidade. Jeca, de dentro do seu escritório, tocava num botão e o cocho do chiqueiro se enchia automaticamente de rações muito bem dosadas”.22 Assim Lobato faz uma construção do conceito de trabalho e do que ele espera para o Brasil, como um país moderno para o campo. Em outro trecho e possível perceber a influencia que Lobato recebia dos Estados Unidos da América: “Quero falar a língua dos bifes para ir aos Estados Unidos ver como é lá a coisa. O seu professor dizia: O Jeca só fala inglês agora. Não diz porco; é pig. Não diz galinha! É hen...”23. Em 1924 com a aproximação de Lobato das ideais dos sanitaristas e por estar bastante em foco o seu personagem na mídia e na política, o Jeca Tatu é usado numa campanha pública de saúde, com o nome de Jeca Tatuzinho. E, em 1927, passa a protagonizar a campanha do Biotônico Fontoura, quando se torna nacionalmente conhecido. 24 Desde o início do século XX até a década 1970, o personagem Jeca Tatu foi usado para justificar a necessidade se produzir um processo modernizador e civilizador do meio rural brasileiro. O personagem foi muito utilizado pelos discursos de políticos, de autoridades governamentais, de 21 Retira do conto “Jeca Tatu: A ressurreição” disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/bibliografialobatiana/contos1.html, site consultado no dia 05/09/2013. 22 Retira do conto “Jeca Tatu: A ressurreição” disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/bibliografialobatiana/contos1.html, site consultado no dia 05/09/2013. 23 Idem. 24 “Em uma terceira fase Monteiro Lobato cria a personagem Zé Brasil em 1947. O Jeca Tatu de caráter nacional, uma busca de se retificar perante a sociedade e principalmente para esses sujeitos sociais que ele tanto marginalizou, essa mudança se dá principalmente pelos ideais comunistas que ele vai agregando em sua vida. A mudança de perspectiva passa a enfocar as perversões do capitalismo e da modernidade nacionais, além dos problemas do latifúndio. Se para o escritor de 1914 o caipira era tido como uma praga, alheio à própria terra, e em 1918 como um oprimido pelo abandono e pelas doenças decorrentes deste, agora é a expropriação de suas terras, causadas pelo latifúndio, a principal desgraça do caipira”. Dados disponíveis em: <http://www2.metodista.br/unesco/1_Folkcom%202009/arquivos/Trabalhos/20Folkcom%202009%20-%20Do%20Jeca%20Tatu%20ao%20Z%C3%A9%20Brasil%20%20Eliana_%20Jade_.pdf>. Site consultado do dia: 20 de outubro de 2013. 22
  • 23. intelectuais, em jornais, obras literárias, cinema, inclusive por propagandas da saúde, e medicamentos. Como vimos anteriormente, o personagem ao longo do século sofreu algumas modificações, e mesmo assim manteve a essência de sua personalidade, ou seja, um sujeito qualificado como “ignorante”, sem conhecimento com o trato da terra, um urupê, segundo o próprio Lobato, que está no caminho da modernidade. A população caipira, em meio de vida aventureira e provisória de existência, vive em habitações em condições precárias e usufrui da terra até seu esgotamento ou sua expulsão dela. Então, com o avanço tecnológico, capitalista e o aumento populacional, essa população que Monteiro Lobato denomina em a “Velha Praga” de “caboclo”, vai sendo obrigada a afastar-se cada vez mais para o interior brasileiro. Devido ao avanço do “progresso”, das linhas férreas, e a valorização da propriedade, “o caboclo” vai indo se fixar nas fronteiras agrícolas, levando com ele sua “sarcopta fêmea, esta com um filhote no útero, outro ao peito, outro de sete anos à ourela da saia – este já de pitinho na boca e faca à cinta”25 e ainda o “cachorro sarnento, a foice, a enxada, a pica-pau, o pilãozinho de sal, a panela de barro, um santo encardido, três galinhas pevas e um galo índio”26, utilizando do espírito bandeirante, abrindo novos caminhos para o interior de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, e oeste paulista. Em a “Velha Praga”, Monteiro Lobato descreve a figura do caipira como sendo “um parasita, um piolho da terra”27, que praticava a cultura das queimadas, espécie de homem seminômade, das zonas fronteiriças. Quando a terra se exauria, esse agregado mudava de sítio, deixando os vestígios de sua presença pela tapera e o sapezeiro. Para Darcy Ribeiro, as páginas escritas por Lobato “revelaram às camadas cultas do país a figura do Jeca Tatu, apesar de sua riqueza de observações, divulgam uma imagem verdadeira do caipira dentro de uma interpretação falsa”28 25 LOBATO, Urupês. Brasiliense, São Paulo, 25 edição. p. 141. Idem. p. 141. 27 Ibidem. p. 141. 28 RIBEIRO, op.cit. P. 390. 26 23
  • 24. Outros literatos construíram, todavia, uma imagem diferenciada do caipira. Cornélio Pires escritor, jornalista, poeta, conferencista, do inicio do século XX, procurou nas suas obras reproduzir o vocabulário, as músicas, os termos e expressões usadas pelos caipiras. Numa busca para recuperar a figura do caipira que estava sendo utilizada dentro de embates políticos e ideológicos no Brasil, Pires procurava demonstrar a riqueza cultural da cultura caipira do interior paulista. Ele escrevia no dialeto caipira para divulgar de forma positiva e valorizar a cultura caipira, enfatizando a sua parte na formação da identidade nacional. Mas, ele cria uma visão muito idealizada e romântica, o que gerou diversas críticas, inclusive por Lobato. Pires busca tratar o seu personagem caipira especificamente sobre o fato de ser paulista, e como tal parte da identidade cultural de São Paulo. Busca se posicionar contrário a visão de “Urupês” de Lobato, que como vimos acima, é descrito no conto como um sujeito pobre, tanto material, quanto cultural. Pires busca demonstrar a riqueza de costumes, cantos, danças e tradições que a população caipira paulista possuía, e como ela vai influenciar a sociedade em seu entorno, inclusive os imigrantes. Cornélio Pires classifica o caipira dentro de grupos distintos, dentro de um mesmo universo cultural cita o “caipira branco”; o “caipira caboclo” que vai ser o Jeca Tatu de Lobato; o “caipira negro” e o “caipira mulato”29. Utilizando esses termos pode englobar dentro de uma discussão diversos tipos étnicos no universo da cultura caipira, preservando as diferenças entre os diversos grupos sociais. Mas, apesar desse autor ter apresentado o caipira a partir de diversidades raciais, físicas e de ascendência, ele construiu seus personagens sem problematizar a existência de diversidades dentro de sua divisão e de outros grupos caipiras em outras regiões do Brasil. Pires, diferente de Lobato, mas também carregado de estereótipos, transforma o caipira e sua sabedoria em anedotas, algumas com críticas à sociedade, mas que geram no seu 29 Para mais informações sobre os tipos descritos ver a obra PIRES, Cornélio. Conversa ao Pé de Fogo. São Paulo, Ottoni. 2002. 24
