O poema descreve a importância de manter simplicidade e constância durante a jornada da vida, aceitando que as coisas acontecem como devem e que o presente é o que realmente importa.
1. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda...
Odes de Riobaldo
Mosaico de GCiro
2. Na travessia, guardar tenência simples e
constância miúda
Para cair em si, ser você mesmo, divergir,
ser maior do que você mesmo.
Para experimentar que um ainda não é um:
quando ainda faz parte com todos.
Para não querer mesmo nada,
de tanto querer ser só tudo.
Uma coisa, a coisa, esta coisa:
somente querer é ficar sendo!
Para ser que nem o rio
que não quer ir a nenhuma parte,
Ele quer é chegar a ser mais grosso, mais fundo.
Para garrar constante em uma coisa: que vai ser!
3. Na travessia, guardar tenência simples e
constância miúda
Para remar vida solta, saber patavim e
desconfiar de muita coisa.
Para versar viagem a cavalo sem ter
estradas, se entreter na travessia.
Para entreter as idéias.
Para ter menos juízo e versar no safado
comum.
Para provar uma safra razoável de bizarrices.
Para sonhar a esmo; se sonha, já se fez!
4. Na travessia, guardar tenência
simples
e constância miúda
Para aceitar que tudo sobrevém do influimento
comum e do tempo de todos.
Espírito da gente é cavalo que escolhe estrada:
Quando ruma para tristeza e morte
vai não vendo o que é bonito e bom.
Para aceitar que caminho certo
é nem pra frente nem pra traz:
Só pra cima ou para curto quieto.
Para aceitar que as coisas acontecem,
é porque já estavam ficando prontas, noutro ar.
Tudo é grátis quando sucede, no reles do momento.
Para aceitar que tudo o que já está escrito
tem constante reforma –
mas a gente não sabe em que rumo está –
em bem ou mal, todo o tempo reformando.
5. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda
Para gozar a alegria,
feito nuvem de abelhas em flor de araçá.
Para gozar vida assoprada, vivida por cima.
Para gozar banho no redondo azul da lagoa,
rir e gozar seu exato.
Para gozar coração que cresce de todo lado.
Coração que vige feito riacho colominhando
Por entre serras e varjas, matas e campinas.
Coração que mistura amores.
Que tudo cabe.
6. Na travessia, guardar tenência simples e
constância miúda
Para aceitar que Deus existindo tudo dá
esperança:
Sempre um milagre é possível,
O mundo se resolve.
Deus não existindo é o aberto perigo das
grandes e pequenas horas,
Não se podendo facilitar – é todos contra os
acasos.
Tendo Deus, é menos grave se descuidar um
pouquinho,
Pois no fim dá certo.
7. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda
Para não viver o repetido, o repetido, e,
escorregável, num mim minuto,
Em que já está empurrado noutro galho.
Para aumentar a cabeça, para o total,
Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da
gente – que produz os ventos.
Para aceitar que cair não prejudica demais:
A gente levanta, a gente sobe, a gente volta!
Para lavar o corpo na cachoeira branca dum riacho,
Vestir terno novo,
Sair de tudo o que era,
Para entrar num destino melhor: sair do grande
orvalho!
8. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda,
Para viver amizade acontecida
simples,
No comum, sem encalço.
Amizade dada é amor.
Para achar um valor viável em
tudo que é cordato e correntio.
9. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda,
Para aceitar que quando se curte
raiva de alguém,
É a mesma coisa que se autorizar
que essa própria pessoa passe
durante o tempo governando a
idéia e o sentir da gente:
Falta de soberania e farta
bobice!
10. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda,
Para se viver outros movimentos,
Sem os erros e volteios da vida
em sua lerdeza de sarrafaçar.
Para reparar que o real não está
na saída nem na chegada:
Ele se dispõe para gente é no
meio da travessia.
11. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda
Para aceitar que no real da vida as
coisas acabam com menos formato,
nem acabam.
Pelejar por exato,
dá erro contra a gente.
Contar seguido, alinhavado, só mesmo
sendo as coisas de rasa importância.
12. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda
Para aceitar que sempre que se começa
a ter amor a alguém,
No ramerrão, o amor pega e cresce é porque,
de certo jeito, a gente quer que isso seja,
e vai, na idéia, querendo e ajudando;
Mas quando é destino dado,
maior que o miúdo,
A gente ama é inteiriço fatal,
carecendo de querer,
E é um só facear com as surpresas.
Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.
13. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda
Para aceitar que julgamento é sempre
defeituoso,
Porque o que a gente julga é o
passado.
Para aceitar que passado é passado:
não voga
Despedir da febre.
Para traz não há paz.
14. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda
Para aceitar que o correr da vida embrulha
tudo, a vida é assim:
Esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
Sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
O que Deus quer é ver a gente aprendendo
a ser capaz de ficar alegre a mais,
no meio da alegria,
e ainda mais alegre ainda no meio da tristeza!
15. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda,
Para aceitar que só nos olhos das
pessoas é que se procura o macio
interno delas.
Para aceitar que conselho de amigo só
merece por ser livre,
feito aragem de tardinha palmeando
em lume d’ água.
O amor dá as costas a toda
reprovação.
16. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda
Para aceitar que as coisas influentes
da vida chegam assim sorrateiras,
ladroalmente.
Para aceitar que a vida inventa!
A gente principia as coisas,
mas não sabe por que,
E desde aí a vida é mutirão de todos,
por todos remexida e temperada.
17. Na travessia, guardar tenência
simples e constância miúda
Para aceitar que as coisas não tem hoje e ant ‘ontem
amanhã; é sempre.
Que o real roda e põe diante.
Essas são as horas da gente.
As outras, de todo tempo, são as horas de todos.
Para aceitar que os fatos passados obedecem a gente;
Os em vir, também.
Só o poder do presente é que é furiável?
Não. Esse obedece igual – e é o que é.
Para aceitar o tempo que o mediu.
Se as pessoas esbarrassem, para pensar: tem uma coisa!:
ver o puro tempo vindo de baixo,
Quieto mole, como a enchente duma água...
Tempo é a vida da morte: imperfeição!