Este documento analisa o espaço projetado versus o espaço vivido nos conjuntos habitacionais Goiânia e Araguaia em Belo Horizonte. A autora descreve as características originais dos projetos e como os moradores modificaram as casas para atender melhor suas necessidades. Além disso, avalia a relação dos moradores com os equipamentos e serviços do entorno.
TFG - Viver na rua - Arquitetura, Urbanismo e vida cotidiana
Espaço projetado vs espaço vivido em conjuntos habitacionais de BH
1. MARIA CRISTINA VILLEFORT TEIXEIRA
ESPAÇO PROJETADO E ESPAÇO VIVIDO
NA HABITAÇÃO SOCIAL:
os conjuntos Goiânia e Araguaia em Belo Horizonte
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de
Pós -Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidad e Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em
Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Profa. Dra. Tamara Tânia Cohen Egler
Doutora em Ciências Sociais/USP
Rio de Janeiro
2004
2. MARIA CRISTINA VILLEFORT TEIXEIRA
ESPAÇO PROJETADO E ESPAÇO VIVIDO NA HABITAÇÃO SOCIAL :
OS CONJUNTOS GOIÂNIA E ARAGUAIA EM BELO HORIZONTE /MG.
Tese apresentada ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
___________________________________________
Profa. Dra. Ana Clara Torres Ribeiro
___________________________________________
Profa. Dra. Beatriz Alencar d’Araújo Couto
___________________________________________
Profa. Dra. Maria Cristina da Silva Leme
___________________________________________
Prof. Dr. Rainer Randolph
___________________________________________
Prof. Dra. Tamara Tânia Cohen Egler (orientadora)
3. A todos os que buscam uma cidade melhor,
em especial o Professor Radamés Teixeira da Silva,
meu mestre, meu pai.
4. AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todos que contribuíram, nas várias instâncias, para o
desenvolvimento desta Tese.
À CAPES, pelo apoio institucional através do programa PICDT/UFMG. Infelizmente,
esse órgão vem reduzindo a abrangência dos seus programas de fomento à
pesquisa e à qualificação de docentes, deixando de beneficiar muitos professores
em processo de formação.
Aos funcionários da URBEL e da Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, que se prontificaram a fornecer os dados para o
andamento deste trabalho.
À Professora Tamara Egler, que além de orientadora – firme no propósito de verificar
o conteúdo e a evolução do trabalho – tornou-se parceira de uma sólida amizade.
À Beatriz Couto e à Jupira Gomes de Mendonça, que me conduziram pela mão a
caminho do IPPUR.
Aos professores do IPPUR, pela oportunidade de aprendizado de novas áreas no
meio urbano, que tanto contribuíram para o conhecimento, especialmente à
Professora Ana Clara Torres Ribeiro, que me mostrou a arte de ensinar com
sabedoria.
À Ana Lúcia e à Maria Luíza (IPPUR/UFRJ) e a Vânia, Moema, Juliana, Lúcia,
Neusa, Marco Antônio e Vantuil (Arquitetura/UFMG), pela prontidão em disponibilizar
o material bibliográfico que subsidiou esta Tese.
À Beatriz Marinho, pelo incansável trabalho de organização e diagramação desta
Tese.
À D. Amélia Martino, minha mãe nesta Cidade Maravilhosa, que me acolheu com o
maior carinho.
5. Às amigas Carmen Silveira, Maria das Graças Ferreira e Mônica Meyer, que
seguiram comigo ativamente o percurso dasvigilantes da tese.
Ao André Perocco que, mesmo distante, sempre me apoiou com conselhos e
m anifestações que me ajudaram a levar em frente este trabalho.
Aos moradores dos conjuntos Goiânia e Araguaia e dos bairros Alvorada e Araguaia,
que, através das suas vivências, me deram oportunidade de aprender e de conhecer
os fenômenos que poderão melhorar as suas condições de vida e de muitos outros
que vivem em situações semelhantes.
Ao Aloysio Bello, amigo e companheiro, que suportou trancos e barrancos nesta
jornada.
Ao meu pai, pela oportunidade de discussão sobre os assuntos urbanos e pelo apoio
fundamental para que eu terminasse este trabalho.
Finalmente, agradeço aos meus filhos Branca, Cássia e Alexandre, que me
apoiaram e incentivaram, na alegria e na aflição, pela compreensão da minha
ausência, quando poderíamos nos curtir nos momentos livres. À Branca, minha filha
arquiteta, um obrigado especial pela força na execução das tabelas e das plantas
das casinhas dos conjuntos.
6. E a casa, sem o homem para habitá-la, não passa de
paredes, telhados, janelas e portas sem forma, sem
propósito e sem vida. A luz invade o espaço, mas não
ilumina o homem. As casas abrigam estórias, mas cabe ao
homem escrevê -las como lhe convém.
Daniel Gomes de Faria
7. RESUMO
Os projetos dos conjuntos habitacionais destinados à população de baixa renda se
limitavam a oferecer mora dias, sem considerar as características sociais, culturais e
econômicas dos moradores e suas respectivas relações com o meio urbano. Em
conseqüência, as apropriações não atendiam integralmente as necessidades dos
usuários. Essa situação se retrata nos exemplos dos conjuntos Goiânia e Araguaia,
implantados pela Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte – URBEL –, em
meados dos anos 90 que, embora construídos em período posterior à nova
legislação, ainda apresentavam essas características. A nova legislação instituiu a
municipalização, considerando aspectos locais, impondo a participação das
comunidades nas soluções, tornando-as específicas. O caminho das soluções se
amplia com a imposição da sua gestão, que só se completa com a regularização
fundiária. Essas mudanças demandam procedimentos que devem orientar novos
processos da produção da habitação social a serem retratados, inclusive, nos
projetos. Dentro da multidisciplinaridade e paridade dos conteúdos específicos que
visam a atender os usuários, cabe, na presente tese, avaliar a importância de um
deles, o projeto físico, que trata da ordenação espacial do lugar e da arquitetura da
moradia, à vista dessa nova legislação. Os aspectos significativos que definem essa
importância foram tratados sob dois cuidados: a constante atenção aos usuários e a
relação com os demais fatores envolvidos na produção da habitação social.
8. ABSTRACT
Residence settlement projects aimed to low wage families just offered residences,
without considering the inhabitants, the social, cultural and economic characteristics
and their respective relation with the urban environment. As a consequence, the
appropriations did not fully comply with the user’s needs. This situation can be
spotted in the examples of Goiânia and Araguaia settlements, inserted by
Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte – URBEL –, in mid 90’s, and which
although inserted in a period after the new legislation still presented these
characteristics. The new legislation established the municipalization, considering
local as pects, imposing the communities’ participation in the solutions, turning them
into specific solutions. The solution’s path was getting extended with the imposition of
its administration, which only gets completed with the soil regularization. These
changes demand procedures that should guide new social residence production
processes, to be shown, including, in the projects. Inside the multidisciplinary and
pairing of the specific content which aims to attend the users, it is a purpose of the
present work to evaluate the importance of one of them, the physical project, which
deals with the site’s space organization and the residence’s architecture, under the
light of this new legislation. The significant aspects that define this importance were
dealt with two concerns: the constant attention to the users and the relation with
other factors involved in the production of social residence.
9. LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Localização dos conjuntos habitacionais Goiânia e Araguaia no
município de Belo Horizonte ........................................................................19
FIGURA 2 Localização do conjunto Goiânia no município de Belo Horizonte ........49
FIGURA 3 Situação do conjunto Goiânia em relação aos bairros adjacentes ........50
FIGURA 4 Planta do conjunto Goiânia ..........................................................................51
FIGURA 5 Plantas originais da casa do conjunto Goiânia - 1ª e 2ª fases ...............52
FIGURA 6 Situação do conjunto Goiânia em relação ao bairro Alvorada ...............53
FIGURA 7 Mapa do conjunto Goiânia e equipamentos do entorno..........................54
FIGURA 8 Localização do conjunto Araguaia no município de Belo Horizonte......55
FIGURA 9 Vista das ruas internas do conjunto Araguaia ...........................................56
FIGURA 10 Situação do conjunto Araguaia em relação ao bairro Araguaia .............56
FIGURA 11 Planta do conjunto Araguaia ........................................................................57
FIGURA 12 Plantas originais da casa do conjunto Araguaia - 1ª e 2ª fases.............58
FIGURA 13 Situação do conjunto Araguaia em relação aos bairros adjacentes......59
FIGURA 14 Mapa do conjunto Araguaia e equipamentos do entorno........................60
FIGURA 15 Vista parcial do conjunto Goiânia ................................................................64
FIGURA 16 Vista parcial do conjunto Araguaia..............................................................64
FIGURA 17 Vista das casas em frente ao conjunto Goiânia ........................................68
FIGURA 18 Vista dos lotes sem muros na época da implantação..............................69
FIGURA 19 Vista dos lotes com muros em 2003...........................................................69
FIGURA 20 Foto da construção por etapas de casa do conjunto Goiânia,
mostrando situação na época da implantação..........................................70
FIGURA 21 Foto da construção por etapas de casa do conjunto Goiânia,
mostrando situação em 2003.......................................................................70
FIGURA 22 Plantas modificadas das casas 1 e 2 do conjunto Goiânia.....................72
FIGURA 23 Planta modificada da casa 3 do conjunto Goiânia ...................................73
10. FIGURA 24 Planta modificada da casa 4 do conjunto Goiânia ...................................73
FIGURA 25 Planta modificada da casa 5 do conjunto Goiânia ...................................74
FIGURA 26 Plantas modificadas das casas 6 e 7 do conjunto Araguaia ..................74
FIGURA 27 Planta modificada da casa 8 do conjunto Araguaia .................................75
FIGURA 28 Vista das fachadas posteriores das casas, que se voltaram para
as ruas principais ...........................................................................................76
FIGURA 29 Plantas modificadas das casas 9 e 12 do conjunto Araguaia ................77
FIGURA 30 Planta modificada da casa 10 do conjunto Araguaia ...............................77
FIGURA 31 Planta modificada da casa 11 do conjunto Araguaia ...............................78
FIGURA 32 Projeto do conjunto Goiânia idealizado pela arquiteta Ana Schmidt.....78
FIGURA 33 Vista do conjunto Goiânia na realidade......................................................79
FIGURA 34 Vista do ferro -velho do conjunto Goiânia .................................................142
FIGURA 35 Vista de espaço invadido no conjunto Goiânia .......................................142
FIGURA 36 Vista da Igreja Santa Mônica .....................................................................152
FIGURA 37 Vista da rua interna do conjunto Goiânia, em 1998 (esquerda) e
em 2003 (direita) ..........................................................................................156
FIGURA 38 Vista da pracinha do rotor...........................................................................156
FIGURA 39 Vista da praça da Febem............................................................................158
FIGURA 40 Vista da praça do Minério ...........................................................................159
FIGURA 41 Vista do Cristo Redentor, de onde se vislumbra toda a região ............159
FIGURA 42 Vista das casas em frente ao conjunto Goiânia ......................................161
FIGURA 43 Indicação dos percentuais de consumidores em supermercados,
moradores do conjunto Goiânia e do bairro Alvorada ...........................176
FIGURA 44 Indicação dos percentuais de consumidores em padaria,
moradores do conjunto Goiânia e do bairro Alvorada ...........................177
FIGURA 45 Indicação dos percentuais de consumidores em sacolão,
moradores do conjunto Goiânia e do bairro Alvorada ...........................178
FIGURA 46 Indicação dos percentuais de consumidores em farmácia,
moradores do conjunto Goiânia e do bairro Alvorada ...........................179
11. FIGURA 4 7 Indicação dos percentuais de freqüentadores de escolas,
moradores do conjunto Goiânia e do bairro Alvorada ...........................180
FIGURA 48 Indicação dos percentuais de freqüentadores de templos,
moradores do conjunto Goiânia e do bairro Alvorada ...........................181
FIGURA 49 Indicação dos percentuais de praticantes de atividades de lazer,
moradores do conjunto Goiânia e do bairro Alvorada ...........................183
FIGURA 50 Indicação dos percentuais de consumidores em supermercados,
moradores do conjunto Araguaia e do bairro Araguaia .........................186
FIGURA 51 Indicação dos percentuais de consumidores em padaria,
moradores do conjunto Araguaia e do bairro Araguaia .........................187
FIGURA 52 Indicação dos percentuais de consumidores em sacolão,
moradores do conjunto Araguaia e do bairro Araguaia .........................189
FIGURA 53 Indicação dos percentuais de consumidores em farmácia,
moradores do conjunto Araguaia e do bairro Araguaia .........................190
FIGURA 54 Indicação dos percentuais de estudantes, moradores do conjunto
Araguaia e do bairro Araguaia ...................................................................191
