NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006
1. JOZAFÁ BATISTA DO NASCIMENTO
A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006
Monografia apresentada ao Centro de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal do
Acre para a obtenção do título de Bacharel em
Ciências Sociais com Habilitação em Sociologia
Área de Concentração: Sociologia
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eurenice Oliveira de Lima
Rio Branco
2012
2. 2
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por
qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa,
desde que citada a fonte.
CATALOGAÇÃO DA PUBLICAÇÃO
3. 3
Nome: NASCIMENTO, Jozafá Batista do
Título: A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a
2006
Monografia apresentada à Universidade Federal do
Acre para a obtenção do título de bacharel em
Ciências Sociais com habilitação em Sociologia
Aprovado em:_________/__________/____________________
Banca Examinadora
Prof.ª Dr.ª Eurenice Oliveira de Lima
Instituição: ____________________________________________________
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Prof. Dr. Nilson Euclides da Silva
Instituição: ____________________________________________________
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Prof.ª Msc. Letícia Helena Mamed
Instituição: ____________________________________________________
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
4. 4
Agradeço à minha orientadora, Eurenice Oliveira
de Lima, por não ter me permitido desistir. Ao
Museu da Borracha e ao CDIH/UFAC, por
gentilmente disponibilizarem seus acervos - sem os
quais esta pesquisa encontraria severas
dificuldades. E à Universidade Federal do Acre
(UFAC), onde aprendi o compromisso do
conhecimento com a transformação social.
5. 5
Dedico este trabalho à minha mãe, Maria Lourdes
Batista, ex-seringueira, mulher guerreira que me
criou e me preparou para o mundo. Parafraseando
Julio Cesar, em sua vitória sobre Farnaces II -
Veni, vidi, vici! (Vim, vi, venci!) -, eu proclamo: Vim,
vi... e estou na luta!
6. 6
RESUMO
NASCIMENTO, J. B. A imprensa acreana na batalha por hegemonia:
estratégias de 1969 a 2006. 2012. 210 f. Monografia (Bacharelado) – Curso
de Ciências Sociais, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2012.
O presente trabalho analisa o caráter ideológico da imparcialidade jornalística
como ferramenta de produção de consensos dos grupos que controlam os
jornais na disputa por hegemonia ao longo da história. Analisa a cobertura
jornalística dos quatro diários do Acre - A Gazeta do Acre/A Gazeta, O Rio
Branco, A Tribuna e Página 20 - no período de 1969 a 2006, com ênfase nas
campanhas eleitorais, delineando as estratégias adotadas para valorizar
grupos políticos e seus respectivos candidatos.
Palavras-chave: Jornalismo. Ideologia. Hegemonia.
7. 7
ABSTRACT
NASCIMENTO, J. B. The press acreana in the battle for hegemony: strategies
from 1969 to 2006. 2012. 210 f. Monografia (Bacharelado) – Curso de Ciências
Sociais, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2012.
This paper examines the ideological character of journalistic impartiality as
production tool consensus by groups that control the newspapers in contention for
hegemony throughout history. Studies media coverage of the four daily of Acre – A
Gazeta do Acre/A Gazeta, O Rio Branco, A Tribuna e Página 20 - in the period from
1969 to 2006, with emphasis on electoral campaigns, outlining the strategies
adopted to enhance political groups and their respective candidates.
Keywords: Journalism. Ideology. Hegemony
8. 8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................... 009
1 IMPRENSA E IDEOLOGIA .................................................................... 014
1.1 O INSTRUMENTAL TEÓRICO GRAMSCIANO .................................. 023
2 CRONOLOGIA DA COMUNICAÇÃO .................................................... 026
2.1 A IMPRENSA BRASILEIRA ................................................................ 040
3 A IMPRENSA ACREANA ....................................................................... 050
3.1 DIVERSIDADE EDITORIAL E LUTA POLÍTICA .................................. 059
3.1.1 O Rio Branco: arauto conservador ................................................ 060
3.1.2 A Gazeta: o PMDB vai à luta ............................................ 109
3.1.3 A Tribuna: quem dá mais?.............................................. 134
3.1.4 Página 20: o galinho bom de briga .................................................142
3.2 UNIFORMIDADE EDITORIAL NO GOVERNO JORGE VIANA .............145
3.2.1 Jornalismo homogêneo.................................................................. 147
CONCLUSÃO ........................................................................................... 176
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 180
APÊNDICE ............................................................................................... 188
ANEXOS ................................................................................................... 190
9. 9
INTRODUÇÃO
No século XXI, a produção de notícias continua obedecendo ao critério
da factualidade. Em um capitalismo em crise estrutural (MESZÁROS, 2002),
com diferentes protestos em vários pontos do globo, jornais, revistas e outros
meios de comunicação interpretam, porém, os fatos segundo a sua
orientação editorial. Apesar de todos alegarem fidedignidade ao evento
narrado, o resultado é uma diversidade de narrativas contraditórias.
Exemplo deste paradoxo – diferentes conclusões com o mesmo
método, a narração simples – é o tratamento concedido pelos jornais à
chamada Primavera árabe1. Enquanto a expectativa por transformações
políticas, verdadeiro motivo das revoltas, ocupou número reduzido de
especialistas em publicações de menor circulação, os meios de comunicação
de maior alcance frisavam a quebra da ordem social: saques, violência física
e semelhantes.
A diversidade de narrativas jornalísticas, saudada pelos próprios
jornalistas como sintoma da liberdade de imprensa em relação ao poder
estatal, merece exame mais detido. Na verdade, a cada etapa de
transformação dos meios de transmitir ideias corresponde um avanço do
poder político dos proprietários privados. Para construir consensos e legitimar
a sua posição no mundo do trabalho, esta classe desenvolveu várias
estratégias de convencimento.
Compreendida a imprensa industrial como parte dessas estratégias, o
mapeamento dos discursos dos jornais ao longo da história fornece pistas
1
Os protestos no mundo árabe em 2010-2012, também conhecidos como a Primavera Árabe, são uma onda
revolucionária de manifestações e protestos que vêm ocorrendo no Oriente Médio e no Norte da África desde 18
de dezembro de 2010. Até a data, tem havido revoltas na Tunísia e no Egito, uma guerra civil na Líbia; grandes
protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Síria, Omã e Iémen e protestos menores no Kuwait,
Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental. Os protestos têm compartilhado
técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios,
bem como o uso das mídias sociais, como facebook, twitter e youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a
população e a comunidade internacional em face de tentativas de repressão e censura na internet por partes dos
Estados. PRIMAVERA ÁRABE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012.
10. 10
importantes para entender o processo de obtenção de legitimidade – em
linguagem gramsciana, da batalha por hegemonia – do projeto de poder da
classe dominante. Este trabalho analisa os jornais acreanos nesse contexto.
O Rio Branco, A Gazeta do Acre/A Gazeta, A Tribuna e Página 20 foram
escolhidos porque têm circulação regular e diária e mantiveram-se em
funcionamento nas mais diversas condições sociais, ao contrário de uma
série de publicações menores, com lapsos de periodicidade ou extintas.2
A escolha do período de pesquisa deu-se pela riqueza das mudanças
editoriais, contribuindo para compreender de que forma os jornais de Rio
Branco agem como propagandistas de grupos políticos: nas campanhas
eleitorais o que se descortina é o confronto editorial, com cada jornal
atacando o candidato a que se opõe e o jornal que lhe dá suporte. Este,
esmerando-se na formulação de imagens positivas do seu candidato, ao
mesmo tempo tenta inocentá-lo das acusações dos rivais.
Todo este processo realiza-se por meio de linguagem informativa,
atribuindo os interesses do jornal o caráter de interesse geral, público. Desta
forma, as ácidas e por vezes brutais polêmicas estariam apenas divulgando
fatos de forma isenta ou neutra. Com esse disfarce, a propaganda eleitoral
costura o consenso entre as classes e por meio dele garante a manutenção
de hegemonia3.
Para compreender o papel da imprensa em todos esses eventos,
impõe-se contextualizar jornalismo e processo político. Por isso, o presente
trabalho desdobra-se nos seguintes objetivos específicos:
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Primavera_%C3%81rabe&oldid=32300675>. Acesso
em: 23 set. 2012.
2
De acordo com o acervo disponível no Museu da Borracha, em Rio Branco, de 1969 a 1999 circularam em Rio
Branco os periódicos A Folha, A Semana, A Carta, Correio da Tarde, Correio do Acre, Folha dos Nauas, Jornal
do Acre, O Acre, o Estado do Acre, O Aquiri, O Rebate, O Liberal, Renovação, Ultima Hora, A Notícia, A
Semana, O Eco, Parabéns Cruzeiro do Sul, Correio do Oeste, Folha Infantil, Folha Cultural, Frente e Verso,
Hora do Povo, Letras em Marcha, Jornal Documento, Jornal da Saúde, O Comunista, O Norte, O Gafanhoto, O
Estudante, O Imparcial, O Espírito da Coisa, Sentinela, Xapuri Informativo, 3 de Março e vários outros. Todos
com circulação esporádica e irregular, com enormes lacunas entre cada edição. Catalogar todos esses jornais
conta com a dificuldade adicional dos acervos públicos disponíveis hoje não terem todos os exemplares, e os que
se dispõem não se encontram digitalizados.
