Este documento fornece um resumo da situação da adolescência brasileira em 2011. Ele discute a importância de se reconhecer o "direito de ser adolescente" e de se ter um novo olhar sobre a adolescência que enfatize as oportunidades ao invés dos problemas. Apresenta também as vulnerabilidades e desigualdades que afetam os adolescentes brasileiros e discute a importância de políticas públicas universais e específicas para enfrentá-las e garantir os direitos dos adolescentes.
1. Situação da Adolescência Brasileira 2011
O DIREITO DE SER
ADOLESCENTE
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades
e superar desigualdades
2. REALIZAÇÃO
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
Marie-Pierre Poirier
Representante do UNICEF no Brasil
Antonella Scolamiero
Representante-adjunta do UNICEF no Brasil
Escritório da Representante do UNICEF no Brasil
SEPN 510, Bloco A, 2º Andar
Brasília/DF – 70750-521
www.unicef.org.br
brasilia@unicef.org
Situação da Adolescência Brasileira 2011
EQUIPE UNICEF
Coordenação Geral: Ludimila Palazzo e Mário Volpi
Colaboração: Adriana Alvarenga, Alexandre Magno Amorim, Ana Cristina Matos, Ana Márcia Lima,
Andréia Neri, Carla Perdiz, Casimira Benge, Claudia Fernandes, Cristina Albuquerque, Helena Silva,
Ilaria Favero, Immaculada Pietro, Jacques Schwarzstein, Jane Santos, Jucilene Rocha, Júlia Ribeiro,
Letícia Sobreira, Luciana Phebo, Lucio Gonçalves, Maria de Salete Silva, Maria Estela Caparelli, Rui
Aguiar, Ruy Pavan, Silvio Kaloustian
Coordenação e edição: Patrícia Andrade e Rachel Mello
Textos: Marta Avancini, Patrícia Andrade e Rachel Mello
Reportagem: Ana Flávia Flôres, Fernanda Peregrino e Patu Antunes
Consultoria estatística: Vanessa Nespoli
Diagramação e arte final: André Cardoso
Foto da Capa: Acervo Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Cidadania (IIDAC)/Luqman
Patel
A reprodução desta publicação, na íntegra ou em parte, é permitida desde que citada a fonte. Texto
adaptado à nova ortografia da Língua Portuguesa.
Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Impresso no Brasil
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP BRASIL)
,
O direito de ser adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar
desigualdades / Fundo das Nações Unidas para a Infância. – Brasília, DF : UNICEF 2011.
,
182pp.
1. Direito da criança e do adolescente. 2. Adolescência. 3. Gravidez na adolescência. 4. Crime
contra o adolescente. I. Título. II. Título 2: Situação da Adolescência Brasileira, 2011.
F981d CDU: 362.7-053.6(81)
3. Fundo das Nações Unidas para a Infância
Situação da Adolescência Brasileira 2011
O DIREITO DE SER
ADOLESCENTE
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades
e superar desigualdades
Brasília, 2011
4. APRESENTAÇÃO
Por Marie-Pierre Poirier
Com este relatório sobre a Situação da
Adolescência Brasileira 2011, o UNICEF con-
vida para uma reflexão sobre um novo olhar
para a adolescência, que desloca o discurso
que só vê a adolescência como um “proble-
ma” para vê-la com uma oportunidade de
desenvolvimento.
Propomos aqui resgatar um direito, o
Foto: Leonardo Ramos Chaves
direito de ser adolescente. Os estudos mais
recentes sobre desenvolvimento cognitivo
destacam a adolescência como uma das mais
ricas fases da vida humana, repleta de pos-
sibilidades de aprendizagem, de experimen-
tação, de inovação. Uma etapa da vida que
precisa ser vivida de forma plena, saudável,
estimulante, protegida pelos direitos asse-
gurados na Convenção sobre os Direitos da
Criança e, no Brasil, no Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Os 21 milhões de adolescentes repre-
sentam para o País um quadro singular de
energias e possibilidades. Mas para realizá-
-las deve-se conhecer e reconhecer que um
conjunto de vulnerabilidades, presentes na
sociedade, afetam de maneira mais grave os
adolescentes. Além disso, o relatório aponta
as desigualdades que fazem com que, entre
os adolescentes, há os que sofrem as maio-
res violações aos seus direitos. Nascer bran-
co, negro ou indígena, viver no Semiárido,
na Amazônia ou numa comunidade popular
nos grandes centros urbanos, ser menino ou
menina, ter deficiência ainda determinam de
5. forma cruel as possibilidades que os adolescentes têm de exercer seus direitos à saúde, à edu-
cação, à proteção integral, ao esporte, ao lazer, à convivência familiar e comunitária. Tais
vulnerabilidades e desigualdades precisam ser enfrentadas e superadas.
O Brasil não será um país de oportunidades para todos enquanto um adolescente
negro continuar a conviver com a desigualdade que faz com que ele tenha quase quatro
vezes mais possibilidades de ser assassinado do que um adolescente branco; enquanto
os adolescentes indígenas continuarem tendo três vezes mais possibilidades de ser anal-
fabeto do que os outros meninos e meninas; ou ainda enquanto a média nacional das
meninas de 12 a 17 anos que já engravidaram for de 2,8% e na Amazônia essa média
continuar sendo de 4,6%. Enfrentar as desigualdades e reduzir as vulnerabilidades é,
portanto, uma tarefa urgente.
Isso só se faz, com escala e sustentabilidade, por meio de políticas públicas universais,
para todos os adolescentes, e também de políticas específicas, desenhadas para essa fase
especial da vida e para as diferentes condições de se viver as adolescências que hoje temos
no Brasil. Neste relatório, apontamos algumas políticas já desenhadas e efetivadas no País,
dirigidas aos adolescentes, como contribuição para a análise de conquistas e desafios e para
reafirmar a importância dessas políticas.
Tratamos ainda de uma condição fundamental para a realização do direito de ser ado-
lescente, o direito de cada menina e menino à participação cidadã. Uma participação que
promove o conhecimento e a ação, a mobilização e a transformação. Porque, além de um di-
reito, a participação é uma poderosa aliada na geração de oportunidades de desenvolvimento
e de enfrentamento das vulnerabilidades. Também é um caminho privilegiado para encon-
trarmos, junto com os adolescentes, respostas para as complexas questões que emergem para
cada um de nós e para o mundo em que vivemos neste século 21.
Este relatório traz ainda um capítulo denominado Chamada para a ação, uma contribuição
para a identificação de temas e políticas que vão ajudar a fazer valer os direitos desses meni-
nos e meninas com sua participação cidadã.
O Brasil já mostrou que sabe e pode fazê-lo. Nos últimos 20 anos, implementou políticas
fundamentais para a melhoria das condições de vida na infância, reduzindo a mortalidade
infantil, combatendo a exploração da mão de obra de crianças e quase universalizando o
acesso ao ensino fundamental. É chegada a hora de se ampliar e de se aprofundar essas con-
quistas, incluindo na agenda de prioridades dada às crianças, os adolescentes.
Para o UNICEF, não há tempo como este. O Brasil tem diante de si a possibilidade de
uma escolha transformadora: garantir o direito de ser adolescente a esses 21 milhões de cida-
dãos é assentar as bases para um País ainda mais forte, mais inovador e mais respeitado, por-
que mais justo e com mais equidade, na realização dos direitos dos cidadãos de até 18 anos.
6. INTRODUÇÃO
O relatório Situação da Adolescência Brasileira 2011– O Direito de Ser Adolescente: Opor-
tunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades está estruturado em cinco ca-
pítulos. O primeiro deles apresenta um convite para que a sociedade brasileira construa e
lance um novo olhar à adolescência, compreendendo essa etapa como uma fase única na
vida, rica e cheia de potencialidades. Trata também do importante papel dos adultos, que
devem orientar, incentivar e proteger os adolescentes, ajudando a criar relações de diálogo,
respeito e confiança entre gerações. E aponta a urgência de se investir nessa fase da vida,
consolidando os avanços obtidos nos últimos anos em áreas como educação, saúde, in-
clusão, proteção e participação. Afinal, o Brasil nunca teve e não voltará a ter tão grande
população de adolescentes em sua história. Por isso, o UNICEF propõe um novo marco de
direitos: o direito de ser adolescente, em toda a sua plenitude, com estímulo e segurança,
em toda sua diversidade.
No segundo capítulo, o relatório mostra como vulnerabilidades, produzidas pelo contex-
to social, e desigualdades, resultantes dos processos históricos de exclusão e discriminação,
ainda representam obstáculos para o pleno desenvolvimento e para realização dos direitos
dos adolescentes brasileiros. Entre as vulnerabilidades apontadas aqui, estão a pobreza e
pobreza extrema, a baixa escolaridade, a exploração no trabalho, a privação da convivência
familiar e comunitária, os homicídios, a gravidez na adolescência, as doenças sexualmente
transmissíveis e aids, o abuso e a exploração sexual e o abuso de drogas. Essas vulnerabilida-
des afetam sobremaneira os adolescentes, seja por uma incidência maior do que nas outras
faixas etárias da população brasileira, seja pelos impactos negativos que têm no processo de
desenvolvimento desses meninos e meninas. Mas essas vulnerabilidades não afetam da mes-
ma forma os 21 milhões de adolescentes brasileiros. Elas são agravadas por desigualdades:
nascer branco, negro ou indígena, viver no Semiárido, na Amazônia, ou em comunidades
populares de grandes centros urbanos, ser menino ou menina, ter ou não deficiência são fa-
tores que ainda determinam as oportunidades na vida desses adolescentes. É urgente superar
essas vulnerabilidades e desigualdades.
