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TRAJETÓRIA, LUTA E A GESTÃO DE
TRABALHADORES LGBTQIA+ NO MERCADO DE
TRABALHO BRASILEIRO
O
C
A
M
I
NHO AO POTE D
E
O
U
R
O
PAULO VITOR
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 4
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 7
CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL 21
CAPITULO III: REALIDADE INTERIORANA 35
Sobreviver em meio ao caos. O convívio em uma sociedade que
oprime. Lidar com casos de violência e questionar a própria segurança.
Andar pelas ruas do país com o maior número de vítimas da
discriminação.
Tropicalidade, futebol e Carnaval. A imagem acolhedora para a mídia
internacional. Valores cristãos e patriotismo. Belezas exuberantes, corpos
perfeitos e o espírito da fraternidade.
Rodas de samba e amor pela pátria. Diversidade cultural. Paz e
irmandade. Aos finais de semana, reunião entre amigos de infância.
Reencontro de entes queridos. Cidadãos de bem. Ordem e progresso.
Este é o Brasil?
Para a comunidade LGBTQIA+, a realidade se difere das
características atribuídas à nação brasileira. A dificuldade em participar
dos mais diversos âmbitos. Estes que, desde os primórdios, encontram-se
de fácil acesso à massa heterocisnormativa.
Na esfera social, olhares de desaprovação nos mais leves dos casos.
Piadas e o uso de termos pejorativos. Exclusão e desamparo. Ambientes
inacessíveis àqueles que não se encaixam ao padrão moldado e exigido
pelo patriarcado.
Agressões. Abusos físicos e verbais. O crescente número de casos de
LGBTfobia. Em casa, espaços públicos e ambientes de trabalho.
Opressores fortalecidos pela falta de ações por parte do Estado. Não há
local seguro.
INTRODUÇÃO
4
No ramo profissional, a carência de oportunidades.
Profissionais prejudicados e impedidos de evoluírem suas
carreiras. Do momento de contratação à atuação em seu cargo
designado, o funcionário LGBTQIA+ passa por constantes
batalhas.
Ideais sustentados pelo sistema capitalista. Valores excludentes
e responsáveis pela marginalização de grupos minoritários.
Tribulações na empregabilidade da população Queer. A
inexistência de políticas públicas que priorizem, de fato, a
mudança da situação descrita. Ações que saiam do papel e auxiliem
na emancipação LGBTQIA+.
Realidade que reflete na vulnerabilidade da comunidade.
Acesso restrito. Na teoria, solidários ao movimento. Apoiadores
que fecham as portas para mulheres trans e as inferiorizam.
Adjetivos de ofensa. O uso indevido e mal-intencionado de
pronomes que não correspondem a suas identidades.
Casos de homofobia em ambientes corporativos. Funcionários
levados a situações de constrangimento. Suas capacidades e
profissionalismos colocados à prova. Dispensas e demissões
infundadas, originadas a partir de ideologias limitadas e
excludentes.
Nos mais distintos setores, o cenário LGBTfóbico. Áreas
carecidas de inovação e inclusão. O universo de oportunidades
perdidas devido à fortificação deste sistema. Obtentores de poder e
capital. A delimitação de caminhos a serem trilhados por membros
da comunidade.
5
O enriquecimento proporcionado pela diversidade. Esta, apta a
trazer representatividade. Voz para vítimas de raízes
discriminatórias. Suporte necessário para a luta contra a
LGBTfobia e quaisquer tipos de perseguição.
A presença LGBTQIA+ vista como ameaça. Ocupação de locais
de comodidade à massa heterocisnormativa. Ações, por parte do
Estado e restante da população brasileira, focadas em dificultar o
processo de conquista e liberdade Queer.
Ayana, Melissa e Fernando contam suas histórias. Vivências
únicas e, ao mesmo tempo, capazes de gerar identificação a quem
as consome. Experiências significativas. Relatos ilustrativos e
grandes o suficiente para retratar a realidade da comunidade.
Histórias ímpares, assim como todas as outras. Vidas marcadas
por superação e comprometimento com a liberdade. Colaboração
coletiva. Corredores estreitos.
No fim do túnel, uma luz que se acende. Gritos, persistência e
determinação. Impedir que novas portas se fechem e mais brilhos
se apaguem.
O dificultoso caminho ao pote de ouro.
6
CAPÍTULO I
A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE
EMANCIPAÇÃO
7
A Arte lava a alma. Renova e enriquece. Expressar os mais profundos
sentimentos, por meio desta, possibilita olhares intensos sobre a história
contada. Seja boa ou ruim. Conhecer o íntimo do artista. O íntimo que
gera identificação, conforto e representatividade.
Vivências retratadas por notas musicais. Melodias que levam a
viagens intrínsecas. O poder da Música engradece quem a produz e
consome. Crescimento individual e coletivo.
Sob posse do artista, sua canção o aproxima daqueles que o
prestigiam. Conexões reais. Fazer a diferença. Gerar identificação. A
emoção conduzida em razão da sétima arte, exprime tamanho esplendor
de sua construção. Lágrimas, sorrisos e entrega.
Para a comunidade LGBTQIA+, participar deste processo levou
tempo. E ainda há a se conquistar. A ocupação destes espaços por artistas
Queer’s, ao longo da história, gerou incontáveis batalhas. Muitas destas,
vencidas pela opressão do sistema que obtém poder sob o mundo.
A presença de cantores que não pertenciam ao padrão aceito e
esperado, era vista como ameaça. Ameaça à limitação imposta por esta
estrutura. Mau-exemplo e coisa do diabo. Na casa dos cidadãos de bem,
sustentada por mentiras e hipocrisia, músicas mundanas não poderiam
tocar.
Consumir este conteúdo? Que absurdo! A família tradicional
brasileira se depara com meninos de maquiagem e salto alto. Meninas
beijando meninas. Um choque de realidade. A compreensão da grande
diversidade existente fora de sua bolha. Drag Queen’s esbanjando
carisma, força e talento.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 8
Ser LGBTQIA+, no Brasil, exige constante provação. O olhar de
inferioridade, por parte da massa heterocisnormativa, distancia os sonhos
da comunidade. Provar ser bom. Provar ser capaz. Provar ser normal.
Discografias repletas de identidade. Algo nunca visto. Produções além
de uma simples composição lucrativa. Pela primeira vez, letras que
contavam histórias reais. Histórias anuladas por tanto tempo. Obras que
não se encaixavam à superficialidade esperada pelo sistema.
O cenário musical traça novos caminhos. Muitos percalços.
Tentativas de silenciamento. A abordagem de temas encarados como
tabus, vista, novamente, como ameaça. Riscos corridos diariamente.
Resistir para ser.
Com as primeiras aparições da comunidade em mídias televisivas e
rádios, a coragem vem a surgir. O sentimento de pertencimento sai do
armário. Representatividade traz vida. Cazuza, Ney Matogrosso, Cássia
Eller.
A presença de artistas que geram identificação à comunidade,
possibilita a compreensão da capacidade de ocupação dos mais distintos
espaços. Estes, limitados e ocultados. Séculos de desaprovação e
linchamento.
O caminho a ser percorrido por artistas LGBTQIA+ permanece árduo.
Além da constante necessidade de provação e aprovação, o local de
destaque se mantém distante. Para se obter o mesmo enaltecimento de
artistas pertencentes à massa heterocisnormativa, é necessário...
Não há esta opção.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 9
Embora seja possível notar evoluções, a desigualdade ainda se faz
presente. A maneira com que perdoam o artista “padrão” por falas
problemáticas e, ao mesmo tempo, desmerecem e inferiorizam o artista
Queer, reflete esta realidade.
Na divisa entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, um
pequeno município do interior se destaca por seus encantos. Cruzeiro, a
cidade menina, palco da Revolução Constitucionalista de 1932, possui
grandes talentos. Vozes que abrilhantam e enriquecem o local.
Lá, nasceu Ayana Ribeiro. Mulher trans, preta e guerreira. Artista
local determinada a lutar por seus sonhos e por aquilo que acredita.
Ayana foi uma criança agitada e espontânea. Trazendo alegria a todos
que estiveram ao seu redor, já reluzia traços artísticos. Usando peças de
roupa da mãe, suas performances das músicas da estrela dos anos 2000,
Kelly Key, eram sua diversão. Sapato de salto nos pés, saias rodadas e as
primeiras “laces”: toalhas de banho.
Aos cinco anos de idade, Ayana teve o seu primeiro contato com a
Música. Primeira conexão com sua vocação. Participante ativa da Igreja
Evangélica, devido à tradição de seus familiares, a pequena frequentava,
aos sábados, o culto das crianças, denominado de “cultinho”.
