3. O nosso objeto de estudo neste curso ´ o conjunto dos
e
n´meros inteiros:
u
Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .}.
Em Z h´ um subconjunto que se destaca, o conjunto dos
a
n´meros naturais:
u
N = {1, 2, 3, . . .}.
4. Dados dois n´meros inteiros quaisquer, ´ poss´ som´-los,
u e ıvel a
subtra´ı-los e multiplic´-los, mas nem sempre ´ poss´
a e ıvel
dividir um pelo outro.
S´ existe a Aritm´tica nos inteiros porque a divis˜o nem
o e a
sempre ´ poss´
e ıvel.
Diremos que um n´mero inteiro a divide um n´mero inteiro
u u
b, escrevendo
a|b,
quando existir c ∈ Z tal que b = c · a.
Neste caso, diremos tamb´m que a ´ um divisor ou um fator
e e
de b ou, ainda, que b ´ um m´ltiplo de a
e u
5. Exemplos
• 1|0, pois 0 ´ m´ltiplo de 1:
e u 0 = 0 · 1;
• −2|0, pois 0 ´ m´ltiplo de −2:
e u 0 = 0 · (−2);
• 1|6, pois 6 ´ m´ltiplo de 1:
e u 6 = 6 · 1;
• −1| − 6, pois −6 ´ m´ltiplo de −1:
e u −6 = 6 · (−1);
• 2|6, pois 6 ´ m´ltiplo de 2:
e u 6 = 3 · 2;
• −3|6, pois 6 ´ m´ltiplo de −3:
e u 6 = (−2) · (−3).
Note que se a|b, com um jogo de sinais, ´ f´cil mostrar que
e a
±a| ± b.
A nega¸˜o da senten¸a a | b ´ representada pelo s´
ca c e ımbolo:
a | b,
significando que n˜o existe nenhum n´mero inteiro c tal que
a u
b = c · a.
Por exemplo, 3 | 4 e 2 | 5.
6. Suponha que a|b e seja c ∈ Z tal que b = c · a.
O n´mero inteiro c ´ chamado de quociente de b por a e
u e
b
denotado por c = .
a
Por exemplo,
0 0 6 −6
= 0, = 0, = 6, = 6,
1 −2 1 −1
6 6
= 3, = −2.
2 −3
7. Estabeleceremos a seguir algumas propriedades da
divisibilidade.
Proposi¸ao
c˜
Sejam a, b, c ∈ Z. Tem-se que
i) 1|a, a|a e a|0.
ii) se a|b e b|c, ent˜o a|c (Propriedade transitiva).
a
Demonstra¸˜o: (i) Isto decorre das igualdades a = a · 1,
ca
a = 1 · a e 0 = 0 · a.
(ii) a|b e b|c implica que existem f, g ∈ Z, tais que
b = f · a e c = g · b.
Substituindo o valor de b da primeira equa¸˜o na outra,
ca
obtemos
c = g · b = g · (f · a) = (g · f ) · a,
o que nos mostra que a|c.
O item (i) da proposi¸˜o acima nos diz que todo n´mero
ca u
inteiro ´ divis´ por 1 e por si mesmo.
e ıvel
8. Listaremos a seguir algumas propriedades da divisibilidade,
cujas provas s˜o semelhantes `s feitas acima.
a a
Sejam a, b, c, d ∈ Z. Tem-se que
i) a|b e c|d =⇒ a · c|b · d;
ii) a|b =⇒ a · c|b · c;
iii) a|(b ± c) e a|b =⇒ a|c;
iv) a|b e a|c =⇒ a|(xb + yc), para todos x, y ∈ Z.
v) Se a, b ∈ N, tem-se que a|b =⇒ a b.
´
E importante interiorizar as propriedades acima, pois elas
ser˜o utilizadas a todo momento.
a
9. As proposi¸˜es a seguir ser˜o de grande utilidade.
co a
Proposi¸ao
c˜
Sejam a, b ∈ Z e n ∈ N. Temos que a − b divide an − bn .
Demonstra¸˜o: Vamos provar isto por indu¸˜o sobre n.
ca ca
A afirma¸˜o ´ obviamente verdadeira para n = 1, pois a − b
ca e
divide a1 − b1 = a − b.