O terceiro capítulo apresenta um panorama e as tendências das políticas públicas atu-
ais voltadas para a realização dos direitos dos adolescentes à educação, à saúde, à proteção,
ao lazer, ao esporte e à cultura. Aqui são apresentados os principais desafios para a univer-
salização das políticas, para seu desenho e implementação, considerando as especificidades
das demandas dos adolescentes e a necessidade de integração dessas políticas. O ponto de
7. observação aqui é a existência no País de um dos mais complexos e completos sistemas de
garantia de direitos voltados à infância e à adolescência em todo o mundo, e a necessidade
latente de se integrar, especificar e universalizar políticas para realizar os direitos de cada um
e de todos os adolescentes brasileiros. O capítulo traz ainda uma entrevista inédita e exclu-
siva, concedida a uma adolescente, pela ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário,
sobre políticas universais e integradas para os adolescentes.
O quarto capítulo aborda um direito crucial para os adolescentes: a participação cidadã.
Mostra como participação e cidadania são conceitos que se sobrepõem no Brasil e analisa
iniciativas, projetos e programas que tomam a participação como um direito, mas também
como uma oportunidade para o desenvolvimento e para a superação de vulnerabilidades. O
capítulo está ilustrado por experiências que mostram como os direitos dos adolescentes têm
sido efetivados no País, com a participação dos próprios meninos e meninas. E lembra como
fortalecer esses canais de participação é tarefa de todos e um desafio especial para o Poder
Público, a sociedade civil organizada, educadores e famílias.
No quinto e último capítulo, a chamada para a ação. Uma convocatória a adolescentes
e adultos – pais, educadores, gestores, autoridades – sobre a importância e a urgência de se
colocar em prática uma nova pauta de prioridades, voltadas para a realização do direito de
ser adolescente de todos e de cada adolescente. Lembrando que, na construção dessa nova
pauta e desse novo olhar, é preciso reconhecer os adolescentes como um grupo em si, não
são crianças grandes e nem pequenos adultos. São sujeitos de direito que vivem uma fase
extraordinária de desenvolvimento que precisa ser vivida com apoio, estímulo e proteção.
Apresentam-se assim estratégias para fazer valer o direito de ser adolescente e ainda ações
imediatas que permitiriam a superação das violações dos direitos de milhões de adolescentes
brasileiros, entre elas, a adoção de políticas que possam dar respostas às situações de gru-
pos específicos de adolescentes mais vulneráveis a violações de seus direitos. Esse capítulo
lembra ainda como a participação cidadã dos adolescentes é condição fundamental para a
construção dessa nova agenda de prioridades para o País.
Ao longo desses cinco capítulos, é possível sentir e ver o inestimável valor das
contribuições dos 41 adolescentes, ouvidos ao longo do processo de desenvolvimento deste
relatório, suas palavras e opiniões. São meninos e meninas de todas as partes do País, com
diferentes histórias, conquistas e lutas para compartilhar. Há ainda neste documento a con-
tribuição de 72 especialistas e gestores de políticas públicas ouvidos para esta publicação.
8.
9. “O direito de ser adolescente é o direito de participar do Brasil, de tudo o que o Brasil constrói,
possui e de, com liberdade, opinar sobre a construção do País, de viver o hoje com direitos e de
construir o amanhã também com direitos”.
Maria do Rosário Nunes, Ministra da Secretaria de Direitos Humanos, em entrevista
à adolescente Thalita de Oliveira, 17 anos, em junho de 2011
10. SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 - ADOLESCÊNCIA: UM NOVO OLHAR ......................................12
O DIREITO DE SER ADOLESCENTE ....................................................................... 15
ADOLESCÊNCIAS.................................................................................................... 17
O PAPEL DOS ADULTOS ..........................................................................................19
CONHECER PARA GARANTIR DIREITOS............................................................... 21
CAPÍTULO 2 - ENFRENTAR VULNERABILIDADES E DESIGUALDADES PARA
REALIZAR DIREITOS ........................................................................................26
VULNERABILIDADES, OBSTÁCULOS PARA O DESENVOLVIMENTO DOS ADOLESCENTES.......28
POBREZA E EXTREMA POBREZA ................................................................................... 29
BAIXA ESCOLARIDADE .................................................................................................... 31
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO ......................................................................................... 32
PRIVAÇÃO DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA .......................................... 35
ASSASSINATO DE ADOLESCENTES ............................................................................... 39
GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA ...................................................................................... 41
EXPLORAÇÃO E ABUSO SEXUAL ................................................................................... 44
DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS E AIDS .................................................. 46
ABUSO DE DROGAS ........................................................................................................ 47
DESIGUALDADES APROFUNDAM VULNERABILIDADES ................................................. 50
O IMPACTO DA COR DA PELE ......................................................................................... 51
O IMPACTO DE SER MENINO OU MENINA.................................................................... 57
O IMPACTO DA CONDIÇÃO PESSOAL ............................................................................ 58
O IMPACTO DO LUGAR ONDE SE VIVE .......................................................................... 60
O DESAFIO DE SER ADOLESCENTE NO SEMIÁRIDO ................................................... 64
O DESAFIO DE SER ADOLESCENTE NA AMAZÔNIA .................................................... 67
O DESAFIO DE SER ADOLESCENTE NOS GRANDES CENTROS URBANOS .............. 70
11. CAPÍTULO 3 - FAZER VALER OS DIREITOS DOS ADOLESCENTES ............. 74
O DIREITO DE APRENDER DOS ADOLESCENTES.......................................................................... 80
ENSINO MéDIO COM CARA DE ADOLESCENTE ....................................................................... 86
O DIREITO À SAÚDE DOS ADOLESCENTES ................................................................................... 90
O DIREITO DOS ADOLESCENTES À PROTEÇÃO ............................................................................ 94
A PROTEÇÃO DOS ADOLESCENTES CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO E O DIREI-
TO À FORMAÇÃO PROFISSIONAL ............................................................................................... 95
A PROTEÇÃO DOS ADOLESCENTES DIANTE DA VIOLÊNCIA................................................. 97
A PROTEÇÃO DOS ADOLESCENTES DIANTE DO ABUSO E DA EXPLORAÇÃO SEXUAL . 99
A PROTEÇÃO DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI ..............................................103
O DIREITO DOS ADOLESCENTES AO ESPORTE, LAZER E À CULTURA ...................................105
ESPORTE SEGURO E INCLUSIVO ................................................................................................107
O DIREITO DOS ADOLESCENTES À CULTURA .........................................................................112
CONSOLIDAR CONQUISTAS, SUPERAR DESAFIOS................................................................115
CAPÍTULO 4 - PARTICIPAÇÃO CIDADÃ: UM DIREITO DOS ADOLESCENTES .. 116
TRÊS ABORDAGENS DA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ ........................................................... 121
UM DIREITO .................................................................................................................... 122
UMA OPORTUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO ................................................ 124
UMA ESTRATéGIA PARA REDUZIR VULNERABILIDADES .......................................... 126
A VOZ DOS ADOLESCENTES EM FÓRUNS INTERNACIONAIS DE DEBATE ................. 137
FORTALECER A PARTICIPAÇÃO, FORTALECER O DIREITO DE SER ADOLESCENTE .............. 138
CAPÍTULO 5 - UMA AGENDA PARA A AÇÃO ...............................................140
REFLEXÃO E AÇÃO: ESTRATéGIAS PARA UM NOVO OLHAR........................................ 142
AÇÕES IMEDIATAS PARA SUPERAR AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS .............................. 144
OS ADOLESCENTES E A CONSTRUÇÃO DE UM PAÍS MELHOR.................................... 145
MAPAS E TABELAS .................................................................................................................................. 146
LISTA DE FONTES E ORGANIZAÇÕES CONSULTADAS ....................................................................... 170
ADOLESCENTES ENTREVISTADOS PARA ESTE RELATÓRIO ...............................................................174
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................................................ 176
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................... 180
13. ADOLESCÊNCIA:
UM NOVO OLHAR
O Brasil vive hoje o que vem
sendo chamado de bônus
demográfico. Com 11% de
sua população vivendo a
adolescência, o País tem uma
oportunidade única: nunca houve
e não haverá no futuro tamanho
contingente de adolescentes.
Um universo de 21.083.635¹ de
meninos e meninas, um momento
inédito de possibilidades reais
para se fortalecer os importantes
avanços das últimas duas décadas
nas áreas da saúde, da educação,
da inclusão, já realizadas para as
crianças. Sem deixar de investir
na garantia dos direitos da
primeira e segunda infância, é
chegada a hora de se avançar em
conquistas para os adolescentes
brasileiros. Não há tempo como
este. O presente do Brasil é um
Foto: IIDAC/Luqman Patel
presente.