Nestes encontros, a garotada se reunia sob a supervisão de adultos
destinados ao papel de monitores e/ou catequistas. Brincadeiras,
partilhas, estudo do evangelho e orações. A artista se sentia bem no
ambiente. As crianças encontram alegria nos menores dos detalhes.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 10
Certo dia, ao final de um dos cultos infantis, a monitora deu uma
missão às crianças presentes. Para o próximo encontro, teriam que
preparar apresentações para os pais e demais fiéis da Igreja. Dentre as
atividades designadas, lá estava ela: a Música. Ayana encheu os olhos de
lágrimas e se dispôs a cantar. Uma tarefa difícil e completamente nova.
Durante a semana, preparação e ensaios. A escolha de uma música
perfeita, marcada por nervosismo e insegurança, foi a parte mais difícil.
A inocência da garota não a permitia compreender que, a partir desta
iniciativa, sua história iria mudar. Seus sonhos se fariam presentes.
E chegou o grande dia. Boca seca, mãos trêmulas e suor sob o rosto.
Ao subir no palco, Ayana sentiu o nervosismo tomar conta de seu corpo.
O desejo de sair correndo dali, em meio à multidão, era enorme. A
respiração, ofegante. Mas ela não poderia desistir. Como deixar as
crianças do cultinho na mão? Ela prometeu, se preparou e entregou.
Ao soltar a voz, pela primeira vez em sua vida, a artista fez o local
estremecer. A plateia, anestesiada por tamanho talento, se perguntava
como a criança havia aprendido a cantar daquela maneira. A cantora
emocionou a todos que foram a prestigiar naquela noite. A noite decisiva
para a sua vida.
Após cantar o último refrão da canção, a artista abriu os olhos e se
deparou com a Igreja de pé, a aplaudindo e pedindo por mais canções.
Naquele instante, Ayana percebeu que nunca mais deveria soltar o
microfone. E como um sonho de criança, a Arte passou a fazer parte de
seus planos.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 11
Ao voltar para casa, não conseguia digerir a situação que havia
acontecido. A mistura de sentimentos, em conjunto ao desejo de
cantar muitas e muitas vezes, não permitia que a pequena fechasse
os olhos naquela noite. Sorriso de orelha e orelha. Fortes emoções.
Para amigos e familiares, seu sonho já estava definido: ser
cantora. As pessoas ao seu redor eram capazes de notar a
importância da Música. Seu combustível. A inclusão da Arte em
todos os âmbitos de sua vida. Prioridade.
Embora reconhecessem a dificuldade em se consolidar carreiras
musicais em cidades do interior, seus entes queridos não
desanimavam a futura cantora. A inocência da criança, em
conjunto à pureza de seus sonhos mais sinceros, trazia alegria e
esperança ao ambiente.
Na escola, o jeito sincero e único da artista incomodava
algumas crianças. Estas, incentivadas a repudiarem o diferente. A
cantora relata as agressões sofridas durante as aulas,
principalmente por meninos.
Grupos de estudantes a cercavam e a agrediam verbalmente e
fisicamente. Ofensas pautadas na LGBTfobia, na maioria das
vezes.
Apesar das dificuldades enfrentadas neste período, a cantora
nunca deixou sua luz se apagar. Tendo orgulho de si mesma, o ódio
que lhe era disseminado nunca a impossibilitou de sorrir. Ao voltar
para casa, reencontrava o seu sonho. A arte, mais uma vez, era
capaz de dar sentido à sua vida. Música, dança e poesia.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 12
Com o passar dos anos, Ayana, não mais uma criança, passou a
se conhecer intimamente. Seus desejos, suas vivências e sua
identidade, de maneira geral, não correspondiam àquilo que
sonhavam para ela.
Sonhos que não pertenciam à artista. Sonhos que anulavam sua
existência e, acima de tudo, sua felicidade. Sonhos que a
impossibilitariam, de forma cruel, de ser ela mesma.
Fatidicamente, a cantora não era mais vista da mesma maneira
por pessoas que faziam parte de sua vida. Na Igreja, olhares de
julgamento e desaprovação. Era difícil se encaixar ao padrão
desejado por aqueles que diziam amá-la, acima de qualquer coisa.
O uso do nome de Deus para a disseminação de ódio e
preconceito, mais uma vez, afetou uma nova vítima.
Não foi possível permanecer ali. Era injusto continuar se
escondendo e anulando a verdadeira Ayana. Seu sorriso, não mais
o mesmo. Suas angústias, camufladas por insinceridade e atuação.
A toxicidade do ambiente designado a acolher e cuidar de
pessoas. Juízo de valor e discriminação.
Comentários maldosos durante cerimônias sagradas. A presença
daqueles que leem a Bíblia e a decodificam de acordo com seus
interesses. Interpretações seletivas e inapropriadas.
A artista relata, com alegria, do momento em que decidiu não
voltar mais para a Igreja. Um fim de semana que marcou sua vida.
Após tomar a decisão de deixar o ambiente, recebeu o convite para
uma festa. Sem pensar duas vezes, decidiu marcar presença.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 13
Como um look preparado por ela mesma, foi o destaque da
noite. Black Power e maquiagem bafônica, segundo a cantora.
Finalmente, livre. Após tantas indagações, sentia-se completa e
disposta a cuidar de si mesma. A libertação que seu interior
precisava. Vontade de viver, amar e continuar lutando por seus
sonhos.
Ainda assim, sua liberdade a afastou de pessoas especiais. O
preconceito, enraizado ao arcabouço cultural de cada um, impede
que o amor fale mais alto. Pensamentos retrógrados e excludentes,
fortalecidos por um sistema opressor.
Machuca. Ayana sente, mas compreende que, sua felicidade
cabe apenas a ela mesma.
Nas noites de insônia, pensamentos tomam conta de seu
interior. Dúvidas, questionamentos e receio do futuro. Sua força
não permite que inseguranças a prejudiquem. Se dói, vira música.
A artista compreende o poder da sétima arte em expressar os mais
delicados e profundos sentimentos.
Por onde vai, encanta e cativa. Novas histórias e novos amores.
Em seu ciclo de amizades, a artista é inspiração. Traz alegria e
incentiva, seja quem for, a seguir seu coração.
Sinônimo de fortaleza. Carinho, conselhos e suporte a quem
precisa. Ombro amigo para aqueles que a recorrem em momentos
de fraqueza e dificuldades. O real interesse em ajudar.
Sua alegria desperta o melhor daqueles que estão ao seu redor,
mesmo que não a conheçam. Sem Ayana, a festa não pode
começar. A verdadeira dona da festa.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 14
Durante dois anos, fez parte do grupo MIXTAPE. Este, formado
por mais dois integrantes. Sendo a vocalista, a artista se destacava
nas apresentações e nas produções audiovisuais. Músicas
dançantes, românticas e com mensagens positivas. Versatilidade e
dedicação.
Nas performances, looks ousados. A cantora ressalta os
comentários maldosos sofridos durante as apresentações.
Preconceito camuflado em meio a aplausos. Ela não perdia a
postura. Nariz em pé e microfone na mão. O show não pode parar.
Ciclos se encerram. A artista passa por um novo momento de
sua carreira. A pausa em situações não mais desafiadoras.
Mudanças são bem-vindas e necessárias para o crescimento pessoal
e profissional de cada indivíduo. A esperança pela chegada de
propostas e projetos que possam contribuir para a evolução de sua
ocupação.
Para Ayana, representatividade é ser. Ser sem medo. Ocupar
espaços com força e determinação. Sim, ela é travesti. Ela é vida.
Ela é real. Sua essência jamais será perdida ou moldada por
outrem.
A menina sonha. Sonha acordada. O desejo de ter uma carreira
consolidada faz parte de seus maiores anseios. Ocupar palcos e
levar alegria para a casa das pessoas. A artista se inspira em seus
maiores ídolos e os leva consigo. Espelhos.
Além de sonhar em viver da Música, a artista reconhece o poder
que a Arte possui. Expressar sentimentos que não poderiam ser
retratados de outra maneira.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 15
Embora a Arte possibilite as mais variadas formas de se
expressar sentimentos e vivências, Ayana compreende os
obstáculos que virão a surgir em seu caminho. Conquistas que
exigem força e superação.
A contratação de artistas Queer’s se difere das demais.
Empresários e organizadores de eventos, por sua vez, os colocam
no final da lista de opções. Exigências infundadas e boicotes.
Dificultar a presença destes artistas em espaços mantidos pela
massa heterocisnormativa.
No Line-Up de grandes festivais, o crescimento de cantores
pertencentes à comunidade. Evolução gradativa. Para grupos
conservadores, a simples pronúncia do nome de determinados
artistas gera repulsa e olhares de julgamento.