  • 25. público alvo, os moradores de São Paulo, e em geral os moradores das cidades, uma imagem negativa e cristalizada. Cornélio Pires criou: Estereótipos para identificação, homogeneizando aqueles tipos étnicos com os quais convivia para designar e generalizar comportamentos, posturas e atitudes, enfim, a cultura do homem do interior paulista; não considerou que haveria diversidade em outros lugares ou mesmo dentro da classificação que propôs. Salvaguardou a língua, o dialeto caipira ao menos. Rememorou-o em sua literatura, aproximando seu leitor da terminologia própria que caracteriza a variação linguística do paulista, mesmo que em forma de humor e curiosidade.30 Ao contrário de Lobato, o caipira para Cornélio Pires tinha senso político, e principalmente medo dos recrutamentos forçados e da dominação patriarcal. Por isso, essas populações rurais buscavam o isolamento. O autor vai usar disto para criticar em seus versos os costumes políticos, o coronelismo que dominavam o sistema eleitoral vigente. Cornélio Pires produz vários escritos, entre poesias, livros de contos, revistas todos voltados para o universo caipira. Mas será com a organização e divulgação da música caipira é que ele ganhará mais ênfase no cenário nacional, tendo a cidade de São Paulo como difusora dela. A música caipira será muito divulgada pelo rádio e posteriormente, num processo cada vez mais rápido, será divulgada pela televisão, criando um processo de diluição das diversas culturas brasileiras. Por interesse não somente mercadológico, mas também político e ideológico, as mídias passam a reproduzir a música e a cultura popular, para com isso atrair um maior público. Desse modo também acaba gerando no público diversos tipos de estereótipos sobre os sujeitos sociais de diferentes culturas ou um diferente modo de vida dentro das cidades. 1.3 A reconstrução do caipira Buscando reconstruir a visão do caipira, que é utilizada pela literatura de maneira estereotipada, temos as discussões dos escritores Antônio Cândido e Darcy Ribeiro. Eles vão criar uma visão pessimista, onde a cultura caipira vai 30 SETUBAL, op.cit. P. 45. 25
  • 26. se esfacelando devidos os avanços da tecnologia e da exploração capitalista da terra. Antônio Cândido, escritor, crítico literário, sociólogo e professor da USP, produz em 1954 o livro Parceiros do Rio Bonito, abordando a vida do caipira, especificamente em regiões do interior de São Paulo. Portanto, o termo caipira vai ser uma designação para um tipo cultural especifico de influência da constituição histórica do interior paulista, enquanto para ele o termo caboclo é a concepção mais abrangente que qualifica vários indivíduos sociais de diversas regiões do Brasil, derivados da miscigenação entre o branco e o índio: (...) o termo caboclo é utilizado apenas no primeiro sentido, designando o mestiço próximo ou remoto de branco e índio, que em São Paulo forma talvez a maioria da população tradicional. Para designar os aspectos culturais, usa-se aqui caipira, que tem a vantagem de não ser ambíguo (exprimindo desde sempre um-modode-ser, um tipo de vida, nunca um tipo racial), e a desvantagem de restringir-se quase apenas, pelo uso inveterado, à área de influência histórica paulista.31 Antônio Cândido traz uma análise do modo de vida, cultural, econômico, e religioso dos grupos caipiras por ele analisados. O caipira e sua razão de ser estão em seu modo de ligação com o equilíbrio ecológico e social por ele elaborado, e todo fator externo pode mudar sua estrutura cultural, inclusive destruí-la. O caipira está ligado a determinados limites físicos (dentro dos bairros rurais) e sociais, em certas esferas (a familiar, a religiosa, a vicinal e a lúdica). Dentro de determinados limites se daria também à produção dos recursos que propiciavam a sua sobrevivência, por isso as mudanças advindas do progresso com as novas formas de exploração da terra geram mudanças bruscas em seu modo de vida, Cândido chega afirmar que: Mudança é o seu fim porque está baseada em tipos tão precários de ajustamento ecológico e social, que a alteração destes provoca a derrocada das formas de cultura por eles condicionadas. Daí o fato de encontrarmos nela uma continuidade impressionante, uma sobrevivência de formas essenciais, sob transformações de superfície, que não atinge o cerne se não quando a árvore já foi derrubada e o caipira deixou de o ser.32 31 32 CÂNDIDO, Antônio. Os parceiros do rio bonito. São Paulo, Livraria duas cidades, 1987. P. 22 CÂNDIDO, op.cit. P. 82-83. 26
  • 27. Para Cândido, o processo de industrialização e de urbanização do Estado de São Paulo intensificou as relações do campo com a cidade, ocorrendo assim a desarticulação da economia de subsistência baseada na vida do bairro, e na produção de multiculturas na terra, rompendo-se os laços sociais estabelecidos. Esse processo vai gerar uma desestabilização da ocupação da terra, gerando um movimento de mudança em direção à capital ou às cidades mais próximas. Com o processo de modernização e industrialização nas décadas de 1930/40/50, centenas de milhares de trabalhadores do campo migram para as novas zonas pioneiras ou para as cidades em busca de novas terras e trabalhos. Isso faz com que aumente o número de pessoas que morram nas cidades. Esse processo foi continuo passando a existir mais moradores na cidade que no campo finalmente na década de 1960. Darcy Ribeiro antropólogo, lança em 1995, o livro “O Povo Brasileiro”, onde buscou retomar as discussões sobre a cultura popular. O livro, segundo o autor, levou 30 anos para ser escrito, mas a ideia de produzi-lo surgiu na década de 1950, procurando discutir quem é o povo brasileiro e como ele se formou a partir de uma mistura cultural e racial. Para o autor, o Brasil vai ser marcado por uma vasta diversidade cultural que resultou, basicamente, de fatores ecológicos, econômicos e migratórios. Tendo em vista essa grande diversidade, ele divide o Brasil em cinco áreas culturais bastante específicas, as quais ele denomina de brasis crioulo, caboclo, sertanejo, caipira e sulino. Darcy Ribeiro trata o caipira como sendo um sujeito social marginalizado e desarticulado, surgindo a partir das entradas dos bandeirantes paulistas em busca de ouro e escravos indígenas e negros. Foi, segundo ele, no processo de locomoção que partes dos bandeirantes se fixam criando fazendas de gado ou de lavradores. Com a descoberta das jazidas de ouro e diamante apesar de propiciar uma riqueza aparente, elas geraram muita pobreza, onde parte da população morria de fome com as mãos cheias de ouro. Com o fim das jazidas toda população das regiões Centro-Oeste, Sudeste e até mesmo do Sul entra em um processo de “deculturação”. Nessas áreas, o sujeito social se 27
  • 28. “submerge numa economia de pobreza, com a regressão cultural”33. Nessas áreas de mineração vão ser edificadas “arraiais e cidades” que com o fim das reservas minerais acabam estagnados e em decadências onde o comércio e as populações sumiam com os anos entrando em desequilíbrio. Para se chegar ao equilíbrio dessas regiões vai surgir segundo Darcy Ribeiro: O equilíbrio é alcançado numa variante da cultura brasileira e rústica, que se cristaliza como área cultural caipira. É um novo modo de vida que se difunde paulatinamente a partir das antigas áreas de mineração e dos núcleos ancilares de produção artesanal e de mantimentos que a supriam de manufaturas, de animais e serviço e outros bens. Acaba por esparramar-se, falando afinal a língua portuguesa, por toda a área florestal e campos naturais do centro-sul, desde São Paulo, Espirito Santo e estado do Rio de Janeiro, na costa, até Minas Gerais e Mato Grosso, estendendo-se ainda sobre áreas vizinhas do Paraná. Desse modo, a antiga área de correrias dos paulistas velhos na preia de índios e na busca de ouro se transforma numa vasta região de cultura caipira, ocupada por uma população extremamente dispersa e desarticulada. Em essência, exaurido o surto minerador e rompida a trama mercantil que ele dinamizava, a Paulistânia se “feudalizava”, abandonada ao desleixo da existência caipira.34 Ribeiro em oposição a Lobato descreve o caipira como um sujeito independente que dentro de sua rede de relações (os bairros) 35, consegue sobreviver e produzir o suficiente para manter os “enfermos, débeis, insanos e dependentes produtivos”36. Apesar de a sua base cultural estar sendo desintegrado com os avanços de novas formas de exploração agrícola, o caipira ainda constitui uma grande camada populacional brasileira marginalizada servindo de reserva de mão de obra para as grandes lavouras de café. Darcy Ribeiro não vai descrever a cultura caipira com muitos detalhes. Para ele a questão em torno da cultura caipira foi bem trabalhada por Antônio Cândido. Ribeiro classifica a importância da especificidade que o caipira tem dentro da formação cultural brasileira, deixando bem claro que o caipira é um 33 RIBEIRO, op.cit. p. 366 RIBEIRO, op.cit. P. 383. 35 Os bairros são a forma de organização de grupos caipiras, onde a solidariedade com o seu companheiro de bairro e bem presente, para uma melhor discussão ver: CÂNDIDO, Antônio. Os parceiros do rio bonito. São Paulo, Livraria duas cidades, 1987. 36 RIBEIRO, op.cit. P. 385. 34 28