O Direito de Ser Adolescente 13
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
14. O s adolescentes de hoje integram
a primeira geração nascida sob a
chamada revolução de prioridades – um
da tanto para inventar quanto para usufruir
dos avanços nas tecnologias da informação e
da comunicação.
conjunto de conquistas legais de grande Para aproveitar esse momento, é funda-
relevo, formado, no âmbito internacional, mental reconhecer que os adolescentes são
pela Convenção sobre os Direitos da Crian- um grupo em si. Não são crianças grandes
ça (1989), o documento de direitos huma- nem futuros adultos. Têm suas trajetórias,
nos mais ratificado da história; e, no âmbi- suas histórias. São cidadãos, sujeitos com di-
to nacional, pela Constituição de 1988, que reitos específicos, que vivem uma fase de de-
estabeleceu em seu artigo 227 a infância e senvolvimento extraordinária. O que expe-
a adolescência como prioridade absoluta e rimentam nessa etapa determinará sua vida
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, adulta. Hoje, os adolescentes estão presentes
que consolidou os preceitos da Convenção na sociedade com um jeito próprio de ser, se
e da Carta Magna brasileira. expressar e conviver e, portanto, precisam
Esses meninos e meninas cresceram en- ser vistos como o que são: adolescentes. São
quanto o País ampliava e fortalecia políti- criativos, têm enorme vontade e capacidade
cas públicas voltadas à primeira infância e de aprender e de contribuir.
à segunda infância, ou seja, do nascimen-
to ao 11º ano de vida. Eles foram benefi- É fundamental reconhecer que
ciados, por exemplo, pela redução da taxa os adolescentes são um grupo
de mortalidade infantil de 52,4 óbitos por
em si. Não são crianças grandes
mil nascidos vivos, em 1990, para 19,3 por
mil, em 20072; pela queda nos índices de nem futuros adultos. São
exploração da mão de obra infanto-juvenil cidadãos, sujeitos com direitos
– desde o início da década de 1990, foram específicos, que vivem uma fase de
retirados do trabalho precoce cerca de 4 desenvolvimento extraordinária.
milhões de meninos e meninas3 –; e pelo
O que experimentam nessa etapa
aumento do acesso ao ensino fundamental,
que atualmente alcança 97,9% das crianças determinará sua vida adulta
e adolescentes entre 7 e 14 anos4 . Chegam,
portanto, à adolescência, em sua maioria, É preciso ainda entender que, num país
mais saudáveis e com maior escolaridade tão diverso, são muitas as formas de se viver
que as gerações anteriores. a adolescência e que, portanto, essas adoles-
Representam, hoje, para o Brasil uma cências são, acima de tudo, tempos de opor-
oportunidade singular. O País conta com a tunidade. Oportunidade para os próprios
energia, a criatividade e a presença desses ci- adolescentes, que vivenciam uma fase de
dadãos, com idades entre 12 e 17 anos, para construção de autonomia, identidade, apren-
estabelecer novas prioridades, para criar dizagens e descobertas. Oportunidade para
novas relações sociais, avançar em visões as famílias, que têm a chance de se relacio-
inovadoras sobre os desafios dos próximos nar de uma maneira diferenciada com seus
anos, estabelecer novas formas de expressão, filhos, baseada no diálogo franco e aberto,
ampliar a consciência de seus cidadãos sobre na troca de ideias e na crescente participação
questões ambientais e da diversidade e para dos adolescentes nas decisões familiares, o
exercer, enfim, uma curiosidade mais aguça- que pode resultar num interessante processo
14 Situação da Adolescência Brasileira 2011
15. de amadurecimento para todos. Oportunida- Não há tempo como este para a constru-
de também para as políticas públicas, com a ção de um novo olhar sobre e para a ado-
adoção de estratégias inovadoras, específi- lescência, e para os processos de desenvol-
cas e multissetoriais, capazes de enxergar os vimento que acontecem nessa fase da vida.
adolescentes como atores de sua própria his- Um momento tão especial e tão importan-
tória, e não como objeto da expectativa dos te que este relatório apresenta a ideia de
adultos. Oportunidade para se transformar o um direito até hoje não reconhecido plena-
País sob o prisma da equidade. mente: o direito de ser adolescente.
O DIREITO DE SER ADOLESCENTE
Foto: Rafaela Felicciano
É preciso
garantir
a cada
adolescente
brasileiro o
direito de
viver essa
fase sob a
lógica da
equidade
O Direito de Ser Adolescente 15
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
16. Cada adolescente, estabelece o Estatuto brando a diversidade que torna cada ser hu-
da Criança e do Adolescente, tem direito à mano único, sujeito de direitos.
saúde, à educação, ao esporte, ao lazer e à O reconhecimento da importância dos
cultura, à formação para o trabalho, à con- processos de desenvolvimento que ocor-
vivência familiar e comunitária, à proteção rem na adolescência, da oportunidade que
especial. Tem direito de viver essa etapa da a adolescência representa para o País, do
vida de forma plena, e de ter oportunidades benefício que as vivências da adolescência
para canalizar positivamente sua energia, representam tanto para sua vida presente
sua capacidade crítica e seu desejo de trans- quanto, posteriormente, para sua vida de
formar a realidade em que vive. adulto, resulta na afirmação de que esses
Ao reafirmar esses direitos, o UNICEF meninos e meninas são detentores do di-
convoca o Estado, a sociedade brasileira e as reito de ser adolescente. O que significa,
famílias a garantirem para cada um desses sob a ótica da cidadania, o direito de ter
meninos e meninas o direito de viver essa direitos, de conhecer seus direitos, de criar
etapa de sua vida sob a lógica da equidade. novos direitos, de participar da conquista
Ou seja: livres da desigualdade, mas cele- dos seus direitos.
Aline Czezacki comentou
Foto: Rafaela Felicciano
“ O maior desafio da adolescência é
ser adolescente. é não pensar tanto
no futuro. é não ter tanto medo do
futuro, do que vamos ser amanhã,
quando crescermos. é aproveitar toda
Aline Czezacki essa alegria que temos, é falar, se
16 anos divertir, sair, brincar, ter responsabili-
Ponta Grossa - PR dade também. é aproveitar toda essa
fase maravilhosa, essa época em que
a gente pode fazer o que quer, mas
agindo de forma a respeitar as pes-
soas mais velhas, agindo de forma a
“
não prejudicar ninguém.
16 Situação da Adolescência Brasileira 2011
17. ADOLESCÊNCIAS
Foto: IIDAC/Luqman Patel
As
experiências
de ser
adolescente
são distintas
para cada
menino e
menina
Para que esse direito seja realizado, são de, oportunidades de aprendizagem e inovação
fundamentais superar as desigualdades e re- para escolas, famílias, comunidades e para os
duzir vulnerabilidades que limitam o desen- próprios adolescentes.
volvimento de uma adolescência plena e a Mas, atualmente, para além das transfor-
construção de um novo olhar sobre a adoles- mações biológicas e psíquicas, o conceito de
cência, que compreenda, sem estigmas e es- adolescência incorpora a ideia de uma constru-
tereótipos, que ser adolescente é mais do que ção social dessa etapa da vida e diz respeito à
um processo biológico e psíquico. multiplicidade de formas como ela é vivencia-
Isso não quer dizer que aquilo que acon- da. Não se fala mais da adolescência, no singu-
tece no corpo e na mente de meninos e me- lar, mas de adolescências, no plural.
ninas nessa etapa da vida seja irrelevante. De Isso porque as experiências de ser ado-
forma alguma. Hoje se sabe que o cérebro, ao lescente, sejam no plano físico, psíquico ou
contrário do que se pensava antes, ainda não social, são distintas para cada menino ou me-
está pronto quando termina a infância. Na nina, por vários fatores: o lugar onde se vive,
adolescência, ele passa por uma nova onda de por exemplo, ou também a forma pelo qual o
transformações, que faz com que se sinta ne- adolescente interage e participa, seja da vida
cessidade de criar coisas novas e de aprender. familiar, na escola, no bairro onde vive, na ci-
Outras modificações em regiões do córtex que dade onde mora. Afinal, é diferente ser ado-
estão relacionadas com o raciocínio e a me- lescente em uma aldeia indígena, na periferia
mória conferem aos adolescentes uma enor- de uma grande cidade, no sertão, ou ainda em
me capacidade de lidar com informações. família, num abrigo, nas ruas, frequentando
O que se sabe hoje sobre esse período traz ou não uma escola.
novas perspectivas. Características associadas à Num País com tamanha diversidade e dis-
adolescência e geralmente tomadas sob o pon- paridades regionais, étnicas, culturais e socio-
to de vista negativo, como impulsividade, dese- econômicas, essas adolescências reúnem uma
jos de mudança e de extrapolar limites, extre- pluralidade de possibilidades, expectativas, ex-
ma curiosidade pelo novo, intransigência com periências, significados e desafios para a garan-
suas opiniões e atitudes, tornam-se, na verda- tia do direito de ser adolescente.