Nestes eventos, o público LGBTQIA+ se entrega. Roupas
personalizadas, fotos e “trend’s” para as redes sociais. Os artistas
Queer’s, por sua vez, se preocupam com todos os detalhes. Além
de trazerem força e representatividade durante os shows, cada
segundo das apresentações faz parte do planejamento.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 16
"Para o futuro, eu espero mais paz e
comunhão entre as pessoas. Mais
lealdade e amor ao próximo.
Palavras de conforto e ombros
amigos para um mundo melhor. Um
futuro favorável."
Entretanto, vale ressaltar a apropriação da cultura Queer a fim
de se geral capital. Marcas e produtores de conteúdo se dizem
solidários à causa. A presença do “Pink Money”. Termo este,
utilizado para se referir ao lucro gerado a partir da comunidade.
Shows, eventos, roupas ou utensílios domésticos voltados ao
movimento.
Em junho, mês do Orgulho LGBTQIA+, o “apoio” de pessoas
que desconhecessem a razão desta luta. Textos vazios e
publicações focadas em atrair novos públicos. A apropriação do
movimento para se conquistar capital. Gerar frutos para o sistema
responsável por intensificar a marginalização de grupos
minoritários.
A data de comemoração do Orgulho LGBTQIA+ diz respeito a
um dos movimentos mais marcantes para a comunidade. Em 1968,
os frequentadores do bar Stonewall, localizado no vilarejo de
Greenwich, em Nova York, reagiram à violência policial sofrida
constantemente naquela região.
Grupos que, por muito tempo, permaneceram calados ao abuso
de poder. A violência do Estado, designado a trabalhar em prol da
qualidade de vida da população. Sua função permanece na teoria.
Atuações inaptas e seletivas.
A comunidade LGBTQIA+ passou a dominar as paradas
musicais. Recordes de engajamento e visualizações. O primeiro
lugar de uma Drag Queen nas plataformas digitais. A garra de
artistas da comunidade que, ao longo de suas jornadas, precisaram
provar, constantemente, força e talento.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 17
Na internet, os assuntos mais comentados. O destaque, cada vez
maior, de cantores Queer ao redor do mundo. A representação de
culturas diversas e a abertura de novos horizontes. Locais que, por
si só, simbolizam o poder. O poder da diversidade.
Em programas televisivos, a presença destes artistas.
Competições musicais ou a participação em demais programas de
entretenimento. Espelhos para aqueles que carecem de apoio e
esperança.
A história do movimento LGBTQIA+ permite e necessita de
reflexões. Visões deturpadas e infundadas sobre a comunidade.
Ações responsáveis por marginaliza-la e dificultar o acesso de sua
população a todos os âmbitos que circundam a sociedade.
A inclusão em locais de fácil acesso à massa
heterocisnormativa, partindo deste princípio, deve ser encarada
como vitória. Espaços liderados por representantes do sistema
opressor e excludente, cada vez mais, sendo ocupados por seus
membros.
A indústria musical não foge desta realidade. Por muitos anos,
fora dominada por homens cisgêneros e heterossexuais.
Composições e demais trabalhos audiovisuais baseados em
fundamentos sexistas e excludentes. A inferiorização feminina e o
fortalecimento da figura de “machão”.
Durante este período, a comunidade LGBTQIA+ passava por
constantes ataques em produções fonográficas. Letras que
incitavam o ódio e atribuíam estereótipos discriminatórios às
vítimas da LGBTfobia.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 18
A Música possui a capacidade de retratar as mais diversas
realidades e apresenta-las a novas pessoas. Assim, passa a ser
utilizada como ferramenta de emancipação de grupos minoritários
oprimidos pela sociedade.
Em contrapartida à evolução da sociedade como um todo, pode-
se perceber a presença de ideais limitados e excludentes no
universo da Música. Além da preferência por artistas
heterocisnormativos, tanto por parte dos empresários como da
massa, o caminho a ser percorrido por cantores Queer’s permanece
inacessível.
O apoio a artistas LGBT’s é fundamental. As dificuldades
enfrentadas pela comunidade, fortalecidas pelo sistema capitalista,
impedem que grandes talentos façam parte de festivais, rádios e
demais meios de Comunicação. Vozes vedadas pelo ódio.
Libertação pela Arte. Apropriação de sonoridades para
transformar vidas. Construir sonhos e realiza-los. Desbancar
estigmas e impedir a limitação imposta por culturas opressoras e
discriminatórias.
Fazer sorrir. Valorizar cada lágrima derramada. Aceitar os
sentimentos gerados a partir de uma canção. Difundir as mais belas
histórias e acompanhar a trajetória de um artista.
Reconhecer o esforço do músico LGBTQIA+ em ocupar
espaços dificultosos. Incentiva-lo e mostrar, a todo momento, o
quanto sua jornada inspira outras pessoas. Estas que, em muitas
das vezes, já não encontram motivos para continuar.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 19
A comunidade se une em prol de sua emancipação. Equidade e
respeito. Quando um LGBTQIA+ vence, todos vencem.
Comemoração mútua. O sucesso de um profissional Queer, músico
ou ocupante de demais áreas de mercado, simboliza a evolução.
Passos lentos e necessários. Conquistas diárias. Diversidade e
Música. A força da Arte.
Quem canta, seus males espanta.
CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 20
CAPÍTULO II
A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
21
O encontro da verdadeira felicidade. Reconhecer sua identidade
e lutar por esta.
As vivências da população trans no Brasil são perturbadoras.
Ódio, exclusão e desigualdade. Ausência de oportunidades. Ser
encarada como adjetivo de ofensa e motivo de piadas.
Na infância, a infelicidade de não se identificar com o gênero
atribuído ao nascimento. Sentir-se um erro. A falha das escolas em
oferecer suporte a membros da comunidade, principalmente
crianças transexuais.
Educação sexual. Conhecer o próprio corpo. Compreender e
respeitar seus limites e desejos. A abordagem, durante a infância,
de questões relacionadas à sexualidade. Abordagens apropriadas e
condizentes com a faixa etária de cada estudante. Saúde pública.
Em ambientes educacionais, a juventude não-pertencente ao
padrão heterocisnormativo deve se sentir segura. Conflitos e
demais situações de desentendimentos ocasionados pelo
preconceito, por sua vez, geram problemas no processo de
aprendizagem.
Deste modo, a priorização de diálogos sobre a temática e o
fortalecimento de ações que visem a inclusão, são indispensáveis
para a evolução dos alunos. Estes que, ao final de seu processo de
formação, farão parte de uma sociedade preparada para lidar com
as diferenças.
O contato com a temática, bem como o incentivo de estudos
relacionados à mesma, corresponde à formação de jovens livres de
limitações. Livres de ignorância e despreparo para se conviver em
meio a diversidade.
CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL 22
CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
Além do foco nas redes de ensino, vale ressaltar a importância
da conscientização, em casa, sobre tais pautas. Dirigir-se às
diferenças como algo errado ou “coisa feia”, ocasiona no
fortalecimento de ideais retrógrados e discriminatórios.
Durante a infância, pais e/ou responsáveis são vistos como
heróis. Os adultos sabem de tudo. Eles são grandes. Os pequenos
obedecem e tomam seus posicionamentos como verdade absoluta.
Perigo.
Ao crescerem e se depararem com a vida fora de sua barreira de
“proteção”, há conflitos. Choque de realidade. A ignorância gerada
pelos mais velhos.
Faz-se necessário que, a temática tenha maiores abordagens nos
mais variados âmbitos. Do social ao profissional, a inserção de
pautas relacionadas à diversidade contribui para a evolução da
sociedade e melhor convívio entre todos.
No mercado de trabalho, sustentado pelo sistema capitalista, a
participação da população trans permanece quase nula. A
dificuldade de inclusão evidencia esta realidade, fortalecida pela
ausência de políticas públicas. Carência de empatia.
A exclusão de candidatos transexuais no setor profissional.
Lutar em prol da diversidade vai além da superficialidade das
mídias sociais.
Em grandes empresas, o baixo (praticamente nulo) número de
funcionários trans. Embora possuam o perfil correspondente à
determinada vaga, tais candidatos possuem a consciência sobre a
maneira que serão tratados.
23
CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
Caso cheguem ao momento de entrevista, poderão se deparar e
lidar com deboche, piadas de mau-gosto e atitudes prejudiciais, por
parte do contratante, à sua candidatura. Limitações impostas por
líderes que corroboram com a opressão e exclusão da comunidade
trans.