FIGURA 55 Vista da Igreja Cristo Redentor..................................................................193
FIGURA 56 Indicação dos percentuais de fiéis, moradores do conjunto
Araguaia e do bairro Araguaia ...................................................................192
FIGURA 57 Indicação dos percentuais de praticantes de atividades de lazer,
moradores do conjunto Araguaia e do bairro Araguaia .........................194
FIGURA 58 Vista da esquina das ruas Amparo da Serra e Coronel Severiano
no bairro Araguaia .......................................................................................218
12. LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Problemas encontrados nas casas dos conjuntos Goiânia e
Araguaia ..........................................................................................................65
TABELA 2 Discriminação dos problemas encontrados nas casas dos
conjuntos.........................................................................................................65
TABELA 3 Modificações feitas nas casas dos conjuntos ...........................................68
TABELA 4 Modificações que os moradores gostariam de fazer nas casas dos
conjuntos.........................................................................................................80
TABELA 5 Tempo de moradia dos habitantes nos bairros.......................................114
TABELA 6 Escolaridade dos moradores dos bairros.................................................116
TABELA 7 Renda familiar dos moradores dos bairros ..............................................117
TABELA 8 Ocupação dos moradores dos bairros .....................................................118
TABELA 9 Responsável pela renda familiar dos moradores dos bairros ..............118
TABELA 10 Faixa etária dos moradores dos conjuntos ..............................................120
TABELA 11 Escolaridade dos moradores dos conjuntos............................................120
TABELA 12 Renda familiar dos moradores dos conjuntos .........................................121
TABELA 13 Ocupação dos moradores dos conjuntos .................................................122
TABELA 14 Responsável pela renda familiar dos moradores dos conjuntos..........122
TABELA 15 Condições das casas anteriores dos moradores dos conjuntos
(em %) ...........................................................................................................123
TABELA 16 Número de habitantes por moradia nos conjuntos.................................128
TABELA 17 Influências da implantação dos conjuntos segundo os moradores
dos bairros.....................................................................................................133
TABELA 18 Fatores de melhoria da qualidade de vida dos moradores dos
conjuntos.......................................................................................................135
TABELA 19 Fatores positivos dos conjuntos considerados por seus moradores...137
TABELA 20 Fatores negativos dos conjuntos considerados por seus
moradores .....................................................................................................139
TABELA 21 Pontos de referência nos bairros segundo seus moradores ................152
13. TABELA 22 Pontos de referência nos bairros segundo os moradores dos
conjuntos.......................................................................................................155
TABELA 23 Mudanças positivas ocorridas nos bairros segundo seus
moradores .....................................................................................................163
TABELA 24 Mudanças negativas ocorridas nos bairros segundo seus
moradores .....................................................................................................164
TABELA 25 Onde os moradores dos conjuntos se encontram..................................168
TABELA 26 Onde os moradores dos bairros se encontram.......................................171
TABELA 27 Deslocamento dos moradores do conjunto Goiânia e do bairro
Alvorada .........................................................................................................174
TABELA 28 Deslocamento dos moradores do conjunto Araguaia e do bairro
Araguaia ........................................................................................................185
TABELA 29 Relacionamento entre moradores dos conjuntos...................................207
TABELA 30 O que significa morar próximo a um conjunto habitacional ..................214
TABELA 31 Relacionamento entre moradores dos bairros e dos conjuntos...........220
TABELA 32 Relacionamento entre moradores dos conjuntos e dos bairros...........221
TABELA 33 Futuro dos conjuntos segundo seus moradores.....................................226
14. LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 Número de habitantes por moradia no bairro Araguaia ........................115
GRÁFICO 2 Número de habitantes por moradia no bairro Alvorada .........................116
GRÁFICO 3 Representação gráfica da propriedade dos imóveis do conjunto
Goiânia...........................................................................................................126
GRÁFICO 4 Representação gráfica da propriedade dos imóveis do conjunto
Araguaia ........................................................................................................127
GRÁFICO 5 Valores positivos e negativos das mudanças dos bairros indicados
por seus moradores .....................................................................................165
GRÁFICO 6 Perspectiva futura dos bairros segundo seus moradores .....................223
GRÁFICO 7 Perspectiva futura dos bairros segundo moradores dos conjuntos.....224
15. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC Abastecimento a Baixo Custo
BHTrans Empresa de Transporte de Trânsito de Belo Horizonte
BNH Banco Nacional da Habitação
CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais
CIAMs Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna
COHAB Companhia da Habitação
COMAM Comissão Municipal de Meio Ambiente
COPASA Companhia de Saneamento de Minas Gerais
FCP Fundação da Casa Popular
FEBEM Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IAP Instituto de Aposentadoria e Pensões
IAPB Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários
IAPC Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários
IAPE Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Economiários
IAPI Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários
IAPM Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
IAPTEC Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em
Transportes e Cargas
LUOS Lei de Uso e Ocupação do Solo
16. OCB Organização Comunitária de Base
ONG Organização não-Governamental
OPH Orçamento Participativo da Habitação
PAE Plano de Atendimento Emergencial
PMBH Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
PROAP Programa de Habitação Popular
PRODABEL Processamento de Dados do Município de Belo Horizonte
RIMA Relatório de Impacto Ambiental
SERFHAU Serviço Federal da Habitação e do Urbanismo
SFH Sistema Financeiro da Habitação
URBEL Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte
ZEIS Zona Especial de Interesse Social
17. SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................19
2 A ARQUITETURA DA CAS A.............................................................................31
2.1 A arquitetura da URBEL ....................................................................................45
2.1.1 Os projetos dos conjuntos Goiânia e Araguaia................................................. 47
2.1.1.1 O projeto do conjunto Goiânia....................................................................................................................49
2.1.1.2 O projeto do conjunto Araguaia .................................................................................................................54
2.2 A arquitetura do morador .................................................................................61
2.2.1 O projeto do morador............................................................................................ 67
3 A MUNICIPALIZAÇÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL ..............................83
3.1 A política da URBEL...........................................................................................88
3.2 A ação da URBEL................................................................................................91
3.3 Antecedentes históricos da política da municipalização ........................96
3.3.1 O direito à moradia ..............................................................................................105
4 A IDENTIDADE COM O LUGAR .....................................................................112
4.1 A origem dos moradores................................................................................113
4.1.1 Os estabelecidos : moradores dos bairros Alvorada e Araguaia...................113
4.1.2 Os outsiders : moradores dos conjuntos Goiânia e Araguaia........................119
4.1.2.1 O caminho para casa ................................................................................................................................. 123
4.1.2.2 “Eu não tenho onde morar” ...................................................................................................................... 124
4.1.2.3 A chegada à casa nova ............................................................................................................................. 125
4.2 As relações afetivas com o lugar .................................................................129
4.2.1 Identidade dos estabelecidos com suas moradias .........................................131
4.2.2 Identidade dos estabelecidos com os conjuntos............................................132
4.2.3 Identidade dos outsiders com suas moradias .................................................135
4.2.4 Identidade dos outsiders com os conjuntos....................................................137
5 A VIDA COTIDIANA E AS PRÁTICAS ESPACIAIS ....................................145
5.1 O cotidiano nas comunidades.......................................................................148
5.1.1 Os pontos de referência......................................................................................149
5.1.1.1 Os pontos de referência par a os estabelecidos................................................................................ 151
5.1.1.2 Os pontos de referência para os outsiders ......................................................................................... 154
5.1.2 As mudanças ocorridas nos bairros .................................................................162
18. 5.2 As práticas espaciais nos conjuntos e nos bairros ................................166
5.2.1 Os encontros nos conjuntos e nos bairros ......................................................168
5.2.1.1 Os encontros dos moradores nos conjuntos...................................................................................... 168
5.2.1.2 Os encontros dos moradores nos bairros ........................................................................................... 170
5.2.2 Os deslocamentos nos conjuntos e nos bairros .............................................172
5.2.2.1 Os deslocamentos no conjunto Goiânia e no bairro Alvorada..................................................... 173
5.2.2.2 Os deslocamentos no conjunto e no bairro Araguaia..................................................................... 184
6 INTOLERÂNCIA ENTRE ESTABELECIDOS E OUTSIDERS ...................196
6.1 As práticas sociais entre grupos no espaço.............................................202
6.1.1 A intolerância entre os pobres...........................................................................204
6.2 As práticas sociais nos conjuntos...............................................................207
6.3 As práticas sociais conjunto -bairro .............................................................211
6.3.1 “Um estranho no ninho”.....................................................................................212
6.3.1.1 Relacionamento entre os dois grupos: o olhar dos estabelecidos............................................. 219
6.3.1.2 Relacionamento entre os dois grupos: o olhar dos outsiders ...................................................... 221
6.4 Olhares sobre o futuro ....................................................................................222
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................230
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................237
ANEXO A - Questionários ...............................................................................................242
ANEXO B - Maté rias de jornal........................................................................................248
19. 19
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho se propõe examinar a questão da habitação social, no que se refere às
relações que se estabelecem entre o projeto da moradia e os modos de vida dos
seus habitantes, com ênfase no projeto arquitetônico da casa e no macro urbanístico
de infra-estrutura e entorno. O estudo tem por objetivo entender a importância da
casa na vida urbana, observando o significado para aqueles que moram nos
conjuntos habitacionais e que viveram momentos de luta para conquistar sua
moradia. Muito mais do que um espaço feito de tijolo e cimento para abrigar e dar
proteção às agressões da natureza e da sociedade, a casa é o lugar onde se realiza
a vida, onde se produz a identidade, onde a transformação contínua da existência
define e efetiva a ressignificação desses espaços.