O Direito de Ser Adolescente 17
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
18. A adolescência como construção social
Autor do livro Adolescências construídas: a visão
da psicologia sócio-histórica, o psicólogo Sérgio
Ozella, da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, critica o enfoque tradicional dos especialistas
e da própria sociedade sobre a adolescência, que cos-
tuma ser vista como uma fase problemática, um mo-
mento de crise e conflitos, caracterizado apenas pela
famosa “explosão de hormônios”. Para ele, o conceito
Foto: Arquivo pessoal
de adolescência é, na verdade, uma construção his-
tórica e social, e não algo natural e universal como
alguns estudiosos têm defendido ao longo dos anos.
A adolescência continua sendo vista Meu foco não é no adolescente, mas
como um problema no Brasil ou houve nas suas condições de vida. E infeliz-
avanços? mente a visão sobre o adolescente não
mudou do século passado para este. Ele
A visão do nosso grupo de trabalho continua sendo visto como um proble-
é um contraponto à abordagem que en- ma. E, é claro, se não tem espaço para
cara o adolescente como problemático. agir, vai reagir às tentativas de controle.
Vamos na direção contrária da literatura A família, a escola, a sociedade são im-
que impera desde o começo do século 20. portantes, mas o adolescente hoje tem
Na visão tradicional da psicologia, que é poucas saídas. Há um processo de po-
reforçada pela mídia, adolescência é um der em cima do adolescente, de a socie-
momento de crise e conflito. Defendemos dade não encará-lo como alguém com
que não se trata de um conflito natural, e potencial e com responsabilidade.
sim de uma construção social. Ou seja, a
adolescência existe como concepção so- E como os jovens se veem?
cial, não como algo natural.
Na sociedade, existe até uma procu- Em 2008, publiquei uma pesquisa, com
ra de aspectos positivos. “O adolescen- quase mil jovens, de classes A a E, de di-
te é o futuro do País” por exemplo. Mas,
, ferentes raças/etnias, meninos e meninas.
acredita-se, ao mesmo tempo, que ele não Há uma diferença muito grande entre jo-
tenha condições de lidar com isso, esteja vens de origens diferentes; são adolescen-
sempre em conflitos, esteja sempre em tes completamente diferentes, ainda mais
problemas. O próprio adolescente acaba se considerados gênero e classe social.
incorporando essa perspectiva. Nos meus Em relação à classe social, você encon-
últimos estudos, ouvimos o famoso “você tra formas diferentes de viver a adolescên-
tem que me aguentar, eu sou adolescente” . cia. Jovens de classes A e B reafirmam que
o adolescente em geral é irresponsável.
O que é ser adolescente nesta primei- Mas, nas classes C, D e E, quando você
ra década do século 21? Que condições, pergunta como o adolescente é, ele é com-
desafios e fortalezas você observa? pletamente diferente – preocupado com a
18 Situação da Adolescência Brasileira 2011
19. família, com o trabalho. Ele tem uma visão O conflito de gerações é algo universal?
de adolescente construída na própria vida,
não a tradicional da literatura. Não, é um processo que se cons-
Essa visão do adolescente “cuca- trói no dia a dia. Rotular o adolescen-
-fresca” passa para os adolescentes de te não traz nenhuma contribuição. Os
classe baixa um sofrimento – eles so- próprios professores tratam o adoles-
frem porque não são como os adoles- cente como um fator de conflito sem
centes mostrados na televisão. O jovem saída. “Adolescência é um problema
de classe baixa tem a carência de não sério, mas que vai passar” é um con-
ter vivido o que parece ser a adoles- ceito ainda muito arraigado hoje em
cência. Ele sofre com isso. Eles dizem dia. E tanto a literatura quanto a mí-
claramente: “Eu não tive adolescência, dia não entram em detalhes sobre as
não consegui ser assim, não tive essa condições concretas que levam a essa
liberdade que a gente vê” Na classe D,
. passagem do jovem para o adulto. Há
o adolescente tem que ser responsável, um vácuo que permite entender que
tem que começar a trabalhar, pensar na “de repente” “com o passar do tempo”
, ,
sua família. Ele já coloca na vida dele “de maneira quase mágica” o jovem
o trabalho como uma função do jovem. passa a ser um adulto.
O PAPEL DOS ADULTOS
Para assegurar esse direito de ser ado- toritarismo, que reprime a construção da
lescente de forma saudável, estimulante e autonomia, nem a ausência da orientação
protegida, a presença dos adultos é cru- e a falta de limites, que normalmente re-
cial. Sejam eles pais, educadores, parentes, sultam em negligência, contribuem para
amigos, vizinhos, autoridades ou pessoas a realização do potencial de desenvolvi-
que de alguma forma convivem com es- mento dos adolescentes como cidadãos
sas garotas e garotos, os adultos precisam e cidadãs. A presença adulta na vida dos
assumir uma perspectiva pedagógica, de adolescentes deve ajudar a promover o
diálogo, de respeito e de referência para a diálogo entre gerações e a transformar
construção de limites e de cuidados para ideias em propostas. Se os adolescentes
com os adolescentes, assegurando seu de- têm muita energia e criatividade, os adul-
senvolvimento integral. tos têm mais repertório, maior leque de
Não há melhor tempo que este, a ado- práticas e devem assumir perante os ado-
lescência, para proporcionar a meninos e lescentes uma postura de troca de histó-
meninas experiências que os ajudem nas rias e experiências.
escolhas sobre sua vida, que os orientem Os adolescentes esperam dos adultos
sobre como se proteger e proteger o outro, esse papel de guiar e conversar. Quando
que os estimulem a construir sua autono- se manifestam, em conferências, plenárias,
mia, mas também sua alteridade. eventos e mesmo quando são ouvidos em
Em casa, na escola, na rua, no posto pesquisas, meninos e meninas afirmam
de saúde, em qualquer lugar, nem o au- com clareza a importância que dão à pre-
O Direito de Ser Adolescente 19
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
20. sença dos mais velhos em seu processo de rendo parecer com a gente”, disseram os
desenvolvimento. Realizada pelo UNICEF meninos e meninas.
nos anos de 2003 e 2007, a pesquisa Voz dos O diálogo intergeracional é ainda ele-
Adolescentes revelou que mais de 90% dos
5
mento crucial para assegurar aos adoles-
adolescentes têm na família sua principal centes o direito à participação na família,
referência. Receber apoio e limites é visto na escola, no bairro, na cidade, de forma
pelos adolescentes como uma forma de cui- autêntica, sustentável, significativa e rele-
dado que os pais têm por eles. Segundo os vante para sua vida e também para suas
próprios adolescentes, quando o diálogo é comunidades e para o País, contribuindo
feito com respeito e com orientações claras, para a redução de vulnerabilidades especí-
há mais segurança e confiança. ficas dessa fase da vida (o capítulo 2 deste
Ao lado dos pais, os professores. Du- relatório aprofunda a questão das vulnerabili-
rante o Encontro Nacional de Adolescen- dades), com toda a força renovadora dos
tes do Ensino Médio realizado em Brasí- adolescentes.
lia em 2010, o tema do papel do professor Quando adultos reconhecem que ado-
apareceu com destaque nos debates. Para lescentes são atores sociais e políticos
os estudantes, o professor representa uma fundamentais para a construção de uma
referência positiva se, além de “dar o con- sociedade menos desigual e mais demo-
teúdo”, ele ajuda a refletir sobre as ques- crática e os adolescentes, que os adultos
tões da vida, está aberto para ouvir, mas, têm mais longas experiências e também
principalmente, se contribui com sua ex- precisam ser ouvidos e respeitados, ga-
periência de vida e suas reflexões, e “não nham as famílias, as comunidades, a so-
quer dar uma de descolado, e ficar que- ciedade e o País.
Foto: Rafaela Felicciano
Diego Gomes de Moraes comentou
“ No papel, está lindo, o direito do
adolescente a se expressar. Mas, na
prática, acham que o adolescente não
tem nada de útil, que não tem nada
de bom para oferecer. Na verdade, a
gente tem muito a contribuir. Apesar
da pouca experiência e idade, nós
vivemos muito e de tudo um pouco, e
Diego Gomes de Moraes tentamos encaixar as vivências e ex-
17 anos periências em qualquer situação.
Heliópolis - SP
“
20 Situação da Adolescência Brasileira 2011
21. CONHECER PARA GARANTIR DIREITOS
O Brasil tem diante de si uma enorme Devem promover políticas públicas que se-
oportunidade. Com um novo olhar, que re- jam, ao mesmo tempo, universais e focadas
conhece o quanto é rico ter 21 milhões de nas demandas e necessidades dos adoles-
cidadãos com idades entre 12 e 17 anos, centes. Políticas multissetoriais, baseadas
o País pode transformar potencial em re- nesse novo olhar sobre a adolescência e que
alidade, aprofundando o saber sobre esses promovam e levem em conta a voz desses
meninos e meninas, reconhecendo as di- meninos e meninas.
versas formas de se viver a adolescência, Afinal, para se garantir o direito de ser
e construindo novas relações baseadas no adolescente a cada um desses brasileiros, é
diálogo, no respeito ao outro. essencial que se conheçam e se enfrentem
Para isso, famílias, sociedade e gover- tais vulnerabilidades e desigualdades, trans-
nos precisam descobrir a adolescência sob formando-as em oportunidades, por meio de
a perspectiva da equidade e promover o seu políticas públicas e da participação cidadã.
desenvolvimento a partir de uma aborda- Somente assim, será possível garantir o direi-
gem de redução das vulnerabilidades e desi- to de ser adolescente a cada um desses meni-
gualdades que impactam as adolescências. nos e meninas.