3
Utiliza-se aqui, e ao longo de todo o trabalho, a concepção teórica de hegemonia no sentido que lhe dá Antonio
Gramsci, segundo GRUPPI (1980): “A hegemonia é capacidade de direção, de conquistar alianças, capacidade
de fornecer uma base social ao Estado”.
11. 11
1. Analisar o surgimento da imprensa diária como um subproduto das
disputas pelo comando político da sociedade na era industrial,
utilizando para tanto dados dos principais jornais do mundo, do
Brasil e do Acre, comparando transformações editoriais do
jornalismo e mudanças políticas.
2. Medir a ênfase dada por cada jornal aos grupos em disputa política
para definir a quais grupos determinado veículo defende ou se
opõe.
3. Demonstrar como a propaganda se insere socialmente disfarçada
de informação objetiva utilizando-se do conceito positivista de
neutralidade do discurso informativo e como esta operação é
coerente com o estágio de ascenso burguês.
Para identificar as relações entre os processos de ascenso e
consolidação da classe dominante e as mudanças editoriais, o trabalho segue
uma orientação cronológica. As principais mudanças jornalísticas são
expostas no contexto da vida social geral na Europa, nos Estados Unidos e
no Brasil. O objetivo é definir de que forma a imprensa atua como agente de
disputa por consensos em diferentes épocas.
Também por meio do movimento das classes busca-se analisar os
motivos que fazem os jornais lutar por liberdade, justiça, verdade e outros. A
ideia de isenção da notícia, derivada da filosofia positivista e que visa,
inicialmente, firmar os jornais como agentes legítimos da comunicação social,
é tomada como parte deste processo. Busca-se compreender como a defesa
de consenso social por meio de conceitos universais é parte da ofensiva de
uma classe contra outra, através da ideologia.
Visando compreender os contornos da luta de classes da qual a
imprensa participa, buscou-se entender a produção jornalística como parte do
processo de produção de consensos necessários à manutenção da ordem
social. Trabalhou-se ainda com os conceitos de imprensa regulada e
liberdade noticiosa (GENRO FILHO, 1987) e de indústria submetida às leis
gerais de mercado (MARCONDES FILHO, 1989), entre outros.
A pesquisa de campo consistiu na realização de entrevistas com os
proprietários dos quatro jornais, objetivando coletar impressões sobre a
12. 12
relação entre a atividade jornalística e os contratos com o Estado, além de
dados gerais sobre a origem, infra-estrutura e funcionamento das empresas.
Os entrevistados foram: Antonio Stelio de Castro (A Tribuna e Página 204),
Narciso Mendes de Assis (O Rio Branco) e Silvio Martinello (A Gazeta). Dada
uma certa posição desconfiada dos entrevistados, não foram realizados
questionários. Assim, as perguntas variaram segundo cada entrevistado 5.
A pesquisa documental consistiu no levantamento fotográfico da capa
(primeira página) de cada jornal, utilizando-se o acervo do Museu da
Borracha e do Centro de Documentação e Informação Histórica (CDIH) da
UFAC. Dado o considerável interregno (37 anos) e de serem quatro os diários
pesquisados, optou-se por uma amostragem. Analisou-se entre duas e cinco
capas de cada jornal entre os meses de setembro, outubro e novembro dos
anos de 1982, 1984, 1985, 1986, 1988, 1990, 1992, 1994, 1996 e 1998.
De 1999 a 2006, a metodologia de amostragem foi modificada para
duas edições por mês, de cada jornal6, visando compreender melhor os
detalhes do processo de uniformização dos quatro jornais para dar apoio aos
governos e prefeituras da FPA. Observou-se, nesse período, que a
uniformização editorial, que persiste até a presente data, é um subproduto do
controle, pela FPA, dos principais espaços institucionais da política formal.7
Dado o grande volume de dados coletados, e visando maior
organização para a melhor compreensão possível, a distribuição espacial do
trabalho seguiu uma divisão em capítulos.
O primeiro capítulo realiza uma discussão teórica sobre os princípios
de neutralidade e imparcialidade do discurso jornalístico-noticioso como
derivativo da interpretação positivista da realidade, no qual o ato de conhecer
4
Dado o aspecto singular deste veículo para a produção de imagens simbólicas positivas do Partido dos
Trabalhadores em seu ascenso ao poder a partir de 1993, e a relevância desse processo para compreender as
transformações editoriais até então, entrevistou-se também o seu primeiro editor-chefe, o jornalista Sebastião
Vítor de Lima. Todas as entrevistas estão disponíveis no apêndice deste trabalho.
5
Foi necessário fazê-lo devido à realização das entrevistas em datas diferentes. Dada a posição estratégica dos
entrevistados para o presente trabalho, preferiu-se abrir o conteúdo das entrevistas a correr qualquer risco de ter
algumas perguntas vetadas por “impertinência”.
6
Algumas edições não estavam disponíveis nos bancos de dados do Museu da Borracha e do CDIH/UFAC,
constituindo perda irreparável de material de análise esta e outras pesquisas.
7
A questão, extremamente relevante, dos dissensos antigos e recentes na estrutura institucional partidária e de
Estado montada pela FPA, além da base dos movimentos sociais, e as implicações deste fenômeno para o que
13. 13
advém de despir-se de prenoções por parte do sujeito cognoscente. Em
seguida, aponta-se a filosofia positivista como expressão teórica
materialmente necessária às classes dominantes na Europa e nos EUA.
Apropriando-se dessas reflexões do primeiro, o segundo capítulo
empreende uma cronologia sobre a evolução da imprensa no mundo e no
Brasil, contextualizando as mudanças editoriais no contexto imediato das
disputas políticas. Observa, ainda, por que o desenvolvimento industrial da
imprensa só foi possível no ambiente propício do capitalismo.
No terceiro capítulo, articulada à reflexão desenvolvida nos anteriores,
apresenta-se os resultados da pesquisa sobre os jornais acreanos. Analisa-se
cada jornal em dois momentos: o da diversidade de posturas editoriais,
correspondendo às conflagrações dos grupos políticos que buscavam o
controle do governo do Estado e da prefeitura de Rio Branco; e o da
uniformidade editorial, que corresponde ao gradual controle da disputa
política pela Frente Popular do Acre (FPA).
Na fase de diversificação editorial e disputa política, busca-se delinear
as várias fases do processo em cada jornal até 2004, quando a FPA vence as
eleições municipais na capital e retira o MDA do cenário político. A partir de
2004, com a FPA no comando da prefeitura de Rio Branco e do governo do
Estado, os jornais começam a aderir à mesma linha editorial.
O Apêndice deste trabalho traz a transcrição das entrevistas com os
dons dos jornais. Nos Anexos há um CD com fotografias de todas as edições
pesquisadas e alguns documentos usados no levantamento de dados.
As conclusões apresentadas na presente monografia devem ser vistas
como anotações provisórias de um esforço de pesquisa limitado. Tanto o
jornalismo quanto os grupos políticos em disputa citados, com suas
dinâmicas e alterações, impõem problematizações conceituais, contínuas
redefinições teóricas, novos temas e linhas de análise. A consciência desta
limitação impõe a necessidade de novos estudos para capturar mais
claramente a dinâmica do objeto de pesquisa.
pode ser lido como hegemonia em declínio, não será tematizada no presente trabalho por ter efeito nulo, até o
14. 14
1 IMPRENSA E IDEOLOGIA
Os homens fazem a sua própria história, mas não a
fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.
– Karl Marx.
Este capítulo analisa o conceito de isenção da notícia jornalística como
estratégia de convencimento e controle social compatível com determinada
fase do modo de produção capitalista. Para tanto, faz ligeira incursão sobre o
processo de cognição humana segundo as escolas positivista e marxista, o
conteúdo ideológico da idéia de isenção e as implicações para a imprensa.
A bibliografia sobre os fundamentos teórico-epistemológicos do
jornalismo é escassa. Uma análise sobre a rápida adesão da imprensa
brasileira ao modelo informativo norte-americano pondera que:
Nos Estados Unidos, depois da I Guerra, consolida-se a perspectiva
funcionalista no estudo da comunicação social, alicerçada em estudos
de natureza empirista que se utilizam de modelos formais e
matemáticos. Essa corrente, que pretende atribuir-se uma aura de
imparcialidade e objetividade, passa a hegemonizar os estudos nesse
campo nos Estados Unidos e também na América Latina. O
desenvolvimento dos meios de comunicação e do próprio jornalismo
são analisados como processos independentes em relação ao
desenvolvimento global das forças produtivas e da luta de classes, ou
seja, apartados do movimento histórico em seu conjunto. Ao contrário,
os meios de comunicação são tomados apenas como "função
orgânica" da sociedade capitalista contemporânea, entendida esta
como paradigma do progresso e da normalidade. (GENRO FILHO,
1987, p. 33)
Outra obra recente, dedicada ao mesmo tema, confirma a inexistência
de uma reflexão teórica mais aprofundada sobre o jornalismo e seus
métodos:
Passados 20 anos desde o lançamento desta obra seminal,
ainda é comum docentes ensinarem as técnicas jornalísticas como se
elas se bastassem, sem a necessidade de uma explicação
epistemológica capaz de sustentar certas regras. Assim como é
presente instante, sobre os quatro jornais em análise.