Nos ambientes corporativos, nota-se a homogeneidade entre os
funcionários. Homens heterocisnormativos e brancos. Ações e
atuações robotizadas. Ausência de diversidade.
O gestor que, se diz livre de preconceito, por de trás das
cortinas, não contrata pessoas transexuais. Estas, marginalizadas e
obrigadas a recorrerem a empregos informais.
Sabe-se que, devido à ausência de oportunidades, parte da
população trans sobrevive da prostituição. Sim, sobrevive. Não por
escolha. Batalhas diárias. Perigo constante. A massa
heterocisnormativa, privilegiada e cruel, invalida as qualidades e
capacidade de contribuição da comunidade.
Nas ruas, mulheres trans que trabalham com o sexo, estão
sujeitas a todos os tipos de violência. Suas vidas colocadas em
risco. Mais uma vez: não por escolha. Assaltos, ofensas e
agressões. Mortes. Os empecilhos gerados pela opressão do sistema
limitam os locais a serem ocupados pelas mesmas.
Jovens heterocisnormativos, ricos e privilegiados, ao saírem de
bares e boates, passam pelas avenidas e se deparam com elas. Para
impressionar e chamar a atenção dos amigos, as ofendem e
agridem. Constantes relatos de violência e injustiça.
24
CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
Na calada da noite, o cidadão de bem, defensor dos bons
costumes e da família tradicional brasileira, a procuram. Os
mesmos que, perante à sociedade, a tratam como aberração. Entre
os amigos, piadas sobre seus corpos e escarne dos casos de
violência. Qual o limite da hipocrisia?
Termos pejorativos, como “traveco”, se fazem presentes entre a
massa conservadora. Além disso, o referimento a pessoas trans a
partir de pronomes que não dizem respeito à suas atuais
identidades. Provocações e humilhação. O intuito de constranger
quem sofre, diariamente, com a dor da exclusão.
Durante muito tempo, a utilização destes termos era vista como
brincadeira. Em programas de televisão, piadas transfóbicas eram
naturalizadas. Discriminação em tons de deboche. Participação de
personagens caricatos e a abordagem da temática de maneira
irresponsável.
Em prol do capital, tais abordagens condiziam com aquilo que
agradava a massa conservadora. Fortalecida por ideais priorizados
pelo sistema, a população tinha acesso à variedade de conteúdos
que incentivavam a exclusão da comunidade.
O sonho de estar nas telinhas sempre fez parte da vida de
Melissa Felipe. Moradora de Lavrinhas, interior de São Paulo, a
digital influencer vem conquistando o seu espaço e expandindo
seus trabalhos como modelo fotográfica.
Melissa se identifica como mulher trans. Aos 25 anos de idade,
foi criada e continua vivendo no interior do estado. Sua infância,
com a participação ativa de seus pais e familiares, foi tranquila.
25
CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
Quando pequena, seu maior desejo era estar na televisão. Ao
assistir a seus filmes favoritos, se imaginava como participante da
história. Protagonista, sempre. O anseio por estar naquele
ambiente, assim como suas maiores inspirações, tomava conta dos
pensamentos da criança.
Na adolescência, o incômodo com a aparência. Melissa não se
sentia bem com seu corpo. Sem compreender a razão para tal
desagrado, nunca estava completamente feliz. Em bons momentos,
a desinquietação impedia que a garota aproveitasse, de fato, as
vivências que a permeavam.
A aceitação levou tempo. Melissa demorou para compreender e
admitir, para si mesma, sua real identidade. O arcabouço cultural,
sustentado por ideais impostos pelo sistema patriarcal, limitava a
felicidade da modelo.
Não foi sua culpa. De acordo com aquilo lhe foi ensinado, todos
deveriam seguir o modelo de vida desejado e aceito por Deus.
Anulação.
O processo de aceitação foi doloroso. Além de lidar com o
julgamento da sociedade, principalmente de pessoas que estavam
ao seu redor, a luta consigo mesma também foi necessária. Ter a
consciência dos percalços que seriam enfrentados, a partir de sua
autoaceitação, a assombrava.
Ansiedade. O medo de ser abandonada, do dia para a noite, por
aqueles que mais amava. Sua maior preocupação era a reação de
seus pais. Ela não queria perdê-los. O mundo era cruel demais para
enfrenta-lo sozinha. O colo de sua mãe era capaz de protegê-la de
qualquer ameaça.
26
CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
No começo de 2018, o primeiro contato com as passarelas.
Após 7 horas de viagem, chegou ao seu destino: Bicas, Minas
Gerais. Acompanhada do irmão e amigos, participou do Concurso
Miss Zona da Mata Gay. Seu coração bateu mais forte. A sensação
de ser incluída em um concurso de beleza trouxe, novamente,
borboletas em seu estômago.
Mel reforça a importância deste concurso para sua vida.
Experiência única. No ano seguinte, retornou ao evento e garantiu
o 3º lugar. Sem patrocínio e/ou apoiadores, como cabeleireiros e
maquiadores, a modelo se destacou por sua beleza e simpatia. Um
ambiente que a completava.
Após o período da adolescência, marcado por constantes
batalhas de autodescoberta e aceitação, Melissa tomou a decisão
mais importante de sua vida. Aos 21 anos de idade, se assumiu
como mulher trans e iniciou seu processo de transição.
A jovem relata a mistura de sentimentos que tomaram conta de
seus dias. Apesar do medo, sentia-se livre. A felicidade de permitir
que seu interior pudesse, finalmente, ser honesto com o próprio
corpo. Sonho que se tornou realidade.
Sua vida não era mais uma mentira. A aniquilação de seus
verdadeiros sentimentos, após duas décadas, havia chegado ao fim.
A honra de dizer seu nome em voz alta e encarar o mundo da
maneira que sempre quis. Uma mulher desprendida e corajosa.
Em 2019, ano seguinte do início de sua transição, recorreu à
retificação de nome e gênero. Atitude que completou, ainda mais,
sua realização. A primeira mulher trans a ser retificada no Cartório
de Registro Civil de Lavrinhas. Orgulho!
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CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
Nas telas do cinema de Cruzeiro, cidade vizinha, Melissa
protagonizou um longa-metragem. Juntamente a seu grupo teatral,
gravou “A Lenda da Mulher de Branco”. O carisma de Melissa a
colocou como protagonista da produção. O diretor do trabalho,
natural do Rio de Janeiro, ficou encantado.
Os holofotes começavam a seguir a jovem. Porém, Mel não
podia esperar que eles chegassem até ela. Durante este período,
ocupou ademais funções, como operadora de telemarketing,
atendente de carrinho de lanche e monitora de transporte. A
primeira mulher trans a ocupar um cargo público no município de
Lavrinhas.
As dificuldades para firmar contratos sempre estiveram
presentes. A modelo cita as situações de preconceito que passou
em momentos de seleção. De forma implícita, contratantes a
tratavam diferente. Ela sabia o motivo. Desempregada, lidava com
olhares tortos e constantes “nãos”.
Em sua cidade natal, onde sente-se em casa, também há
preconceito. Melissa relata um dos momentos mais dolorosos de
sua vida. Certo dia, compareceu a um estabelecimento que sempre
frequentou. Acompanhada de seus familiares, não fazia ideia da
situação que estava por vir.
Sua cunhada, grande amiga, a pediu para acompanha-la até o
banheiro. A influencer se levantou e se dirigiu até o local. Ao
chegar na porta da toalete, foi impedida de entrar pelos donos do
local. Estes, conhecidos da família e “amigos” da jovem.
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CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
O ambiente não estava cheio, apenas alguns rapazes reunidos.
Ninguém se manifestou. Todos assistiram à situação e a trataram,
de certa maneira, com naturalidade. Para eles, pertencentes à bolha
do privilégio, era apenas mais um caso de preconceito.
Mel descreve, com dor, o constrangimento que passou naquele
momento. Seus familiares, sem saber como agir. A apunhalada
pelas costas de quem menos esperava. Sua mãe, ao se deparar com
o sofrimento da filha, ficou desolada. O irmão, enfurecido.
Discriminação.
Por prepotência e ignorância, os proprietários não perderam
apenas uma cliente, mas sim, uma amiga. A modelo menciona o
carinho que sentia pelo local e pelos funcionários. O preconceito
cega. O cabresto elaborado pelo sistema capitalista e opressor.
Nada impediu que Melissa sonhasse. Em meio a tantos
sacrifícios, seus maiores anseios se mantiveram firmes e fortes.
Arte, fama e sucesso. A jovem sempre confiou no seu potencial e,
acima de tudo, na sua garra para conquistar seus objetivos.
O apoio da família e amigos também a motivam. O suporte
cedido por pessoas tão importantes, sem sombra de dúvidas,
contribui para que mais batalhas sejam vencidas e novos projetos
possam vir a acontecer.
