SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  1
Télécharger pour lire hors ligne
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
46 • Público • Quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2018
já os desígnios da modernidade europeia
vislumbravam sinais emancipatórios de uma
hipotética revolução social: primeiro, sob
influência do liberalismo, em que às classes
trabalhadoras se oferecia a utopia de que se
poderiam libertar dos grilhões da pobreza
através do empreendedorismo individual,
à imagem de um Eldorado oriundo do
continente americano. Numa primeira fase
da modernidade, a emancipação dos pobres
na Europa, curiosamente, encontrou na
Revolução Americana o maior exemplo de
prosperidade. Exemplo esse que ofereceu
aos clássicos da economia europeia (como
John Locke e Adam Smith) o argumento
para afirmarem a importância do labor e
do trabalho duro
como via para o
enriquecimento
individual e
já não apenas
como sinónimo
de exploração.
Mas, apesar da
permeabilidade do
exemplo americano
nos meios filosóficos
do Velho Continente,
as novas rebeliões
das massas
trabalhadoras e os
seus movimentos
ignoraram essa via.
Ao longo do século
XIX surgiriam novas
correntes ideológicas
e lutas sociais,
muitas delas já sob
ElísioEstanque
O outro lado da Revolução (II)
S
e a atenção dedicada à
Revolução Russa por ocasião
do seu primeiro centenário
foi uma oportunidade para a
reinterpretação desse legado,
o mesmo poderá vir a ocorrer
este ano, a propósito do
cinquentenário do Maio de 68 ou
até do próximo aniversário do 25
de Abril de 1974, temas em que,
evidentemente, a ideia de revolução pode, na
sua polissemia, adequar-se a novas análises
e reflexões. E, por isso, serão certamente em
breve objeto de análise.
Dando sequência a um texto anterior,
pretendo agora explorar o próprio conceito
de “revolução” e o seu significado ao
longo dos tempos. Nos seus primórdios
mais longínquos, a noção de mutatio
rerum (‘mudar as coisas’) abriu caminho
ao pensamento lógico sobre a mudança
social e o seu ritmo. Nos tempos do império
romano e de guerra civil da pólis grega
tornou-se conhecida a noção platónica
de transmutação, ou seja, como explicou
Hannah Arendt (On Revolution, 1963), a
passagem de uma forma de governo a outra.
Na sua origem latina, a palavra — revolutìo
ónis — significa uma transformação rápida
da sociedade ou viragem abrupta no poder
político. A mudança política e a violência
que lhe é muitas vezes inerente já eram
características conhecidas na Antiguidade,
mas nem uma nem outra eram associadas
ao surgimento de algo inteiramente novo.
Aristóteles e Platão referiam-se à importância
da “motivação económica” como justificação
para o derrube de governos ou pelos ricos
para instaurar oligarquias ou pelos pobres
para instaurar democracias. Já naquela época
os letrados sabiam que, por regra, os tiranos
acedem ao poder com o apoio da plebe e que
a melhor forma de o preservar é prometer
aos pobres a igualdades de condições. Mas
é só na era moderna que a “questão social”
entra verdadeiramente em cena, e é então —
quando a pobreza deixa de ser considerada
inerente à condição humana — que a
clivagem ricos/pobres emerge como principal
fonte de injustiça, suscitando a denúncia de
setores crescentes da população, em especial
aqueles que estavam condenados à miséria.
Mesmo antes do triunfo da Revolução
Francesa e da difusão em larga escala das
promessas progressistas do Iluminismo,
a influência do marxismo e, a partir das
primeiras décadas do século XX, animadas
também pela vitória dos bolcheviques de
1917. Os protestos operários de Chicago
em 1 de Maio de 1886 tiveram o efeito de
contágio que atravessou o Atlântico com
as primeiras lutas operárias da indústria
moderna dos EUA, marcadas pela violência.
Todavia, como é sabido, o vírus do 1.º de
Maio enquanto momento de revolta do
trabalho contra o capital propagou-se, não