15. 15
comum achar que, por trás da prática jornalística de qualidade, não é
preciso haver teoria. (TEIXEIRA, 2007, p. 21)
De fato, a bibliografia acadêmica em comunicação social consultada
para este trabalho busca fundamentar-se em conceitos microssociológicos8
como representações culturais, trocas simbólicas e um instrumental
conceitual derivado das ciências da linguagem. A escassez de tradição crítica
sobre as forças sociais que incidem sobre o fazer jornalístico causou o
interessante efeito de se considerar a imprensa como causa de si mesma,
fenômeno confirmado por estudos recentes. Artigo científico sobre a profissão
jornalística no Brasil, por exemplo, reivindica o “amadurecimento
epistemológico” como ponto de partida para a legitimidade científica dos
estudos sobre a imprensa.
Inserido num processo de mundialização da cultura, em que a
internacionalização da ciência tem papel de vanguarda, é pouco
provável que o problema da construção do consenso necessário ao
amadurecimento epistemológico do campo [jornalístico] encontre
soluções localizadas, quaisquer que elas sejam, para a questão ainda
não solucionada da unicidade e diversidade da área da Comunicação.
(MEDITSCH, 2010, p. 99).
Numa análise sobre os manuais especializados em pesquisa na área
de jornalismo, observa-se o descompasso entre os numerosos estudos
empíricos sobre os fenômenos comunicativos humanos e a falta de
metodologias que permitam identificar as forças e processos que os
produzem:
Ao compararmos a diversidade de conceitos, referências
bibliográficas, categorias de análise e metodologias incluídos em cada
um destes manuais verificamos que ainda que o grau de
complexidade atingido pelo Jornalismo como disciplina científica ao
longo destes últimos 50 anos tenha aumentado, em muitos casos as
metodologias empregadas são similares aos modelos concebidos no
século passado. (MACHADO, 2010, p. 21).
8
Segundo Gurvitch (apud PEREIRA et al., 2007, p. 2) “A microssociologia constitui-se de simples elementos
que compõem a realidade social e são constituídos pelas múltiplas maneiras de estar ligado pelo todo e no todo,
ou manifestações da sociabilidade que, em diferentes graus da actualidade e virtualidade, se combatem e
combinam em todo o grupo, classe e sociedade geral”.
16. 16
O mesmo autor também estima a extensão dos danos provocados aos
estudos sobre comunicação social que se apoiam em dados imediatos e
diretos, sem análise crítica das forças sociais a que estes se ligam:
Nada pode ter provocado consequências mais desastrosas
para a compreensão da prática jornalística, em particular nos estudos
brasileiros, do que a aceitação pacífica dos pressupostos teóricos
contidos nos conceitos de rotinas produtivas e de valores de notícias.
Nos dois casos, em vez de utilizar a realidade para colocar à prova os
conceitos, em geral o pesquisador ajustava a realidade aos limites
destes conceitos, constituindo um círculo vicioso em que quanto mais
se pesquisava, menos se sabia sobre o objeto estudado. (p. 22).
A teoria sobre jornalismo como processo ausente do conflito social,
sem contextualização com os interesses sociais em jogo que agem sobre a
imprensa, sinaliza a sua filiação ao positivismo. A concepção de neutralidade
do ato noticioso, por exemplo, tem fundamento na pretensão de tentar
apreender fatos sociais como “coisas”.9 Da mesma forma, se o cientista social
é instado a analisar fenômenos sociais de forma distanciada, evitando
contaminar a ciência com a sua subjetividade, o jornalista moderno deve
esforçar-se para reportar os fatos sem contaminá-los com a sua opinião.
Diferente do jornalismo, a tradição crítica epistemológica está
consolidada na sociologia. A crítica à pretensão de neutralidade almejada
pelo positivismo é farta especialmente na concepção materialista.
O filósofo Michael Löwy nota que a pretensão de neutralidade equivale
ao feito do Barão de Münchhausen, que, atolado sozinho em um pântano,
escapou puxando-se pelos cabelos. A anedota ilustra a inviabilidade de uma
ciência social sem valores: indivíduos que se pretendem neutros devem
lembrar-se que são forjados em conflitos sociais que incidem sobre a
atividade intelectual. O autor enumera os fundamentos teórico-
epistemológicos do positivismo:
1. A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis
invariáveis, independentes da vontade e ação humanas; na vida
social, reina uma harmonia natural.
9
É esta exatamente a perspectiva teórica de Émile Durkheim: “É preciso, portanto, considerar os fenômenos
sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como
coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós.” (DURKHEIM, 1999, p. 28).
17. 17
2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente
assimilada pela natureza (o que classificaremos como “naturalismo
positivista”) e ser estudada pelos mesmos métodos, démarches e
processos empregados pelas ciências da natureza.
3. As ciências da sociedade, assim como as da natureza,
devem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos,
de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias,
descartando previamente todas as prenoções e preconceitos. (LÖWY,
2000, p. 17).
A concepção materialista considera que há na tessitura social, ao
longo da história, relações sociais que condicionam a apreensão da realidade
pelos homens, incluindo os pesquisadores. O que garante a objetividade do
conhecer não é o distanciamento estratégico do sujeito cognoscente: é,
inversamente, compreender essas relações e posicionar-se sobre elas.
Para Karl Marx, dado o fato de que os homens em sua existência
produzem coisas de que necessitam e também lhes dão sentidos ou
significados espirituais (simbólicos), a análise científica terá maior sucesso na
medida em que apreende as condições em que são produzidas as idéias e
seus sentidos na vida social. De fato, o autor deixa claro que
(...) na produção social da sua vida os homens entram em
determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade,
relações de produção que correspondem a uma determinada etapa
de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade
destas relações de produção forma a estrutura económica da
sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura
jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da
consciência social. O modo de produção da vida material é que
condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser, mas,
inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência.
(MARX, 1982, p. 530).
Ao mapear a estrutura produtiva da sociabilidade burguesa, Marx
localizou as forças materiais que a cria e mantém. Essas forças estão
reunidas sob a forma de classes sociais antagônicas, que ocupam posições
diferentes no mundo do trabalho e têm interesses antagônicos sobre o mundo
produtivo. A divergência das posições materiais entre classes dominantes e
dominadas é que cria diferentes percepções sobre o mundo.
No entanto, ainda segundo Marx, as relações de produção são
constituídas pela propriedade econômica das forças produtivas. No
18. 18
capitalismo, a mais fundamental dessas relações é a propriedade que a
burguesia tem dos meios de produção, enquanto o proletariado possui
apenas a sua força de trabalho. Este ponto de tensão, que não pode ser
eliminado sem um colapso das relações de produção fundadas na
propriedade privada, é equilibrado pela classe dominante com a sua
universalização, isto é, com a propaganda dos seus interesses particulares
como se fossem de toda a sociedade. A idéia que a sociedade possui valores
universais que precisam ser defendidos contra infiltrações decadentes é uma
estratégia para manter a própria luta de classes.
Este e outros mecanismos que favorecem a naturalização dos
interesses da classe dominante, estabelecendo-os como eternos, universais e
necessários para o bem-estar da comunidade humana, visam conquistar os
trabalhadores para uma subalternidade solidária. Marx chama essas
estratégias de “ideologia”:
As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as
ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material
dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual
dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a
produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a
produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo,
submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios
para a produção espiritual. As ideias dominantes não são mais do que
a expressão ideal [ideell] das relações materiais dominantes, as
relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das
relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto
as ideias do seu domínio. Os indivíduos que constituem a classe
dominante também têm, entre outras coisas, consciência, e daí que
pensem; na medida, portanto, em que dominam como classe e
determinam todo o conteúdo de uma época histórica, é evidente que o
fazem em toda a sua extensão, e portanto, entre outras coisas,
dominam também como pensadores, como produtores de ideias,
regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que,
portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época. Numa
altura, por exemplo, e num país em que o poder real, a aristocracia e
a burguesia lutam entre si pelo domínio, em que portanto o domínio
está dividido, revela-se ideia dominante a doutrina da divisão dos
poderes, que é agora declarada uma "lei eterna". (MARX, 2002, p.
78).
Adiante, de forma mais esquemática, complementa:
Ora, se na concepção do curso da história desligarmos as
ideias da classe dominante da classe dominante, se lhes atribuirmos
19. 19
uma existência autónoma, se nos ficarmos por que numa época
dominaram estas e aquelas ideias, sem nos preocuparmos com as
condições da produção e com os produtores destas ideias, se,
portanto, deixarmos de fora os indivíduos e as condições do mundo
que estão na base das ideias, então poderemos dizer, por exemplo,
que durante o tempo em que dominou a aristocracia dominaram os
conceitos honra, lealdade, etc., durante o domínio da burguesia
dominaram os conceitos liberdade, igualdade, etc. Em média, é isto
que a própria classe dominante imagina. Esta concepção da história,
que a todos os historiadores é comum, em especial a partir do século
XVIII, há-de necessariamente dar com o fenómeno de que dominam
ideias cada vez mais abstractas, isto é ideias que assumem cada vez
mais a forma da universalidade. É que cada nova classe que se
coloca no lugar de outra que dominou antes dela, é obrigada, apenas
para realizar o seu propósito, a apresentar o seu interesse como o
interesse comunitário de todos os membros da sociedade, ou seja, na
expressão ideal [ideell]: a dar às suas ideias a forma da
universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais e
universalmente válidas. (Idem, p. 148).