A primeira mulher trans a ganhar o concurso da Festa do Peão
de Rodeio de Lavrinhas. Conquistas nunca imaginadas. A ocupação
em locais marcados por ideais conservadores, reflete nos resultados
das lutas da comunidade ao decorrer dos anos. Séculos de tortura e
exclusão.
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CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
No mesmo evento, o título de segunda colocada como princesa
do rodeio. A grandiosidade de tais feitos para a evolução da
população interiorana. A compreensão do valor da diversidade e a
importância de sua presença. Melissa faz parte desta história.
O trabalho com mídias digitais vem se tornando realidade.
Seguidores fiéis interessados em conhecer sua história e fazer parte
de seus dias. Admiração. Em suas redes sociais, conteúdos
diversos. Histórias sobre sua vida, dicas de beleza e a rotina de
estudos.
A influencer cita, ainda, o interesse de seu público por
temáticas relacionadas à diversidade. Seja por curiosidade ou a
partir do intuito de se buscar conhecimento, Mel se apropria deste
interesse para informar e transmitir informações de relevância a
seus espectadores.
A oportunidade de propagar tais informações não deve ser
desperdiçada. O cenário digital, cada vez mais presente, pode (e
necessita) ser utilizado como ferramenta de estudo. A abordagem
de tais temáticas de forma leve e descontraída, realizada por
Melissa, possibilita maior nível de compreensão por parte de
pessoas que não pertencem à comunidade.
Entretanto, a liberdade da internet também gera problemas e
situações de desconforto. Comentários maldosos e inconvenientes.
Perguntas desrespeitosas. Melissa se depara, diariamente, com o
preconceito no universo digital.
Não há espaço para comodidade. A jovem sempre se interessou
pela diversificação de suas áreas de interesse. Lutas intensas em
prol da realização de seus sonhos.
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CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
O foco nos estudos se tornou prioridade. A influencer reafirma
o desejo de agregar maior conhecimento a pessoas que estão ao seu
redor. Além de seu crescimento, Melissa destaca o desejo de
contribuir para a evolução da sociedade.
A força da coletividade. Possibilitar que todos tenham acesso a
informações capazes de engrandecer o ser humano. Disseminar
conhecimento e buscar por maior inclusão de pessoas trans nos
mais variados ambientes. Não basta apenas lutar por si. Em
conjunto, os percalços passam a ser menores.
Para Mel, representatividade engloba toda sua trajetória. O
termo vai além de impor sua opinião. Trata-se de ações que
evidenciam, diariamente, o significado de suas vivências. A
resistência traz o verdadeiro sentido à palavra comumente usada.
A modelo ainda lembra, com orgulho, das pioneiras do
movimento. As primeiras mulheres trans a ocuparem espaços
inimagináveis. Marsha P. Johnson, Miss Major e Charlotte von
Mahlsdorf. Figuras que marcaram a história da comunidade
LGBTQIA+ no Brasil e no mundo.
Além do sonho de desfilar em grandes passarelas, Melissa
também preza pelo lado simples da vida. Casar e constituir uma
família. Criar laços e deixar o seu legado. Sonhos simples e
desejos que ilustram sua simplicidade.
Fé em um futuro melhor. Mais respeito e empatia. Para Mel, o
preconceito sempre irá existir. Porém, com a união da sociedade
em prol de uma vida digna para cada membro da comunidade,
todos poderão retratar suas memórias e lutar pelo fim da
discriminação.
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CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
Se faz necessário que o mundo tenha mais histórias como a de
Melissa. Mais mulheres trans vencendo e se destacando. Diante da
baixa expectativa de vida da população transexual, as vivências da
comunidade, bem como a da modelo, devem ser contadas
diariamente.
Para pessoas trans que se encontram em fases difíceis do
processo de transição, marcadas por dúvidas e insegurança,
Melissa traz inspiração. Sua trajetória reflete na força do
empoderamento da comunidade. O mundo cruel tenta, a todo custo,
dizer que são incapazes. A massa repreende e exclui.
Vieses ideológicos fortalecidos por limitações impostas pelo
sistema, por sua vez, dificultam os processos de aceitação e
inclusão. Diariamente, falácias são disseminadas para um grande
número de pessoas. Estas que, se sentem no direito de expor
pensamentos que oprimem.
Tratam-se de posicionamentos que dão espaço para o ódio.
Ideais problemáticos passaram a circular por todos os meios. O
opressor ganha voz e busca, a todo instante, atrair mais aliados
para o seu núcleo de desinformação.
Casos de transfobia passam pelo processo de espetacularização
e as vítimas se tornam números. Histórias aniquiladas pela
constante busca por capital. No dia-a-dia, pessoas trans são reféns
da marginalização.
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CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
A fim de se combater a discriminação pela raiz, a sociedade
deve trabalhar em conjunto. Permitir que a população transexual
brasileira possa imergir, por completo, nos mais diversos âmbitos.
Oportunidades em trabalhos formais e a valorização do empenho
destas pessoas.
Olhares empáticos. Compreender os privilégios
heterocisnormativos e identificar as falhas, de modo geral, do
combate à transfobia. Exigir ações inclusivas e contribuintes à
busca pela participação ativa da comunidade no mercado de
trabalho.
O necessário (e inexistente) auxílio por parte do Estado.
Políticas públicas voltadas à inclusão e projetos sociais que visem
a disseminação de informações pertinentes. Abordar a temática,
nos mais diversos setores, de maneira clara e responsável.
Adaptar tais estudos de acordo com a realidade do público a ser
trabalhado. Classes sociais, faixas etárias e interesses. A unicidade
do ser humano exige a busca, por parte de órgãos oficiais, de
abordagens pertinentes a todas parcelas da população.
A abolição do uso de argumentos religiosos para o incentivo ao
ódio. Incentivar a compreensão da inexistência de verdades
absolutas. Permitir que cada cidadão possa encontrar sua fiel
identidade e viver a partir daquilo que o faça feliz. Paz e liberdade.
No país com o maior número de casos de transfobia, conteúdos
pornográficos com corpos trans são os mais consumidos. Este é o
Brasil. Hipocrisia e segmentação. A insinceridade do
conservadorismo.
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CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL
Caminho árduo. Incontáveis pilares a serem conquistados e
trabalhados em prol da equidade. Apoiar esta causa vai além de
posts nas redes sociais. Trata-se de empregar pessoas trans. Votar
em pessoas trans. Incentivar pessoas trans. Caminhar com pessoas
trans. Amar pessoas trans.
Retratar histórias de força e superação, assim como a de
Melissa, simboliza a valorização de cada membro da comunidade.
Vivências individuais que, ao mesmo tempo, representam tantos
outros personagens.
Experiências que moldam o ser. Casos marcantes e responsáveis
por fortalecer as constantes batalhas enfrentadas pela comunidade.
Esta, cansada de ser deixada em segundo plano.
Revolução. Vidas trans importam!
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"Eu espero uma sociedade com
mais respeito e mais amor. Hoje em
dia, muitas pessoas falam sobre
empatia, mas ninguém se coloca no
lugar do outro. Espero que ainda
tenha mais inclusão e
representatividade. Isso é muito
importante!"
CAPÍTULO III
REALIDADE INTERIORANA
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A paz cativante. Relaxar, caminhar pela praça, tomar sorvete,
nadar no rio. Enquanto as crianças brincam na rua, as mamães
supervisionam da calçada. Depois de um tempo, a brincadeira
termina e todos entram para beber água.
Com a chegada e popularização dos aparelhos celulares, as
brincadeiras ao ar livre diminuíram. A facilidade de acesso a novas
formas de entretenimento, alteraram a rotina das crianças,
principalmente interioranas.
Mesmo com tal mudança, o interior continua sendo diferente.
Muitos amam, outros detestam. Cidades do interior,
comprovadamente, são mais indicadas a pessoas idosas. A
tranquilidade do ambiente pode ser capaz de proporcionar dias
mais leves e apropriados a este grupo. Visitar a vovó, que mora no
interior, fez e continua fazendo parte da rotina de muitos
brasileiros.
Cidade pequena gera grande proximidade entre os moradores.
As notícias correm e quem conta um conto, aumenta um ponto.
Novos romances, promoções no trabalho, desentendimentos
familiares. A famosa “rádio peão”.
A realidade da população interiorana não se iguala a demais
vivências. Determinados valores são passados de geração para
geração.
Referindo-se ainda, aos menores de idade, deve-se citar a
notável presença do patriarcado. O papai sai para trabalhar e a
mamãe lava a roupa. A vovó faz bolo e o vovô assiste ao jornal. A
menina brinca de casinha e o menino joga futebol. Papéis pré-
definidos.
CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA 36
As consequências da limitação imposta por este sistema são
cruéis. Sendo obrigados a concordarem e seguirem este modelo,
jovens interioranos são impossibilitados de se descobrirem e a
desvendarem o verdadeiro sentido de suas vidas. Estas, em muitas
das vezes, marcadas por vivências falsas e infelizes. Identidades
aniquiladas.
Conservadorismo. Os filhos seguem o mesmo caminho dos pais.
Caminho classificado como correto e esperado por Deus. O filhão,
para encher o pai de orgulho, deve arrumar um emprego, comprar
um carro, construir uma casa e “arrumar” uma bela esposa. Fugiu
do roteiro? Vergonha. Aberração. Desonra.
A menina, princesa. Jeito delicado. A obrigação de ser mãe.
Anular suas vontades próprias e obedecer ao marido. Nos almoços
de domingo, as mulheres preparam a comida e fazem os pratos dos
esposos e das crianças. Servir.
É inevitável que sonhem em ser motivo de orgulho para os pais.
Estes, que lutaram tanto por sua criação. O desejo de ser amado,
principalmente pela família, faz parte do ser humano.
Torna-se perceptível que, muitos dos pais e/ou responsáveis, se
aproveitam deste sentimento para tomarem posse da personalidade
do jovem. Seu estilo, seus desejos, suas escolhas. Lavagem
cerebral camuflada de proteção.
A paz do interior, desejada por tantos, permanece inexistente
para grande parte da população interiorana LGBTQIA+. A busca
por pertencimento ao padrão excludente e limitado, imposto pelo
sistema patriarcal, invalida a existência da diversidade. Esta, que
enriquece a cultura e traz vida à sociedade.
CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA 37
CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
As diferenças amedrontam os que não saem do lugar.
Nas ruas, comentários maldosos. Para a massa conservadora, o
jeito de andar do homossexual afeminado incomoda mais à fome de
uma pessoa em situação de rua. Valores invertidos e fortalecidos
pela hipocrisia. O medo de andar de mãos dadas jamais fará parte
da vida de população heterocisnormativa.
Jovens LGBTQIA+ que vivem no interior, demoram para
vivenciar, de fato, o amor. Casais Queer enfrentam olhares
perversos do conservadorismo. Como se permitir amar alguém do
mesmo sexo e abrir mão de sua paz?
A dor, sofrida pelos alvos da discriminação, gera um sentimento
de inferioridade. Não se considerar interessante o suficiente a
ponto de despertar amor.
Ao se deparar com pessoas dispostas a construir um
relacionamento, o trauma se faz presente. A rejeição sofrida,
durante tantos anos, desperta o receio de, mais uma vez, se
machucar. Dificuldade de partilhar. Medo de amar. Medo de ser
amado.
No ramo profissional, ainda mais dificuldades para a população
Queer. Em adição à limitação do mercado de trabalho em regiões
interioranas, a comunidade enfrenta outro obstáculo: a
discriminação.
Comércio e pequenas empresas privadas. Oportunidades
escassas. Não há como fugir do momento da entrevista. O
contratante, além dos critérios definidos para a especificação da
vaga, leva outros pontos em consideração. Marcados pelo
patriarcado, tais critérios prejudicam a empregabilidade da
comunidade.
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CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
A partir de pré-julgamentos, os empresários optam por dar
oportunidades a candidatos que condizem com o padrão esperado.
Este, não relacionado à qualificação profissional.
Heterocisnormatividade.
Partindo deste princípio, nota-se a extrema dificuldade, por
parte da comunidade LGTBQIA+, em sobreviver no interior. A
dificuldade em se construir uma carreira fixa e consolidada.
No ramo da beleza, Fernando Vogue se sobressai. Morador de
Cruzeiro, interior de São Paulo, afirma que já nasceu cabeleireiro.
Durante a infância, sua diversão era fazer tranças nas bonecas de
suas irmãs e cortar o cabelo de amigas e familiares.
Sendo o caçula de 8 irmãos, foi muito paparicado. Infância
saudável e feliz. Brincadeiras que, somente crianças do interior
possuem o privilégio de vivenciar. O ar fresco e a luz do luar.
Pique-esconde, pega-pega e bandeirinha.
Na escola, grandes amigos. A ingenuidade das crianças. Na fila
da merenda, no pátio, na portaria ou na sala de aula. As disciplinas
se tornavam parte da diversão e cada dia era uma nova descoberta.
O carinho pela época tão marcante em sua vida e com papel
fundamental na formação de seu caráter. Tempo que não volta
mais.
Vogue revela a grande admiração que tem por sua mãe. Esta
que, sempre o apoiou e o incentivou a ser quem quisesse. Sua
grande heroína. Amor verdadeiro. Relação responsável por
fortalece-lo.
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CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
O cruzeirense relembra, com carinho, do cuidado de suas irmãs.
Quando brincavam de castelo encantado, sua irmã se fantasiava de
príncipe para que ele pudesse ser a princesa. Era notável o brilho
em seus olhos no momento em que colocava o vestido e conduzia a
brincadeira.
Ao contrário de outras crianças, vítimas do sexismo, o pequeno
possuía a liberdade de ser quem sempre foi. Sem medo de ser feliz.
A pureza em brincadeiras que, em famílias conservadoras,
poderiam ser encaradas como comportamentos não-apropriados.
Durante este período, o primeiro contato com o mundo da
beleza. Ao se deparar com uma edição da revista Vogue, razão para
seu nome, se maravilhou com o universo que estava à sua frente.
A felicidade ao descobrir a existência de projetos que o
completassem por inteiro. Embora não fizesse parte de sua
realidade, sentiu algo único. A magia de compreender, a partir
daquele momento, os âmbitos a serem explorados ao longo de sua
vida.
No Carnaval, o pequeno aproveitava de sua própria maneira.
Pano sob a cabeça e saia feita a partir de um short velho. Fernando
se dirigia à folia com seus irmãos e vivenciava momentos de
extrema felicidade.
Confete, fantasias e refrigerante. A espera pelo feriado mais
animado do ano. O jovem não conseguia dormir. Ao fim da tarde, o
início dos preparativos para a grande noite. Antes de sair de casa,
hora do lanche. A benção da mãe e as regras para a folia.
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CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
Após horas de diversão, o extremo cansaço. Seus irmãos o
traziam no colo e sabiam que, para Fernandinho estar naquele
estado, a festa havia valido a pena. Forças escassas para o banho.
Pés sujos e roupas tomadas pelo glitter. Sono pesado e olheiras sob
seu rosto. Que noite!
No dia seguinte, sentar na calçada e relembrar cada momento.
Risos sinceros e olhares apaixonados. Vogue sempre priorizou o
contato com pessoas especiais. A distância entre família e amigos,
presente em determinados momentos de sua vida, nunca os
separou. Conexão eterna.
Aos 50 anos de idade, reafirma o orgulho de sua história.
Enquanto foliões marcados pelo conservadorismo reprovavam seu
comportamento, a criança só queria se divertir. Se divertir com
pessoas especiais. Experiências que marcaram sua história.
Sua sexualidade nunca foi um tabu. A certeza sobre sua
identidade, seus gostos e seus sonhos. Embora reconhecesse estar
na contramão do esperado pela sociedade, sempre valorizou a
importância de se sentir bem consigo mesmo.
A sensação de seguir o caminho certo.
Ariano nato, como costuma dizer, o ícone de Cruzeiro nunca
pensou em se esconder. O gosto por levantar sua bandeira e lutar
por aquilo que acredita, independente das consequências, sempre
fizeram parte de suas prioridades. Fugir do padrão. Inovar.
Ao ingressar no mercado de trabalho, Vogue não se encontrou.
Bem como a falta de oportunidades, o foco em áreas que não lhe
agradavam, impediu que definisse, de início, um caminho a ser
seguido. Desempregado, o sentimento de incapacidade.
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CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
Certo dia, um convite inesperado. Seu grande amigo, o qual,
recorria aos talentos de Fernando com maquiagem, o chamou para
acompanha-lo até São Paulo e dividir um apartamento. Foram dias
de angústia e incertezas até a tomada de decisão.
O futuro cabeleireiro escreveu uma carta para sua mãe e se
mudou para a cidade grande. Novas histórias. Lugares que não
condiziam com sua rotina. O sossego do interior trocado pela
inquietação das avenidas de São Paulo.
Após dois meses de mudança, o primeiro curso voltado à área
da beleza. Vogue foi obrigado a conciliar os estudos e o trabalho
no escritório. Este, não o de seus sonhos; apenas necessário para
investimentos em setores de real interesse. Dois anos preso a pilhas
de papéis.