nos EUA mas na velha Europa. Entretanto,
os impactos da Revolução Industrial inglesa
abriam caminho a um forte movimento
operário e sindical, dando expressão política
às principais correntes revolucionárias. Com
as ideologias da época a digladiarem-se entre
si, reforma ou revolução, social-democracia,
assistencialismo, anarquismo, socialismo
utópico ou comunismo forneceram ao
operariado industrial europeu toda uma
panóplia de referenciais de mudança radical.
Mas, à luz das teorias que a inspiraram, a
“Revolução proletária” acabou por acontecer
no lugar “errado”, enquanto o capitalismo
ocidental começava a ceder e a adaptar-se
aos clamores populares por justiça social e
democracia.
Uma explosão só ocorre quando não
existem válvulas de escape, ou seja, o
pluralismo político e a institucionalização
do conflito na Europa do pós-guerra
permitiram substituir as rebeliões de
massas por mudanças reformistas, muito
embora se possa concluir que sem o
impulso dos movimentos revolucionários
os programas sociais-democratas, o
keynesianismo e muitas das conquistas
Emsuma,éa
urgênciada
emancipação
queabre
caminhoà
revolução
civilizacionais que hoje conhecemos não
teriam sido alcançadas. Uma liderança
carismática e um bom discurso demagogo
podem sempre ser decisivos. Todavia, a
revolução é sobretudo fruto de condições de
urgência e crescentes descontentamentos
coletivos; não principalmente resultado do
trabalho organizativo de “revolucionários
profissionais” ou de uma qualquer
“vanguarda”. Em que condições pode então
ocorrer uma revolução? Historiadores e
cientistas sociais — como Theda Skocpol
(States and Social Revolutions, 1979), entre
outros — reportam-se à Revolução como
um processo em que se conjugam diversas
revoltas populares, incluindo conflitos
de interesses envolvendo o Estado, as
elites e as classes trabalhadoras e que tem
como resultado uma alteração profunda
das estruturas de classe e da sociedade. A
revolução só pode triunfar, afirmou Lenine,
quando os de baixo não querem e os de cima
não podem continuar a viver como dantes. Na
definição de Charles Tilly (From Mobilization
to Revolution, 1978), há três condições para
se poder falar de revoluções: (1) quando
existem claras discrepâncias entre o que os
governos exigem dos seus cidadãos mais bem
organizados e a sua capacidade para fazê-los
cumprir; (2) quando os governos impõem
exigências que ameaçam as identidades
coletivas ou violam direitos associados a essas
identidades; e (3) quando o poder da elite
dominante visivelmente diminui em relação à
força crescente dos seus opositores.
Um conhecido sociólogo francês que
se celebrizou pelos muitos estudos sobre
movimentos sociais (Alain Touraine)
afirmou que o poder transformador de uma
revolução nunca se traduziu na substituição
das classes dominantes pelas dominadas,
antes abriu espaço a uma mudança na
estrutura de classes, na qual, não raramente,
se transformou antigos revolucionários
em novos oligarcas. A acomodação às
cadeiras do poder e o deslumbramento
perante o novo status tendem a subverter
as intenções iniciais (ainda que estas sejam
as mais generosas). O próprio Friedrich
Engels já alertava em finais do século XIX,
a propósito da revolução, para o risco de
divórcio entre a teoria e a prática, razão pela
qual “os revolucionários descobrem no dia
seguinte que a revolução que fizeram não era
aquela que deviam ter feito”. Em suma, é a
urgência da emancipação que abre caminho
à revolução — ou seja, se é verdade que “as
revoluções começam sempre num beco sem
saída”, o efeito libertário e emancipatório
não está necessariamente do lado de lá do
muro, mas no próprio ato de saltar.
ProfessordaFaculdadedeEconomia
einvestigadordoCentrodeEstudos
SociaisdaUniversidadedeCoimbra
NELSON GARRIDO
Arevoluçãoésobretudo
frutodecondiçõesde
urgênciaecrescentes
descontentamentoscolectivos
ESPAÇOPÚBLICO