Trata-se de adaptação dos valores de uma classe como se fossem
válidos para toda a sociedade:
A consciência, prossegue o texto de A Ideologia Alemã,
estará indissoluvelmente ligada às condições materiais de produção
da existência, das formas de intercâmbio e de cooperação, e as idéias
nascem da atividade material. Isto não significa, porém, que os
homens representem nessas idéias a realidade de suas condições
materiais, mas, ao contrário, representam o modo como essa
realidade lhes aparece na experiência imediata. Por esse motivo, as
idéias tendem a ser uma representação invertida do processo real,
colocando como origem ou como causa aquilo que é efeito ou
conseqüência, e vice-versa. (CHAUÍ, 1995, p. 63)
A inversão entre causa e efeito tem efeitos sobre vários outros
aspectos da vida social, como o trabalho, por exemplo. A sociedade se
encarrega de naturalizar práticas que são forjadas para atender o interesse
de grupos que controlam ideologicamente a própria vida social:
Também as relações sociais são representadas
imediatamente pelas idéias de maneira invertida. Com efeito, à
medida que uma forma determinada da divisão social do trabalho se
estabiliza, se fixa e se repete, cada indivíduo passa a ter uma
atividade determinada e exclusiva que lhe é atribuída pelo conjunto
das relações sociais, pelo estágio das forças produtivas e,
evidentemente, pela forma da propriedade. Cada um não pode
escapar da atividade que lhe é socialmente imposta. A partir desse
momento, todo o conjunto das relações sociais aparece nas idéias
como se fossem coisas em si, existentes por si mesmas e não como
conseqüência das ações humanas. Pelo contrário, as ações humanas
são representadas como decorrentes da sociedade, que é vista como
20. 20
existindo por si mesma e dominando os homens. Se a Natureza,
pelas idéias religiosas, se “humaniza” ao ser divinizada, em
contrapartida a Sociedade se “naturaliza”, isto é, aparece como um
dado natural, necessário e eterno, e não como resultado da praxis
humana. (Idem, p. 66).
A visão de mundo da classe dos trabalhadores permite visualizar
objetivamente a realidade, o que não se dá, porém, por superioridade moral
do oprimido10. É que o proletariado, subtraído da propriedade dos meios de
produção necessários à sua subsistência física, compreende porque sofre o
processo de exploração, e, consequentemente, necessita transformar esta
realidade desfavorável. Logo, em vez de justificar a exploração por meio de
estratégias ideológicas, o proletariado possui, pela sua condição material, o
germe da liberdade humana.
Esse princípio tem também implicações para o trabalho científico que
pretenda capturar objetivamente o movimento da vida social:
A realidade social, como toda a realidade, é infinita. Toda
ciência implica uma escolha, e nas ciências históricas essa escolha
não é um produto do acaso, mas está em relação orgânica com uma
certa perspectiva global. As visões do mundo das classes sociais
condicionam, pois, não somente a última etapa da pesquisa científica
social, a interpretação dos fatos, a formulação das teorias, mas a
escolha mesma do objeto de estudo, a definição do que é essencial e
do que é acessório, as questões que colocamos à realidade, numa
palavra, a problemática da pesquisa. (LÖWY, 1978, p. 15).
Considerar, portanto, que a notícia do jornal é transposição direta da
realidade não garante a objetividade do conhecimento. Serve, ao contrário,
para ocultar que toda notícia é a leitura da realidade por alguem, e que é
impossível, graças às especificidades do aparato cognitivo humano, transmitir
a realidade tal como ocorreu sem alguém para reportá-la. A concepção
materialista permite afirmar ainda que todo processo de formulação de
notícias submete os fatos à visão de mundo de quem produz essas notícias.
A perspectiva de classe incide diretamente sobre o jornalismo. Por sua vez, a
10
O trabalhador como “oprimido” é uma figura alienígena ao pensamento marxiano. Marx não via na relação
entre proletário e burguês a condição de opressão, que pressupõe coerção física ou psicológica, e sim de
exploração da força de trabalho visando a produção de mais-valia. A questão, todavia, é reconhecidamente
polêmica, se levado em consideração o aspecto brutal do capitalismo nos países de passado colonial. Por isto, tal
questão não será tratada no presente trabalho, ficando apenas a presente nota para reflexão e/ou possíveis
desdobramentos teóricos.
21. 21
crença na isenção da notícia, na universalidade do seu interesse social, é o
que impede que este fenômeno seja claro.
Diante do caráter ideológico da ideia de isenção jornalística, como
mensurar cientificamente a questão de que os jornais, além de não apreender
objetivamente o real, o interpretam? Essa questão pode ser resolvida
analisando o jornalismo no contexto das disputas políticas, esforço
especialmente difícil no caso amazônico. Trata-se de tese nova: a de que os
jornais, ao empenhar-se na defesa de defender valores civilizatórios, nos
quais a isenção da notícia é a garantia da busca pelo bem comum, estariam
manobrando pela construção de hegemonia para um grupo social.
No entanto, a força desse tipo de jornalismo, o da busca impessoal
pelo bem comum, é um complemento eficaz para as disputas oligárquicas na
região. As lutas entre diversas facções políticas, representando interesses
conflitantes dentro da classe dominante, engendram grupos políticos atuantes
com máquinas de propaganda voltadas ao convencimento social,
fundamentalmente nos períodos eleitorais.
Compreendidas as batalhas travadas pelas oligarquias provinciais
contra o Império, e, posteriormente, a República, registrar a atividade
jornalística nesses períodos é compreender os meandros da disputa por
hegemonia.
Trata-se, no entanto, de tarefa árdua.
Um estudo recente11 sobre o jornalismo acreano, localiza-se as várias
mudanças estéticas da imprensa, mas conclui-se que trata-se de
12
transformações dos discursos de poder , abstraindo as próprias relações de
poder para concentrar-se em questões lingüísticas, ou, quando muito, no
tráfico de influencia entre imprensa e instituições estatais. Trabalho
monográfico13 sobre o jornalismo acreano entre 1994 e 1998 também aponta
o controle da informação pelo Estado opressor ao mesmo tempo em que
admite uma relação de “mercado das notícias”, isto é, de troca de produção
11
BONIFÁCIO, 2007.
12
Diz a autora, na introdução: “Através das tramas do emaranhado de redes do poder midiático é possível
entrever os movimentos de resgate da memória e o estabelecimento de alguns traços das várias identidades
sociais que circulam na sociedade acreana” (BONIFÁCIO, 2007, p. 14)
13
PAIVA, 2000.
22. 22
de imagens positivas por dinheiro. A venda ocorreria na forma de repasses
mensais a pretexto de pagamento pela divulgação dos atos de governo. Ao
não reconhecerem o jornalismo como estratégia de convencimento da classe
dominante, os estudos batem-se pela mesma liberdade de imprensa
reivindicada pelos donos dos meios de comunicação.
Mais criterioso, outro trabalho14 percebe que “a hegemonia de
determinada classe social depende prioritariamente do controle da ideologia
e, não apenas, do domínio político ou econômico.” Apesar disso, o estudo,
cronologia exaustiva dos jornais acreanos desde a ocupação boliviana,
também enfatiza os percalços entre imprensa e poder institucional.
Nelson Werneck Sodré, porém, ao enumerar15 as transformações
editoriais da imprensa brasileira, localiza o jornalismo diário como estratégia
de propaganda. Para ele os Estados Unidos utilizaram-se do jornalismo entre
os países sul-americanos na batalha pela hegemonia durante a guerra fria: a
exportação do american way of life, diz o autor, causou as mais importantes
mudanças de estilo, circulação e linguagem dos jornais.16
Em que pese a inexistência de imprensa diária em 21 dos 22
municípios do Acre, a análise sobre o jornalismo acreano não resta
prejudicada: na capital acreana subsistem até a presente data os quatro
diários em análise. Convém, assim, utilizar um instrumental teórico adequado
para viabilizar a obtenção de resultados.
14
ASSMAR, 2007.
15
SODRÉ, 1999.
16
“A imprensa fora uma das grandes vítimas da ditadura estadonovista. Tudo isso, entretanto, pertencia à época
do nazismo ascensional, quando Salazar, Mussolini, Hitler, Franco, Tojo eram senhores do mundo, financiados
pelo imperialismo apavorado com a consolidação do poder soviético em vasta extensão da Europa e da Ásia, a
antiga Rússia. Depois da Guerra, em que soviéticos, franceses, ingleses, americanos, brasileiros haviam
combatido juntos o inimigo comum, isso parecia impossível. A bomba de Hiroshima, a terrível repressão na
Grécia, entretanto, anunciavam divergências insanáveis. Churchill, no discurso de Fulton, liquidou a unidade
antinazista e abriu a “guerra-fria”. No âmbito desta, a luta pelo controle da opinião teria destacado relevo.