Para demonstrar empiricamente o que foi dito, é exemplar o trabalho que a
Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte – URBEL – desenvolveu em Belo
Horizonte. Os conjuntos Goiânia e Araguaia, construídos em 1996, retratam bem
essa situação. Esses conjuntos foram agregados a bairros consolidados – o
Alvorada e o Araguaia, munidos de infra -estrutura, equipamentos urbanos e tendo
seus moradores já estabelecido relações de vizinhança entre si.
FIGURA 1 Localização dos conjuntos habitacionais Goiânia e Araguaia no
município de Belo Horizonte
Fonte: Elaborado por Maria Cristina Villefort Teixeira e Beatriz Marinho Gomes com base em BELO
HORIZONTE, 1996.
20. 20
Nesse sentido, cabe destacar alguns fatos ocorridos no processo de inserção dos
conjuntos Goiânia e Araguaia nos bairros Alvorada e Araguaia. Os moradores
transferidos para os conjuntos já tinham estabelecido entre si relações de vizinhança
durante o período em que, à espera do seu reassentamento, viveram reunidos em
acampamentos organizados pela administração municipal. Com a conclusão das
obras dos conjuntos habitacionais e a conseqüente instalação dessa população nas
novas casas, surgiram divergências entre aqueles mesmos personagens e, em
especial, deles com a comunidade já estabelecida nos bairros.
Destaque-se que um fato particular despertou nossa atenção: desde a construção
dos conjuntos, os antigos residentes dos bairros existentes se manifestaram contra a
sua implantação, alegando que havia grande diferença econômica, social e cultural
entre a comunidade já instalada e a que chegava. É que os moradores que vinham
habitar esses conjuntos eram pobres, oriundos, na maioria, do interior do Estado e,
antes de se mudarem para os conjuntos, viviam em condições precárias, pois suas
antigas residências, localizadas em áreas de risc o, haviam sido parcial ou totalmente
destruídas. Por outro lado, a população original dos referidos bairros se compunha,
em grande parte, de famílias de classe média, com um perfil diferenciado do
primeiro. Além disso, essas famílias habitavam o local há muito tempo e já haviam
estabelecido fortes laços de vizinhança.
Conforme noticiário local, ao serem instalados os novos moradores, essa relação
entre os dois grupos extrapolou os limites dos respectivos sítios, estendendo-se ao
entorno. A coexistência reforçou a diferença entre eles – os moradores dos bairros e
os que vieram habitar os conjuntos, chegando até a agravar os conflitos nas suas
relações cotidianas. Tal manifestação atingiu consideráveis níveis de intolerância,
influenciando o comportamento e as relações sociais entre essas duas
comunidades.
Assim, pode-se perceber que o projeto para a habitação social sob os parâmetros da
política habitacional municipalizada ainda requer cuidados para que os espaços nele
propostos atinjam, na sua integridade, os aspectos físicos e soc iais desejados pelos
moradores.
21. 21
Na tentativa de interpretação desse fenômeno, recorre-se, nesta tese, às duas
categorias de análise propostas por Elias e Scotson (2000, p. 7) – os estabelecidos
e os outsiders – em estudo sobre um povoado inglês, em que os autores registram
ocorrência de formas distintas de apropriação do espaço por parte dos dois grupos
ali residentes. Ressalte -se logo, porém, que naquele estudo os grupos em conflito
não apresentavam heterogeneidade social, econômica ou cultural, o que os
diferencia do caso dos conjuntos e dos bairros – Goiânia/Alvorada e
Araguaia/Araguaia – selecionados para o estudo de caso realizado a seguir. Para a
devida clareza dos argumentos aqui apresentados, é necessário, pois, explicitar que,
no âmbito desta tese: estabelecidos são os moradores dos bairros Alvorada e
Araguaia, aí residentes antes de 1996, quando foram construídos nossos dois
conjuntos; outsiders são os moradores instalados no Goiânia e no Araguaia,
conjuntos incrustados nos citados bairros.
Nesse sentido, os grupos se caracterizam por apresentarem relações
interdependentes entre os seus membros e por estes membros compartilharem de
uma ideologia que absorve um conjunto de valores, crenças e normas que regulam
sua conduta mútua. Mesmo assim, o grupo se divide em determinados contextos,
mas mantém sua identidade em outros (SILVA, 1987). Este conceito poderá se
aplicar ao presente estudo, se considerado o processo de construção dos grupos
dos moradores dos conjuntos e dos bairros.
Com base nesse referencial, analisa-se, no corpo desta tese:
• como os fatos ocorridos nos conjuntos Goiânia e Araguaia constituem um alerta
no sentido de buscar novos parâmetros que conduzam a resultados mais
proveitosos na solução de problemas da habitação popular; analisar-se-á, então,
como os conjuntos habitacionais, pensados, concebidos e construídos para
abrigar uma camada da população que não tem acesso prévio à maioria dos
bens produzidos pela cidade, são vivenciados na realidade por seus usuários;
• como os projetos elaborados pela URBEL vêm associando crescentemente as
relações entre a política, o projeto e o espaço vivido pelos seus moradores.
Como é sabido, a política habitacional pós-1988 está construída sobre uma
estratégia de ação, cujas linhas gerais se identificam com o direito à cidade
22. 22
sustentável e à propriedade urbana. Essa nova política formou-se lentamente,
constituída de um ideário defendido por grupos que preconizavam a reforma urbana,
mais condizente com os direitos humanos incluído aí, o direito à moradia. Em virtude
desses conceitos, as diretrizes da política habitacional adotada até então,
principalmente a do BNH, passaram por reformulações que pudessem humanizar o
processo da produção da habitação social.
Em Belo Horizonte, também, após a municipalização da política habitacional, a
concepção da casa para a população de baixa renda passou a valorizar as questões
de ordem local e a participação popular, permitindo, assim, maior interlocução entre
os agentes, os atores, os produtores e os moradores da habitação, o que possibilita
melhor atendimento das condições da moradia, para aqueles que foram
contemplados pela política.
Antes desse período, as soluções tentadas para solucionar o problema da habitação
social haviam se efetuado com o BNH, distantes dos respectivos pontos de
aplicação, centralizadas, sem considerar as diferenças de natureza física e social do
território brasileiro.
A URBEL, embora constituída sob os novos conceitos da municipalização, na
prática, no seu período inicial, não se diferenciou daquela política nacional, cujos
resultados se configuraram nos conjuntos Goiânia e Araguaia. A partir da análise
desses dois conjuntos, evidenciou-se, ainda, a necessidade de mudança de atitude,
imediatamente adotada, já de acordo com a nova legislação, à qual se agrega a
regularização fundiária.
Entretanto, perduram, nessa fase, os processos de transformação das casas pelos
moradores, fato verificado naqueles projetos anteriores de habitação social no país.
Acreditava -se que esses projetos retratavam a padronização das unidades
habitacionais e atendiam às aspirações físicas e sociais de um morador
indiferenciado, por considerarem o território nacional e sua população como fatores
homogêneos. Dessas alterações, parte -se da hipótese de que os projetos de
arquitetura dessas habitações estão descolados dos modos de vida dos moradores.
Para que o desenvolvimento das soluções dentro das novas normas seja
satisfatório, há necessidade de evitar as causas que levaram a resultados como
23. 23
esse, considerando-se, ainda, que o problema envolve multidisciplinaridade. Devido
a isso, tomamos a iniciativa de elaborar uma tese que demonstre a importância do
projeto físico adequado, sem perder o reconhecimento de paridade dos aspectos
que implicam a solução dos problemas em relação à habitação social.
Esse fato nos remete a Carlos Nelson Ferreira dos Santos, quando afirma que
[...] os resultados reais da atividade do cientista, do planejador, do
administrador, do técnico, do político sobre as cidades começam
quando toda essa gente sai de cena. Quando os seus projetos
deixam de ser mapas, memoriais, orçamentos, leis, decretos ou
planos financeiros e se transformam em uma linguagem física
decodificável no dia -a-dia (SANTOS, 1985, p. 7).
É fato que a maneira como cada grupo se apropria da habitação, do conjunto e do
bairro representa a vivência desses indivíduos no espaço.
A casa sempre representou a relação inicial e instintiva que o ser humano
estabelece com o abrigo e a proteção. E vários são os significados que, através de
símbolos, do imaginário e do modo de vida das pessoas, se referem ao conceito de
habitação.
Para Heidegger, citado por Choay (1992, p. 347), a etimologia de habitar se origina
de construir. Em suas palavras, o homem age e interage com o espaço em que vive:
“a maneira como nós, homens, somos sobre a terra é o buan, a habitação”. Esse
pensador alemão afirma que habitar é fundamento da condição humana, “pois ser
homem quer dizer estar sobre a terra como mortal, quer dizer habitar”. 1
Bachelard (2000, p. 24-26) afirma que a casa é o nosso canto do mundo, o nosso
primeiro universo. Sob o olhar fenomenológico, todo espaço realmente habitado traz
a essência da noção de casa e, além de abrigo e refúgio, a casa passa a idéia de
que nos seus aposentos, impregnados de histórias, existem valores oníricos
consoantes. Por esse motivo, a casa nos permite evocar, na seqüência de nossa
obra, luzes fugidias de devaneio que iluminam a síntese do imemorial com a
lembrança. Assim, a casa protege o sonhador e permite sonhar em paz.