Suponhamos, agora, que a − b|an − bn . Escrevamos
an+1 − bn+1 = aan − ban + ban − bbn = (a − b)an + b(an − bn ).
Como a − b|a − b e, por hip´tese, a − b|an − bn , decorre da
o
igualdade acima e da Propriedade (iv) que
a − b|an+1 − bn+1 .
Estabelecendo assim o resultado para todo n ∈ N.
10. Proposi¸ao
c˜
Sejam a, b ∈ Z e n ∈ N. Temos que a + b divide
a2n+1 + b2n+1 .
Demonstra¸˜o: Tamb´m por indu¸˜o sobre n.
ca e ca
A afirma¸˜o ´, obviamente, verdadeira para n = 0, pois a + b
ca e
divide a 1 + b1 = a + b.
Suponhamos, agora, que a + b|a2n+1 + b2n+1 . Escrevamos
a2(n+1)+1 +b2(n+1)+1 = a2 a2n+1 −b2 a2n+1 +b2 a2n+1 +b2 b2n+1 =
(a2 − b2 )a2n+1 + b2 (a2n+1 + b2n+1 ).
Como a + b divide a2 − b2 = (a + b)(a − b) e, por hip´tese,
o
a + b|a2n+1 + b2n+1 , decorre das igualdades acima e da
Propriedade (iv) que a + b|a2(n+1)+1 + b2(n+1)+1 .
Estabelecendo, assim, o resultado para todo n ∈ N.
11. Proposi¸ao
c˜
Sejam a, b ∈ Z e n ∈ N. Temos que a + b divide a2n − b2n .
Demonstra¸˜o: Novamente, a prova se faz por indu¸˜o
ca ca
sobre n, nos mesmos moldes das provas das duas proposi¸˜es
co
anteriores. Deixamos os detalhes por sua conta.
12. Exerc´
ıcio
Vamos mostrar que o produto de i inteiros consecutivos ´
e
divis´ por i!.
ıvel
De fato, podemos escrever os i inteiros consecutivos como
n, n − 1, n − 2, . . . , n − (i − 1),
cujo produto P = n(n − 1)(n − 2) · · · (n − i + 1) ´ divis´
e ıvel
por i!, j´ que
a
P n(n − 1)(n − 2) · · · (n − i + 1) n
= = ∈ N.
i! i! i
13. Como aplica¸˜o vamos mostrar que 6 divide todo n´mero da
ca u
forma n(n + 1)(2n + 1), onde n ∈ N.
De fato,
n(n + 1)(2n + 1) = n(n + 1)(n + 2 + n − 1)
= n(n + 1)(n + 2) + n(n + 1)(n − 1).
Como cada uma das parcelas n(n + 1)(n + 2) e
n(n + 1)(n − 1) ´ o produto de trˆs inteiros consecutivos,
e e
elas s˜o m´ltiplos de 3! = 6.
a u
Portanto, sendo o n´mero n(n + 1)(2n + 1) soma de dois
u
m´ltiplos de 6, ele ´ tamb´m m´ltiplo de 6.
u e e u
Este fato n˜o ´ surpreendente, pois sabemos que
a e
n(n + 1)(2n + 1)
= 12 + 22 + 32 + · · · + n2 .
6
14. Exerc´
ıcio
Vamos mostrar que 13 | 270 + 370 .
Note que 270 + 370 = 435 + 935 .
e ımpar, temos que 4 + 9 divide 435 + 935 ,
Como 35 ´ ´
o que mostra que 13 divide 270 + 370 .
16. Mesmo quando um n´mero inteiro a n˜o divide um n´mero
u a u
inteiro b, Euclides (S´culo 3 a.C), nos seus Elementos,
e
utiliza, sem enunci´-lo explicitamente, o fato de que ´
a e
sempre poss´ efetuar a divis˜o de b por a, com resto
ıvel a
pequeno.
Este resultado, de cuja justificativa geom´trica damos uma
e
ideia quando a ´ natural, n˜o s´ ´ um importante
e a oe
instrumento na obra de Euclides, como tamb´m ´ um
e e
resultado central da teoria elementar dos n´meros.
u
17. Suponhamos que a ∈ N e consideremos a decomposi¸˜o de N
ca
em uni˜o de intervalos disjuntos:
a
N = . . . ∪ [−2a, −a) ∪ [−a, 0) ∪ [0, a) ∪ [a, 2a) ∪ . . .