(SODRÉ, 1999, p. 396).
23. 23
1.1 O INSTRUMENTAL TEÓRICO GRAMSCIANO
Ao se comparar a categoria marxiana “ideologia” com a “hegemonia”
de Gramsci, há uma clara filiação da segunda à primeira.
Uma das contribuições mais interessantes de Gramsci é a
sua reflexão sobre os mecanismos pelos quais uma classe pode
exercer a dominação sobre as outras, estabelecendo a sua
hegemonia não somente pela coerção, como também mediante o
consenso, transformando a sua ideologia de grupo num conjunto de
verdades que se supõem válidas para todos e que as classes
subalternas aceitaram. (FONTANA, 1998, p. 238.)
Gramsci (apud COUTINHO, 2007) analisa a imprensa como a parte
mais dinâmica da superestrutura ideológica das classes dominantes.
Caracteriza-a como “a organização material voltada para manter, defender e
desenvolver a frente teórica ou ideológica”, um suporte ideológico do grupo
hegemônico:
Como se sabe, Gramsci dedicou grande atenção ao modo
como a estrutura ideológica de uma classe dominante se organiza,
assinalando: A imprensa é a parte mais dinâmica desta estrutura
ideológica, mas não a única: tudo o que influi ou pode influir sobre a
opinião pública, direta ou indiretamente, faz parte dessa estrutura.
Dela fazem parte: as bibliotecas, as escolas, os círculos e os clubes
de variado tipo, até a arquitetura, a disposição e o nome das ruas.
(COUTINHO; TEIXEIRA, 2003, p. 243).
Em panfleto publicado em 1916, intitulado Os jornais e os operários,
Gramsci dedica especial atenção ao tema. Insiste que os operários devem
recusar os jornais burgueses, mantidos por capitais privados, que privilegiam
as verdades interessantes para partidos e políticos burgueses:
O jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um
instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em
contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente
influenciado por uma ideia: servir a classe dominante, o que se traduz
sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. [...] E não
falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa,
ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público
trabalhador. (GRAMSCI, 2005).
24. 24
O texto critica o trabalhador que lê os jornais burgueses, ajudando a
mantê-los, “aumentando a sua potência”, esquecendo que esses veículos
“apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe
burguesa e a política burguesa com prejuízo da política e da classe operária”.
Em obra dedicada a realizar um estudo sistemático da atividade
intelectual na Europa, o mesmo autor avisa:
O tipo de jornalismo estudado nestas notas é o que poderia
ser chamado de “integral” (num sentido que, no curso das próprias
notas, adquirirá significado cada vez mais claros), isto é, o jornalismo
que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma
certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e
desenvolver estas necessidades e, consequentemente, em certo
sentido, criar seu público e ampliar progressivamente sua área.
(GRAMSCI, 1982, p. 161).
A ocupação com a atividade jornalística guarda coerência com o
conjunto do corpo teórico gramsciano. A imprensa é parte dos aparelhos
privados de hegemonia da sociedade civil, assim como a religião e os centros
de produção de cultura e de ensino.
Para compreender melhor a implicação do corpo teórico gramsciano
para o objeto desta análise, convém empreender um recuo. Na teoria
gramsciana há dois níveis superestruturais que compõem - nas sociedades
ocidentais17 - o Estado Ampliado: a sociedade civil, que reúne o conjunto dos
aparelhos privados de hegemonia; e a sociedade política, o Estado no sentido
estrito, os organismos do aparelho burocrático-militar da política institucional.
Na sociedade civil é onde se dá a batalha ideológica, ou, em termos
gramscianos, hegemônica. É nela onde se espraiam as estratégias de busca
por consensos, engendrando a legitimidade via aparelhos privados de
hegemonia.
17
Gramsci diferencia as sociedades ocidentais das orientais conforme a organização de suas estruturas de Estado.
Enquanto no Ocidente ocorre uma estrutura de Estado ampliado, no Oriente há uma estrutura de Estado restrito
que tem por base a manutenção e a reprodução da dominação a partir tão somente do poder coercitivo. Esta não
é, entretanto, uma divisão geográfica, mas conceitos históricos de conteúdo sócio-econômico que representam
tipos de sociedade e os papéis desempenhados pela sociedade civil e pela sociedade política na organização e
reprodução das estruturas sociais.
25. 25
Esta atividade faz com que Gramsci perceba a imprensa como agente
partidário18, cumprindo a função de “meio para organizar e difundir
determinados tipos de cultura"19, articulados de forma orgânica com um
determinado agrupamento social “mais ou menos homogêneo, de um certo
tipo e, particularmente, com uma certa orientação geral”20.
Ao definir os jornais como aparelhos privados de hegemonia, Gramsci
vai na contramão das concepções liberais que entendem a imprensa como
quarto poder, cuja responsabilidade seria vigiar os governantes, brindando a
“opinião pública” com a transmissão isenta de fatos e garantindo a liberdade
de expressão na medida em que o faz sem intervenções estatais.
É ao primeiro marco categorial que filia-se o presente estudo. Quando
possível, preferiu-se transcrever os próprios textos dos jornais para evidenciar
as questões mais claramente. Também buscou-se acrescentar às notícias
informações contextuais que ajudassem a compreender o meio social em que
se deram os fatos, além dos interesses que sobre eles incidiam.
Além desse duplo panorama, composto pelas transformações da
imprensa no conjunto das transformações da história, esse empreendimento
requer uma cronologia comparada entre o movimento das classes sociais,
seus interesses em cada momento e as transformações em curso nos jornais
que incidiam sobre linguagens, infra-estrutura, modo de produção,
relacionamento com o poder e grupos sociais, entre outros. É o que,
resumidamente, se faz a seguir.
18
Esta visão pode ser encontrada, de forma menos elaborada, no texto onde Karl Marx analisa a imprensa inglesa
mostrando as diferenciações entre a imprensa ligada ao Partido Tory e a imprensa ligada ao Partido Whig. Conf.
MARX, Karl. A opinião dos jornais e a opinião do povo (1861). In. Liberdade de Imprensa. Porto Alegre,
LP&M, 2006.
19
GRAMSCI, 1982, p. 32.
20
Idem.
26. 26
2 CRONOLOGIA DA COMUNICAÇÃO
Todo mundo quer saber o nome do fazendeiro que
bolinou, como diz o Antonio Klemer, com uma menininha de
apenas dois anos de idade. O nome dele? Nem sob tortura. –
Coluna da Rubedna Braga, 15.09.2005. Jornal O Rio
21
Branco
Este capítulo realiza uma cronologia da imprensa europeia, dos
Estados Unidos e do Brasil. O objetivo é mostrar que as mudanças editoriais
estão ligadas a disputas entre setores da classe dominante pelo controle da
sociedade e que a liberdade de imprensa é o discurso legitimador de um
projeto de modernidade, permitindo o ascenso desta classe nos diversos
países. Busca-se evidenciar que a ideia de neutralidade da notícia possibilitou
ao jornal dirigir-se a todos, estimulando o consensualismo burguês e
viabilizando a disseminação da visão de mundo dominante como se fosse de
toda a sociedade.
O próprio jornalismo diário produzido por empresa especializada é uma
necessidade da vida burguesa. A condução da política por interesses de
grupos proprietários contribuiu para produzir as condições pelas quais a
imprensa tornou-se um aparelho privado de hegemonia.
Por muitas razões, fáceis de referir e de demonstrar, a história
da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade
capitalista. O controle dos meios de difusão de idéias e de
informações – que se verifica ao longo do desenvolvimento da
imprensa, como reflexo do desenvolvimento capitalista em que aquele
está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e pessoas
da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo a
diferenças de interesses e aspirações. Ao lado dessas diferenças, e
correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação
reguladora da atividade da imprensa. Mas há, ainda, um traço
ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento
da imprensa e o desenvolvimento da sociedade capitalista, aquele
acompanhando a este numa ligação dialética e não simplesmente
mecânica. A ligação dialética é facilmente perceptível pela
constatação da influência que a difusão impressa exerce sobre o
comportamento das massas e dos indivíduos. O traço consiste na
tendência à unidade e à uniformidade. Em que pese tudo o que
21
Solicita-se ao leitor eventualmente horrorizado pela presente e brutal epígrafe que se conceda alguma vênia
para que se possa expor a dimensão da licença que a imprensa dá a si mesma em seu trabalho de mistificação.
Não há, como se percebe, limites morais nesta empreitada.
27. 27
depende de barreiras nacionais, de barreiras lingüísticas, de barreiras
culturais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações,
pelas regras gerais da sociedade capitalista, particularmente em suas
técnicas de produção e de circulação – tudo conduz à uniformidade,
pela universalização de valores éticos e culturais, como pela
padronização do comportamento. As inovações técnicas, em busca
da mais ampla divulgação, acompanham e influem na tendência à
uniformidade (SODRÉ, 1999, p. 1).