Mediante à esta realidade, optou por abandonar a área
administrativa e buscar por sua realização pessoal. Esta,
relacionada à vida profissional. Os primeiros atendimentos foram
realizados em casa. Clientes encantados com a qualidade do
serviço. Amor e dedicação.
Vale ressaltar o grande número de pessoas que se dirigem às
capitais em busca da primeira oportunidade. Devido à ausência de
vagas, a população interiorana recorre a alternativas que fogem de
sua zona de conforto. Aprendizados originados a partir de novas
vivências.
Profissionais LGBTQIA+ interioranos enxergam as grandes
cidades como um ponto de esperança. Após tantas batalhas
vencidas e portas fechadas em suas terras de origem, as metrópoles
são encaradas como a última chance de possíveis avanços em suas
respectivas carreiras.
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CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
A diversidade das capitais gera conforto e identificação. Estes
locais, embora apresentem significativos números de casos de
preconceito, manifestam riquezas culturais. Desta forma, passam a
ser encarados como ambientes “seguros” para aceitação e vivência
de identidades únicas e verdadeiras.
A paixão pela nova fase não impediu que Fernando voltasse para
o interior. O intuito de retornar às suas origens e realizar, onde
tudo começou, seus maiores sonhos. Manter contato com a família
e lutar em prol de seus objetivos.
O cabeleireiro reafirma o amor por sua terra. Em Cruzeiro,
aprendeu a amar e a valorizar cada segundo. Firmou laços e
descobriu suas maiores paixões. Como citado anteriormente, o
interior desperta reações de amor ou ódio. Vogue se orgulha em
dizer o quanto ama sua cidade natal.
Desapegado de bens materiais, prefere estar rodeado de pessoas
verdadeiras e ricas de alma. Onde sente-se em casa, estão aqueles
que fizeram parte de sua história. Relações que moldaram seu
caráter e o fortalecem em batalhas diárias.
Andar pelas ruas e cumprimentar a todos que cruzarem seu
caminho. Fernando não abre mão de sua rotina. Ser amado e
distribuir sorrisos. Acompanhar o crescimento e a evolução de cada
ente querido. Se nutrir do abraço de amigos que se tornaram parte
da família.
Seu retorno para Cruzeiro marcou o início de uma nova etapa.
O foco em sua vocação, bem como o suporte cedido por aqueles
que mais ama, contribuiu para sua grande realização. Trabalhar
com beleza, para Vogue, simboliza o mais precioso da vida.
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CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
Amigos, não mais clientes. O público pode sentir sua gratidão
em trabalhar com aquilo que sempre sonhou. A felicidade
transparece. A responsabilidade apresenta leveza e supre o desejo
de sua alma.
Fernando, como membro da comunidade LGBTQIA+,
reconhece a presença de dogmas e tabus em determinados
posicionamentos de suas vivências. Estes, por sua vez, atribuídos à
sua criação. Princípios baseados em predefinições limitadas e
incapazes de lidar com a diversidade.
O cabeleireiro ressalta a esperança no crescimento de
populações empáticas e acolhedoras. Rompimento de barreiras. Sua
convivência com novas gerações, durante sua rotina de trabalho, o
permite refletir sobre ideais justos e livres de amarras. Liberdade e
comoção.
Vogue acredita em um futuro melhor. Baseando-se em
experiências já vividas, cita a perceptível evolução da sociedade
como um todo. O convívio com os mais diversos grupos de
pessoas, ao longo de seu caminho profissional, possibilitou sua
percepção individual de bom e ruim.
Lidar com as diferenças. Para a sua geração, como sempre diz,
manteve-se como ponto delicado. Divergência de opiniões.
Fernando luta, diariamente, em prol de sua evolução pessoal. Sair
da zona de conforto e abraçar as mais novas oportunidades de
crescimento.
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CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
Acordar cedo e se dirigir à sua segunda casa. Fernando levanta,
toma o seu café e se prepara para atender ao público. Após a
finalização, fotos para as redes sociais. Cortes, tinturas e
procedimentos estéticos. A inserção no mundo digital, para Vogue,
também se faz presente. Adaptação e redescoberta.
Assim como a estrela cruzeirense, deve-se citar a constante
busca pela adaptação dos profissionais a este novo cenário. A
dificuldade de inserção no mercado de trabalho, por parte da
comunidade, a torna refém dos mais diversos tipos de
aperfeiçoamentos e transformações.
A necessidade de independência. Trabalhar em prol de sua
própria liberdade. Tratando-se da comunidade LGBTQIA+, tal
autonomia não diz respeito a possíveis luxos e superficialidades,
mas sim, ao sustento.
É indispensável citar o grande número de jovens expulsos da
casa de seus responsáveis. Humilhação e linchamento. Vidas
dilaceradas pelo preconceito. Pais infringindo a liberdade de seus
filhos e anulando a história que construíram juntos, como uma
família.
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"Meu sonho é diferente das outras
pessoas. Eu sonho em ver o mundo
curado das coisas ruins. Não gosto
dessa disputa que o ser humano
tem. Não gosto dessa arrogância.
Meu sonho é ver o mundo
diferente. Que as pessoas se olhem
e se igualem."
CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
Nas ruas, sem suporte e acolhimento, situações de perigo.
Sozinhos, em busca de alimentos, remédios ou gestos de carinho,
tais membros da comunidade passam a ser encarados como
estatísticas. Desemprego, miséria e agressões.
A vulnerabilidade da população LGBTQIA+ passa a ser
refletida nos constantes casos de violência. O ódio encarado com
naturalidade. A ineficiência do sistema judiciário em lidar com
situações de LGBTfobia. Descaso e impunidade.
Em cidades do interior, os ocorridos apresentam ainda mais
dificuldades de solução. Embora a “rádio peão” se faça presente,
como citado anteriormente, devido ao atuante viés conservador
destas regiões, tais acontecimentos permanecem por debaixo dos
panos. Não há quem se importe com a dor de uma vítima da
LGBTfobia.
A opressão sofrida pela massa heterocisnormativa e
conservadora, em conjunto ao despreparo do sistema, por sua vez,
não enche os olhos das autoridades. Nota-se, a partir da maneira
com que demais crimes são tratados em localidades interioranas, o
desprezo do governo pela comunidade LGBTQIA+.
Nestas regiões, assuntos supérfluos e/ou de interesse da elite,
ganham maior destaque. Dores invalidadas. Figuras políticas que
visam o capital. Projetos infundados e utilizados como ferramenta
de divulgação de suas respectivas imagens.
Durante as campanhas, promessas. Cultura, saúde e emprego.
Após os resultados, ações benéficas a seus aliados e focadas em
suprir, unicamente, seus próprios interesses.
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CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
Candidatos “defensores da família”. Discursos preparados para
a grande massa.
A população conservadora, sob este cenário, passa a enxergar
uma chance de expor ideais e posicionamentos discriminatórios. A
presença de líderes políticos fortalecidos por discursos opressores
e excludentes, atribui normalidade a este tipo de comportamento.
Jovens interioranos e membros da comunidade LGBTQIA+ vivem
com medo. Os casais, ao cruzarem por conhecidos nas ruas, soltam
as mãos. Sensações e vivências que jamais serão compreendidas
por parte da massa heterocisnormativa.
Em muitas das vezes, as dores são associadas ao “mimimi”.
Termo este, empregado a fim de se classificar angústias que não
fazem parte da realidade de quem o utiliza. Insensibilidade.
A segmentação presente em municípios do interior fortalece a
homogeneidade do mercado de trabalho. O comércio local, fonte de
lucro em grande parte destas regiões, passa a banalizar a luta por
inclusão e valorização à diversidade.
Mediante a esta realidade, membros da comunidade LGBTQIA+
residentes destes locais, recorrem a outras alternativas de
sobrevivência. Dentre elas, como citado anteriormente, estão a
adesão a empregos informais e a migração para as grandes capitais.
A limitação de ambientes fundamentados por ideais
conservadores e excludentes reflete na dificuldade de candidatos
Queer de receberem oportunidades. O descaso de empresários e
profissionais de cargos elevados em aplicar, de fato, políticas de
inclusão no ambiente de trabalho.
47
CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
Cumprir metas. Donos de empresas trabalham de acordo com as
demandas de mercado. Este, sustentado por políticas e demais
ações voltadas ao capitalismo. Em ambientes corporativos, a
ausência de diversidade e participação de grupos minoritários.
Espera-se que, a partir do desenvolvimento de iniciativas voltadas
à diminuição da desigualdade, bem como do incentivo a campanhas
de inclusão, a realidade possa mudar. Caminhos que exigem
trabalho e real participação do Estado e restante da população.