  • 29. homem do campo especifico de uma região brasileira e que não deve ser confundido com o sertanejo. O caipira para o autor vive na economia de subsistência completada por algumas criações domésticas, como galinha, porco e vaca leiteira, o que surgiu devido a vários fatores econômicos, ecológicos, migratórios e históricos, que se desenvolveu nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, atingindo também algumas regiões do Paraná. Ao contrário do sertanejo, que tinha uma economia voltada a atividades de pastoril e criação de gado para o mercado interno, original do sertão nordestino, apesar de, posteriormente, tivesse migrado para a região Centro-Oeste. Com a difusão desse sistema novo, os caipiras vêm desaparecendo, por se tornarem inviáveis as formas de solidariedade que a comunidade possuía, passando a ser substituídas por relações comerciais. Tudo passou a ser comprado, as suas artes artesanais, os tecidos, os utensílios que antes eram produzidos em casa, passaram a ser parte da lógica capitalista do campo e da cidade. O golpe final na vida do caipira tradicional que acaba por marginalizálos e levá-los a migrar para as cidades definitivamente se dão com a ampliação do mercado urbano de carne, e como consequência a necessidade de explorar as áreas mais remotas e de terras pobres ou ricas para a criação de gado. A partir de então, os roçados que ainda lhes pertenciam, por não ter valor para a produção do café ou posterior do milho e da soja passam a servir para o plantio de capim para o gado. Como consequência tira o caipira de seu modo de vida, incorporando os que insistiram em ficar na terra ao sistema de pastoreio. Esse pessimismo dos dois autores em relação à sobrevivência da cultura caipira não é somente do resultado apenas da constatação real dos fatos, mas também de uma relação de imposições arbitrarias, advindas do processo de modernização das cidades e do campo e das políticas governamentais que excluíram esses sujeitos do cenário sociopolítico brasileiro. Com essas imposições que a cultura caipira sofreu leva o indivíduo a mudar seus hábitos, mas sem que isso signifique a perda da sua identidade cultural. A cultura caipira vai ser absorvida no século XX pela mídia e alguns escritores para perpetuar tanto a tradição cultural do interior do Brasil, quanto 29
  • 30. lucrar com visões estereotipadas e muitas vezes fora do contexto real da cultura popular. Além da literatura, já abordada nesse capítulo, as mídias icnográficas como a música, a pintura, o cinema e os quadrinhos vão trabalhar com a imagem do caipira. Dentro deste contexto vão surgir várias figuras de renome nacional. Primeiramente temos as pinturas de Almeida Júnior que retratam a população do interior brasileiro no final do século XIX, temos também Nhô Quim, primeiro personagem das histórias em quadrinhos do Brasil produzido por Ângelo Agostini. No século XX temos o inesquecível Amacio Mazzaropi, figura histórica do cinema nacional, e na década de 60 a grande figura que vai encantar crianças e adultos o Chico Bento de Mauricio de Sousa. 30
  • 31. Capítulo 2: O caipira Chico Bento. 2.1 Mauricio de Sousa: Autor e obra. Na década de 60, as histórias em quadrinhos americanas chegavam ao Brasil por um preço muito abaixo daquele do mercado nacional. Nesse processo muitas revistas nacionais não encontravam parâmetros para uma competição mercadológica. Vão ocorrer no Brasil nesse período profundas transformações políticas e sociais. O período vai ser de uma fase de transição. No campo ocorre uma grande imigração populacional rumo às cidades fazendo com que o número da população urbana fosse maior que a rural. Também ocorre na década de 60 uma grande mobilização social com os movimentos das ligas camponesas com pautas como a reforma agrária, o movimento estudantil com caráter de reivindicações educacionais entre outros grupos organizados como sindicatos e outras organizações sociais. No meio dessa efervescência ocorre o golpe civilmilitar de 1964 que transforma o cenário político e social no Brasil, com a implantação de um regime civil-militar autoritário. Será nesse cénario de efervecencia cultural e politica que surgirá uma nova representação do caipira será agora sobre os traços do quadrinista Mauricio de Sousa. Mauricio de Sousa nasceu em Santa Isabel, São Paulo, no dia 27 de outubro de 1935. Ele vai produzir em sua carreira mais de 500 personagens, e dentro deles 50 são bem expressivos representativos de diferentes setores sociais brasileiros e alguns internacionais. Diferente de outros autores inova o mercado de produções, trazendo para o Brasil o modo de distribuição no formato dos Syndicates americano. Nesse modelo as histórias em quadrinhos sairiam publicadas em vários jornais. Em 1959, aos 24 anos, trabalhando ainda como reporter policial, Mauricio de Sousa vai publicar seu primeiro personagem, O Cãozinho Bidu no jornal Folha da Manhã. Durante 10 anos suas tiras vão passar a ganhar novos personagens passou a atingir vários outros jornais. Vão surgir as histórias, no 31
  • 32. formato de tiras, do Cebolinha, Piteco, Chico Bento, Penadinho, Horácio, Raposão, Astronauta, cheio de humor e voltado para diferentes públicos e questões sociais. Com a fama e uma maior necessidade do mercado, ele buscou ainda na década de 60 montar uma equipe que lhe ajudasse a produzir, sob sua supervisão, as histórias em quadrinhos. Na década de 70, o projeto só vem a ampliar com as histórias em quadrinhos, que passam a ser publicadas em revistas pela parceria entre Mauricio de Sousa e Editora Abril. Essa parceria perdurou até 1986. O sucesso foi tão grande que logo chegaram ao mercado diversos produtos como lápis, canetas, roupas, roupas de cama, xampus, brinquedos que trazem estampados os personagens de Mauricio de Sousa. Na década de 80, outro problema atingem as produções das revistas em quadrinhos: a invasão dos desenhos animados, principalmente os japoneses, que retiram uma grande fatia do público leitor. Juntamente com a crise financeira ocorrida nessa época, os quadrinhos do Mauricio somente entram para o universo da animação na década de 90.37 2.2 – Chico Bento e sua turma. Para entender o universo do Chico Bento é preciso analisar como cada personagem vai ser inserido na história e quais são os seus papéis sociais, o que gera o caráter social e estereotipado do Chico Bento, para tal serão discutidos os seguintes personagens: Zé da Roça; Hiro; Rosinha; Zé Lelé; Padre Lino; Mariana, Dona Marrocas, avó Dita; Bento e Cotinha; Primo Zeca; Genesinho. Há outros personagens secundários, mas serão esses citados que vão ter maior ênfase na construção de uma representação histórica dentro da sociedade e de relevância para a discussão em torno do caipira Chico Bento. Francisco Bento foi criado por Maurício de Sousa em 1961. Seu aniversário é comemorado em 1° de julho. Ele tem 7 anos de idade assim como a maioria dos principais personagens desse autor, Chico Bento surgiu 37 Dados disponíveis em: <http://www.tvsinopse.kinghost.net/art/m/mauricio-de-sousa.htm> Site consultado na data: 02/10/2013. 32