O primeiro22 jornal diário do mundo, o londrino Daily Courant, criado
em 1702 por iniciativa da Coroa britânica, confirma esse postulado. Divulgava
boletins sobre a saúde da realeza, editais e eventos reais e não se ocupava
do cotidiano popular. O regime político, baseado no poder privado do
monarca, desconhecia a “opinião pública”. Havia, no lugar, a palavra
soberana do rei.
A correlação entre conteúdo jornalístico e condições políticas pode ser
realizada em qualquer época.
De todos os objetos da pesquisa histórica, o jornal é, talvez, o
que mantém as mais estreitas relações com o estado político, a
situação econômica, a organização social e o nível cultural do país e
da época dos quais constitui o reflexo. (ALBERT & TERROU, 1990, p.
31)
Formas sociais pré-burguesas elaboraram sistemas de comunicação
que também desempenhavam papéis organizadores entre as classes. A
principal característica da imprensa na atualidade, a de circular imagens da
classe dominante, está disponível também nas formas societais anteriores.
Bem antes da invenção do linotipo por Johannes Guttenberg (1390-
1468), por exemplo, haviam na Grécia os aedos23, artistas que uniam música
e narrativas, sendo Homero um deles. Entre os celtas a mesma atividade era
realizada pelos bardos24. Os judeus tinham os escribas25, encarregados de
compilar livros considerados sagrados pela tradição religiosa. Além destes,
relatos como os de Homero, Heródoto, Marco Pólo e outros mantém com a
imprensa a característica de serem sistemas organizados de comunicação.
22
CHAPARRO, 2007.
23
TORRANO, 2006.
24
LOPES & BOSI, 1997, p. 253.
25
FEDELI, 1994.
28. 28
Friedrich Engels, ao analisar a comunicação articulada como um dos
atributos fundamentais da espécie humana, revela que a organização cada
vez mais complexa dos primeiros grupos humanos na pré-história exigiu a
linguagem para estruturar o mundo do trabalho.
Em face de cada novo progresso, o domínio sobre a natureza,
que tivera início com o desenvolvimento da mão, com o trabalho, ia
ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir
constantemente nos objetos novas propriedades até então
desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho, ao
multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao
mostrar assim as vantagens dessa atividade conjunta para cada
indivíduo, tinha que contribuir forçosamente para agrupar ainda mais
os membros da sociedade. Em resumo, os homens em formação
chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns
aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe pouco
desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente,
mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais
perfeitas, enquanto os órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a
pronunciar um som articulado após outro. (ENGELS, 2004).
Este processo não parou a partir da separação entre macacos e
hominídeos. A sociabilidade humana complexificou e ampliou as
determinações que incidiam sobre a linguagem, tornando-a sistemas de
signos e símbolos culturais próprios de cada época:
O desenvolvimento do cérebro e dos sentidos a seu serviço, a
crescente clareza de consciência, a capacidade de abstração e de
discernimento cada vez maiores, reagiram por sua vez sobre o
trabalho e a palavra, estimulando mais e mais o seu desenvolvimento.
Quando o homem se separa definitivamente do macaco esse
desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau
diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes povos e as
diferentes épocas, interrompido mesmo às vezes por retrocessos de
caráter local ou temporário, mas avançando em seu conjunto a
grandes passos, consideravelmente impulsionado e, por sua vez,
orientado em um determinado sentido por um novo elemento que
surge com o aparecimento do homem acabado: a sociedade. (idem).
No Paleolítico, a sofisticação das técnicas de caça seria o tema das
primeiras formas de comunicação gráfica que se tem notícia: a arte rupestre.
No interior de cavernas, os ancestrais do jornalista moderno registravam o
que de mais precioso o trabalho coletivo lhes fornecera: carne, uma fonte
alimentar de alto teor protéico que lhes garantia sobrevivência física e
29. 29
apontava para a importância do trabalho coletivo na superação dos limites
impostos pela natureza.
O desenvolvimento desse domínio impôs sofisticações do aparato
comunicativo nas sociedades, processo que também não se deu de forma
linear. Com a invenção do papel pelos chineses26, no século II a. C., criaram-
se as condições para um intenso intercâmbio da cultura humana. Isso não
ocorreu porque a divisão social do trabalho, na China de dinastias rivais, já
dissociara há muito a produção e a apropriação do trabalho. O mesmo se
dera no Egito, sob circunstâncias parecidas, com a invenção do papiro 27 no
século IV a.C. Por isso, o ofício da escrita era restrito a atividades religiosas e
reais.
Em 1438, com a invenção do sistema de prensas móveis,
estabeleciam-se condições para a difusão do conhecimento. A bíblia em
latim, primeiro livro impresso pelo novo invento, sinalizava os que se
apropriariam do avanço tecnológico: o clero e as monarquias.
As guerras entre os reinos europeus, o endividamento das nobrezas e
a ascensão gradual das burguesias deram as condições para as primeiras
disputas pelo mando social. Nasciam os primeiros informativos, sob rígido
controle estatal, divulgando um único acontecimento por vez.
Já no final do século XV, os impressores passaram a editar,
sob a forma de pequenos cadernos de 4, 8 ou 16 páginas, às vezes
ilustrados com gravuras em madeira, folhas de notícias em que se
relatava um acontecimento importante - batalha, exéquias
principescas, festas, etc - ou se reproduzia o texto de algum avviso.
Essas folhas, chamadas relationes em latim, occasionnels na França,
zeitungen na Alemanha e gazzetas ou corantas na Itália, eram
vendidas em livrarias ou por ambulantes nas grandes cidades.
(ALBERT & TERROU, 1990, p. 5).
Em 1529, no favorável contexto de uniformização política da França,
com incentivos da monarquia que se beneficiava do patrocínio dado ao
conflito entre classes rivais – nobres e burgueses – surge o pasquim, um
novo tipo de gazeta que inovava relatando vários fatos em vez de um. Eram
26
FREITAS, 2011.
27
HEITLINGER, 2007.
30. 30
periódicos anônimos, independentes da iniciativa real e nascidos como meio
para obter apoio social:
O conflito entre as classes sociais foi condição fundamental
do poder absoluto. O próprio rei instigou o conflito, procurando
sobrepor-se a ele e dele tirar proveito. Protegeu a alta burguesia,
deu-lhe monopólios comerciais e industriais, arrendou-lhe impostos,
garantiu-lhe ascensão social, apoiando-a contra clero e nobreza.
Reciprocamente, concedeu privilégios ao alto clero e domesticou a
nobreza, atraindo-a a seus palácios por meio de cargos e pensões.
Também protegeu as corporações dos artesãos contra os grandes
capitalistas, assegurando-lhes os direitos, ao mesmo tempo em que
defendeu artesãos e capitalistas contra os assalariados. Garantiu aos
camponeses direitos de posse e propriedade adquiridos pelo
costume. O poder real, em suma, descansava sobre o conflito
generalizado que tendia a equilibrar as forças sociais, especialmente
o conflito entre as duas classes mais poderosas, nobreza e burguesia.
(ARRUDA & PILETTI, 1996, p. 34)
Neste ambiente conflagrado, no qual o desenvolvimento do comércio
coincidia com a mão do controle real em busca do equilíbrio nacional, as
contradições entre as classes, agudizadas, manifestaram-se nas páginas dos
pasquins inicialmente com relatos de eventos tidos como sobrenaturais,
crimes, catástrofes e outros acontecimentos extraordinários. Não
representaram, nesta fase inicial, problema para as forças em disputa.
Depois28 nasceram os libelos, cujo conteúdo consistia em ácidas polêmicas
religiosas e políticas.
Receosas com a crescente receptividade dos libelos, que
perigosamente davam ao nascente jornalismo uma posição estratégica na
transmissão de idéias, várias cortes lançaram mão de legislações
sistematicamente repressivas. A excessiva centralização dos estudos sociais
sobre essas legislações tendem, porém, a desviar o foco dos eventos reais,
dos interesses em disputa:
Não é o exame da legislação a respeito da imprensa, assim,
que nos permite acompanhar o seu desenvolvimento, mesmo sob o
aspecto da liberdade de expressão, mas o exame da realidade: a
legislação, objetivo constante das preocupações conservadoras, foi
posta de lado, desobedecida, algumas vezes, outras serviu a
desmandos que não previa, tudo conforme o desenvolvimento dos
acontecimentos políticos, conforme a correlação das forças em
28
ALBERT & TERROU, 1990, p. 5.
31. 31
disputa. Esse ambiente agitado, e de cujo desenvolvimento, em regra,
só a agitação nos tem sido transmitida pela historiografia oficial,
esquecida de seus motivos, deu lugar a um tipo de imprensa, o
pasquim, de características específicas. (SODRÉ, 1999, p.84).
A primeira legislação contra os libelos foi criada na Alemanha em 1524,
seguida pela França em 1537 e a Inglaterra em 1538.29 A regulamentação
estatal mostra que o jornalismo informativo não floresceria entre as
monarquias: a informação estava submetida a forças que não eram as de
mercado.