1
HEIDEGGER, M. Vorträge un Aufsaze Pfullingen, 1954.
.
24. 24
As afirmações desses autores traduzem o amplo conceito de moradia, mostrando,
pois, que certamente há uma relação de reciprocidade entre o indivíduo e o seu
meio, expresso através da casa. É inegável que a habitação é o seu lugar físico,
emocional, afetivo e cultural que permite interações mútuas. Portanto, ele a constrói
física e afetivamente através de um processo coerente com a sua cultura e com a
sua história de vida. Ela passa a ter também a função de preparar seus
componentes para a sociabilidade, expressa através das representações sociais na
escala interna da família. É o caso da habitação tratada como fator de
relacionamento estrutural familiar, que Correia (1999, p. 1) considera não só como
espaço sanitário provido de infra-estrutura básica que fortalece o convívio familiar,
mas que, também, amplia a função da moradia como instrumento para alcançar o
convívio urbano. Nesse sentido, a autora define a casa como um santuário, cujo
ambiente é destinado à construção de um verdadeiro lar, com suas hierarquias e
trocas afetivas.
A habitação, todavia, não se resume à edificação. Habitar o espaço é mais que
ocupar um lote e uma edificação como elementos isolados do conjunto da produção.
A habitação é um sistema complexo de condições que pressupõe qualidade de vida
e que engloba, dentre outras coisas, a existência de atividades econômicas, de
sistemas de transportes e de comunicação, de abastecimento, de atividades
culturais (EGLER, 1986, p. 219).
Por outro lado, sob o ponto de vista econômico, a habitação é considerada uma
mercadoria como as outras. Ela é definida, na abordagem capitalista, como o
suporte de valorização do capital e deve ser administrada pelo proprietário como um
bem capital (EGLER, 1986, p. 188). E, como tal, deve responder por um processo de
realização de lucros e rendas. Dos altos custos de produção dessa particular
mercadoria resultam formas desiguais de sua apropriação.
A casa própria tem se caracterizado como uma das maiores aspirações da
população brasileira, significando a principal evidência de sucesso e da conquista de
uma posição social mais elevada, conforme afirmou Bolaffi (1982, p. 43). Além do
mais, outros fatores justificam esse tipo de preferência, pois a aquisição da casa
própria não só melhora as possibilidades de aces so ao crediário, como libera o
orçamento familiar da obrigação mensal inexorável do aluguel. Esse mesmo ponto
25. 25
de vista é considerado por Maricato (1999, p. 50), que afirma que a casa própria
chega a se constituir elemento destacado de discriminação social, pelo fato de ainda
ser muito forte na sociedade brasileira a divisão entre proprietários e não-
proprietários.
Azevedo e Andrade (1982, p. 43) corroboram essa idéia e acrescentam que a
propriedade poderia se tornar fator de estabilidade política, pois, através da casa
própria, o trabalhador alcançaria não só ascensão social, como também civilidade, o
que geraria, no indivíduo, um senso de responsabilidade, levando-o a fazer todos os
sacrifícios e empenhar o máximo de seus esforços para mantê-lo.
Já outros autores, como Villaça (1986, p. 53) e Peluso (1999, p. 117), apresentam
opiniões diferenciadas: o primeiro afirma que a casa própria é ideologia da classe
dominante, pois oferece segurança econômica e social, face às incertezas do futuro,
e a segunda aponta que a propriedade de uma casa é um elemento importante para
territorializar o distanciamento desejado pelo sujeito que ascende em direção às
classes superiores.
De fato, os aspectos sociais da propriedade espelham um status diferenciado,
indicando a realização do indivíduo que conseguiu se livrar do famigerado aluguel.
Ao mesmo tempo, suas relações com o espaço valorizam aspectos subjetivos que
retratam a adequação da casa ao seu modo de vida. É inegável que, sob esse ponto
de vista, podem ser observadas a atração e a glamourização que o estilo de vida
burguês exerce para aqueles que almejam o seu próprio lar, apresentado
incessantemente pelos meios de comunicação.
Considerando os processos de financiamento e o alto custo da moradia, o subsídio
do Estado é indispensável para que se atenda ao déficit habitacional no país, que
atualmente gira em torno de 6,6 milhões de moradias, enquanto que, apenas no
município de Belo Horizonte, é da ordem de 60 mil unidades. A casa própria ainda
não é acessível para grande parte da população, embora, perante a Constituição da
República, todo cidadão tenha direito à moradia. A expectativa de sua
materialização, contudo, pode apresentar melhores perspectivas após o processo de
reforma urbana desencadeado pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1989), visto que
movimentos multissetorais, de abrangência nacional, têm pressionado para
26. 26
conseguir a efetivação dessa reforma, na qual a moradia constitui um importante
elemento para que se cumpra a função social da cidade.
Embora as políticas públicas urbanas tenham, ao longo do tempo, evoluído quanto
ao enfoque social, proporcionando maior inclusão dos moradores de baixa renda,
elas estão longe de atender às demandas tanto quantitativas como qualitativas.
Como dito anteriormente, a moradia digna ainda é privilégio de poucos cidadãos,
embora a Constituição Federal (BRASIL, 1989) reze no artigo 6º que ela constitui um
direito social e de o Estatuto da Cidade2, aprovado em julho de 2001, reiterar no seu
artigo 2º
[...] a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra -
estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e
ao lazer, para as presentes e as futuras gerações (BRASIL, 2001).
A aprovação da referida Lei ainda é recente e não foi seguida de uma série de
medidas indispensáveis que efetivassem esse propósito.
Na metodologia a ser aplicada serão analisados, comparativamente, o projeto físico
e o espaço vivido, que passam a constituir os fios condutores da argumentação a
seguir apresentada.
O projeto reflete as diretrizes da política adotada pela URBEL. Serão selecionados
os projetos de arquitetura e urbanismo dos conjuntos e avaliados até que ponto
aquelas diretrizes ali foram efetivadas.
O espaço vivido é avaliado através da apropriação pelos moradores nesses
espaços, observando-se a identidade que eles mantêm, respectivamente, com a
casa, com o conjunto e com o bairro na vida cotidiana. O conceito de lugar é
imprescindível para o entendimento das relações dos indivíduos com o meio que
eles ocupam, pois ele passa a adquirir valores calcados nas experiências vividas,
2
A Lei Federal 10257/2001, denominada Estatuto da Cidade, regulamenta os artigos 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988 e estabelece normas gerais da política urbana e “de ordem pública e interesse
social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem- estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. As suas 16 diretrizes gerais que estabelecem os instrumentos
da política urbana, o Plano Diretor e a gestão democrática da cidade reforçam a importância da participação
popular nos projetos de desenvolvimento urbano e nas audiências públicas nos níveis nacional, estadual e
principalmente municipal, para que sejam garantidos o controle das atividades e o pleno exercício da
cidadania (BRASIL, 2001).
27. 27
identificadas tanto no espaço fechado, que estabelece relação de privacidade e
intimidade, como naquele onde se realizam as atividades coletivas que necessitam
de convívio entre indivíduos e grupos.
Através da apropriação do espaço identifica-se o lugar como território palpável, que
passa a ser o centro da vivência dos habitantes e, ao mesmo tempo, da observação
do pesquisador. No momento em que os novos moradores ocupam os conjuntos
habitacionais, eles se apropriam do espaço naturalmente, de acordo com os seus
hábitos, os seus modos de vida e a sua cultura. A apropriação do novo espaço se dá
tanto física como socialmente, à medida que se revela a identificação desse morador
com o lugar.
Do ponto de vista físico, essa apropriação se revela, inicialmente, em pequenas
intervenções de caráter individual na casa ou no lote, de modo que se expresse a
identidade do habitante com a sua moradia. Nesse sentido, as alterações sofridas
por essas residências oferecidas pelo Estado ocorrem após a sua ocupação pelos
habitantes, demonstrando a arquitetura do morador, cujos projetos buscam atender
especificamente às suas necessidades. Aí se manifesta a vivência, que retrata, nas
práticas espaciais desenvolvidas na vida cotidiana desses moradores, as relações
afetivas que se estabelecem com o local, indicando os valores culturais e as
necessidades específicas de cada indivíduo. Cabe observar que esses projetos
ainda são passíveis de alterações para que atendam de forma adequada às
necessidades dos usuários desses locais.
Como os citados conjuntos foram implantados em setores da cidade que já eram
ocupados por população de perfil econômico e social diferenciado daqueles que
chegavam, faz -se necessário observar, além das manifestações individuais com o
espaço, como se processaram as relações dos diferentes grupos no cotidiano. Para
isso, são avaliados os hábitos de cada família com a casa, com o conjunto e com o
bairro, ressaltando-se os valores atribuídos pelos habitantes a cada um deles na
hierarquia espacial.
A pesquisa indica que a idéia de pertencimento do indivíduo ao grupo se manifesta
quando os hábitos resultantes da ação dos segmentos começam a mostrar uma
resposta similar e aproximada, referente a cada um deles. Assim, as relações dos
28. 28
indivíduos com o espaço poderão indicar o que elas significam para a população dos
lugares nos quais acontecem os seus deslocamentos do dia-a-dia, tais como
supermercado, padaria, sacolão, escola, prática religiosa e lazer.
As relações sociais entre dois grupos de diferentes classes sociais assumem papel
importante quando eles passam a estabelecer relações de vizinhança. A apreciação
da convivência entre os moradores dos conjuntos e os dos bairros demonstra, nas
trocas no cotidiano, o entendimento do contato intra e extra-conjunto. Na maioria das
vezes, essa convivência gera conflitos em virtude das diferenças sociais,
econômicas e culturais entre eles. Além disso, para o entendimento dessas relações
de convivência entre os moradores dos conjuntos e os dos bairros adjacentes,
definiu-se uma mesma orientação metodológica para abordar os dois grupos,
procurando-se, então, entender o perfil socioeconômico, a origem desses habitantes
e sua inserção no mercado de trabalho, o modo como se dá a construção do espaço
físico de suas moradias e como se desenvolvem as suas práticas cotidianas.
Os procedimentos metodológicos a serem adotados deverão avançar no sentido de
reconhecer os dois eixos analíticos expressos no processo pelo qual se realiza, por
um lado, o projeto, e por outro, o espaço vivido.
