A carta discute o processo seletivo de 2014 da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e propõe alternativas ao edital. Os estudantes argumentam que adotar o Sistema de Seleção Unificado (SISU) pode reduzir o perfil demográfico diversificado da UNILA, comprometendo seu projeto inclusivo. Eles sugerem aumentar as cotas para estudantes de escola pública e baixa renda para manter o acesso democratizado à universidade.
Contribuição para o debate sobre o edital de seleção de brasileiros no processo seletivo 2014 da unila
1. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO
LATINO-AMERICANA - UNILA
Foz do Iguaçu, 26 de agosto de 2013
ÀS/AOS REPRESENTANTES DISCENTES NO CONSUN
A/C: NICOLAS PEREYRA
CONTRIBUIÇÃO PARA O DEBATE SOBRE O EDITAL DE SELEÇÃO
DE BRASILEIROS NO PROCESSO SELETIVO 2014
André da Costa Garcia – Antropologia 2011
Diego Amanço – Ciências Biológicas 2012
Karina Fernandes – Ciências Econômicas 2010
Sábatha Fernandes - Ciência Política e Sociologia 2011
Apresentação
Encaminhamos esta carta aos representantes discentes no Conselho
Universitário – CONSUN, para ajudar a subsidiar o debate acerca do Edital de
Seleção de Brasileiros para o ano letivo de 2014, a ser votado em 30 de agosto de
2013 na 1ª reunião do CONSUN eleito.
Introdução
O Governo Federal instituiu por meio do Decreto presidencial Decreto nº
6.096 de 24 de abril de 2007, o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais – REUNI, apresentando como principal
1
2. objetivo ampliar o acesso e a permanência na educação superior. Adotando assim,
uma série de “medidas para retomar o crescimento do ensino superior público,
criando condições para que as universidades federais promovam expansão física,
acadêmica e pedagógica” 1, procurando também concretizar a principal meta do
Plano Nacional de Educação - PNE de 2001, a de elevar a oferta de vagas na
educação superior, estipulando como principal meta a oferta para pelo menos, 30%
da população brasileira na faixa etária de 18 a 24 anos até 2010.
Fez parte da primeira etapa desse plano, a criação da UNILA, sendo,
portanto, fruto dessa modificação do quadro da educação superior brasileira
promovida pelo Governo Federal.
A UNILA, em seus três processos seletivos realizados a estudantes
brasileiros até o momento, optou por utilizar a nota obtida no Exame Nacional do
Ensino Médio – ENEM, acrescido de “bônus” para estudantes oriundos de escola
pública o que mostrou grandes resultados - como mostraremos adiante - na
democratização da Universidade, além de se configurar como uma c onquista
histórica defendida pelos estudantes desta Universidade, por condizer com seu
Projeto inicial.
Devido à proposta recente de atrelar seu processo seletivo ao Sistema
Nacional de Seleção Unificado – SISU, consideramos, por um lado, ser de extrema
importância apontar algumas implicações que essa ação pode gerar no perfil
estudantil da Universidade, e por outro, propor alternativas de acordo com seu
histórico.
Democratização do Acesso
As Ações Afirmativas surgiram nos Estados Unidos durante a década de 60,
como resultado da luta pelo fim da discriminação racial. O termo foi usado pela
primeira vez pelo então presidente Lyndon Johnson, em 1965, que afirmava a
necessidade de implementação de ações afirmativas para garantir aos negros, igual
1
O que é o REUNI?. Disponível em: <
http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=2>
2
3. acesso a oferta de empregos e que, uma vez empregados, deveriam ser tratados
como todos os demais assalariados.
Apesar de surgir como resposta pontual a essa questão, o debate ganha força
em meio a outras contestações de direitos civis, em todo o mundo, de ordem
inclusiva (movimento de gênero, por exemplo) que, alinhados ao mesmo princípio
reforçaram – e reforçam - a luta do movimento negro nos EUA. Com isso, as ações
afirmativas, hoje, configuraram-se como ferramenta das “minorias” 2 em busca da
igualdade jurídica como tentativa de criar paridade de oportunidades corrigindo as
desigualdades sociais.
A Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de
Discriminação Racial 3, realizada em 1968, já apontava:
Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais
tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado
de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem
da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais
grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e
liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam,
em consequência, à manutenção de direitos separados para
diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido
alcançados os seus objetivos. (Art. 1°, IV)
Dois eventos no início do século XXI foram importantes para a implementação
de políticas públicas de ações afirmativas: a promulgação do Estatuto da Igualdade
Racial em 2000 e a Conferência da ONU sobre Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerância, realizado em 2001, em Durban. Após a realização destas,
ganhou mais “fôlego” o debate sobre o tema no país.