Onde vivem os 21 milhões de adolescentes brasileiros, por macrorregião
9%
31%
7%
10.367.477 38%
Meninas 10.716.158
Meninos
14% Fonte:IBGE/Pnad, 2009
O Direito de Ser Adolescente 21
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
22. O olhar da mídia sobre a adolescência
UNICEF/Giacomo Pirozzi
Apesar do crescente engajamento dos conduzido pela ANDI, o tema é foco de
adolescentes em projetos de comunicação, 16,9% dos textos que mencionam esse gru-
a participação de meninos e meninas ainda po específico, ocupando a segunda posição
não ganhou destaque na mídia nacional. no que se refere aos assuntos mais abor-
Estudo realizado pela ANDI – Comunicação dados. Em primeiro lugar, está a educação
e Direitos mostra que, da quantidade total (com 26,3% dos textos) e, em terceiro, a vio-
de notícias sobre infância e adolescência lência (com 13,2%).
publicadas por 53 diários das diversas re- Segundo o levantamento, aspectos
giões do País em 2009, apenas 6,1% citam como qualidade do ensino, acesso à educa-
o adolescente como fonte de informação ção e greves ou reivindicações estão entre
e/ou colocam em evidência características os mais abordados quando está em foco
de participação e a liderança juvenil. São a educação. O Exame Nacional do Ensino
textos que, em vez de enfatizar a vulnera- Médio (Enem) foi citado em 23% de todos
bilidade de meninos e meninas perante si- os textos sobre educação nos quais os ado-
tuações de risco, ressaltam sua capacida- lescentes foram ouvidos. Na cobertura em
de de tomar a iniciativa, formular soluções geral, esse índice é de pouco mais de 15%, o
e desenvolver habilidades. que denota ser esse um tema que mobiliza
Entre os assuntos mais presentes nas e abre espaço para a voz do jovem na mí-
notícias que ouvem adolescentes ou men- dia. Também chama atenção a referência a
cionam ações de participação de adolescen- ações complementares: atividades que au-
tes, uma nova temática conquista espaço: xiliam no desenvolvimento do aprendizado,
esportes e lazer. De acordo com o estudo como exposições, passeios, feiras de ciên-
22 Situação da Adolescência Brasileira 2011
23. cias e campeonatos esportivos. Enquanto em geral), o debate sobre drogas continua
na cobertura em geral a menção a essas sendo um desafio também para o notici-
iniciativas é de cerca de 3%, nos textos que ário que abre espaço a adolescentes e jo-
ouvem o adolescente ou mencionam ação vens protagonistas.
de participação, o índice é de 10,3%. Em relação às fontes de informação, ao
Assim como ocorre na cobertura em geral contrário do usualmente verificado na cober-
sobre infância e adolescência, algumas te- tura em geral sobre infância e adolescência
máticas importantes para essa população fi- – cuja prevalência está nas vozes institucio-
cam de fora quando protagonistas e/ou ado- nais –, as notícias que ouvem adolescentes
lescentes estão na construção da notícia. As e/ou mencionam ações protagonistas abrem
discussões de gênero e etnia permanecem maior espaço para a opinião da sociedade ci-
esquecidas na abordagem jornalística sobre vil. Segundo o estudo realizado pela ANDI, a
infância e adolescência. Tanto na cobertura família e a comunidade escolar também são
em geral quanto na que ouve adolescentes, a mais ouvidas quando analisado esse recor-
referência a tais questões é de menos de 1%. te específico, como podemos ver no gráfico
Também está fora da pauta a discus- abaixo. Outro destaque positivo diz respeito
são de questões relevantes como às rela- à diversidade de fontes ouvidas – importan-
cionadas à deficiência (0,9% na cobertura te elemento de qualificação da notícia. De
que ouve o adolescente e 0,6% na geral), acordo com os dados coletados, enquanto
ao exercício da sexualidade (1,0% e 0,4%) a cobertura em geral registra a média de
e ao trabalho infantil (1,4% e 0,4%). Embo- 1,5 fonte por notícia, os textos que ouvem
ra tenha percentual um pouco maior (2,3% adolescentes protagonistas apresentam, em
na cobertura específica e 1,7% na cobertura média, 4,2 fontes mencionadas.
Fontes de informação – Percentual sobre o total de notícias sobre Infância e Adolescência em
2009 e sobre notícias que citam adolescentes como protagonistas ou como fonte de informação*
Fonte: ANDI - Comunicação e Direitos, 2011
*Variável de marcação múltipla.
O Direito de Ser Adolescente 23
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
24. VIOLÊNCIA
Por outro lado, quando se amplia o es- adolescentes. Segundo a ANDI, isso ocor-
copo de análise para todas as matérias re porque boa parte das matérias sobre
que mencionam explicitamente os ter- educação não menciona qualquer faixa
mos adolescente e adolescência ou focam etária específica. Desses textos que não
as idades entre 12 e 17 anos, o estudo da focalizam qualquer segmento etário, 25%
ANDI aponta que o tópico mais abordado discutem o acesso ao ensino superior e
é a violência. Para essa faixa etária, o foco 15,3%, o ensino médio, assuntos que es-
nos atos violentos supera a atenção dada tão diretamente ligados ao cotidiano dos
às questões de educação, historicamente o adolescentes.
assunto mais coberto pela mídia ao priori- Em contrapartida, a violência foi tema
zar aspectos relacionados ao universo de de 30,7% das reportagens que menciona-
crianças e adolescentes. ram explicitamente os adolescentes. Essa
Dados da ANDI estimam que, em 2009, participação é significativamente superior
os jornais impressos brasileiros publicaram ao que ocorre no ranking de assuntos das
159.324 notícias sobre infância e adolescên- demais faixas etárias pesquisadas: 19,7%
cia. De acordo com o monitoramento de mí- na primeira infância, 17,5% de 7 a 11 anos,
dia realizado pela organização, cada um dos e 17,8% na amostra total. Apesar disso,
53 diários analisados publicou, em média, o estudo da ANDI faz uma ressalva: a de
3.006 textos sobre a temática. que a prevalência do tema da violência
Em 2009, cerca de um quarto da cober- deve ser relativizada, já que nesse tipo de
tura geral tratava da educação. Esse per- noticiário, geralmente factual, é mais fre-
centual, porém, cai para 12,2% das notí- quente a menção à faixa etária de algum
cias que dizem respeito textualmente aos ator envolvido.
Retrato etário – Percentual sobre o total de notícias sobre Infância e Adolescência em 2009*
Fonte: ANDI - Comunicação e Direitos, 2011
*Variável de marcação múltipla.
24 Situação da Adolescência Brasileira 2011
25. Os tipos de violência mais enfocados na lazer. Apesar de aparecer sempre entre os
cobertura sobre adolescência são: violência 10 primeiros assuntos tratados pela mídia,
nas ruas e comunidade (29,1%), abuso se- independente de idade, esse tema é mais
xual (21,1%) e violência doméstica (8,3%). destacado à medida que o indivíduo vai
O levantamento da ANDI chama atenção crescendo: 3,9% para 0 a 6 anos, 6,8% para
para o fato de que, independentemente 7 a 11 anos, e 9,3% para 12 a 17 anos.
da faixa etária, poucas matérias procuram No tocante à qualidade da cobertura, o
promover uma reflexão mais profunda a estudo da ANDI observa que a ótica inves-
respeito de causas e consequências des- tigativa, que mapeia o esforço jornalístico
se fenômeno: 9,9% das reportagens sobre em ultrapassar o relato factual, denunciando
adolescência e 9,7% da cobertura sobre omissões e discutindo soluções, é bastante
infância de modo geral. Portanto, ainda é similar para a cobertura geral e a dos ado-
grande o desafio de qualificar o olhar da lescentes: 7,3% e 7 ,6%, respectivamente. Os
mídia no que diz respeito à abordagem de dados de contextualização também não apre-
um tema tão complexo e que afeta de for- sentam diferenças sensíveis entre a cobertu-
ma tão contundente os adolescentes. ra em geral e a abordagem sobre adolescen-
A educação vem em seguida para a faixa tes. A referência a fontes estatísticas alcança
de tópicos que focalizam o público adoles- 8,1% na cobertura geral e 9,1% no enfoque
cente, com 12,2%. O número está próximo para adolescentes. A menção à legislação
ao verificado para o grupo de 7 a 11 anos de qualquer tipo é de 5,7% (cobertura geral)
(12,0%) e o de 0 a 6 anos (9,5%). Entretanto, e 6,7% (adolescentes). E a de políticas públi-
esse é o tema mais coberto (46,6%) quando cas é inferior para as matérias que ouvem
se fala de crianças e adolescentes de modo adolescentes: 7 ,7% contra 12,5%. Percebe-se,
generalista, sem determinar a idade – fo- assim, que os desafios de qualificação das re-
cando em qualidade da educação e políticas portagens que falam sobre os adolescentes
públicas, por exemplo, em vez de identificar são, em boa parte, similares aos enfrentados
casos específicos. Em terceiro lugar, apa- na cobertura da infância e adolescência como
recem as questões ligadas ao esporte e ao um todo, segundo a ANDI.