  • 33. como coadjuvante dentro das histórias “Hiroshi e Zezinho”, no jornal Diário de S. Paulo. Ele sempre está vestido com uma calça azul quadriculada, camiseta amarela, chapéu e costuma andar descalço, exceção quando vai visitar familiares na cidade, nos dias chuvosos, quando vai à missa aos domingos, quando vai namorar Rosinha ou a festas. Sobre a vestimenta fica bem clara a utilização das cores para simbolizar a brasilidade do Chico Bento, o azul e amarelo da bandeira do Brasil. Chico Bento possui como sua maior característica a linguagem caipira, de que voltaremos a falar mais a frente. Na figura 1 se têm alguns exemplos das diferentes representações do personagem Chico Bento, das mudanças que o personagem sofreu durante os diferentes períodos em que ele foi produzido. Inicialmente ele era representado como um garoto bem magro, onde os pés descalços são bem enfatizados. Notam-se os traços bem delineados dos pés do Chico Bento e uma falta de preocupação com outros detalhes. Fechando o conjunto o personagem usa uma roupa esfarrapada e com remendos, um chapéu de palha bem gasto, o galho de arruda na cabeça para espantar o mau olhado e o penduricalho no pescoço. Chico Bento foi construído assim para simbolizar a pobreza da vida do caipira, com alguns traços que representam a vida social do sujeito como a religiosidade, tão presentes no universo caipira. A mudança para um personagem mais infantil ocorreu, pois o personagem era inicialmente destinado para um público adulto, voltado para discutir problemáticas da terra de maneira cômica nas tiras do jornal Diário de São Paulo, ao lado dos personagens Zé da Roça e Hiroshi. 33
  • 34. Figura 1 Chico Bento e suas diferentes versões38 O personagem Zé da Roça é um dos primeiros criados por Maurício de Sousa. Surge em 1961 em tirinhas no Diário de São Paulo com nome de “Hiroshi e Zezinho”. Acaba perdendo espaço para o personagem secundário Chico Bento, segundo o relato do Mauricio de Sousa, que considerava o Chico Bento “mais interessante do que os dois primeiros muito certinhos”39, Zezinho com o tempo tem seu nome modificado para Zé da Roça. Recentemente o 38 Imagem retirado do site: http://www.getback.com.br/Monica/Evolucao%20dos%20personagens/evolucao%20personagens.htm. Site consultado no dia 02/10/13 39 SOUSA, Mauricio de. In http://www.guiadosquadrinhos.com/personbio.aspx?cod_per=469. Site consultado no dia 05/10/13. 34
  • 35. autor para dar nome aos personagens revela o seu nome oficial, que é José Augusto Oliveira. O personagem também vai ter sete anos de idade, usa um chapéu de palha e botas o que distingue dos personagens caipiras que andam descalços. O personagem não fala o “caipirês”, pois ele não representa o caipira nas histórias, apesar de ter uma vestimenta típica do campo, isso fica bem visível comparando-se com a primeira tira em que o Chico Bento aparece. Figura 2 Chico Bento em sua primeira aparição40 A caracterização do personagem Chico Bento é bem diferente do personagem Zé da Roça. Isso fica visível na própria vestimenta dos personagens: Zé da Roça se apresenta utilizando sapatos, e roupas em bom estado a o contrario do personagem Chico Bento, que está de pés descalços, com roupas remendadas e rudimentares, usando um chapéu de palha bem velho. Nas histórias apresentadas nos balões também não vão ser diferentes as falas e a mentalidade de ambos. As tirinhas do Zé da Roça também vão ser publicadas na revista chamada “Coopercotia”41, voltada para o público do campo e principalmente ao agricultor associado a essa cooperativa, o que também vai enfatizar a representação de um agricultor, não a de um caipira. Nesse mesma tira a história apresentada diz respeito a um dos problemas sociais em discussão na época, a questão da reforma agrária. Por ser voltada 40 Imagem retirada do site: http://www.mundohq.com.br/site/detalhes.php?tipo=5&id=297. Site consultado no dia 02/10/13. 41 Essa cooperativa surge em São Paulo na década de 1920 dentro dos grupos de imigração Japonesa atuando até 1994 quando entra em falência. Dados disponíveis em: <http://nikkeypedia.org.br/index.php/CAC-Cooperativa_Agr%C3%ADcola_de_Cotia> Site consultado na data: 24/11/2013. 35
  • 36. para um público adulto a questão pode ser bem problematizada no quadrinho, e Chico Bento, por representar o lado pobre da sociedade, fez com que a questão se tornasse bem enfatizada: primeiro sua ignorância sobre o assunto, e depois pela sua ação em buscar de maneira “cômica” de fazer doações de porções de terra dos seus amigos, uma vez que ele próprio não possuía terra. Essa discussão da reforma agrária foi muito debatida na década de 60. Nesse período ocorreu um processo de discussão intelectual como Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro, Alberto Passos Guimarães em torno das questões agrárias. Essas discussões buscavam soluções para o problema agrário brasileiro. “Para Caio Prado Júnior, a solução da questão agrária deveria significar a realização de uma reforma agrária que modificasse as condições existentes no campo brasileiro e possibilitasse a elevação do padrão de vida humano da população trabalhadora do campo”42 Além das discussões intelectuais ocorre a criação do estatuto da terra em 1964, composto de 128 artigos que regulamenta os fins de execução da reforma agrária, delimita as taxas de impostos sobre a terra, os investimentos, a regulamentação da posse e quem fiscaliza as terras43. Na figura 1 e 2 também e possível notar a representação de outro personagem o “Hiroshi”. Esse personagem surge conjuntamente com o Zé da Roça nos quadrinhos “Hiroshi e Zezinho”. Ele é um nissei, descendente de japonês. Mauricio de Sousa possivelmente deve ter criado o personagem inspirado na grande quantidade de imigrantes orientais que São Paulo possuía devido à grande imigração que ocorreu no início do século XX, principalmente as que se dirigiram para o campo, e por sua própria família possuir alguns representantes dessa população. Seja como for, o personagem não tem nenhuma característica do campo, apesar de sua família viver na Vila Abobrinha e sobreviver do campo, mantendo as tradições orientais veio da cidade grande, provavelmente de São Paulo, para o campo. Não é um personagem de humor como os demais, mas tem sua importância por estar 42 SILVA, Ricardo Oliveira da; WASSERMAN, Claudia. A questão agrária brasileira (1950 -1960): A análise histórica de Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior. Disponível em: <www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=102>. Site consultado na data: 24/11/2013. 43 Dados disponíveis em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4504-30-novembro1964-377628-normaatualizada-pl.html> Site consultado na data: 24/11/2013. 36