Assim, em 2001, o Estado do Rio de Janeiro, institui a Lei nº 3.708/01 que
dispõe sobre a reserva de 40% das vagas nas universidades estaduais para negros
e pardos. Daí em diante outras universidades como a Universidade de Brasília –
UNB, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Universidade Estadual do Mato
Grosso do Sul - UEMS, Universidade do Estado do Mato Grosso - UNEMAT,
2
Minorias aqui são entendidas não por seu percentual representativo na população, mas sim, pela posição
ocupada hierarquicamente; grupos minoritários entendidos como grupos historicamente desprivilegiados e
excluídos das melhores posições, opostos a grupos majoritários.
3
Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial. Adotada pela
Resolução 2.106-A (XX) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21.12.1965 - ratificada pelo Brasil em 27 de
março de 1968.
3
4. Universidade Federal do Paraná - UFPR e Universidade Federal de Alagoas –
UFAL, também adotaram políticas semelhantes, para cotas raciais e/ou sociais ou
incorporação de pontos no vestibular.
Velloso (2011) aponta que apesar das cotas raciais serem instrumentos
necessários para corrigir as desigualdades e estarem contribuindo para a
democratização do acesso, ainda são insuficientes para reduzir desigualdades
sociais, nesse caso, demanda-se a adoção de reserva de vagas para jovens de
menor renda e oriundos de escola pública.
Outra ferramenta que se destaca no processo de democratização do ensino
superior brasileiro é o ENEM que surgiu em 1998 - a princípio com caráter voluntário
aos estudantes que estavam concluindo o 3º ano do ensino médio, ou que já
tivessem terminado essa etapa da educação básica, cujo objetivo era avaliar o
desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica – e que foi fundamental
para a mudança no modo de seleção dos candidatos a cursos superiores . Em 2009,
o ENEM, que já havia sido adotado por algumas instituições como nota parcial em
seus vestibulares, passa por uma reformulação onde, o governo federal procurava
transformá-lo em um instrumento de democratização do acesso à educação
superior; por conseguinte, é criado o Sistema de Seleção Unificado – SISU
utilizando a nota obtida no ENEM, buscando permitir maior inserção de jovens
vulneráveis socioeconomicamente e maior mobilidade acadêmica. 4
Nesse sentido em 29 de agosto de 2012, foi promulgada a Lei Federal nº
12.711, que destina 50% de vagas nas Instituições Federais de Ensino Superior –
IFES, a estudantes oriundos de escolas públicas, garantida a reserva de 50% para
negros, pardos e indígenas, entre os cotistas, além de estudantes com renda de até
um salário mínimo e meio per capita. Já no SISU 2013, todas IFES participantes
tiveram vagas reservadas para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas
públicas, de acordo com essa Lei.
4
Embora o acesso à Universidade ainda sejam um “funil”, transformar o processo seletivo – não adotando o
modelo dos antigos vestibulares - já apresentam um maior avanço rumo a democratização do acesso.
4
5. Considerações acerca do Processo de Seleção 2014 na UNILA
Segundo o Relatório de Gestão 2012 da UNILA, no primeiro semestre de
2012, foram registradas 1.281 matriculas na graduação e no segundo - fruto do
conturbado processo da greve entre outros fatores - registraram-se 1.020 matriculas,
sendo portanto, 1.551,41 o número de alunos equivalentes da graduação da UNILA
em 20125 .
O mesmo documento, quando descreve sobre o programa de Assistência
Estudantil, aponta:
Como o programa leva em consideração o perfil socioeconômico dos
alunos, que em sua maioria são oriundos de escolas públicas e de
famílias de baixa renda, o mesmo contempla quase a totalidade dos
alunos matriculados na instituição. (Relatório de Gestão UNILA, p.
134),
E contínua:
Durante o exercício de 2012, chegaram a ser concedidos 2.572
auxílios mensais a estudantes, compreendendo 893 auxíliosalimentação, 896 auxílios-transporte e 783 auxílios moradia (401
vagas em alojamentos alugados pela UNILA, 105 vagas na Moradia
Estudantil da UNILA e 277 subsídios financeiros para moradia).
(Idem, p. 135)
Conclui-se, portanto, que o perfil do estudante da UNILA, com relação ao
perfil socioeconômico que consequentemente influencia no perfil étnico, está muito
acima das demais universidades brasileiras, caracterizando seu projeto inovador e
essencial à América Latina.