Os documentos levantados informam sobre as políticas habitacionais implantadas
pela URBEL e sobre os princípios que direcionam os programas regidos pelo órgão
para a elaboração do projeto arquitetônico dos conjuntos. Ao mesmo tempo, a
análise dos termos de referência e dos memoriais dos projetos indica o processo da
construção dos conjuntos estudados. As entrevistas com técnicos da URBEL e com
os arquitetos autores dos projetos iluminam as intenções subjacentes às propostas
apresentadas para os assentamentos em questão.
O levantamento bibliográfico específico, juntamente com a análise dos dados
colhidos no processo de assentamento das famílias, contribui para a identificação
dos problemas conseqüentes da implantação de conjuntos dessa natureza. Essa
identificação se constitui em subsídios para futuras correções dos problemas
indicados.
As pesquisas no local não identificaram lideranças atuantes que respondessem
pelas comunidades. Por isso, fizeram-se necessárias entrevistas com proprietários
29. 29
dos estabelecimentos comerciais mais próximos, a fim de detectar como se
verificavam, através de olhares distintos, as relações entre os dois grupos de
moradores.
A investigação se fundamentou, no universo entrevistado, em pesquisa qualitativa,
através de questionários abertos, envolvendo moradores dos conjuntos Goiânia e
Araguaia e dos bairros Alvorada e Araguaia. A pesquisa foi estruturada de modo a
levantar a opinião de um representante de cada família dos dois conjuntos e uma
amostra da população dos bairros. Esses entrevistados foram selecionados entre os
habitantes com idade acima de 15 anos. No Conjunto Goiânia, foram entrevistados
39 representantes das 42 famílias ali assentadas, compreendendo 221 pessoas, ao
passo que, no conjunto Araguaia, 29 representantes das 35 unidades existentes
responderam os questionários, num universo de 176 pessoas. Foram pesquisados
também 15 representantes do bairro Alvorada envolvendo um universo de 66
pessoas e 14 representantes dos habitantes do bairro Araguaia, num total de 53
moradores. Ainda que no caso desta última se trate de uma amostra pouco
expressiva, ela é ilustrativa da percepção do grupo, visto que se registra número
significativo de repetições nas respostas. Houve a intenção inicial da pesquisa,
realizada em março de 2003, de cobrir a opinião de todo o universo de moradores
fixados pelo projeto nesses conjuntos, mas manifestações de desconfiança
constituíram o principal motivo para recusas às respostas dos questionários. Dentre
as famílias que não responderam aos questionários, incluíram -se ausentes ou os
que recusaram respondê-los.
O primeiro capítulo da tese discute a influência da Arquitetura Moderna no proc esso
da criação do espaço; considera a responsabilidade dos arquitetos na concepção do
projeto e mostra como o morador, ao se apropriar da sua moradia, elabora o projeto
dos arquitetos, produzindo a sua própria arquitetura, que reflete o seu modo de vida,
as suas necessidades e as suas aspirações.
No segundo capítulo, aborda-se a ação da URBEL na busca de soluções para os
problemas habitacionais de Belo Horizonte, demonstrando-se como tal ação evoluiu
através do tempo.
30. 30
No capítulo 3, diz-se das relações afetivas que os moradores estabelecidos e os
outsiders mantêm com o lugar, retratando ali a sua identidade. Apresenta-se, ainda,
o perfil socioeconômico desses moradores, retratando a sua origem e os caminhos
percorridos pela população dos conjuntos até chegar aos assentamentos.
Já o capítulo 4 apresenta as práticas espaciais no cotidiano das duas comunidades,
onde se identificam os pontos de referência da região e quais as relações
estabelecidas através dos encontros e dos deslocamentos das pessoas, nos
conjuntos e nos bairros vizinhos.
No capítulo 5, destaca-se não só a intolerância manifestada nas práticas sociais
entre os membros dos conjuntos e dos bairros, mas também a avaliação desses
moradores sobre o seu relacionamento, explicitando as diferenças que ocorrem no
cotidiano. São também consideradas as perspectivas do futuro do local sob o ponto
de vista das duas comunidades.
Finalmente, as considerações finais tecem uma análise crítica sobre a política, o
projeto e o espaço vivido na habitação social.
31. 31
2 A ARQUITETURA DA CASA
Os projetos empreendidos pela URBEL determinaram um padrão arquitetônico de
residência que priorizava o atendimento à população de baixa renda, dentro de
limites de uma viabilidade financeira. Essas residências, ao serem apropriadas pelos
usuários, passaram por alterações e acréscimos, que configuraram a arquitetura
produzida pelo morador. O presente capítulo busca verificar as causas dessas
modificações, especialmente aquelas decorrentes da deficiência do atendimento do
projeto às necessidades dos usuários. Para isso, a pesquisa de projetos elaborados
pela URBEL apresenta exemplos característicos, considerando as contribuições de
projetos arquitetônicos na história da produção da habitação social no país.
A política habitacional vigente em período anterior à aprovação da Constituição de
1988 era de âmbito nacional e desconsiderava as diferenças geográficas. Os
projetos dos conjuntos habitacionais também retratavam essa dissonância,
principalmente quanto aos partidos arquitetônicos. Essa arq uitetura do Estado,
retratada nas moradias, adotava tipologias padronizadas destinadas a composições
familiares distintas e, além disso, a disposição e o dimensionamento dos cômodos
apresentavam deficiências quanto a padrões de habitabilidade. Além do mais , esse
olhar pragmático se submetia às imposições de custos e se justificava como artifício
necessário à redução do déficit habitacional, atribuindo-lhe condição meramente
quantitativa.
No momento em que essas casas passavam a ser habitadas, seus moradores
executavam modificações diversas, expressando ali a sua identificação com o lugar,
atendendo, também, às suas necessidades.
Após a municipalização das políticas habitacionais, no entanto, o espaço construído
para a habitação social passou a ser tratado à base de uma nova proposta
específica, que permitia os adequados dimensionamentos do problema por parte
dos respectivos agentes locais envolvidos no processo da produção da moradia. A
partir dos anos 90, quando a política passou a direcionar mais efetivamente ações
nos âmbitos municipais, os novos conjuntos habitacionais passaram a apresentar
configuração diferenciada daquela adotada até então. Os projetos, além de tentarem
32. 32
atender mais objetivamente às comunidades locais, passaram a considerar algumas
transformações espaciais, buscando priorizar as áreas disponíveis menos distantes
do centro das cidades ou aquelas mais próximas de setores de trabalho. Em
obediência a uma tendência atual de evitar a periferização de moradores de baixa
renda, tal ação beneficiaria essa camada da população.
A URBEL, nesse sentido, tem sido inovadora, na medida em que adota uma política
que vem atendendo a parte razoável da população necessitada, com projetos
inseridos na malha urbana. Com a municipalização e a nova legislação urbanística,
tornou-se indispensável o atendimento prévio a essas comunidades, em que se
evidenciaram participações mais ativas da população envolvida. Manifesta-se,
assim, a arquitetura do morador, que representa na sua casa o seu modo de vida,
que busca dotá-la de meios e qualidade que atendam às suas demandas
específicas, de acordo com a composição familiar e os seus desejos. Essas
dissonâncias implicam em complementações que tendam a atenuá-las; por isso, a
URBEL vem retomando a aproximação com as comunidades envolvidas nos
programas. Para atender aos objetivos do trabalho, cabe avaliar os projetos
elaborados por esse órgão, especialmente dos conjuntos Goiânia e Araguaia, cujas
fases sucessivas incluem aspectos dos projetos desse órgão, e identificar a
arquitetura do morador, a partir do momento em que ele passa a vivenciá-la. Para
maior esclarecimento da idéia, foi necessário explicitar aspectos do problema da
moradia, o que implicou em uma divisão do assunto em quatro pontos fundamentais,
quais sejam: a arquitetura da URBEL, os projetos elaborados por ela, a arquitetura
do morador e os projetos do morador.
O projeto de arquitetura considera as relações espaciais funcionais através de
aproximações sucessivas, representando a ordenação racional de setores e objetos,
configurando um universo harmonicamente integrado. Em síntese, pode-se
considerar esse conceito de projeto inserido no território urbano.
Milton Santos (1997a, p. 111) afirma que os espaços urbanos são formados por dois
componentes que interagem continuamente, que são a configuração territorial e a
dinâmica social. A configuração territorial se dá pelo arranjo sobre o território dos
elementos naturais e artificiais de uso social, ao passo que a dinâmica social diz
respeito ao conjunto de variáveis econômicas, culturais e políticas, que a cada
33. 33
momento histórico dão uma significação e um valor específicos ao meio técnico
criado pelo homem, isto é, à configuração territorial. Nesse sentido, eles são
concebidos como a integração entre fixos e fluxos e tornam -se fundamentais para a
compreensão das articulações entre as suas diversas frações. Esse importante
geógrafo traduz de forma clara esses conceitos, quando anuncia a integração entre
os fixos e os fluxos nas articulações do macro. No caso do projeto arquitetônico,
motivo da presente tese, podemos aplicar as mesmas relações, visto que a
edificação se contextualiza na escala urbana.
A organização física da moradia se dá através da intervenção de arquitetos,
planejadores e executores, de modo que se efetive a integração entre os espaços
fixos e os fluxos na rede urbana, em obediência a normas das políticas urbana e
habitacional. Para tanto, condicionantes tais como custo, preceitos legais, materiais
a serem empregados na construção e técnicas construtivas são sintetizados na
proposta final.
O projeto, no âmbito deste trabalho, é entendido como aquele que apreende as
condições estabelecidas por normas técnicas e construtivas e que proporciona no
espaço a ser vivido salubridade, conforto e bem-estar para o usuário. Além disso, ele
deverá atender aos costumes e às características culturais aproximadas dos
indivíduos que venham ocupá-lo.
O projeto para a moradia se constitui na solução que melhor atende às condições
programáticas indicadas pelo morador, o proprietário, no que diz respeito às suas
necessidades e às da sua família. No projeto, cabe ao arquiteto interpretar esses
valores e desejos dos indivíduos que ali vão viver. Nesse sentido, Silva (1983, p . 37)
considera o projeto arquitetônico uma proposta de solução para um particular
problema de organização do entorno humano, em que se determina a forma
construtível, através da descrição dessa forma e das prescrições para a sua
execução, sem perder de vista as limitações de ordem econômico-financeira.