  • 37. representando essa população descendente dos imigrantes japoneses. Outra característica importante do personagem é seu bom português, talvez como consequência de imposições dos governos em se estudar somente o português nas escolas. Sua vestimenta é uma das características que comprovam sua vida na cidade, Hiro veste uma camiseta pólo branca e um boné, tendência do estilo urbano. Mauricio de Sousa vai produzir outros personagens orientais, mas aparecem em poucas histórias da turma da Mônica. O seu nome também sofreu alteração recebendo uma simplificação, passando de Hiroshi para Hiro, e recentemente tem seu nome completo divulgado Hiroshi Yoshida Takahashi. Esses dois personagens que surgem antes mesmo do Chico Bento, não possuem uma relação cômica com a história, muitas vezes é eles que vão dar uma resolução para os problemas que a turma cria ou nas quais se envolve. Zé da Roça e Hiro se tornam a consciência da turma do Chico Bento, e também representam outro lado do universo do campo, Zé da Roça um caipira em transformação que possui uma grande inteligência e não fala mais o “caipirês”, um sujeito que deixou de lado suas características caipiras, pelo contato com a modernidade cada vez mais presente no interior brasileiro. Enquanto isto o Hiro está representando a imigração de estrangeiro para o campo em especial a imigração japonesa que foi bem comum no Brasil. 2.2.1 – O processo de transformação dos personagens. São cinquenta anos de criação dos principais personagens de Mauricio de Sousa e durante processo alguns dos personagens vão sofrer diversas transformações, ou por necessidade de atingir diferentes públicos, ou por causa das relações sociais e políticas envolvidas durante o processo de publicação. Os personagens vão sofrer transformações visuais com o melhoramento das técnicas de criação, “Os cinco grandes: Mônica, Magali, Cascão Cebolinha e Chico Bento” de Mauricio de Sousa desde seus primeiros traços vão ganhar diferentes formas e roupagem até atingir os modelos que hoje são publicados. Mas são dois personagens que vão sofrer grandes transformações: a Tina e o Chico Bento. 37
  • 38. Tina foi a personagem de Mauricio de Sousa que mais sofreu alterações durante os anos. Ela surgiu em 1964 e vai ser publicada dentro das histórias da Turma da Mônica, baseado também em suas filhas adolescentes, na onda hippie que ganhou grande força nos Estados Unidos com o slogan “paz e amor” a filosofia de contracultura, que se espalhou pelo globo chegando a influenciar movimentos culturais no Brasil. Ela surgiu como personagem secundária nas histórias do seu irmão Toneco, mas aos poucos acaba se tornando a personagem principal e seu irmão acaba desaparecendo das histórias. Tina, representando inicialmente uma criança hippie, ligada aos problemas familiares, passando depois para uma adolescente. Nos anos 70 com a decadência do movimento hippie Tina sofre mais uma alteração, deixando de lado seu lado hippie passando a se preocupar com os problemas que um jovem adolescente enfrenta. Os personagens familiares desaparecem e surgem novos que vão estar ligados aos problemas adolescentes. Outra curiosidade da personagem é sua relação com o trabalho. Tina já foi uma vendedora de badulaques em sua fase hippe nos anos 70, uma vocalista de banda de rock em 1972, uma joqueta em 1976, uma entrevistadora em 1977, uma modelo em 1981, uma cozinheira em 1984, uma cabelereira em 1990 e até o momento já teve pouco mais de 65 profissões44. Atualmente Tina é representada como jornalista, num estereotipo de modelo feminino atual: magra, cabelos lisos, bonita. 44 Dados disponíveis em: http://turmadamonica.uol.com.br/mauricio/cronicas/cron171.htm. Site consultado no dia 07/10/2013 38
  • 39. 45 Figura 3 Evolução da Tina Chico Bento que inicialmente era um personagem secundário nas histórias de “Hiroshi e Zezinho”, tem as características que podemos ver na imagem abaixo: Figura 4 primeiras representações do personagem Chico Bento nas histórias de Hiroshi e Zezinho46 Na imagem e possível notar a diferença de construção entre o personagem Zezinho e o personagem Chico Bento que apresenta várias características estereotipadas em torno do caipira. Primeiro, seu grau de pobreza, demonstrado pelos seus pés descalços bem desenhados, sua calça remendada e um chapéu de palha bem gasto, em segundo lugar Chico 45 Imagem disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tina_(Mauricio_de_Sousa). Site consultado no dia 07/10/2013. 46 Imagem disponível em: http://filmesemquadrinhos.blogspot.com.br/2013/06/especial-chicobento.html. Site consultado no dia: 01/11/2013. 39
  • 40. também representa as crendices populares da população do campo, na imagem ele apresenta o galho de arruda atrás da orelha, que segundo a crendice popular serve para espantar o mal olhado, e também a presença do penduricalho religioso que simboliza a sua ligação com o catolicismo. Podemos ver sua mudança a partir da imagem abaixo: Figura 5 Chico Bento na cidade47 O quadrinho acima demonstra outro Chico Bento se comparado com a figura 4. Suas características físicas são totalmente diferentes: o personagem, encolheu, ganhou uma aparência mais infantil, e bem menos pobre como aparenta a primeira representação do Chico, suas roupas também mudaram, ganhando uma calça quadriculada azul, e uma camiseta amarela, simbolizando duas cores da bandeira brasileira, demonstrando assim um tom de nacionalidade ao personagem. No caso do quadrinho acima, Chico Bento está usando um casaco quadriculado azul combinando com a calça e botas. Essas duas partes da vestimenta não são comum ao personagem, pois ele só 47 SOUSA, Mauricio de. Chico Bento. São Paulo: Ed. Abril, 1986. Pg. 4. 40
  • 41. apresenta esse tipo de roupagem em eventos especiais que ocorrem no campo ou, como no caso desse quadrinho, quando ele vai a cidade visitar seu primo. Ainda sobre este quadrinho outro ponto importante que ele apresenta é a utilização de armas de fogo. A utilização da arma de fogo nos quadrinhos do Chico Bento é bem enfatizada nas histórias que ocorrem no campo, principalmente ligadas a personagens que buscam caçar animais, ou então em vigiar sua plantação contra os “furtos” que as crianças fazem em suas plantações. Nesse período, a criança era vista de forma diferente do que nos dias atuais, não se via nada estranho no fato de uma criança de 7 anos como o Chico Bento segurando uma arma de fogo. Estas concepções claro vão se alterar durante os anos, vão ocorrer mudanças de incentivo ao desarmamento e de não incitação a violência, principalmente para as crianças. Essas concepções vão alterar essas representações de violência e de exposições de armas nos quadrinhos do Chico Bento, desaparecendo a utilização de qualquer tipo de arma. Mas, vão ter ainda algumas exceções em casos específicos onde demonstram o lado ruim da utilização ou contra algum tipo de caçador, já que as revistas do Chico Bento buscam o lado de defensor da natureza. O uso de armas de fogo é das tradições e uma necessidade para o povo do campo, e se falar na população caipira que muitas vezes precisavam caçar para poder ter o que comer. Está é uma representação que as histórias do Chico Bento deixam de representar. Na década de 1990 com as políticas de censura de conteúdo violento ou que ínsita a violência para as crianças e adolescentes o personagem passa de deixar de interagir com mais frequência com armas de fogo. 2.2.2 – O caipira como sujeito ingênuo, literal, preguiçoso e humilde. Com a análise das revistas pode se perceber que o personagem Chico tem várias características humanas, mas sempre ligados a figura do “bom moço”. Ele foi representado como um menino carinhoso, prestativo, conservador, apegado à família, com humor instável e sentimental. Ele é 41