Nos primeiros anos do século XVII surgem os semanários: em 1609
em Estrasburgo e Wolfenbutel, em 1610 na Basiléia, 1615 em Frankfurt, 1617
em Berlim, 1618 em Hamburgo, 1619 em Sttutgart e Praga, 1620 em Colonia
e Amsterdam, 1622 em Londres, 1631 em Paris, 1636 em Florença, 1640 em
Roma, 1661 em Madri e em 1703 em São Petersburgo.30
Na Inglaterra, onde o processo caminhava mais rápido, surgiu o
primeiro jornal diário: a 11 de maio de 1702 veio a primeira edição do Daily
Courant, também primeiro com a concepção da notícia isenta de valores 31. A
inovação surgiu depois que o Parlamento inglês, diante da restauração da
monarquia, criou reformas para expandir a economia mercantilista. Criara-se
o ambiente no qual o convencimento via livre expressão livre é uma
necessidade social. O protagonismo inglês foi benéfico para o
desenvolvimento da atividade jornalística:
O princípio da liberdade de imprensa, antecipado na
Inglaterra, vai ser encontrado, então, tanto na Revolução Francesa
quanto no pensamento de Jefferson, que correspondia aos anseios
da Revolução Americana, sintonizando com a pressão burguesa para
transferir a imprensa à iniciativa privada, o que significava,
evidentemente, a sua entrega ao capitalismo em ascensão. Nos
países em que essa ascensão ocupava-se agora muito mais no plano
político, pois estava já consolidada no plano econômico, a liberdade
de imprensa encontrava barreiras nos remanescentes feudais, adrede
mantidos, por vezes, pela própria burguesia, como escudos contra o
avanço, embora ainda lento, do proletariado e do campesinato – a
Inglaterra e a França, particularmente – o problema permaneceu
longamente no palco. Foi a ausência, nos Estados Unidos, de
passado feudal, que permitiu ali a solução rápida de tal problema,
29
Idem, p. 11-20.
30
ALBERT & TERROU, 1990, p. 7.
31
CHAPARRO, 2003.
32. 32
colocada a liberdade de imprensa – isto é, o seu controle pela
burguesia – como postulado essencial e pacífico, abrindo-se ao seu
desenvolvimento, então as mais amplas perspectivas. Assim,
enquanto na Inglaterra a stamp tax só desapareceu em 1855, e, na
França, a liberdade de imprensa permaneceu relativa até 1881 – nos
Estados Unidos surgiu ampla, praticamente, com a independência.
(SODRÉ, 1999, p. 2)
Na França, onde a resistência ao avanço das reformas burguesas
produzira a monarquia absolutista, os jornais que circularam até 1788
desenvolveram tendências literárias para circular na Corte: visavam chegar à
nobreza, influente sobre a censura estatal. Os principais representantes
franceses dessa época foram o Journal de Paris (surgido em 1777) e o
Journal Général de France (em 1778).
O Journal des Savants inaugurou um tipo de imprensa de
oposição ao sistema, com a crítica aos filósofos das Luzes, que
defendiam o absolutismo esclarecido. Acabou abandonando a crítica
literária devido às perseguições e à censura. Jornais literários
surgiram na França, mas utilizando uma fórmula subserviente, sem
contrariar a ordem constituída. O de maior sucesso no final do século
XVII foi o Nouvelles de La Republique des Lettres, dirigido por Bayle,
que, de tão acomodado, recebeu cartas de felicitação da Academia
Francesa e da Societé Royale, instituições fiscalizadoras dos padrões
estéticos. (ARNT, 2002, p. 21).
Nos Estados Unidos sob controle inglês os jornais tinham baixa
periodicidade e curta duração. The Public Occurrences, publicado em Boston
em 25 de outubro de 1690, teve somente um número32. The Boston News
Letter, de 1704, teve dois33. Na Filadélfia, em 1728, Benjamim Franklin lançou
a Pennsylvania Gazette34, que circulou por duas semanas. Com a revolução
de 1776 o número de folhas saltou para 43 em 1782 35: Libertas do grilhão
monarquista, as forças burguesas rapidamente formularam os marcos da
liberdade civil, e, com ela, da liberdade de imprensa. A primeira foi garantida
em 1776 com a Declaração de Independência dos Estados Unidos36. A
32
DUYCKINCK, 1856, p. 27.
33
Idem.
34
Idem, p. 28.
35
ALBERT & TERROU, 1990, p. 47.
36
UNITED STATES OF THE AMERICA. The declaration of independence. Philadelphia: The United States
Congress, 1776. “The Decl“We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are
endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty, and the pursuit of
Happiness. That to secure these rights, Governments are instituted among Men, deriving their just powers from
33. 33
segunda seria contemplada 15 anos depois, com a 1ª Emenda à
Constituição37.
Na França, a legislação sobre a liberdade de imprensa surgiu dois
anos após a revolução de 1789, mas a luta pelo direito de informar livremente
se manteve, inclusive nas fases de consolidação do novo modelo. De acordo
com P. Albert e F. Terrou, entre 1792 e 1799 o governo revolucionário
instituiu uma severa censura estatal aos impressos. Era o período de crise da
Revolução Francesa, caracterizada pela perda da identificação entre os
interesses dos novos grupos dirigentes e o proletariado francês38.
Diferente dos EUA, a classe dominante francesa não elaborou as
reformas para colocar os mercados no centro da vida social. Abertos os
flancos de batalha, a Restauração instalou-se:
Com o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, um decreto
de 17 de janeiro de 1800 permitiu a subsistência de apenas 13
jornais, restabelecendo o antigo sistema de autorização prévia. O
imperador impôs severo controle à imprensa, mas também tornou um
jornal o porta-voz do seu governo: o Moniteur. Jornais provinciais só
podiam publicar temas políticos extraídos do Moniteur. A partir de
1810 só era permitida uma folha por departamento. Em 1807 ainda
havia 170 jornais provinciais. Em 1811 restavam apenas quatro
jornais em Paris, todos confiscados pelo governo. Após a Batalha de
Waterloo, o retorno dos Bourbons (1814-1815) trouxe uma liberdade
relativa para a imprensa noticiosa, que, no entanto, só seria
conquistada definitivamente 56 anos depois, a partir de 1881.
ALBERT & TERROU, 1990, p. 36.
Inovações tecnológicas ampliaram o poder da imprensa. É o caso do
telégrafo, em 1844, surgido precisamente quando o capitalismo se
the consent of the governed”. (“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os
homens foram criados iguais, que foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes
estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que, a fim de assegurar esses direitos, são instituídos governos
entre os homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados”). Disponível em:
<http://www.icitizenforum.com/declaration-independence> Acesso em: 20 ago. 2011.
37
UNITED STATES OF THE AMERICA. The United States Constitution. Washington: The United States
Congress, 1791. “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free
exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to
assemble, and to petition the Government for a redress of grievances”. (“O Congresso não legislará no sentido de
estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de
imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de
seus agravos”). Disponível em: <http://www.usconstitution.net/xconst_Am1.html> Acesso em 20 ago 2011.
38
ALBERT & TERROU afirmam que de 1789 a 1800 foram publicados mais de 1.500 títulos novos, duas vezes
mais do que nos últimos 100 anos. A censura ocorreu de 1792 a 1799, quando a imprensa passou a ser vista
como ameaça à sobrevivência do regime.
34. 34
desenvolvia mais rápido, exigindo a transmissão de volumes maiores de
informações. O telégrafo atendeu e melhorou essa demanda: o volume de
informações passou a ser contabilizado em minutos, exigindo relatos
jornalísticos mais curtos e objetivos. Impunha-se a padronização da escrita
informativa: nascia a estética do jornalismo moderno:
Seria possível designar a “objetividade jornalística” por
“paradigma do telégrafo”, a primeira rede global em que o jornalismo
se integrou. O novo invento libertou a informação dos
constrangimentos da geografia, autonomizando-a em relação aos
transportes. Além disso, solicitou novas formas de linguagem,
ajudando a configurar as formas de expressão jornalística difundidas
pelas agências noticiosas, elas próprias fundadas sob o impulso
dessa nova tecnologia, e adotadas pelos jornais da “fase industrial da
imprensa”. Entre outras modificações nas “relações sociais mediadas
pela linguagem” - com relevo para a correspondência comercial ou
privada -, o telégrafo contribuiu para a transição do jornalismo
partidário para o jornalismo comercial e noticioso, conduzindo ao
aparecimento das notícias “objetivas”, ou seja, de “notícias que
pudessem ser usadas por jornais de qualquer tendência política”.
Neste sentido, as origens da objetividade podem ser encontradas na
necessidade de encurtar a linguagem, resultante da transmissão
telegráfica. Abreviar o número de palavras significava poupar dinheiro.
(MESQUITA, 2005, p. 29).
Jornais exclusivamente informativos, com linguagem calculada
telegraficamente, emergiram nas mais diversas sociedades.
Enquanto isso, no Japão, onde o poder imperial impunha restrições à
liberdade de imprensa, o primeiro jornal diário - o Yokohama Mainichi
Shimbun39 - surgiria tardiamente, em 1870. Era no Ocidente onde se davam
os eventos cruciais para o jornalismo moderno.