A partic ipação do arquiteto com o seu projeto tem papel fundamental no apoio ao
empreendimento, visto que ele deve coordenar a articulação entre o usuário e o
programa por ele estabelecido, buscando técnicas e propostas construtivas que
melhor se adaptem às condiç ões físicas do terreno. Nesse sentido, cabe lembrar
34. 34
Gropius (1977, p. 93), um dos fundadores da Bauhaus, que acredita que a
característica fundamental inerente a esse profissional é a de coordenador, que
deveria ser “um homem de visão e competência profissional, com a tarefa de
solucionar harmonicamente os vários problemas sociais, técnicos, econômicos e
artísticos que surgem em conexão com a construção”. Além disso, esse profissional
deve respeitar as características culturais e os valores das pessoas que viverão nos
lugares a serem construídos, o que, certamente, vai garantir não só qualidade nesse
espaço, como também maior adaptação do local ao modo de vida do novo habitante.
Mais ainda: no ato de projetar, o arquiteto deve ficar atento às transformações
intensas por que vem passando a sociedade, para que novos conceitos possam ser
assimilados nos futuros espaços a serem projetados. A qualidade desse novo
espaço depende da atenção dada pelo técnico à maioria dos itens estabelecidos,
tanto nas condições programáticas como nos condicionantes e determinantes do
projeto.
Já Graeff (1979, p. 81), estudioso da teoria da Arquitetura, avalia com o olhar parcial
que favorece esses técnicos, que o projeto se constitui na construção imaginária,
que é uma estrutura que só tem existência na mente do arquiteto, que são pessoas
capazes de elaborar com proveito os desenhos, cálculos e outras peças que o
representam. Nesse sentido, na maioria das vezes, as abstrações que o projeto
apresenta só serão percebidas pelos indivíduos ao serem materializadas, pois é aí
que as pessoas têm oportunidade de conferir se houve atendimento às suas
aspirações. Bem lembra Egler (2000, p. 209) que projetar e construir um espaço
físico é prever um conjunto de ações plasmadas em processos espaciais. Essa
pesquisadora afirma, ainda, que “prever e projetar o espaço do encontro é perceber
para além das funções imediatas do objeto, de natureza sociopolítica ou
econômica”.
Apesar disso, esses profissionais não estão isentos de críticas, como aquela
apresentada por Léfèbvre (1969, p. 102), que afirma que esses técnicos elaboram
seus projetos “não através das significações percebidas e vividas por aqueles que
habitam, mas a partir do fato de habitar, por eles (arquitetos) interpretado”. Daí
ocorre o proc esso de modificações, quer seja um projeto de natureza individual, quer
seja em soluções projetuais coletivas.
35. 35
Ainda assim, um autor como Habermas (1987, p. 122) analisa criticamente a
responsabilidade dos profissionais envolvidos com o projeto, dizendo que “o
conceito ampliado de arquitetura encorajou a superação do pluralismo estilístico
desligado da realidade cotidiana”, mas indicando que esse mesmo conceito, que
serve de crítica à arquitetura moderna, “serviu também de padrinho quando os
teóricos da Nova Construção quiseram ver estilos e formas de vida subordinados na
totalidade aos ditames de sua tarefa de criadores”. E o autor acrescenta,
apresentando as limitações dos técnicos: “mas as totalidades desta ordem escapam
à intervenção do planejador”. Tais afirmações reforçam a opinião generalizada de
que a moradia traduz a ditatorial predominância da vontade do autor sobre a do
cliente.
Outros profissionais contestam ainda o excesso de racionalidade na produção
arquitetônica, no que se refere à habitação e às demais soluções, pela alegada falta
do sentido social por parte desses profissionais. É o caso do arquiteto brasileiro
Vilanova Artigas (1999, p. 84), que registra que essa intensa procura não tem fim,
pois o desenho da casa deveria ser o ponto de partida para os outros desenhos,
visto que eles retratam a predominância citada.
Harvey (1998, p. 42-45), por sua vez, critica a crença nesse modernismo através do
progresso linear, das verdades absolutas e do planejamento racional de ordens
sociais ideais, im postas por planejadores, arquitetos, artistas e guardiães do gosto
refinado. Essa característica da arquitetura ditatorial, considerada positivista,
tecnocêntrica e racionalista, chegou até a ser admitida como imperialismo cultural. O
retrato da Arquitetura Moderna, que tinha, entre outras prioridades, revitalizar
cidades envelhecidas ou arrasadas pela guerra, desenvolvia, dentro desses moldes,
projetos que refletiam imagens impecáveis de poder e de prestígio para corporações
e governos que pretendiam difundir suas ações, mas que, ao mesmo tempo,
necessitava de produção de larga escala para que fosse viabilizada. Dentro desses
parâmetros, os projetos para a habitação popular tornaram-se símbolos de alienação
e de desumanização.
Também Niemeyer (1955), já nos anos 50, criticava a nossa arquitetura moderna e
revelava que ela tem certamente, na falta de conteúdo humano, a principal razão
das suas deficiências, refletindo o regime das contradições sociais em que vivemos
36. 36
e no qual ela se desenvolveu. Assim, lembra o famoso arquiteto que, se essa
arquitetura tivesse surgido em país socialmente organizado e evoluído, onde
pudesse atingir seu verdadeiro objetivo, que era servir à coletividade, o sentido
humano e a unidade arquitetônica poderiam encontrar caminhos que contemplariam
a cultura da sociedade.
Por outro lado, Artigas (1999, p . 84), já em 1969, insiste na necessidade de que
outros elementos participassem da construção da casa para uma nova sociedade,
que despontava como conseqüência inevitável do conhecimento cada vez mais
profundo que se tem do mundo e das relações entre os homens. Não deixa de ser
também importante a afirmação de Harvey (1998, p. 45), de que “era hora de
construir para as pessoas, e não para o Homem”. Infelizmente, esse olhar não foi
respeitado nos projetos implantados, naquela época, para a habitação social.
Entretanto, nos mais recentes exemplos do espaço projetado, ainda temos
percebido fortes influências negativas dessa racionalidade nas soluções
arquitetônicas. As mudanças significativas que ocorreram na sociedade,
especialmente aquelas relativas aos direitos humanos, têm se refletido na
construção do espaço e das imagens que compõem a paisagem urbana. Observe-se
que tais mudanças ainda não foram completamente incorporadas pelos arquitetos
em geral, embora um dos objetivos da arquitetura seja retratar, no espaço e no
tempo, os movimentos da sociedade. E pode estar ocorrendo uma deficiência na
transmissão do conhecimento e no debate dessas posições, seja nas Escolas, seja
nas entidades representativas.
Se tais projetos, por serem especificamente individuais, traduzem deficiências dessa
natureza, pode-se imaginar o que ocorre com projetos coletivos. A relação do futuro
morador com o projeto é mais intensa, quando se trata de atendimento mediante
soluções individuais. A sua participação no processo da construção da moradia
consegue introduzir os propósitos visados, pois retrata seus anseios imediatos, suas
necessidades e seu modo de vida, o que permite resultados mais adequados para a
especificidade do projeto da sua residência.
No entanto, essas soluções não vêm se concretizando quando se trata de
habitações de massa oferecidas pelo Estado, pois as limitações de ordem política e
37. 37
econômica passam a determinar prioridades para a execução do proje to, desde o
custo até a gestão local. Além do mais, os resultados decorrentes dessa mesma
política ainda mantêm a padronização nas tipologias das habitações,
desconsiderando as especificidades das famílias envolvidas nos programas.
Conclui-se que há necess idade de soluções mais articuladas a essas características,
visto que as experiências anteriores pouco contribuíram para que houvesse
evolução no encaminhamento dos novos empreendimentos, mesmo que isso tivesse
acontecido ao longo do tempo. Ainda assim, fo ram ocorrendo novas formas de
concepção de projetos para a habitação social, principalmente para aquelas que
vêm contando com a participação popular. Nesse sentido, os programas de
autogestão são um bom exemplo.
Durante o processo de criação e produção de habitações de interesse social, a ação
do arquiteto nem sempre ocorre como se dá no projeto individual e particularizado. A
sua participação nesse tipo de empreendimento implicaria em maior envolvimento e
contribuição nas soluções arquitetônicas, para se tentar, antes de tudo, atender à
multiplicidade de aspirações.
Quanto à padronização das tipologias das soluções coletivas, buscou-se atender às
condições mínimas de habitabilidade, dentro da racionalização construtiva e da
eliminação do desperdício, que resultaram na redução do custo final da obra.
Conforme lembra Gropius (1977, p. 200), não fugindo dos encaminhamentos da
Arquitetura Moderna, as edificações habitacionais passíveis de estar ao alcance do
homem comum devem ser erigidas com o mínimo gasto em material e tempo.
Devem, também, corresponder às exigências materiais e psicológicas da vida e
precisam ser decentes. Só que a racionalização dos trabalhos da construção deveria
reunir os esforços de todos os diferentes setores para um plano conjunto e
homogêneo e que pesquisas experimentais de melhoria e aperfeiçoamento se
realizariam de maneira eficaz se todos os meios práticos e científicos se
harmonizassem para o conjunto da construção. Apesar de esforços que pudessem
atender conceitualmente a esses obje tivos, esse autor conclui que os atrasos no
progresso da construção moderna decorreram, na maioria dos casos, de uma
coordenação defeituosa. Na verdade, a gestão desses artifícios, uma tendência a
ser coordenada pelo arquiteto, deveria ser trabalhada em ações conjuntas com
profissionais de diversas áreas, pois o projeto arquitetônico se limita a tratar somente
38. 38
da ordenação física do espaço. Assim, a racionalização nem sempre permite obter a
adequação das propostas dos espaços a serem concebidos e utilizados para a
moradia social, tendo em vista a diversidade da população envolvida no processo da
sua produção. Reforçam-se, dessa maneira, as afirmações de que os projetos de
habitação social devem contar com a participação da sociedade desde a sua fase
inicial.
Além disso, por mais que se conheçam os aspectos sociais que são abrangidos em
um projeto dessa natureza, a produção da moradia ainda é comprometida pelos
interesses políticos e econômicos adotados por agentes promotores da política
habitacional.
Os primeiros programas destinados à habitação social já manifestavam sinais da
Arquitetura Moderna nos projetos, marcadamente influenciados pelos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna – CIAMs. O 2º CIAM, realizado em Frankfurt,
em 1929, por exemplo, teve como tema principal a habitação para os setores de
renda mínima, que ditava o moderno conceito de viver, em que se buscavam novos
meios de produzir o espaço destinado às populações carentes. Esse Congresso
tornou-se especialmente importante por direcionar a internacionalização
sociocultural das questões emergentes sobre a habitação, ao estabelecer a crença
na possibilidade de transformação social, da qual pudesse surgir uma sociedade
mais justa, mais fraterna e mais igualitária. Esse, inclusive, foi um dos preceitos
básicos da Arquitetura Moderna, que tinha como uma das intenções a fundação de
um Instituto para a padronização da Construção, cujo plano-chave deveria abranger
tudo o que pudesse contribuir para elevar o nível social, baixar os preços das
moradias e assegurar uma correspondência entre a habitação e o flutuante mercado
de trabalho (GROPIUS, 1977, p. 202).