  • 42. apresentado com certa ingenuidade e literalidade, ou seja, na maioria das histórias ele foi caracterizado como menino sem malícias, que compreende tudo ao pé da letra. Essa característica é bem enfatizada em suas primeiras aparições, mas esse conceito de literalidade no Chico Bento foi aos poucos e com o passar dos anos mudando. Ele não vai deixar de ser um sujeito literal, mas para contrapor essa característica existente no Chico Bento vai ser criado um novo personagem o seu primo o Zé Lele. O personagem Zé Lelé tem por nome José Leucádio da Cunha Bento Filho, tem 7 anos de idade, é primo do Chico Bento. Maurício de Sousa se inspirou para criar o Zé Lelé no irmão gêmeo de seu tio avó. Foi criado em 1974 como personagem secundário nas histórias, mas por sua personalidade acaba se tornando, usando os termos dos quadrinhos, o “Robin para o Batman”, o seu escudeiro nas suas aventuras. Zé Lelé também fala o caipirês e usa chapéu de palha, mas ganhou maior fama pela sua falta de inteligência, por isso o apelido “Lelé”. De certo modo, a aparição do personagem acaba tirando o foco que antes pertencia ao Chico Bento em relação à inteligência. O Zé Lelé também representa o caipira, mas é apresentado muito mais caracterizado na questão da ignorância, como sendo um sujeito que não possui condições de resolver problemas considerados simples, um sujeito literal em excelência tomando tudo ao “pé da letra” e isto acaba causando aos outros personagens um grau de irritação tornando cômicas as histórias do Chico Bento. Assim como seu alto grau de ingenuidade, caindo sempre nas conversas e piadas dos colegas, esse problema será muito comum na caracterização criada por Monteiro Lobato no Jeca Tatu, o que demonstra uma grande carga de preconceitos definidos da visão que o Mauricio de Sousa possui em relação ao caipira. Outro ponto apresentado pelo Maurício de Sousa é a preguiça, como visto no quadrinho abaixo. Essa característica é a que mais se aproxima da construção feita por Monteiro Lobato. Nos quadrinhos do Chico Bento têm-se algumas representações características. A primeira, ao ser representado no personagem está ligada à sua vontade de não trabalhar, de não ir a escola. Assim, o pesquisador Waldomiro Vergueiro afirma que Chico Bento é um 42
  • 43. “menino caipira baseado no Jeca Tatu de Monteiro Lobato” 48. Apesar de muitas características serem similares, principalmente no Chico Bento representado nas suas primeiras publicações, esse argumento foi desmentido pelo próprio Mauricio de Sousa que relata que seu personagem foi inspirado em seu tio avô, e sua aproximação com Lobato foi uma coincidência, pois ambos são produzidos no vale do Paraíba49. Figura 6 Representação da preguiça50 A segunda representação da preguiça está mais vinculada a questão da vida no campo, por ser considerada uma vida diferente da cidade, um modo vida calmo e pacato, onde tudo é realizado sem pressa. Uma representação possível é como ocorre na imagem acima onde o pescar, o trabalhar, o estudar 48 VERGUEIRO, Waldomiro. In CORIO, Maria de Lourdes Del Fáveri. O personagem “Chico Bento”, suas ações e seu contexto: Um elo entre a tradição e a modernidade. Marília-SP. 2006. Pg. 125 49 CORIO, Maria de Lourdes Del Fáveri. O personagem “Chico Bento”, suas ações e seu contexto: Um elo entre a tradição e a modernidade. Marília-SP. 2006. Pg. 127 50 SOUSA. Mauricio de. Chico Bento. São Paulo, Ed. Globo: 2003. N° 423. 43
  • 44. e até desenhar os quadrinhos é preguiçoso. É um modo de vida totalmente oposto as cidades que sempre são representadas nos quadrinhos do Chico Bento muito movimentadas cheias de pressa. Isto é possível notar na figura 5, onde os personagens urbanos são representados correndo em busca do transporte público. Além dessa identificação, foi possível notar alguns aspectos de sua vida e sua relação com o campo para representar algumas concepções de modo pejorativo como: um genuíno representante da vida rural; não se preocupa com a “moda”; sua escola é a tradicional; seus maiores amigos são seus animais de estimação; ele dança nas festas juninas; não é consumista; trabalha na roça; preserva a simplicidade; canta moda de viola; está sempre pronto a ajudar as pessoas que dele necessitem; gosta de pescar, isso é bem enfatizado, pois foi possível ver uma grande quantidade de capas que ilustram uma pescaria. Apesar de todas essas formas fazerem parte do meio de viver na roça, não é representação de todos os modos de viver, da cultura do caipira, pois não são todos que cantam moda de viola ou que não gostam de consumir ou se vestir bem. A maioria dessa população tem esse estilo de vida, pois não possuem outro meio de sobrevivência. Dentro das características apresentadas pelo personagem Chico Bento destaca-se a concepção de humildade, e a falta de ambição que são dois fatores recorrentes do personagem. Maurício de Sousa poderia ter pensado nessa representação por dois motivos. O primeiro para representar a forma de vida difícil e sem mudança que a população caipira sofre e com isso não buscam os bens materiais. O segundo motivo talvez se coloque na oposição à vida urbana e ao consumismo. Sobrevivem mais voltados para o dia-a-dia, encontrando felicidade e paz com o básico para a sobrevivência. De certo modo os dois motivos fazem sentido dentro do universo caipira. Porém a população caipira não é estagnada ela sofre mudanças e constantemente se interage com o universo capitalista. Essa representações apesar de fazer parte de uma parcela dessa população é uma visão estereotipada e generalizada, pois não fazem parte de todos. 44
  • 45. 2.2.3 – A educação brasileira no campo representado nas histórias do Chico Bento. O tema escola e bem recorrente nas histórias do Chico Bento, ao contrário das histórias da Turma da Mônica que raramente apresentam algo ligado a educação. A partir da análise das revistas pode se chegar a algumas considerações sobre o porquê da necessidade de representar a escola no campo. Primeiramente podemos pensar sobre a questão da linguagem caipira, e como ela é vista como problema que precisa ser resolvido. Isso fica bem visível na representação da figura 7 abaixo. Nessa história temos a representação do nervosismo da professora com o modo de falar “errado”. Dentro das normas cultas brasileiras, e durante o desenrolar da história ocorre a busca do Chico em tentar melhorar seu português com auxílio dos colegas e dos pais, mas ele acaba notando que todos falam igual a ele e que não serão eles que poderão ajuda-los. Chico Bento, por fim, passa a estudar nos livros e durante a aula demonstra a mudança falando um português culto dentro das normas dando alegria para a professora. 45
  • 46. 51 Figura 7 Chico Bento na escola Um segundo ponto sobre o porquê das escolas aparecerem nas histórias do Chico Bento, diz respeito à questão da própria realidade de ensino no campo, principalmente durante as primeiras décadas de publicação das histórias do Chico Bento. Isso também ocorre ainda hoje, um fator comum principalmente nas cidades do interior. A educação no campo é bem precária, a uma grande falta de professores, os mesmos tem a de ensinar mais de uma matéria, a também uma grande falta de estrutura, faltando desde livros didáticos, funcionários, cadeiras para os alunos até mesmos os prédios escolares. Pensando nesse cenário social e bem presente dentro das relações sociais da população caipira é possível pensar que foram esses os motivos das representações do universo escolar nas histórias do Chico Bento. Sobre a educação não podemos deixar de falar da personagem Dona Marocas. Este personagem é imprescindível para nossa leitura da realidade escolar das histórias. Ela protagoniza, praticamente, todas as histórias que envolvem situações escolares. A personagem é a professora da Vila 51 SOUSA. Mauricio de. Chico Bento. São Paulo, Ed. Abril, 1985. Pg. 3-7. 46