Contenu connexe

Tendances

A caminho de uma ruptura global
A caminho de uma ruptura globalA caminho de uma ruptura global
A caminho de uma ruptura global
Emerson Mathias
 
Capitalismo e socialismo_
Capitalismo e socialismo_Capitalismo e socialismo_
Capitalismo e socialismo_
Lucas pk'
 
Romantismo na filosofia e no positivismo
Romantismo na filosofia e no positivismoRomantismo na filosofia e no positivismo
Romantismo na filosofia e no positivismo
Alexandre Misturini
 
O Estado E As RelaçõEs Internacionais Bogea
O Estado E As RelaçõEs Internacionais BogeaO Estado E As RelaçõEs Internacionais Bogea
O Estado E As RelaçõEs Internacionais Bogea
Almir
 
Ética e Humanidades - Liberalismo e Socialismo
Ética e Humanidades - Liberalismo e SocialismoÉtica e Humanidades - Liberalismo e Socialismo
Ética e Humanidades - Liberalismo e Socialismo
Cairo Martins
 
Resenha manifesto comunista
Resenha manifesto comunistaResenha manifesto comunista
Resenha manifesto comunista
kapoars
 
Ideologias políticas do século xix
Ideologias políticas do século xixIdeologias políticas do século xix
Ideologias políticas do século xix
Privada
 

Tendances (20)

A caminho de uma ruptura global
A caminho de uma ruptura globalA caminho de uma ruptura global
A caminho de uma ruptura global
 
A chegada dos "tempos modernos"
A chegada dos "tempos modernos"A chegada dos "tempos modernos"
A chegada dos "tempos modernos"
 
As teorias socialistas 1
As teorias socialistas 1As teorias socialistas 1
As teorias socialistas 1
 
O embate entre as correntes liberais e os socialismos no século XIX. http://b...
O embate entre as correntes liberais e os socialismos no século XIX. http://b...O embate entre as correntes liberais e os socialismos no século XIX. http://b...
O embate entre as correntes liberais e os socialismos no século XIX. http://b...
 
Capitalismo e socialismo_
Capitalismo e socialismo_Capitalismo e socialismo_
Capitalismo e socialismo_
 
Socialismo utópico
Socialismo utópicoSocialismo utópico
Socialismo utópico
 
Ideias sociais e políticas do século xix
Ideias sociais e políticas do século xixIdeias sociais e políticas do século xix
Ideias sociais e políticas do século xix
 
Liberdade ou segurança
Liberdade ou segurançaLiberdade ou segurança
Liberdade ou segurança
 
Romantismo na filosofia e no positivismo
Romantismo na filosofia e no positivismoRomantismo na filosofia e no positivismo
Romantismo na filosofia e no positivismo
 
Oqueerevolucao
OqueerevolucaoOqueerevolucao
Oqueerevolucao
 
Anarquismo
AnarquismoAnarquismo
Anarquismo
 
O Estado E As RelaçõEs Internacionais Bogea
O Estado E As RelaçõEs Internacionais BogeaO Estado E As RelaçõEs Internacionais Bogea
O Estado E As RelaçõEs Internacionais Bogea
 
História
HistóriaHistória
História
 
Ideias sociais e políticas do Século XIX
Ideias sociais  e políticas do Século XIXIdeias sociais  e políticas do Século XIX
Ideias sociais e políticas do Século XIX
 
Ética e Humanidades - Liberalismo e Socialismo
Ética e Humanidades - Liberalismo e SocialismoÉtica e Humanidades - Liberalismo e Socialismo
Ética e Humanidades - Liberalismo e Socialismo
 
Resenha manifesto comunista
Resenha manifesto comunistaResenha manifesto comunista
Resenha manifesto comunista
 
Ideologias políticas do século xix
Ideologias políticas do século xixIdeologias políticas do século xix
Ideologias políticas do século xix
 
Séc xix o mundo em transformação - socialismo - liberalismo
Séc xix   o mundo em transformação - socialismo - liberalismoSéc xix   o mundo em transformação - socialismo - liberalismo
Séc xix o mundo em transformação - socialismo - liberalismo
 
Sociologia Capítulo 10 - Como surgiu o Estado moderno
Sociologia Capítulo 10 - Como surgiu o Estado modernoSociologia Capítulo 10 - Como surgiu o Estado moderno
Sociologia Capítulo 10 - Como surgiu o Estado moderno
 