Na primeira década do século XX, a consolidação da hegemonia
burguesa conduziria o capital concorrencial ao monopolista, retomando um
velho fenômeno histórico: o imperialismo. A fase superior do capitalismo40,
marcada pela cartelização da economia e ofensiva contra a classe
trabalhadora, tinha como complemento os “anos dourados”41 da imprensa
39
BURKS, 1964, p. 61.
40
A expressão é do teórico marxista Vladimir I. Lenin, autor de um dos melhores e mais completos estudos sobre
esta transição do capitalismo. Cf. LENIN, Vladimir I. Imperialismo: etapa superior do capitalismo. São Paulo:
Centauro, 2002.
41
É esta a expressão usada, para se referir ao período, pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entidade
patronal brasileira. Cf. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS. Jornais: breve história. Brasília, 2005.
35. 35
mundial. Agências mundiais de notícias e publicidade42 eram responsáveis
pela coleta e abastecimento de informações para jornais de várias partes do
mundo – incluindo, via cabos telegráficos submarinos quilométricos, dos
países periféricos43.
A classe trabalhadora reage. Surge o jornalismo militante, avesso ao
dogma da objetividade (que denuncia como armadilha ideológica das classes
dominantes), porém de fabricação artesanal e circulação manual. Mesmo
assim, investe, furiosamente, contra a manipulação noticiosa44. Os primeiros
jornais proletários enfatizavam abertamente o caráter classista de todo e
qualquer impresso político. Nascia a propaganda revolucionária na imprensa.
O jornalismo, apropriado pelas idéias socialistas, comunistas e anarquistas,
novamente tornava-se palco da batalha por hegemonia entre classes sociais
rivais.45 Coerente com essa trajetória, na primeira década do século XX, nos
primeiros ensaios da Revolução Russa, surgiria o maior e mais influente
jornal revolucionário: o Pravda (do russo, A Verdade)46, que subsiste até hoje.
Com o século XX nasceu também o rádio47, nova forma de
comunicação cuja agilidade na transmissão de notícias foi rapidamente
incorporada48 pelas redes de impressos. Cadeias de impressos e rádios
transnacionais dominaram o mercado de informações, criando os primeiros
conglomerados midiáticos da história. Concentradas em poucas mãos, tais
corporações davam aos proprietários posições estratégicas em relação a
governos e conglomerados interessados na exportação do american way of
49
life para o resto do mundo .
Disponível em: <www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/historianomundo/historiadojornal.pdf> Acesso em 20
ago. 2011.
42
SODRÉ, 1999, p. 4.
43
Idem, p. 389.
44
BORGES, 2006.
45
A epopéia do jornalismo proletário e a importância da propaganda e agitação impressas para as revoluções
socialistas do século XX exigiria um trabalho monográfico específico, e, se exaustiva, em vários tomos. Por força
do recorte temático exigido de monografias científicas, também esse tema será integralmente omitido, ficando
apenas o registro e a dica para pesquisadores potencialmente interessados.
46
A primeira edição do Pravda circulou em 1912. Hoje, além da versão impressa, há uma homepage do jornal na
internet com noticiário atualizado diariamente em inglês, russo, português e italiano. Cf. PRAVDA. Disponível
em: <http://www.pravda.ru/> Acesso em 20 ago. 2011.
47
CAMPOS, 2007.
48
SODRÉ, 1999, p. 415.
49
Um exemplo claro do papel importante dessa “fase de ouro” do jornalismo ocidental é a sua ligação direta, via
patrocínio generoso, do Departamento de Defesa norte-americano durante o chamado macarthismo (ou,
36. 36
Nesta fase, enquanto mercados e governos davam forma à fase
imperialista do capitalismo, intensificando os conflitos de classe nas bases
produtivas ao mesmo tempo em que, no Velho Mundo, consolidava-se a
Revolução Russa, as agências de jornalismo ocupavam-se do fluxo de idéias
da metrópole para a periferia capitalista:
É fácil avaliar a terrível força da engrenagem que se compõe
de agências de notícias, agências de publicidade e cadeias de jornais
e revistas, sua influência política, sua capacidade de modificar a
opinião, de criar e manter mitos ou de destruir esperanças e combater
aspirações. Quando se verifica que essa gigantesca engrenagem é
simples parafuso de engrenagem maior, a que pertence, do
capitalismo monopolista, ainda mais fácil é estimar o seu alcance e
poder. Sem considerar esses dados, que a fria realidade apresenta, é
impossível, entretanto, discutir problemas como o da liberdade de
imprensa, aspecto parcial do problema da liberdade de pensamento.
E quando são inseridas no quadro as novas técnicas de mobilização
da opinião, como a televisão e o rádio, também submetidas, em
muitos países, à iniciativa privada e associadas, inclusive, à imprensa,
e também submetidas a organizações em cadeia, verifica-se quanto
aquele problema fundamental se apresenta complexo e depende do
regime predominante. (SODRÉ, 1999, p. 6).
O ritmo frenético da transmissão de notícias, a necessidade de
consolidação da ideologia imperialista, que pressuponha vender imagens
convincentes do progresso prometido pela nova ordem mundial impõe o
nascimento de mais uma tecnologia de informação: a televisão. Com ela, a
partir da primeira metade do século XX, a propaganda vira entretenimento.
Nos anos 50 as agências transnacionais de publicidade e notícia dos
50
Estados Unidos criam os manuais de redação e estilo , uniformizando o
texto jornalístico51. Os manuais, que ajudam a consolidar a ideia de
macartismo), campanha anticomunista desencadeada nos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial. Sobre
o financiamento dos jornais neste e em outros períodos de “caça aos comunistas” nos EUA e em outros países,
cf. SAUNDERS, Frances S. Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura. Rio de Janeiro:
Record, 2005. Uma análise dessas mesmas relações a partir de documentos oficiais do Departamento de Defesa
norte-americano pode ser encontrada também em SCHREKER, Ellen. The age of McCarthysm: a brief history
with documents. New York: Bedford/St. Martin’s, 2002.
50
Os manuais consistem basicamente de cartilhas normativas para a escrita, contendo regras de acentuação,
pontuação, ortografia, uso de maiúsculas e minúsculas, pesos e medidas etc.
51
LUSTOSA (1996:72) esclarece: “O modelo da técnica da escrita, exigida pelos manuais de redação, que
surgem a partir de 1950, representou também a introdução do lide, que no Brasil poderia ser abertura, como
ocorre com os espanhóis, que o chamam de entrada. Os redatores e repórteres de rádio usam no Brasil a
expressão cabeça e não lide. A técnica da notícia possibilitou a apropriação da opinião, com exclusividade, pelos
donos do veículo. O repórter passou a produzir textos padronizados, a partir de um modelo de formulação que
não permitia a manifestação de comentários pessoais. Estabelecida a propriedade de opinião, surgiram as
37. 37
neutralidade do jornalista ao transmitir os fatos, paradigma reinante desde o
invento do telégrafo, surgem durante a Guerra Fria entre EUA e União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ambos os países disputavam
áreas de influência no mundo, inclusive no Brasil52. Desta forma, a
uniformização visava impedir a manifestação de ideias políticas subversivas.
Na história do jornalismo, os avanços do setor comunicativo
proporcionados por inventos como telégrafo, rádio e televisão não foram
apenas saltos tecnológicos resultantes da curiosidade humana. Todos são
francamente coerentes com o seu momento político, que os demanda, e, em
alguns casos, os cria – caso dos manuais.
As agências de notícias, ao anexarem os canais de televisão, criaram
os oligopólios de comunicação que persistem hoje 53. A partir da segunda
metade do século XX, estruturas comunicativas e de publicidade exportaram
produtos e valores de consumo para as periferias empobrecidas do
capitalismo54, influenciaram no derrube de governos eleitos55 e na legitimação
de ditadores56, massificaram o american way of life57 e louvaram todas as
ofensivas neoliberais58 que beneficiavam a ampliação dos mercados.
Nos últimos anos do século XX, com a indústria comunicativa no topo
dos circuitos mundiais de capital, surge a informática, e, com ela, a internet.
Blogs, Orkut, facebook, twitter e outras redes de interação permitem a
qualquer indivíduo interagir com outros na produção de idéias, inclusive
noticiosas. Era o nascimento da “sociedade em rede”59.
Os oligopólios de comunicação acusaram o golpe. Patrocinados por
eles, estudos sobre a suposta insegurança e o caos da rede mundial de
computadores proliferaram-se na própria internet. Pela primeira vez, a
“páginas de opinião”, com o editorial – espaço reservado à defesa das causas e interesses do veículo – e os textos
de articulistas e colunistas, que podiam manifestar seus próprios pontos de vista.”
52
BONIFÁCIO, 2007, p. 29. A autora não menciona os interesses do Pentágono e a guerra de informações entre
EUA e URSS, mas registra, neste mesmo período, a bovina recepção dos manuais pela imprensa comercial
brasileira, incluindo a acreana.
53
Idem, p. 70-73.
54
SODRÉ, 1990, p. 24-28.
55
SODRÉ, 1999, p. 434-449.
56
MARCONDES FILHO, 1989, p. 137-139.
57
GONÇALVES, 2003.
58
BRITO, 2007.