  • 47. Abobrinha. Quando Dona Marocas surgiu, era uma professora velha, que distribuía broncas, bem no estilo de ensino tradicional, com regras e punições para os alunos. Isso podemos ver no exemplo da figura 6, onde a professora busca castigar o aluno por não falar um português correto. Maurício de Sousa talvez representa neste personagem a sua visão sobre o processo educacional no Brasil, mas enfatizado com as características da educação no interior do Brasil, por isso a personagem sofre mudanças físicas durante o processo, ganhando um par de óculos tradicionais e um coque no cabelo, com uma metodologia de ensino diferente. Um dos problemas enfrentados pela professora e muito comum no ensino brasileiro é a negação do aluno em estudar. Isso fica visível na falta de “pressa” dos alunos, assim como também a falta de interesse pela aprendizagem. Contudo, não será em todas as histórias que isto vai acontecer. Vai haver momentos em que a relação do personagem Chico Bento com a educação busca um sentido diferente como no caso das datas comemorativas, das questões religiosas e da família. O personagem acaba deixando de lado sua realidade de um aluno que não liga para o ensino tirando sempre notas baixas, para um aluno completamente conhecedor do conteúdo digno de uma nota dez. 2.2.4 – A linguagem caipira. A língua utilizada pelo personagem Chico Bento e pela maioria dos personagens que representam a o modo de vida caipira é o “caipirês” uma das principais marcas das histórias em quadrinhos do Chico Bento. Todas as falas de Chico Bento são escritas de maneira a ferir propositalmente a ortografia. Maurício de Sousa utiliza desse recurso para transportar o leitor ao contexto rural, mas mais especificamente para o mundo caipira. O “caipirês” apresentado pelo personagem Chico Bento possui em mais de 50 anos de sua existência algumas transformações. Durante as suas 47
  • 48. primeiras publicações o personagem possui uma fala muito mais complexa. Para um público leitor e leigo, o modo de falar do caipira chega a ser incompreensível, exigindo um esforço do leitor para entender o que o personagem está falando. Com a mudança de público leitor, e por diversas críticas recebida por outros intelectuais, que ocorreram principalmente durante a ditadura civil-militar “O Chico Bento era para ser proibido de ser publicado, ou ele tinha de falar o português correto”52. Sousa adapta a língua caipira para uma forma mais simplificada, assim as crianças poderiam entender facilmente as falas do Chico Bento. Vários escritores, escrevendo sobre o caipira vão se utilizar da fala do caipira para satirizar esse morador do campo. Nos quadrinhos do Chico Bento isso também e percebido, principalmente quando o personagem entra em contato com pessoas da cidade onde as relações socioculturais são diferentes. Mauricio de Sousa traz a fala do caipira para o personagem, e demonstra-o da mesma forma que o português de norma culta, ou seja, as falas em “caipirês” não são sublinhadas ou grifadas para distinguir da norma culta brasileira, o que demonstra que ele entende que a fala do personagem é uma realidade social de grupos específicos que vivem nas regiões de São Paulo. Apesar disso, como podemos ver na figura 6, a uma busca de demonstrar que a língua caipira precisa ser eliminada por estar fora dos padrões da norma culta. Segundo Darcy Ribeiro, a língua caipira vai ser uma miscigenação da língua e modo de falar dos indígenas com o português; assim o caipira vai adquirir dos indígenas suas dificuldades com a fala, por exemplo, “em articular o ‘lh’ o que fazia a pronúncia não soar como deveria. Por isso, colher se transformou em ‘cuié’ e mulher em ‘muié’” 53. Esse tipo variação da linguagem vai se adaptar e existir dentro de uma determinada cultura a partir do momento em que ocorre um isolamento de grupos sociais que estavam integrados dentro de uma lógica social mais abrangente. 52 Entrevista concedida ao programa “Agora e Tarde” do apresentador Danilo Gentili na data de 19/04/2013. Disponível: <http://www.youtube.com/watch?v=BAKEYURkxiY> Site consultado na data. 25/11/2013. 53 RIBEIRO, op.cit. 48
  • 49. Com esse isolamento esse grupo social vai produzir e adaptar o meio para suas formas de sobrevivência, isto vai incluir a língua dessa população. Quando esse fenômeno ocorre em larga escala e durante um longo período de tempo essas populações vão acabar adquirindo tantas características próprias que será difícil que grupos sociais antes unidos possam se compreender. Nos casos em menor escala e de menor duração esse fenômeno não chega a se completar. As características dos grupos apesar de apresentarem diferenciações ambos conseguiram entrar em comunicação, passando assim a romper o processo de diferenciação sociocultural 54. Com essas considerações é possível afirmar que a fala do personagem Chico Bento é a representação da língua caipira uma variação linguística da língua portuguesa e que está possui uma construção sociocultural dentro da história brasileira. 2.2.5 – A religiosidade no universo caipira. As histórias do Chico Bento trazem uma importante discussão sobre o mundo religioso que raramente vai aparecer nas histórias em quadrinhos voltadas para o universo infantil. As representações religiosas são voltadas para o universo do catolicismo. As questões religiosas vão aparecer em dois aspectos importantes dentro da história. A primeira na formação do próprio nome do Chico Bento. A segunda na representação do personagem padre Lino. O nome de um personagem já é uma parte importante para identificar as características do personagem, será o nome que indicará os conteúdos ideológicos e estéticos do personagem. Mauricio de Sousa é um grande exemplo desse tipo de construção, podemos citar alguns exemplos de seus personagens, entre eles temos, o “Teveluisão” um personagem fanático por televisão, temos também o “Cebolinha” um personagem com cara de cebola, ou então o “Louco” personagem maluco que comete todo tipo de loucuras. O Chico Bento também é um personagem muito ligado ao seu nome, e o nome dele podemos dividir em duas representações. 54 Adaptado do site: <http://www.aldobizzocchi.com.br/artigo52.asp> Site analisado na data: 24/11/2013 49
  • 50. A primeira parte do nome “Chico” é o apelido do nome real dele que é Francisco, esse nome é derivado de São Francisco de Assis. Em uma das histórias do Chico Bento se apresenta a história de seu nascimento e como a representação do próprio Francisco de Assis vai auxiliar a família Bento a chegar ao cartório para dar nome ao seu filho, e por essa ajuda inesperada a família Bento coloca o nome de Francisco Bento. São Francisco de Assis foi santificado pela igreja católica como o maior exemplo de humildade humana que já viveu na terra. É a partir desta representação de humildade que São Francisco possui que vai ser construída a representação do personagem Chico Bento. Sobre o seu sobrenome “Bento”, que significa algo ou alguma coisa consagrada pela proteção concedida por Deus55, demonstra toda sua ligação com as tradições religiosas católicas. Mauricio de Sousa traz o mundo religioso para os quadrinhos, pois está é uma relação fundamental no universo caipira. Vai ser a relação organizada pelas comunidades caipiras em torno das igrejas, que vai constituir grande parte das tradições culturais desta população, ficando ligado ás relações de festividades em torno de dias santos. A segunda representação importante em torno das questões religiosas é o personagem padre Lino. Ele é uma figura emblemática nas histórias do Chico Bento. É conhecido como padre Lino ou frei Lino ou também vigário Lino, é o pároco da igreja da Vila Abobrinha. Ele é católico, veste trajes típicos de monges franciscanos visível na figura 8. O personagem utiliza túnicas, com capuz e tem na cintura uma correia ou o cordão, o topo da cabeça raspada e sandálias de couro, mas por não ser um personagem principal seu tipo de vestimenta pode sofrer alterações de uma revistinha para outra, mas não deixa de representar um padre da igreja católica. 55 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Positivo, Curitiba; 2009. 50