Os temas das notícias (Tema principal) – Percentual sobre o total de notícias sobre Infância e Adoles-
cência e sobre notícias que citam explicitamente a faixa etária dos adolescentes – 12 a 17 anos, 2009*
Fonte: ANDI - Comunicação e Direitos, 2011
*Variável de marcação múltipla.
O Direito de Ser Adolescente 25
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
27. ENFRENTAR
VULNERABILIDADES
E DESIGUALDADES
PARA REALIZAR
DIREITOS
Para o Brasil, os adolescentes
representam uma grande oportunidade.
Porém, dois fatores afetam
sobremaneira o desenvolvimento
desses meninos e meninas: as
vulnerabilidades produzidas pelo
contexto social e as desigualdades
resultantes dos processos históricos
de exclusão e discriminação. É preciso
superá-las. Somente assim é possível
assegurar o direito de ser adolescente a
cada menino e menina no País.
Foto: Rafaela Felicciano
O Direito de Ser Adolescente 27
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
28. O direito de ser adolescente vem sen-
do violado por vulnerabilidades e
desigualdades que marcam o cotidiano de
gidos por tais vulnerabilidades são as desi-
gualdades sociais construídas historicamente
no Brasil, constituídas com base em precon-
milhões de meninos e meninas em todo o ceitos e nas mais diferentes manifestações de
Brasil. Quando se lança um olhar para o discriminação. Situações específicas tornam
conjunto da população brasileira para com- ainda mais agudas as vulnerabilidades e es-
parar a situação dos adolescentes com os tabelecem obstáculos para a realização do di-
demais segmentos etários, observa-se que reito de ser adolescente desses brasileiros. As
eles e elas formam um grupo que sofre mais desigualdades, determinadas, entre outros fa-
fortemente o impacto de vulnerabilidades, tores, pela origem e identidade étnico-racial,
como a pobreza, a violência, a exploração pelo fato de ser menino ou menina, por sua
sexual, a baixa escolaridade, a exploração condição pessoal relacionada a ter ou não al-
do trabalho, a gravidez, as DST/aids, o guma deficiência e pelo local onde vivem.
abuso de drogas e a privação da convivên- Sem conhecer, reconhecer e enfrentar
cia familiar e comunitária. essas vulnerabilidades e desigualdades,
Essas vulnerabilidades, entretanto, não não é possível garantir que os adolescentes
afetam os 21 milhões de adolescentes brasi- vivam tão importante fase da vida de for-
leiros da mesma maneira. O que diferencia a ma plena, estimulante e segura, de forma
forma pela qual os adolescentes vão ser atin- cidadã, enfim.
VULNERABILIDADES, OBSTÁCULOS PARA O
DESENVOLVIMENTO DOS ADOLESCENTES
O simples fato de ser adolescente faz com que determinadas situações de vulnerabilidade
incidam mais fortemente sobre esses meninos e meninas, quando os comparamos a outros
grupos da população no País. A seguir, são apresentados dados, indicadores e análises sobre
como nove fenômenos sociais comprometem de forma grave o desenvolvimento dos adoles-
centes brasileiros. São eles:
1. a pobreza e a pobreza extrema;
2. a baixa escolaridade;
3. a exploração do trabalho;
4. a privação da convivência familiar e comunitária;
5. a violência que resulta em assassinatos de adolescentes;
6. a gravidez;
7. a exploração e o abuso sexual;
8. as DST/aids;
9. o abuso de drogas.
28 Situação da Adolescência Brasileira 2011
29. POBREZA E ExTREMA POBREZA
A pobreza nega aos adolescentes seus Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
direitos. Ela representa uma situação de indicam que quatro em cada dez brasileiros
vulnerabilidade que potencializa outras (40%) que vivem na miséria são meninas e
vulnerabilidades. Torna mais frágeis o meninos de até 14 anos. Depois das crian-
que poderiam ser ambientes de proteção e ças, o segundo grupo etário com maior per-
segurança de meninos e meninas, aumen- centual de pessoas vivendo em famílias po-
ta os riscos de abuso e exploração. Faz bres são os adolescentes.
com que esses adolescentes fiquem mais O número de adolescentes brasileiros
expostos a doenças, à má alimentação. de 12 a 17 anos de idade que vivem em
Além disso, a situação de pobreza, muitas famílias com renda inferior a ½ salário
vezes, mina a confiança dos adolescentes mínimo per capita é 7,9 milhões. Isso
em seu próprio futuro e no futuro de suas significa dizer que 38% dos adolescentes
comunidades e de seu país. Essa é ainda brasileiros estão em condição de pobreza.
uma vulnerabilidade que se transmite de Praticamente um a cada três adolescentes
geração a geração, criando ciclos interge- brasileiros pertence ao quintil mais pobre
racionais de exclusão. da população brasileira (ou seja, os 20%
No Brasil, a pobreza e a pobreza extrema mais pobres do País): 28,9% dos garotos
têm rosto de criança e de adolescente. Da- e garotas entre 15 e 17 anos estão nesse
dos preliminares do Censo 2010, do Instituto grupo de renda.
Os mais pobres – Proporção da população vivendo na pobreza, por idade
Fonte: IBGE/Pnad, 2009
O Direito de Ser Adolescente 29
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
30. A nova linha da extrema pobreza no Brasil
O IBGE, a partir dos dados do Censo 2010, identificou no País 16 milhões de
pessoas que vivem com renda per capita mensal de até R$ 70. Essa é a linha da
extrema pobreza definida pelo governo federal, que embasa o programa Brasil
sem Miséria. Embora o governo brasileiro tenha adotado esse recorte de extre-
ma pobreza, optamos por utilizar, neste relatório, dados do IBGE sobre famílias
extremamente pobres cuja renda per capita é inferior a ¼ do salário mínimo (o
que, em valores de 2011, representa renda per capita menor que R$ 128,50). O
objetivo é fazer a desagregação por idade, uma vez que os dados relativos ao
novo conceito definido pelo governo somente estão disponíveis para o ano de
2010 e por grupos etários previamente agregados.
Atualmente no Brasil, 3,7 milhões de seis anos, tendo atingido em 2011 o nível
garotas e garotos com idades entre 12 e 17 mais baixo desde 1960, segundo pesqui-
anos (17,6% dos adolescentes do País) vi- sa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) 6, o
vem em famílias extremamente pobres, ou percentual de adolescentes vivendo em fa-
seja, que sobrevivem com até ¼ de salário mílias extremamente pobres cresceu entre
mínimo por mês, segundo dados da Pes- 2004 e 2009, passando de 16,3% para os
quisa Nacional por Amostra de Domicí- atuais 17,6%. Ou seja, a pobreza recua na
lios (Pnad) de 2009. população brasileira em geral, mas cresce
O rosto adolescente da pobreza no País entre seus meninos e meninas.
torna-se ainda mais evidente quando no- Romper o ciclo da pobreza não é sim-
tamos que, apesar de a desigualdade de ples, mas fundamental para reduzir outras
renda estar caindo no País nos últimos vulnerabilidades.
Extrema pobreza – Percentual de adolescentes que vivem em famílias extremamente pobres
Fonte: IBGE/Pnad, 2009
30 Situação da Adolescência Brasileira 2011
31. BAIxA ESCOLARIDADE
Se a pobreza é uma vulnerabilidade de- e ajuda a pavimentar o caminho para o
terminada por gerações, a baixa escolari- presente e para um futuro produtivo e ci-
dade resulta de um processo de exclusão dadão. Quando se assegura a cada criança
que tem suas origens nos primeiros anos de o direito a uma educação adequada, base-
vida dos adolescentes. Quem hoje está na ada em direitos, cria-se um efeito multipli-
faixa etária de 12 a 17 anos e poucos anos cador de oportunidades para ela e para as
de estudo tem, quase sempre, uma trajetó- gerações futuras.
ria de educação marcada pela falta de aces- Se a educação transforma vidas, a baixa
so à educação infantil e pela precariedade escolaridade restringe transformações, pes-
do ensino fundamental. soais e sociais. Se a educação é um direito
Desde a aprovação do Estatuto da poderoso para pôr fim ao ciclo de pobreza in-
Criança e do Adolescente, o País fez im- tergeracional e prover os fundamentos para
portantes avanços em direção à universa- um desenvolvimento sustentável, a baixa es-
lização do acesso ao ensino fundamental. colaridade é parte da engrenagem que gera
Em 2009, 97,9% das crianças e adolescen- pobreza e limita o desenvolvimento.