Filosofia
FilosofiaFilosofia
Filosofia
 

Similaire à O outro lado da revol (ii) publico20180215

As revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumo
As revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumoAs revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumo
As revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumo
Escoladocs
 
Socialismo 9º Ano
Socialismo 9º AnoSocialismo 9º Ano
Socialismo 9º Ano
Lucas Weiby
 
Surgimento sociologia i
Surgimento sociologia iSurgimento sociologia i
Surgimento sociologia i
Lucio Braga
 
Euforia das Invenções
Euforia das InvençõesEuforia das Invenções
Euforia das Invenções
Michele Pó
 
Há uma concepção utópica no pensamento marxista (revisado maio 2012)
Há uma concepção utópica no pensamento marxista (revisado maio 2012)Há uma concepção utópica no pensamento marxista (revisado maio 2012)
Há uma concepção utópica no pensamento marxista (revisado maio 2012)
GabrielaMansur
 

Similaire à O outro lado da revol (ii) publico20180215 (20)

A social democracia é a solução para o fracasso do liberalismo, do socialismo...
A social democracia é a solução para o fracasso do liberalismo, do socialismo...A social democracia é a solução para o fracasso do liberalismo, do socialismo...
A social democracia é a solução para o fracasso do liberalismo, do socialismo...
 
As revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumo
As revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumoAs revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumo
As revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumo
 
A afinidade do liberalismo com o fascismo
A afinidade do liberalismo com o fascismo A afinidade do liberalismo com o fascismo
A afinidade do liberalismo com o fascismo
 
O mundo diante da contrarevolução neoliberal
O mundo diante da contrarevolução neoliberalO mundo diante da contrarevolução neoliberal
O mundo diante da contrarevolução neoliberal
 
Socialismo 9º Ano
Socialismo 9º AnoSocialismo 9º Ano
Socialismo 9º Ano
 
Surgimento sociologia i
Surgimento sociologia iSurgimento sociologia i
Surgimento sociologia i
 
AULA O LIBERALISMO.docx
AULA O LIBERALISMO.docxAULA O LIBERALISMO.docx
AULA O LIBERALISMO.docx
 
Revista de História
Revista de HistóriaRevista de História
Revista de História
 
O que é sociologia
O que é sociologiaO que é sociologia
O que é sociologia
 
Projeto de novo modelo de sociedade a ser edificado no futuro
Projeto de novo modelo de sociedade a ser edificado no futuroProjeto de novo modelo de sociedade a ser edificado no futuro
Projeto de novo modelo de sociedade a ser edificado no futuro
 
Projeto de novo modelo de sociedade a ser edificado no futuro
Projeto de novo modelo de sociedade a ser edificado no futuroProjeto de novo modelo de sociedade a ser edificado no futuro
Projeto de novo modelo de sociedade a ser edificado no futuro
 
Liberalismo clássico e contemporâneo
Liberalismo clássico e contemporâneoLiberalismo clássico e contemporâneo
Liberalismo clássico e contemporâneo
 
Socialismos e anarquismo
Socialismos e anarquismoSocialismos e anarquismo
Socialismos e anarquismo
 
Liberalismo (1)
Liberalismo (1)Liberalismo (1)
Liberalismo (1)
 
O Iluminismo
O IluminismoO Iluminismo
O Iluminismo
 
Socialismos e anarquismo
Socialismos e anarquismoSocialismos e anarquismo
Socialismos e anarquismo
 
Euforia das Invenções
Euforia das InvençõesEuforia das Invenções
Euforia das Invenções
 
Há uma concepção utópica no pensamento marxista (revisado maio 2012)
Há uma concepção utópica no pensamento marxista (revisado maio 2012)Há uma concepção utópica no pensamento marxista (revisado maio 2012)
Há uma concepção utópica no pensamento marxista (revisado maio 2012)
 
O ILUMINISMO
O ILUMINISMOO ILUMINISMO
O ILUMINISMO
 
Doutrinas sociais
Doutrinas sociaisDoutrinas sociais
Doutrinas sociais
 

Plus de Elisio Estanque

Plus de Elisio Estanque (20)

O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
 
Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?
 
Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo
 
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
 
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
 
Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)
 
Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)
 
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
 
Ee_publico_entrevista-1
  Ee_publico_entrevista-1  Ee_publico_entrevista-1
Ee_publico_entrevista-1
 
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
 
Des globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeDes globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho ee
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016
 
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
 
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016
 
Uma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoUma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismo
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
 
Middle class rebellions_2015
Middle class rebellions_2015Middle class rebellions_2015
Middle class rebellions_2015
 

O outro lado da revol (ii) publico20180215

  • 1. Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público. Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A. 46 • Público • Quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2018 já os desígnios da modernidade europeia vislumbravam sinais emancipatórios de uma hipotética revolução social: primeiro, sob influência do liberalismo, em que às classes trabalhadoras se oferecia a utopia de que se poderiam libertar dos grilhões da pobreza através do empreendedorismo individual, à imagem de um Eldorado oriundo do continente americano. Numa primeira fase da modernidade, a emancipação dos pobres na Europa, curiosamente, encontrou na Revolução Americana o maior exemplo de prosperidade. Exemplo esse que ofereceu aos clássicos da economia europeia (como John Locke e Adam Smith) o argumento para afirmarem a importância do labor e do trabalho duro como via para o enriquecimento individual e já não apenas como sinónimo de exploração. Mas, apesar da permeabilidade do exemplo americano nos meios filosóficos do Velho Continente, as novas rebeliões das massas trabalhadoras e os seus movimentos ignoraram essa via. Ao longo do século XIX surgiriam novas correntes ideológicas e lutas sociais, muitas delas já sob ElísioEstanque O outro lado da Revolução (II) S e a atenção dedicada à Revolução Russa por ocasião do seu primeiro centenário foi uma oportunidade para a reinterpretação desse legado, o mesmo poderá vir a ocorrer este ano, a propósito do cinquentenário do Maio de 68 ou até do próximo aniversário do 25 de Abril de 1974, temas em que, evidentemente, a ideia de revolução pode, na sua polissemia, adequar-se a novas análises e reflexões. E, por isso, serão certamente em breve objeto de análise. Dando sequência a um texto anterior, pretendo agora explorar o próprio conceito de “revolução” e o seu significado ao longo dos tempos. Nos seus primórdios mais longínquos, a noção de mutatio rerum (‘mudar as coisas’) abriu caminho ao pensamento lógico sobre a mudança social e o seu ritmo. Nos tempos do império romano e de guerra civil da pólis grega tornou-se conhecida a noção platónica de transmutação, ou seja, como explicou Hannah Arendt (On Revolution, 1963), a passagem de uma forma de governo a outra. Na sua origem latina, a palavra — revolutìo ónis — significa uma transformação rápida da sociedade ou viragem abrupta no poder político. A mudança política e a violência que lhe é muitas vezes inerente já eram características conhecidas na Antiguidade, mas nem uma nem outra eram associadas ao surgimento de algo inteiramente novo. Aristóteles e Platão referiam-se à importância da “motivação económica” como justificação para o derrube de governos ou pelos ricos para instaurar oligarquias ou pelos pobres para instaurar democracias. Já naquela época os letrados sabiam que, por regra, os tiranos acedem ao poder com o apoio da plebe e que a melhor forma de o preservar é prometer aos pobres a igualdades de condições. Mas é só na era moderna que a “questão social” entra verdadeiramente em cena, e é então — quando a pobreza deixa de ser considerada inerente à condição humana — que a clivagem ricos/pobres emerge como principal fonte de injustiça, suscitando a denúncia de setores crescentes da população, em especial aqueles que estavam condenados à miséria. Mesmo antes do triunfo da Revolução Francesa e da difusão em larga escala das promessas progressistas do Iluminismo, a influência do marxismo e, a partir das primeiras décadas do século XX, animadas também pela vitória dos bolcheviques de 1917. Os protestos operários de Chicago em 1 de Maio de 1886 tiveram o efeito de contágio que atravessou o Atlântico com as primeiras lutas operárias da indústria moderna dos EUA, marcadas pela violência. Todavia, como é sabido, o vírus do 1.