É claro que, nos anos 1920, época em que surgiu esse movimento, o novo espírito
levaria a uma grande revolução, tanto no conceito, que traduzia um momento de
ruptura com a sociedade anterior, como na prática, em que a produção industrial
substituiria o trabalho artesanal. Note-se, conforme anunciava Le Corbusier (2002),
que a arquitetura tem como primeiro dever, em uma época de renovação, operar a
revisão dos valores e recompor os elementos constitutivos da casa.
39. 39
Ressalte-se que os projetos baseados nos princípios da Arquitetura Moderna
produziram constantes transformações no meio urbano: esses espaços projetados
por arquitetos e urbanistas parecem refletir um planejamento estruturado e ao
mesmo tempo igualitário, cujos aspectos de ordem estética e técnica estão
presentes não só nos edifícios, mas, também, nos traçados de bairros, vilas e
cidades. Buscava -se traduzir objetivos essenciais em que os princípios levassem em
conta as necessidades do homem padrão, consideradas universais, e agrupadas em
quatro funções primordiais, segundo a Carta de Atenas de Le Corbusier (1964):
“habitar, trabalhar, locomover-se e cultivar o corpo e o espírito”, em que a habitação
oferecia espaço e conforto, refletindo, assim, o ideário da modernidade. As
características tecnológicas desse fenômeno se refletiram também nos edifícios
através da solução proposta nas plantas, da padronização dos elementos
construtivos, do emprego racional dos materiais e da eliminação de decoração
supérflua.
Esses conceitos passam a ser avaliados por profissionais como Le Corbusier (1964,
p. 105-106), que considera a casa em condições de habitabilidade mais favoráveis,
ao mesmo tempo em que prevê a inserção da edificação no meio urbano e social:
o núcleo inicial do urbanismo é uma célula de habitação (uma casa)
e sua inserção no grupo que forma uma unidade de habitação de
tamanho eficaz. Se a célula é o elemento biológico primordial, o lar,
isto é, refúgio de uma família, constitui a célula social. A construção
deste lar, submetida desde um século aos órgãos vitais da
especulação, deve converter-se numa empresa humana. O lar é o
núcleo inicial do urbanismo. Protege o crescimento do homem,
abriga as alegrias e as dores de sua vida cotidiana. Deve conhecer
em seu interior o sol e o ar puro e deve, também, ser prolongado
para o exterior por diversas instalações comunicativas. Para que se
torne mais fácil dotar as casas de serviços comuns, destinados à
realização cômoda do abastecimento, da educação, da assistência
médica ou à utilização das horas livres, será necessário agrupá-las
em unidades de habitação de tamanho eficaz.
A introdução de aspectos sociais na solução do problema constitui fator favorável e
inovador de conceitos, ao considerar a casa transformada em lar. Mas as aspirações
da sociedade também se ampliaram, paralelamente ao desenvolvimento tecnológico,
o que obrigava os projetos a sucessivas evoluções.
Essas diretrizes, que levavam a uma nova visão integrada do espaço urbano, foram
também o fio condutor do 1º Congresso de Habitação, acontecido em São Paulo, em
40. 40
1931, que propunha disposições regulamentares para efetivar o barateamento da
construção da popular, dentre elas, a padronização e racionalização dos materiais,
de modo a facilitar a produção em série. A produção arquitetônica, então, do ponto
de vista moderno, deveria compatibilizar economia, prática, técnica e estética com o
objetivo de viabilizar financeiramente o atendimento de trabalhadores de baixa renda
e, ao mesmo tempo, garantir dignidade e qualidade na intervenção arquitetônica
(BONDUKI, 1998, p. 134).
Como conseqüência desse movimento mundial, começado nos CIAMs, aconteceu
em São Paulo o Congresso Brasileiro de Arquitetura, em 1945, com proposta de um
programa inovador de intervenção pública na habitação popular, na tentativa de
estimular uma política nacional descentralizada. Conforme afirma Sachs (1999,
p. 111), esse Congresso se manifestou a favor da construção de casas de aluguel
para a população de baixa renda em terrenos desapropriados em bairros já
ocupados, para que fosse evitada a periferização das habitações populares. Outro
aspecto importante indicava a construção de prédios de apartamentos ao invés de
casas isoladas, o que permitiria a redução dos custos e o desenvolvimento da
indústria de materiais. De fato, esse Congresso apresentou idéias inovadoras,
representando excelentes contribuições que estavam bem à frente dos conceitos
predominantes na época, a ponto de só se materializarem nos tempos atuais, com a
municipalização das políticas habitacionais. Entretanto, as proposições desse
Congresso não deixaram de produzir resultados úteis nos períodos posteriores.
Assim, os projetos arquitetônicos elaborados para a moradia popular nas principais
fases da política habitacional brasileira, através dos Institutos de Aposentadoria e
Pensões – IAPs, da Fundação da Casa Popular – FCP – e do Banco Nacional de
Habitação – BNH, podem auxiliar na compreensão do processo da arquitetura do
Poder Público para esse fim.
No Brasil, alguns princípios ditados pela Arquitetura Moderna prevaleceram nas
tipologias adotadas na implantação dos conjuntos dos IAPs, que tiveram sua ação
mais evidente nos anos 1930 e 1940: solução racional da planta, estandardização
dos elementos de construção, emprego racional dos materiais, eliminação de toda
decoração supérflua. A adoção de algumas dessas diretrizes, que consideravam
como primordial o fator econômico, resultou em assentamentos de conjuntos
41. 41
habitacionais isolados do traçado urbano existente, sem previsão de equipamentos
que permitissem encontros da população nos momentos de lazer e pudessem
atender às necessidades imediatas da população. No que diz respeito ao sistema
construtivo utilizado nas edificações em si adotava -se a construção de blocos
multifamiliares, que visavam a minimizar o custo, limitando-se a altura a três
pavimentos, dispensando-se o uso de elevadores.
Os conjuntos implantados no início desse período adotavam a casa unifamiliar no
centro do lote, com ornamentação tradicional e complexidade construtiva imprópria à
produção em série. Ao mesmo tempo, eram seguidos padrões residenciais que
refletiam a influência dos higienistas contra “a promiscuidade do cortiço e a
aglomeração apenas tolerada da casa geminada da vila” (BONDUKI, 1998, p. 163).
A maioria dos projetos arquitetônicos inovadores dessa fase surgiu a partir da
década de 1940 e fazia parte do projeto político-ideológico no qual as novas
concepções formais e espaciais se adequavam à estratégia mais ampla do nacional
desenvolvimentismo.
Assim, as diretrizes para a habitação nesse período passaram a ter um novo olhar,
conforme avalia Sachs (1999, p. 111), com a construção de grandes conjuntos de
apartamentos e não mais casas in dividuais. Além disso, os melhores arquitetos
foram chamados para essa tarefa. A autoria de grande parte dos projetos ainda era
de arquitetos do Rio de Janeiro, antiga capital da Federação, sinal significativo da
centralização do poder.
A maioria dos conjuntos implantados nessa época tinha como característica a
composição de blocos de apartamentos de três a cinco pavimentos, sem elevador e
dispostos no terreno em composições geométricas variadas, obedecendo aos
princípios estabelecidos pelos IAPs: implantação urbanística moderna, associação
da moradia com equipamentos comunitários, renovação de relações entre espaço
público e espaço privado. Exemplos típicos desse assentamento foram os conjuntos
residenciais do Realengo, Del Castillo e Bangu, no Rio de Janeiro e o IAPI, em Belo
Horizonte.
Os apartamentos de área mínima nesses conjuntos se caracterizavam pela
racionalização da planta e pelos exíguos espaços destinados à cozinha e ao
42. 42
banheiro. Tais soluções incluíam equipamentos para oferecer aos habitantes algum
tipo de convívio com os vizinhos nos momentos de lazer. Todo espaço que não
fosse ocupado pelas edificações era considerado público, uma excelente inovação
na época. Aliás, em pesquisa sobre a ação dos IAPs, Bonduki (1998, p. 165-188)
afirma que a valorização do espaço público era uma das principais marcas da
produção habitacional desse período, pois mostrava a capacidade de a
administração pública gerir adequadamente a cidade.
Cabe observar que essa idéia precursora de áreas livres públicas trouxe contribuição
fundamental para a compreensão de que esses espaços destinados ao uso comum
no projeto deveriam ser dimensionados de forma a admitir equipamentos
complementares àqueles.
Para os projetos com mais de mil unidades, havia amplos programas de
equipamentos, que incluíam escola, ambulatório ou serviço de saúde e quadras
esportivas. Em alguns casos, eram implantados ginásios cobertos de esportes,
cinemas, centros comerciais e serviços administrativos. Além do mais, segundo
Bonduki (1998, p. 165-188), a manutenção da propriedade dos conjuntos pelos
Institutos, com o aluguel das unidades para os associados, possibilitava o
predomínio do conceito de habitação como um serviço público. A imagem
paternalista do Estado atingia o seu ápice. O número de moradias por conjunto
passou a ser ampliado, apesar de não ter sido expressivo o resultado final de tal
política.
Com a implantação da FCP, a partir dos anos 1940, os projetos elaborados
mantinham características conservadoras, com opção pela casa própria e por
unidades unifamiliares isoladas. Note-se, também nessa fase, a presença da
Arquitetura Moderna nos modelos apresentados por esse programa, principalmente
quando foram adotados conjuntos cuja tipologia era determinada por blocos
serpenteantes e longilíneos, que comportavam grande número de unidades.
Exemplo significativo de empreendimento implantado pela FCP, já nos anos 1950,
foi o conjunto residencial Deodoro, no Rio de Janeiro.
Na verdade, aos longos eixos gerados pelo partido longilíneo, concebidos à imagem
dos projetos de Reidy, tais como o Pedregulho e o conjunto residencial da Gávea,
43. 43
no Rio de Janeiro, se incorporavam às unidades de habitação ou habitação mínima.