tes de 7 a 14 estavam matriculadas nessa No Brasil, em 2009, do total de meninos e
etapa da educação7. meninas de 15 a 17 anos, 85,2% estavam ma-
Porém, o acesso é apenas o primeiro triculados na escola. Porém, apenas pouco
passo para a garantia do direito de apren- mais da metade deles (50,9%) estava no nível
der de meninos e meninas. As crianças e adequado para a sua idade: o ensino médio8.
adolescentes chegam à escola, mas muitos Os demais ainda cursavam o ensino funda-
deles não conseguem aprender e conquis- mental. Além disso, 1,4 milhão de meninos
tar avanços em sua escolaridade por uma e meninas dessa faixa etária já haviam aban-
série de fatores relacionados à qualidade donado os estudos e estavam fora das salas
da educação e à precariedade do ambien- de aula em 20099.
te de aprendizagem. Pouco estimulados e O abandono está diretamente ligado à
apoiados, algumas vezes pressionados a trajetória de repetências que cria a chama-
contribuir para a renda familiar, crianças e da distorção idade-série, ou seja, crianças
adolescentes iniciam um ciclo de repetên- e adolescentes que cursam uma série es-
cias e acabam abandonando os estudos. À colar diferente daquela prevista para sua
medida que as séries escolares avançam, idade. O ciclo começa, quase sempre, já
aumentam os índices de distorção idade- nas primeiras séries do ensino fundamen-
-série e de evasão. tal e vai se tornando mais grave nas séries
A baixa escolaridade é uma vulnerabi- mais avançadas, até limitar o acesso ao
lidade, porque impõe limites às oportuni- nível médio de educação. Em 2009, 13%
dades que têm e terão os adolescentes ao das crianças e adolescentes de 10 a 14 anos
longo de toda a sua vida. Afinal a edu- tinham atraso escolar superior a dois anos.
cação é um direito humano fundamental No mesmo ano, do total dos 2,3 milhões
e toda criança e todo adolescente têm di- de concluintes do ensino fundamental,
reito a ela. Receber educação de qualida- 1,09 milhão (ou mais de 47%) tinham en-
de é condição sine qua non para o desen- tre 15 e 17 anos: encontravam-se atrasados
volvimento das pessoas e das sociedades em seus estudos10.
O Direito de Ser Adolescente 31
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
32. O acúmulo de repetências e abandono faz completaram o nível fundamental de ensino,
com que a escolaridade média de um adoles- que implica nove anos de estudos. O quadro é
cente brasileiro de 15 a 17 anos seja de 7,3 um pouco melhor, entretanto, que o de 2004,
anos de estudo. Isso quer dizer que, em mé- quando a média de anos de estudo era de
dia, os brasileiros nessa faixa etária sequer 6,911, como podemos ver no gráfico abaixo.
Baixa escolaridade – Média de anos de estudo de adolescentes de 15 a 17 anos
7,2 7,3
7,1 7,3
7,1
6,9
2004 2005 2006 2007 2008 2009
Fonte: IBGE/Pnad, 2009
ExPLORAÇÃO DO TRABALHO
É na adolescência que a exploração do bertura da legislação trabalhista e da vigilân-
trabalho incide mais gravemente. Dos 4,3 cia de esferas governamentais e da sociedade
milhões de brasileiros com idades entre 5 e 17 civil organizada, como sindicatos e ONGs.
anos que exercem algum tipo de atividade la- Como em outras situações de vulnerabi-
boral, 77% – ou 3,3 milhões – são adolescentes lidade apresentadas aqui, tem havido avan-
de 14 a 17 anos de idade12. A legislação brasi- ços no País no enfrentamento à exploração
leira proíbe o trabalho formal até os 16 anos, da mão de obra de crianças e adolescentes,
exceto como aprendiz a partir dos 14 anos. graças a um conjunto de políticas públicas e
A exploração do trabalho adolescente é mobilizações em favor dos direitos de meni-
uma vulnerabilidade porque o trabalho qua- nas e meninos. A série histórica da Pesquisa
se sempre interfere na educação desses meni- Nacional por Amostragem de Domicílios
nos e meninas, além de submetê-los a riscos (Pnad) mostra que, em 1999, 14,9% das
físicos e psicológicos, como acidentes, expo- crianças de 10 a 14 anos trabalhavam. Em
sição a substâncias tóxicas, a movimentos 2009, essa taxa havia recuado para 6,9%.
repetitivos que comprometem a saúde desses No mesmo período, o nível de ocupação no
adolescentes, ainda em fase de desenvolvi- grupo de 15 a 17 anos baixou de forma mais
mento. Além disso, por ser quase sempre ile- lenta, de 34,5% para 27,4% (no capítulo 3 des-
gal (estima-se que 80% dos adolescentes que te relatório, apresentamos a análise sobre as polí-
trabalham o fazem sem registro na carteira ticas públicas voltadas para a adolescência, entre
de trabalho), o trabalho dos adolescentes elas, aquelas dirigidas à erradicação do trabalho
acontece de maneira desprotegida, sem a co- infanto-juvenil).
32 Situação da Adolescência Brasileira 2011
33. Foto: Rafaela Felicciano
Rafael Faria da Silva comentou
“ Eu trabalho com bolivianos todo
domingo, ajudando a desmontar bar-
racas na feira. Ganho R$ 10 por bar-
raca. Todo o dinheiro que eu ganho
divido meio a meio em casa. E ainda
Rafael Faria da Silva
ajudo a cuidar da casa.
16 anos
São Paulo - SP
“
Aline Czezacki
Foto: Rafaela Felicciano
comentou
“ Os jovens começam muito cedo a
trabalhar com os pais, com 15 ou 16
anos, nem que seja para fazer fotocó-
pia, mas é para trabalhar mesmo. é
uma cultura: a maioria dos pais não
Aline Czezacki
cresceu rico e foi crescendo no traba-
16 anos
lho e eles não entendem que mudou
Ponta Grossa - PR
e querem que os filhos tenham a mes-
ma educação, nos mesmos moldes.
“
Entre os adolescentes que trabalham, a estudam estão mais vulneráveis ao mau de-
situação mais comum é a de combinação sempenho na escola, à repetência e à evasão.
trabalho e estudo. Dos meninos e meninas Num mundo e num País com demandas
de 12 a 17 anos que trabalham, 82% deles crescentes em qualificação em todos os cam-
também estão matriculados na escola. Entre- pos de atuação profissional, a combinação
tanto, como vimos acima, a matrícula é ape- da entrada precoce e precária no mercado
nas um primeiro passo no processo de educa- de trabalho com baixa escolaridade resulta,
ção de um adolescente. Estudos e pesquisas quase sempre, em restrições permanentes
mostram que adolescentes que trabalham e na capacidade dos adolescentes de se aper-
O Direito de Ser Adolescente 33
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
34. feiçoarem, e, portanto, na limitação de sua Pnad mostram que 30% das crianças e ado-
atuação profissional no mercado de trabalho lescentes que exerciam alguma ocupação não
informal e de baixa remuneração (dados da recebiam contrapartida de remuneração).
Foto: Rafaela Felicciano
Carlos Eduardo da Silva comentou
“ Vários de meus colegas trocaram
o turno da manhã na escola pelo
noturno por causa dos empregos.
Trabalham de segunda a segunda pra
ganhar uma merreca. Chegam aca-
Carlos Eduardo da Silva
bados na escola. Aí querem ter um
15 anos
trabalho melhor, mas como vão con-
Cabo de Santo Agostinho - PE
seguir sem estudo? Como vão conse-
guir passar de série?
“
Ainda mais grave é a situação dos adoles- rotos e garotas também têm mais chances de
centes trabalhadores que já abandonaram a se envolver com o trabalho ilícito no tráfico
escola – 3,4% do total de meninos e meninas de drogas e outras atividades criminosas, e
entre 12 e 17 anos13. São adolescentes com si- na exploração sexual.
tuações ainda mais frágeis em termos de pro- Eles são em sua maioria meninos, embora
teção e oportunidades: trabalham no comér- as meninas sejam as principais vítimas da ex-
cio de rua, como ambulantes ou prestadores ploração em atividades como o trabalho do-
de serviços como engraxates, são meninas méstico e relacionadas à exploração sexual,
empregadas domésticas, ou coletam frutos como veremos ainda neste capítulo. Estão em
em atividades extrativistas de baixo valor sua maioria em zonas urbanas, embora em
agregado, como em culturas de açaí, babaçu, algumas regiões do País, a mão de obra de
moluscos e mariscos, entre outras. Esses ga- adolescente seja importante na agricultura.