  • 51. Figura 8 Padre Lino nota-se sua vestimenta e a cabeça raspada típica dos monges franciscanos.56 Vai ser o padre Lino que irá perdoar os “pecados” que os personagens vêm cometendo nas histórias e também mediar os conflitos como demonstrado no quadrinho acima. Também a partir dessa representação é possível afirmar que se trata de um padre franciscano que vai simbolizar os votos de pobreza e auxilio à população pobre. Busca demonstrar o quanto essa população do interior brasileiro, entre elas a população caipira do interior paulista, que sofre com a miséria e o abandono produzido na história brasileira. Será nesses locais de abandono social que a ordem franciscana vai agir, buscando trazer conforto espiritual para essa população. Apesar dessa problemática não ser bem enfatizada nas histórias do personagem ela fica subentendida dentro da história do Chico Bento. Elas representarem as relações sociais ligadas às questões religiosas da população do interior paulista. O autor traz o fator religioso para a revistinha por ser uma das características que ele aponta ser do mundo caipira. Isso também e bem visível na figura 1 e 2, onde o personagem Chico Bento carrega em seu pescoço um escapulário para trazer proteção divina, o mesmo se apresenta no cenário com 56 SOUSA. Mauricio de. Chico Bento: histórias da vó dita. Coleção um tema só. São Paulo, Ed. Globo, 2005. N° 48, p.19 51
  • 52. a representação de uma igreja. Segundo Darci Ribeiro, a igreja no meio rural “pode ser o orgulho local pela frequência com que se promovem missas, festas, leilões, e casamentos, sempre seguidos de bailes”57. 2.2.6 – A relação campo x cidade e a desigualdade social. Um dos conceitos apresentados nas histórias do Chico Bento é a diferença entre a cidade e o campo. Mauricio de Sousa produz suas histórias a partir das histórias ouvidas de sua avó. Tendo pouco contato direto com essa população, será a partir desse imaginário que ele vai produzir sua representação do caipira. Quando ele trata da relação entre o campo e a cidade os problemas socioeconômicos que a população do campo possui entram em conflito com os problemas encontrados nas cidades. Apesar das histórias do Chico Bento apresentarem várias discussões em torno das relações sociais, suas histórias são voltadas para o universo infantil. Por essa razão, algumas discussões não são aprofundadas, apresentando discussões de maneira superficial. Uma delas vai ser a desigualdade social, característica marcante no campesinato brasileiro. 57 RIBEIRO, op.cit. Pg. 384 52
  • 53. Figura 9 Chico Bento e seu Primo Zeca representação dos problemas entre a cidade e o campo. 58 Na figura acima temos um exemplo da relação campo x cidade, e algumas questões podem ser destacados. Primeiramente a construção do personagem o “Primo Zeca”, que inicialmente era só conhecido como “Primo”, esse personagem surge na década de 70, com essa característica de sempre entrar em contradição com o universo do campo. Sua aparência vai se alterar durante os vários anos de publicação até se fixar com a aparência representada no quadrinho acima. O mesmo vai acontecer com seus pais. Isso ocorre por dois motivos, primeiro pela despreocupação em representar o personagem considerado secundário ou por mudarem de desenhista, e segundo, pela necessidade de uma estética diferente, pois o personagem pode ter ganhado um grau de importância nas histórias ou não está mais dentro do 58 SOUSA. Mauricio de. Chico Bento. São Paulo, Ed. Globo, 2001. N° 387. P. 3 e 14. 53
  • 54. contexto histórico. Como exemplos desses processos, temos também a própria Mônica que Sousa relata: Eu tinha criado mais histórias, mais desenhos, eu fui tirando cabelo dela, eu fui eliminando cabelo, até ficar os cinco fios, por que dava muito trabalho fazer esse negocio toda a hora.59 Na figura 9 temos nas primeiras falas do personagem: “Nossa, Chico! Que vidinha chata que você tem aqui, hein?” é uma representação do descontentamento do personagem Primo Zeca ao modo de vida que o personagem Chico Bento tem. Logo dá a se entender que o modo de vida do personagem na cidade é o oposto, uma vida agitada como a representação da figura 5 onde está representado a pressa que a população urbana possui em sua vida cotidiana. No segundo quadro do quadrinho acima Zeca fala “sem eletricidade, gás, água encanada!” e segue “Sem falar em tevê, cinema, parques de diversão!” Zeca apresenta um dos problemas comuns no campo, principalmente problemas comuns nas décadas de 70/80/90, onde há uma grande falta de saneamento básico, água encanada, gás e até mesmo eletricidade. Essa questão hoje já chega a ser incoerente, pois houve um grande avanço da distribuição desses meios básicos de vida e da modernização do campo. Apesar do grande avanço tecnológico do século XXI, uma parcela da população do campo não possui ainda esses produtos tão essenciais para a grande maioria da população, mas, como foi visto no capitulo 1, que a modernidade é um dos fatores que levam a extinção da cultura caipira, é possível concluir que as histórias do Chico Bento não vão perder estes traços marcantes, mesmo que a realidade social se altere. O segundo ponto e o descontentamento do personagem ao saber que o campo não possui equipamentos eletrônicos como a televisão e locais de diversão como o cinema e parques de diversão. Apesar da questão dos equipamentos eletrônicos ser uma questão bastante ultrapassada, já que na maioria da população do campo no sul e no sudeste no século XXI possui pelo menos acesso a informação global por algum equipamento eletrônico seja ele 59 Entrevista concedida ao programa “JB Fora do ar” na data de 29/10/2012. Disponível no site: <http://www.youtube.com/watch?v=o7lGj3c1GNQ> Consultado na data: 25/11/2013. 54
  • 55. radio, televisão, internet ou telefone, em muitas regiões do interior brasileiro o acesso a cinemas, parques de diversão é muito precária, só ocorrendo com o aparecimento de cinemas ou parques móveis. Sobre a questão nesse quadrinho é importante salientar que o personagem Primo Zeca ao perceber que não existe essas formas de interação e de divertimento não consegue encontrar alguma forma de se divertir, gerando nele uma monotonia e tedio, pois para ele não tinha nada para ser feito. Vai ser a ação do Chico Bento que o leva para nadar no lago, pegar goiabas, brincar com os animais da floresta, pescar, entre outras atividades. O quadrinho acima traz uma história onde entram em choque as concepções do Primo com Chico Bento numa disputa de sobrevivência ao se perder no meio do mato, Chico age como conhecedor do assunto e passa a preparar os meios corretos de sobrevivência, enquanto isto o Primo passa a confiar na tecnológica. Primeiramente Chico trata que só vai precisar de um graveto para sua sobrevivência e o Primo vai utilizar do seu computador. Enquanto Chico vai demonstrando como sobreviver, marcando o caminho procurando agua, fazendo fogo e até pescando com o graveto o Primo vai afirmando que o computador poderia lhe informar onde ele poderia arranjar tudo isso. Quando o Primo resolve provar que o computador poderia fazer tudo isso, o mesmo ficou sem bateria. Essa história demonstra a relação de conhecimento que os dois diferentes grupos sociais possuem. Primeiro o sujeito do campo que vai ser o conhecedor de tudo relacionado ao modo de viver no campo, mas que pouco conhece do modo de viver na cidade, enquanto isso temos a representação do sujeito social que vive na cidade, totalmente ligado a tecnologia e que não conseguiria sobreviver sem ela. Como melhor exemplo a isso temos a última página do quadrinho representado na figura 9, onde o personagem Primo ao conseguir energia para seu computador retorna ao seu ponto de origem um sujeito social urbano, que não vive sem tecnologia. Seguindo esse mesmo processo o mesmo vai ocorrer quando o personagem Chico Bento vai visitar seu Primo na cidade. Chico não consegue se adaptar ao modo de viver na cidade, pois para ele lá é um local muito 55