Faz-se necessário refletir qual o benefício em adentrar ao SISU tal como está
5
Número de alunos equivalentes da graduação (AGE) = 1.551,41 É obtido por meio da fórmula “AGE = Σ todos
os cursos {(NDI* DPC)(1+ [Fator de Retenção]) + ((NI - NDI)/4) * DPC} * [Peso do grupo em que se insere o
curso]”.
No entanto, tal fórmula não reflete a realidade quando se trata de cursos novos e cursos intercalados, como é
o caso da UNILA. Por esse motivo, a TI/DEDES/SESu/MEC publicou a instrução “Cálculo do aluno equivalente
para fins de análise de custos de manutenção das IFES”, segundo a qual deve-se adotar, nestes casos, a fórmula
“AGE = NMR x BT x BFS x PG”, sendo:
NMR: Número de alunos matriculados efetivos no ano de referência do
cálculo;
BT: Bônus por turno noturno;
BFS: Bônus por curso fora da sede;
PG: Peso do grupo.
(Relatório de gestão da UNILA, p.250)
5
6. proposto na minuta de edital?
Segundo o que relata o site oficial do MEC, “há instituições participantes do
SISU que disponibilizam uma parte de suas vagas para políticas afirmativas
próprias” 6:
O sistema faculta às instituições a adoção de um bônus como
forma de ação afirmativa. A instituição atribui uma “pontuação
extra” (bônus), a ser acrescida à nota obtida no Enem pelo
candidato. Nestes casos, o candidato beneficiado com a
bonificação concorre com todos os demais inscritos em ampla
concorrência. 7
Além disso, “cada instituição pode optar pelo percentual a ser reservado,
garantindo, no processo seletivo do SISU 2º/2013, pelo menos 12,5% de suas vagas
para as cotas. Em 4 anos, ou seja, até 2016, as instituições deverão atingir o
percentual de 50% de vagas reservadas” 8 .
Como aponta Santos (2012, p.309): “Se por um lado a Lei representa
avanços, ou uma nova etapa neste itinerário rumo à construção da universidade
pública inclusiva, ela traz algumas preocupações, como, por exemplo, ao fixar
modelo único, algumas experiências já em curso não contempladas na Lei podem
sofrer retrocessos.” É justamente neste ponto que se encontra nossa preocupação,
a reserva de vagas não pode ser um LIMITADOR de vagas, e sim uma GARANTIA.
O edital apresentado para discussão pode promover um retrocesso no perfil
estudantil da UNILA, e em sua característica essencial de universidade pública
inclusiva, observando o ANEXO I - Quadro Geral de Vagas que consta na minuta do
edital, podemos observar, que minorias étnicas com até um salário mínimo e meio
per capita vão concorrer somente a DUAS VAGAS por curso. Ressaltamos que a
UNILA, como fruto do REUNI, propõe a mobilidade estudantil, tendo como
característica a vinda de pessoas de todos os estados brasileiros que acreditam no
projeto, o que nos faz observar empiricamente que possuímos mais de 4 pessoas
pertencentes a essa minorias étnicas, obviamente seria mais acertado buscar os
números correspondentes corretos, mas infelizmente, desse dado não dispomos no
momento.
6
Diponivel em: < http://sisu.mec.gov.br/tire-suas-duvidas#vagas_ofertadas>
Idem
8
Idem
7
6
7. Acreditamos que uma instituição como a UNILA ao adentrar no SISU, deve
fazer valer os avanços que a diferenciam de outras universidades que ainda estão
“atrás” no caminho da democratização, devendo assegurar os avanços conquistados
e não retroceder. Pois da forma com que isto está sendo proposto no edital, o que
teremos é o efeito inverso - perverso - garantindo maior ingresso de brancos, não
vulneráveis socioeconomicamente e oriundos de escolas privadas.
Alternativas
Com vistas a garantir o perfil de estudantes presentes hoje na UNILA, e
contemplando as cotas mínimas definidas pela Lei Federal nº 12.711, propomos:
1. O aumento do percentual de reserva de vagas para oriundos de escolas
públicas para no mínimo 72% (18 vagas por turma), garantindo entre esses,
72% (13 vagas) das vagas para estudantes com renda familiar abaixo ou
igual a um salário mínimo e meio per capita e 33% (6 vagas) para minorias
étnicas.
E/OU
2. Que usufrua da bonificação dentro do sistema SISU, garantindo ao
estudante oriundo de escola publica e/ou pertencente a minorias étnicas que
opte por ampla concorrência, o acréscimo (bônus) de 20% na nota do Enem.
Esperamos, sinceramente, ter contribuído para o debate acerca de tão
importante tema que pode redefinir os rumos do acesso democrático a essa
universidade.
7
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