Meninos urbanos – Pessoas de 10 a 14 anos e de 15 a 17 anos ocupadas na
semana de referência por sexo e situação de domicílio (por 1.000)
Total Masculino Feminino Urbano Rural
10-14 anos 1.258 856 403 659 599
15-17 anos 2.870 1.861 1.009 2.056 814
Fonte: IBGE/Pnad, 2009 (Adaptação)
34 Situação da Adolescência Brasileira 2011
35. Palavra de especialista
“Eles abandonam a escola precocemente e não concluem o ensino
fundamental. Quando tentam se inserir no mercado de trabalho, não
conseguem: eles não têm experiência, não têm escolarização e nenhuma
qualificação profissional. Então, ficam excluídos, numa situação que fa-
vorece que sejam aliciados pelas redes de crime organizado, tanto tráfico
de drogas quanto exploração sexual. é um quadro muito perverso. Numa
idade em que a pessoa está cheia de expectativas, lhe é negada qualquer
oportunidade de uma vida digna” Isa Maria de Oliveira, coordenadora do Fó-
.
rum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
A precariedade do trabalho do adolescen- centes no Brasil. Dados da Relação Anual de
te é uma realidade, mesmo quando a ativi- Informações Sociais (Rais)14 mostram que,
dade supostamente é desempenhada em con- em 2009, havia 155,1 mil aprendizes contra-
formidade com a legislação. A lei estabelece tados – um aumento significativo se compa-
três modalidades de trabalho regular para o rado à situação em 2005, quando havia 59,3
adolescente brasileiro, a partir de 14 anos: a mil adolescentes nessa situação. Mesmo as-
aprendizagem, o estágio e o trabalho educa- sim, esses números ainda estão distantes do
tivo. Ainda assim, relatórios do Ministério potencial, calculado em 1,2 milhão de ado-
do Trabalho e Emprego apontam o quanto lescentes pelo Ministério do Trabalho e Em-
é comum o descumprimento das disposições prego, em 2010.
legais: a falta de registro em carteira de tra- Perigoso, insalubre, pouco ou nada re-
balho, a realização de tarefas penosas, degra- munerado, frágil em suas relações, o traba-
dantes e perigosas fazem parte do cotidiano lho do adolescente no País representa uma
do adolescente que trabalha. vulnerabilidade que vem cedendo apenas
A baixa adesão à Lei do Aprendiz – seja aos poucos, ao longo dos anos, e parece
por falta de experiência das empresas ou sempre se alimentar de uma cultura da
pouco investimento na qualificação dos precariedade, gerando mais um ciclo de
aprendizes – é outra evidência da dificuldade exclusão e violação de direitos, de despro-
para difundir o trabalho decente para adoles- teção e insegurança.
PRIVAÇÃO DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA
Sentir-se seguro. Eis uma experiência garantia do direito de ser adolescente.
fundamental para os adolescentes. Ela co- Por isso, a privação do direito à convi-
meça na convivência familiar e comuni- vência familiar e comunitária, assim como
tária, que, se vivida de forma saudável, é a pobreza, a exclusão da escola e a explora-
crucial para oferecer as bases necessárias ção do trabalho, deixa os adolescentes des-
ao amadurecimento e à constituição de protegidos e representa enormes riscos para
uma vida adulta também saudável, para a meninos e meninas.
O Direito de Ser Adolescente 35
Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades
36. NOS ABRIGOS outras formas de convivência. Assim, sen-
tem-se obrigados a permanecer em torno
Em seu artigo 19, o Estatuto da Crian- da instituição que os acolheu.
ça e do Adolescente garante o direito de
todo adolescente a ser criado e educado NAS RUAS
num ambiente familiar e comunitário de
proteção. Mas milhares de adolescentes Além dos meninos e meninas interna-
brasileiros passam boa parte de sua in- dos em abrigos, entre os adolescentes pri-
fância e adolescência em abrigos. Dados vados do direito à convivência familiar e
do Levantamento Nacional de Crianças e comunitária, estão os 24 mil meninos e
Adolescentes em Serviços de Acolhimen- meninas em situação de rua no Brasil, se-
to, do Ministério do Desenvolvimento gundo dados de um estudo do Conselho
Social e Combate à Fome, estimam que, Nacional dos Direitos da Criança e do
em 2009, 54 mil crianças e adolescentes Adolescente (Conanda), em parceria com
viviam nessas instituições no Brasil15. Ali, a Secretaria de Direitos Humanos, divul-
veem-se privados da convivência com os gado em 201116.
Foto: UNICEF/João Ripper
pais, irmãos, avós e outras pessoas que
com eles troquem afeto, que os protejam e
os apoiem em seu processo de construção
de suas identidades.
No caso específico dos adolescentes
em abrigo, a situação é especialmente
complexa. Afinal, à medida que aumen-
ta a idade, diminuem as possibilidades de
retorno à convivência familiar (pesquisas
sobre o tema indicam que a reintegração
na família, a adoção, a colocação em fa-
mília substituta ou outras formas de aco-
lhimento são mais comuns para as crian-
ças mais novas). E ainda não existem
experiências sustentáveis de abrigos que
consigam desenvolver estratégias eficien- Entre eles, 70% são meninos. Vendem ba- Sentir-se
tes para a garantia do direito a uma famí- las e frutas, engraxam sapatos, lavam carros, seguro na
lia ou mesmo para buscar alternativas que separam material reciclável no lixo, pedem família e na
apoiem os adolescentes que crescem nes- dinheiro ou simplesmente perambulam pe- comunidade é
sas instituições a fim de que desenvolvam los centros das médias e grandes cidades do fundamental
um projeto de vida, estabeleçam autono- País. Estão expostos a todo tipo de violação para os
mia e construam redes afetivas. de seus direitos. Segundo a pesquisa do Co- adolescentes
O resultado é que, ao alcançar os 18 nanda, quase metade deles (45,1%) tem entre
anos, os adolescentes têm que deixar os 12 e 15 anos, 49,2% se declararam de cor par-
abrigos e, muitas vezes, não estão prepa- da e 23,6%, negros.
rados para morar sozinhos ou não cons- O levantamento do Conanda mostrou
truíram relações com seus pares que cons- ainda que, do total de meninos e meninas vi-
tituam alternativas como “repúblicas” ou vendo nessas condições, 59,1% dormem na
36 Situação da Adolescência Brasileira 2011
37. casa de seus familiares e trabalham nas ruas; 59,4% não estudam. Mais do que excluídos,
23,2% dormem nas ruas; 2,9% dormem tem- esses meninos e meninas são banidos, por
porariamente em instituições de acolhimento preconceito e discriminação, mesmo por ins-
e 14,8% circulam entre esses espaços. Segun- tituições que deveriam acolhê-los. De acordo
do os próprios meninos e meninas, a principal com o levantamento do Conanda, 12,9% dos
razão para estar nas ruas é a violência domés- entrevistados já haviam sido impedidos de
tica, responsável por 70% das citações sobre receber atendimento na rede de saúde e 6,5%
os motivos que os levaram a sair de casa. de emitir documentos; 36,8% deles tinham
A pesquisa mostrou também que 13,8% sido impedidos de entrar em algum estabe-
desses meninos sequer se alimentam todos lecimento comercial; 31,3%, de usar trans-
os dias e que, embora a maioria dessas crian- porte coletivo; 27,4%, de entrar em bancos;
ças e adolescentes esteja em idade escolar, e 20,1%, de entrar em algum órgão público.
Palavra de especialista
“Os meninos e meninas em situação de rua estão no auge, na última
etapa do processo de exclusão social, pois têm acesso a nenhum ou a
poucos direitos das crianças e adolescentes e são pouquíssimas as políti-
cas públicas direcionadas para esse estrato da população brasileira” João
.
Batista do Espírito Santo Júnior, coordenador adjunto do Movimento Nacional
de Meninos e Meninas de Rua de Pernambuco (MNMMR-PE).
O problema dos meninos e meninas de áreas de saúde, educação e proteção, os me-
rua não é nenhuma novidade para o Brasil. ninos e meninas em situação de rua, estão
Desde a década de 1970, quando começou entre aqueles deixados para trás, argumenta
a ganhar visibilidade, com o crescimento o estudo do Conanda.
das cidades e ondas de migração, o País não Os municípios, principais responsáveis
consegue dar prioridade ao fenômeno e de- pelas políticas de atendimento a crianças e
senvolver políticas públicas eficientes para adolescentes, também não estão preparados.
proteger esses adolescentes, garantindo-lhes Em 2009, apontam os dados do suplemento
o direito à convivência familiar e comunitá- de Assistência Social da Pesquisa de Infor-
ria. Nos anos 1980, com a redemocratização mações Básicas Municipais (Munic 2009),
do País, várias organizações dedicadas à luta realizada pelo IBGE em parceria com o Mi-
pelos direitos de crianças e adolescentes vol- nistério do Desenvolvimento Social e Com-
taram seu foco de trabalho para esses meni- bate à Fome e o Conanda, dos 5.565 municí-
nos e meninas em situação de rua. Entre eles, pios brasileiros, apenas 5,2% tinham serviços
o Movimento Nacional de Meninos e Meni- de acolhimento para essas crianças e adoles-
nas de Rua, criado em 1985. Porém, apesar centes; 22,3% contavam com iniciativas de
da mobilização social em torno dessa causa abordagem social nas ruas; e 13% disseram
e das conquistas obtidas com a aprovação do ofertar outros serviços para atendimento des-
Estatuto da Criança e do Adolescente, nas se segmento17.
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