Fica claro que qualquer n´mero inteiro b pertence a um e
u
somente um desses intervalos.
Portanto, existe um unico q ∈ Z tal que b ∈ [qa, qa + a),
´
ou seja, existem n´meros inteiros unicos q e r tais que
u ´
b = qa + r, com 0 r < a.
18. Agora enunciamos o resultado geral:
Teorema (Divis˜o Euclidiana)
a
Sejam a e b dois n´meros inteiros com a = 0. Existem dois
u
unicos n´meros inteiros q e r tais que
´ u
b = a · q + r, com 0 r < |a|.
Nas condi¸˜es do teorema, os n´meros a e b s˜o o divisor e o
co u a
dividendo, enquanto q e r s˜o chamados, respectivamente,
a
de quociente e de resto da divis˜o de b por a.
a
Note que o resto da divis˜o de b por a ´ zero se, e somente
a e
se, a divide b.
19. Exemplos
• Como 19 = 5 · 3 + 4, o quociente e o resto da divis˜o de 19
a
por 5 s˜o q = 3 e r = 4.
a
• Como −19 = 5 · (−4) + 1 o quociente e o resto da divis˜o
a
de −19 por 5 s˜o q = −4 e r = 1.
a
• O resto da divis˜o de 10n por 9 ´ sempre 1, qualquer que
a e
seja o n´mero natural n.
u
De fato, 9 = 10 − 1 divide 10n − 1n = 10n − 1. Assim,
10n − 1 = 9q, logo 10n = 9q + 1. Como 0 ≤ 1 < 9, pela
unicidade na divis˜o euclidiana, tem-se que o resto da
a
divis˜o de 10
a n por 9 ´ sempre 1.
e
20. Par ou ´
ımpar?
•
Dado um n´mero inteiro n ∈ Z qualquer, temos duas
u
possibilidades:
i) o resto da divis˜o de n por 2 ´ 0, isto ´, existe q ∈ N tal
a e e
que n = 2q; ou
ii) o resto da divis˜o de n por 2 ´ 1, ou seja, existe q ∈ N tal
a e
que n = 2q + 1.
No caso (i), dizemos que n ´ par e no caso (ii), dizemos que
e
n ´´
e ımpar.
21. Mais geralmente, fixado um n´mero natural m 2, pode-se
u
sempre escrever um n´mero qualquer n, de modo unico, na
u ´
forma n = mk + r, onde k, r ∈ Z e 0 r < m.
Por exemplo, todo n´mero inteiro n pode ser escrito em
u
uma, e somente uma, das seguintes formas: 3k, 3k + 1, ou
3k + 2.
Ou ainda, todo n´mero inteiro n pode ser escrito em uma, e
u
somente uma, das seguintes formas: 4k, 4k + 1, 4k + 2, ou
4k + 3.
Este ultimo fato, permite mostrar que nenhum quadrado de
´
um n´mero inteiro ´ da forma 4k + 3.
u e
22. De fato, seja a ∈ Z.
• Se a = 4k, ent˜o a2 = 16k 2 = 4k , onde k = 4k 2 .
a
• Se a = 4k + 1, ent˜o a2 = 16k 2 + 8k + 1 = 4k + 1, onde
a
k = 4k 2 + 2k.
• Se a = 4k + 2, ent˜o a2 = 16k 2 + 16k + 4 = 4k , onde
a
k = 4k 2 + 4k + 1.
• Se a = 4k + 3, ent˜o a2 = 16k 2 + 48k + 9 = 4k + 1, onde
a
k = 4k 2 + 12k + 2.
23. Vamos aplicar este resultado para mostrar algo interessante:
Nenhum n´mero da forma a = 11 . . . 1 (n algarismos iguais a
u
1, com n > 1) ´ um quadrado.
e
De fato, podemos escrever a = b · 100 + 11 = 4(25 · b + 2) + 3,
onde b = 11 . . . 1 (n − 2 algarismos iguais a 1). Logo, a ´ da
e
forma 4k + 3 e, portanto, n˜o pode ser um quadrado.
a
Com esta t´cnica pode-se mostrar que nenhum n´mero da
e u
forma 11 . . . 1 ´ soma de dois quadrados. Deixamos isto
e
como exerc´ ıcio