A intenção inicial dos projetos de então era a racionalização da construção nos
espaços privados, em detrimento dos grandes espaços livres. Assim, era proposta
uma nova relação entre a paisagem e o espaço construído.
Em estudos sobre a habitação social no Brasil, Bonduki (1998, p . 162) afirma que,
apesar de se conhecer pouco sobre sua produção, a FCP buscava soluções mais
apropriadas às diferentes realidades regionais, rompendo com a centralização de
projeto que caracterizava os IAPs.
Apesar de considerar, em seus programas, a moradia composta por infra -estrutura e
saneamento básico e não simplesmente o lote ou a edificação nele inserida, o que
representava na época um avanço conceitual, essa idéia não contemplou com
eficácia as necessidades imediatas dessa faixa da população, pois atendeu a uma
parcela moderada da demanda.
Já os conjuntos construídos pelo BNH, implantados a partir da década de 1960,
eram de grandes dimensões e afastados do centro da cidade. A tipologia
padronizada do partido arquitetônico uniformizava a ocupação característica da
racionalização da produção em série, em plena expansão nessa época, e,
conseqüentemente, diminuía o custo, embora a indústria brasileira ainda não tivesse
atingido produção suficiente para atender à demanda.
Nos conjuntos, as moradias unifamiliares apresentavam condições adequadas de
salubridade, com infra-estrutura básica, tais como abastecimento de água, esgoto,
energia elétrica e transporte coletivo. Os demais equipamentos urbanos nem sempre
chegavam a ser construídos na maioria dos assentamentos. A extensão dos
conjuntos e a uniformidade das moradias conferiam ao local a monotonia da
paisagem, retratando, inclusive, o ar impessoal nas unidades residenciais.
Quanto ao alcance social, observa -se que a política do BNH, ao pretender a diretriz
básica para o planejamento de conjuntos habitacionais, a partir dos anos 1960,
ativou preferencialmente a segregação espacial dos moradores dos conjuntos em
relação ao resto da cidade, quando optou pela aquisição de terrenos na periferia.
Tais terrenos se localizavam em áreas distantes do centro, pois eram os espaços
disponíveis que apresentavam dimensões e viabilidade financeira para esse tipo de
44. 44
empreendimento. O processo de exclusão social se intensificava quando acontecia o
distanciamento dessa população dos centros urbanos e dos locais em que eles já
tinham estabelecido anteriormente relações pessoais, sociais e de trabalho com
determinada vizinhança. A insuficiência de serviços comunitários, equipamentos
públicos e, principalmente, a distância do mercado de trabalho restringiram os
benefícios destinados às novas comunidades.
Como os conjuntos habitacionais construídos durante a gestão do BNH foram
produto de um processo que tinha como objetivo primordial atender à alta demanda
de moradias, esses conjuntos, projetados e construídos para serem ocupados pela
população de baixa renda, plasmaram o ideário que lhes deu origem. Dele, não
transcendia o conceito de casa popular como abrigo para pobres, pois eram ditados
conceitos e normas que viabilizassem esses espaços dentro de condições técnicas
adequadas a uma execução rápida e eficaz para a implantação das residências,
com custo reduzido, porém sem apresentarem qualquer caráter inovador. Além do
mais, a maioria das soluções apresentadas nessa época, apesar de suprir a
população carente de moradias com infra-estrutura, não chegou a atender
completamente a importantes fatores sociais como principalmente a inclusão do seu
morador no meio urbano. Outro aspecto que reduz esse conceito de habitação social
diz respeito aos critérios estabelecidos para moradias dessa natureza, por
preoc upações pragmáticas, que se limitavam a manter a qualidade técnica, o
dimensionamento e o custo, visto que os aspectos quantitativos, tais como valores
mínimos da construção e da infra -estrutura por metro quadrado e o tipo de
implantação de acordo com as condições topográficas do terreno, passavam a
direcionar grande parte dos projetos. Ainda tentava -se, favoravelmente, a
racionalização do sistema viário e da infra-estrutura, de modo que se adequassem
as edificações ao terreno com o menor movimento de terra.
Tais iniciativas nem sempre permitiam atender integralmente aos futuros usuários
desses conjuntos, principalmente no que dizia respeito às condições particulares de
cada família e sua inserção no novo meio. A mesma tipologia projetada poderia ser
ocupada por famílias com variada composição e modos de vida completamente
diferentes.
45. 45
Cabe aqui uma crítica feita por Bolaffi (1986, p. 28), pertinente à solução
arquitetônica dos conjuntos habitacionais implantados pelo BNH: “inspirado no
princípio velho e superado da Carta de Atenas com a conseqüente segregação do
espaço e das funções urbanas”, esses conjuntos constituíam verdadeiras cidades,
sem que fossem tratados como tais e foram desenhados para serem cidades -
dormitório, sem a presença de qualquer atividade de trabalho e de vida.
2.1 A arquitetura da URBEL
No município de Belo Horizonte, os conjuntos construídos sob a administração da
URBEL eram amparados pelas diretrizes estabelecidas pelo Conselho Municipal de
Habitação que, por sua vez, se baseavam na Constitu ição de 1988 (BRASIL, 1989)
para atender às condições da produção da moradia popular pela Prefeitura
Municipal. Foram criados vários programas, a partir de 1993, resultantes da
reformulação da política habitacional no município, em que sobressaíam, dentre
eles, o Orçamento Participativo, o Habitar Brasil, o Pró-Moradia e o Estrutural em
Áreas de Risco, nosso motivo da Tese.
O critério inicial para a escolha do terreno considerava sua viabilidade quanto às
expectativas do número de residências passíveis de serem construídas com a menor
intervenção possível, nos aspectos naturais do terreno, o que certamente baratearia
o custo da obra. Observava-se a preocupação dos técnicos em executar uma
implantação correta dos termos construtivos, atendo-se a condicionantes como a
forma e a topografia do terreno.
Esses novos conjuntos habitacionais, diferenciados conceitualmente dos anteriores,
ofereciam vantagens na sua implantação, pois os terrenos a serem utilizados no
programa eram inseridos na malha urbana e já contavam com infra-estrutura,
serviços e equipamentos, o que poderia compensar o valor mais elevado das áreas
disponíveis, e também proporcionar aos usuários um benefício social, principalmente
no que se referia à sua inclusão na cidade. Além disso, esses equipamentos
tornaram-se importantes na vida cotidiana dos habitantes, não só pela sua função,
como também por criarem oportunidades de socialização entre eles.
46. 46
No que diz respeito aos projetos dos novos conjuntos, nota-se que eles buscavam
nas unidades unifamiliares um partido arquitetônico que atendesse não só às
necessidades básicas de conforto ambiental, tais como iluminação e ventilação
naturais, mas que também integrasse técnicas construtivas que pudessem garantir a
qualidade na habitação com custo mais acessível. As tipologias arquitetônicas eram
propostas para estabelecer maior continuidade e integração da paisagem com o
entorno adjacente, de modo a interferir o mínimo no ambiente já existente.
Observa -se que, pela proposta da política habitacional adotada, a preocupação em
tratar diversidades se registrava não somente no plano físico, mas também no
social, introduzindo fatores de convivência harmônica entre grupos de poder
econômico, cultura e modos de vida diferentes. Nesse sentido, os novos conjuntos
indicaram uma concepção diferente daqueles modelos adotados anteriormente. A
aprovação desses projetos, por sua vez, se dava em obediência às normas da Lei
de Uso e Ocupação do Solo – LUOS – vigente, nas quais se definiram os
afastamentos, as taxas de ocupação e os coeficientes de aproveitamento destinados
a determinado zoneamento.
Pode-se verificar que, ao contrário do direcionamento centralizado dos programas
coordenados pelo Estado até então, essa nova proposta busca nas raízes do
município o conhecimento da realidade local: os projetos foram elaborados por
profissionais de Belo Horizonte. Cabe observar que, inicialmente, a ação desses
arquitetos se limitava a seguir os encaminhamentos estabelecidos pelos técnicos da
URBEL.
É importante ressaltar agora que, quando começaram a ser executados os primeiros
projetos de conjuntos habitacionais pela URBEL, a partir da política adotada em
1993, esse órgão propôs, através dos termos de referência, três maneiras de
produzir moradias: na primeira fase, que implantou oito conjuntos, foram construídos
sobrados de dois e três quartos, em duas etapas; na segunda, sobrados de dois e
três quartos construídos em única etapa, que também abrangeu oito conjuntos, e na
terceira fase, prédios de dois a quatro pavimentos sem elevadores, compreendendo
o total de sete conjuntos (URBEL, 1998).
47. 47
Nesses conjuntos, foram adotados, preferencialmente, os sobrados geminados,
visando à solução mais adequada para o partido arquitetônico, ao concentrar as
edificações e ocupar menor área do terreno, reduzindo a projeção das áreas
construídas e disponibilizando parte do terreno para instalação de equipamentos
coletivos.
Justificou-se a construção das habitações em duas etapas pela insuficiência de
recursos para a execução dos sobrados completos, embora tivesse sido possível
viabilizar a parte mais significativa e mais cara da casa, que era o primeiro
pavimento. Esse atendimento das condições programáticas ditadas pela URBEL
tinha como objetivo reduzir o custo da obra. A segunda etapa deveria ser construída
pelo proprietário, sob orientação de técnicos dessa instituição, de acordo com a sua
demanda. Na verdade, isso não se verificou, pois a URBEL não dispunha de
mecanismos e de corpo técnico que acompanhasse, naquela época, o processo de
pós -ocupação.
A URBEL (1998) considera que a produção em duas etapas apresentou também
aspectos negativos: a complexidade do processo de aprovação nos órgãos
competentes de cada uma das etapas do projeto demorou. Além disso, nem sempre
se pôde garantir a execução da segunda etapa conforme o projeto original, apesar
dos esforços do órgão junto aos moradores para que isso se viabilizasse; finalmente,
ao implantarem lajes de piso como teto do primeiro pavimento, seu custo incidiu
significativamente na primeira etapa.
2.1.1 Os projetos dos conjuntos Goiânia e Araguaia
Os conjuntos Goiânia e Araguaia foram ocupados em meados de 1996. Os projetos
foram elaborados por escritórios de arquitetura cadastrados na URBEL, obedeceram
a normas ditadas pelo termo de referência e pela LUOS e tiveram o cumprimento de
suas especificações fiscalizado pelos técnicos desse órgão. A sua prévia aprovação
na Prefeitura comprova terem atendido às condições de conforto ambiental como
ventilação e iluminação, bem como às características mínimas de dimensionamento
da legislação.