º de Maio enquanto momento de revolta do trabalho contra o capital propagou-se, não nos EUA mas na velha Europa. Entretanto, os impactos da Revolução Industrial inglesa abriam caminho a um forte movimento operário e sindical, dando expressão política às principais correntes revolucionárias. Com as ideologias da época a digladiarem-se entre si, reforma ou revolução, social-democracia, assistencialismo, anarquismo, socialismo utópico ou comunismo forneceram ao operariado industrial europeu toda uma panóplia de referenciais de mudança radical. Mas, à luz das teorias que a inspiraram, a “Revolução proletária” acabou por acontecer no lugar “errado”, enquanto o capitalismo ocidental começava a ceder e a adaptar-se aos clamores populares por justiça social e democracia. Uma explosão só ocorre quando não existem válvulas de escape, ou seja, o pluralismo político e a institucionalização do conflito na Europa do pós-guerra permitiram substituir as rebeliões de massas por mudanças reformistas, muito embora se possa concluir que sem o impulso dos movimentos revolucionários os programas sociais-democratas, o keynesianismo e muitas das conquistas Emsuma,éa urgênciada emancipação queabre caminhoà revolução civilizacionais que hoje conhecemos não teriam sido alcançadas. Uma liderança carismática e um bom discurso demagogo podem sempre ser decisivos. Todavia, a revolução é sobretudo fruto de condições de urgência e crescentes descontentamentos coletivos; não principalmente resultado do trabalho organizativo de “revolucionários profissionais” ou de uma qualquer “vanguarda”. Em que condições pode então ocorrer uma revolução? Historiadores e cientistas sociais — como Theda Skocpol (States and Social Revolutions, 1979), entre outros — reportam-se à Revolução como um processo em que se conjugam diversas revoltas populares, incluindo conflitos de interesses envolvendo o Estado, as elites e as classes trabalhadoras e que tem como resultado uma alteração profunda das estruturas de classe e da sociedade. A revolução só pode triunfar, afirmou Lenine, quando os de baixo não querem e os de cima não podem continuar a viver como dantes. Na definição de Charles Tilly (From Mobilization to Revolution, 1978), há três condições para se poder falar de revoluções: (1) quando existem claras discrepâncias entre o que os governos exigem dos seus cidadãos mais bem organizados e a sua capacidade para fazê-los cumprir; (2) quando os governos impõem exigências que ameaçam as identidades coletivas ou violam direitos associados a essas identidades; e (3) quando o poder da elite dominante visivelmente diminui em relação à força crescente dos seus opositores. Um conhecido sociólogo francês que se celebrizou pelos muitos estudos sobre movimentos sociais (Alain Touraine) afirmou que o poder transformador de uma revolução nunca se traduziu na substituição das classes dominantes pelas dominadas, antes abriu espaço a uma mudança na estrutura de classes, na qual, não raramente, se transformou antigos revolucionários em novos oligarcas. A acomodação às cadeiras do poder e o deslumbramento perante o novo status tendem a subverter as intenções iniciais (ainda que estas sejam as mais generosas). O próprio Friedrich Engels já alertava em finais do século XIX, a propósito da revolução, para o risco de divórcio entre a teoria e a prática, razão pela qual “os revolucionários descobrem no dia seguinte que a revolução que fizeram não era aquela que deviam ter feito”. Em suma, é a urgência da emancipação que abre caminho à revolução — ou seja, se é verdade que “as revoluções começam sempre num beco sem saída”, o efeito libertário e emancipatório não está necessariamente do lado de lá do muro, mas no próprio ato de saltar. ProfessordaFaculdadedeEconomia einvestigadordoCentrodeEstudos SociaisdaUniversidadedeCoimbra NELSON GARRIDO Arevoluçãoésobretudo frutodecondiçõesde urgênciaecrescentes descontentamentoscolectivos ESPAÇOPÚBLICO