A riqueza do interior. Sua beleza e seus pontos fortes. Locais
esquecidos e desvalorizados pela sociedade. Ares frescos. A
evolução gradativa de pontos que, há tempos, encontravam-se
inimagináveis. A importância de sua participação na construção da
história.
O necessário empenho em transformar estas regiões em
ambientes mais acolhedores e receptivos. Retomar a paz. Preparar
e levar informações com o propósito de alterar a maneira com que
as diferenças são reputadas. Permitir que a diversidade seja
reconhecida, incentivada e valorizada.
Compreender o contexto a ser trabalhado e possibilitar maiores
diálogos nestas localidades. Ouvir, abraçar e instruir. Semear a
empatia. Apresentar o valor de cada indivíduo e sua respectiva
jornada. Elucidar caminhos a serem percorridos a fim de se
construir e manter sociedades isentas de estigmas e limitações.
48
CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA
Possibilitar a maior participação LGBTQIA+ em regiões
interioranas. Criar ambientes seguros para cada membro da
comunidade e impedir que a violência seja incentivada e
naturalizada. Desenvolver conteúdos imersivos e contribuintes para
o fim da discriminação.
Informações que retomem o amor do povo interiorano. Unir
pessoas separadas pela fortificação de ideais opressores e
excludentes. Evidenciar a importância de se enlaçar a
solidariedade.
49

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  • 1. TRAJETÓRIA, LUTA E A GESTÃO DE TRABALHADORES LGBTQIA+ NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO O C A M I NHO AO POTE D E O U R O PAULO VITOR
  • 2.
  • 3. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 4 CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 7 CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL 21 CAPITULO III: REALIDADE INTERIORANA 35
  • 4. Sobreviver em meio ao caos. O convívio em uma sociedade que oprime. Lidar com casos de violência e questionar a própria segurança. Andar pelas ruas do país com o maior número de vítimas da discriminação. Tropicalidade, futebol e Carnaval. A imagem acolhedora para a mídia internacional. Valores cristãos e patriotismo. Belezas exuberantes, corpos perfeitos e o espírito da fraternidade. Rodas de samba e amor pela pátria. Diversidade cultural. Paz e irmandade. Aos finais de semana, reunião entre amigos de infância. Reencontro de entes queridos. Cidadãos de bem. Ordem e progresso. Este é o Brasil? Para a comunidade LGBTQIA+, a realidade se difere das características atribuídas à nação brasileira. A dificuldade em participar dos mais diversos âmbitos. Estes que, desde os primórdios, encontram-se de fácil acesso à massa heterocisnormativa. Na esfera social, olhares de desaprovação nos mais leves dos casos. Piadas e o uso de termos pejorativos. Exclusão e desamparo. Ambientes inacessíveis àqueles que não se encaixam ao padrão moldado e exigido pelo patriarcado. Agressões. Abusos físicos e verbais. O crescente número de casos de LGBTfobia. Em casa, espaços públicos e ambientes de trabalho. Opressores fortalecidos pela falta de ações por parte do Estado. Não há local seguro. INTRODUÇÃO 4
  • 5. No ramo profissional, a carência de oportunidades. Profissionais prejudicados e impedidos de evoluírem suas carreiras. Do momento de contratação à atuação em seu cargo designado, o funcionário LGBTQIA+ passa por constantes batalhas. Ideais sustentados pelo sistema capitalista. Valores excludentes e responsáveis pela marginalização de grupos minoritários. Tribulações na empregabilidade da população Queer. A inexistência de políticas públicas que priorizem, de fato, a mudança da situação descrita. Ações que saiam do papel e auxiliem na emancipação LGBTQIA+. Realidade que reflete na vulnerabilidade da comunidade. Acesso restrito. Na teoria, solidários ao movimento. Apoiadores que fecham as portas para mulheres trans e as inferiorizam. Adjetivos de ofensa. O uso indevido e mal-intencionado de pronomes que não correspondem a suas identidades. Casos de homofobia em ambientes corporativos. Funcionários levados a situações de constrangimento. Suas capacidades e profissionalismos colocados à prova. Dispensas e demissões infundadas, originadas a partir de ideologias limitadas e excludentes. Nos mais distintos setores, o cenário LGBTfóbico. Áreas carecidas de inovação e inclusão. O universo de oportunidades perdidas devido à fortificação deste sistema. Obtentores de poder e capital. A delimitação de caminhos a serem trilhados por membros da comunidade. 5
  • 6. O enriquecimento proporcionado pela diversidade. Esta, apta a trazer representatividade. Voz para vítimas de raízes discriminatórias. Suporte necessário para a luta contra a LGBTfobia e quaisquer tipos de perseguição. A presença LGBTQIA+ vista como ameaça. Ocupação de locais de comodidade à massa heterocisnormativa. Ações, por parte do Estado e restante da população brasileira, focadas em dificultar o processo de conquista e liberdade Queer. Ayana, Melissa e Fernando contam suas histórias. Vivências únicas e, ao mesmo tempo, capazes de gerar identificação a quem as consome. Experiências significativas. Relatos ilustrativos e grandes o suficiente para retratar a realidade da comunidade. Histórias ímpares, assim como todas as outras. Vidas marcadas por superação e comprometimento com a liberdade. Colaboração coletiva. Corredores estreitos. No fim do túnel, uma luz que se acende. Gritos, persistência e determinação. Impedir que novas portas se fechem e mais brilhos se apaguem. O dificultoso caminho ao pote de ouro. 6
  • 7. CAPÍTULO I A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 7
  • 8. A Arte lava a alma. Renova e enriquece. Expressar os mais profundos sentimentos, por meio desta, possibilita olhares intensos sobre a história contada. Seja boa ou ruim. Conhecer o íntimo do artista. O íntimo que gera identificação, conforto e representatividade. Vivências retratadas por notas musicais. Melodias que levam a viagens intrínsecas. O poder da Música engradece quem a produz e consome. Crescimento individual e coletivo. Sob posse do artista, sua canção o aproxima daqueles que o prestigiam. Conexões reais. Fazer a diferença. Gerar identificação. A emoção conduzida em razão da sétima arte, exprime tamanho esplendor de sua construção. Lágrimas, sorrisos e entrega. Para a comunidade LGBTQIA+, participar deste processo levou tempo. E ainda há a se conquistar. A ocupação destes espaços por artistas Queer’s, ao longo da história, gerou incontáveis batalhas. Muitas destas, vencidas pela opressão do sistema que obtém poder sob o mundo. A presença de cantores que não pertenciam ao padrão aceito e esperado, era vista como ameaça. Ameaça à limitação imposta por esta estrutura. Mau-exemplo e coisa do diabo. Na casa dos cidadãos de bem, sustentada por mentiras e hipocrisia, músicas mundanas não poderiam tocar. Consumir este conteúdo? Que absurdo! A família tradicional brasileira se depara com meninos de maquiagem e salto alto. Meninas beijando meninas. Um choque de realidade. A compreensão da grande diversidade existente fora de sua bolha. Drag Queen’s esbanjando carisma, força e talento. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 8
  • 9. Ser LGBTQIA+, no Brasil, exige constante provação. O olhar de inferioridade, por parte da massa heterocisnormativa, distancia os sonhos da comunidade. Provar ser bom. Provar ser capaz. Provar ser normal. Discografias repletas de identidade. Algo nunca visto. Produções além de uma simples composição lucrativa. Pela primeira vez, letras que contavam histórias reais. Histórias anuladas por tanto tempo. Obras que não se encaixavam à superficialidade esperada pelo sistema. O cenário musical traça novos caminhos. Muitos percalços. Tentativas de silenciamento. A abordagem de temas encarados como tabus, vista, novamente, como ameaça. Riscos corridos diariamente. Resistir para ser. Com as primeiras aparições da comunidade em mídias televisivas e rádios, a coragem vem a surgir. O sentimento de pertencimento sai do armário. Representatividade traz vida. Cazuza, Ney Matogrosso, Cássia Eller. A presença de artistas que geram identificação à comunidade, possibilita a compreensão da capacidade de ocupação dos mais distintos espaços. Estes, limitados e ocultados. Séculos de desaprovação e linchamento. O caminho a ser percorrido por artistas LGBTQIA+ permanece árduo. Além da constante necessidade de provação e aprovação, o local de destaque se mantém distante. Para se obter o mesmo enaltecimento de artistas pertencentes à massa heterocisnormativa, é necessário... Não há esta opção. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 9
  • 10. Embora seja possível notar evoluções, a desigualdade ainda se faz presente. A maneira com que perdoam o artista “padrão” por falas problemáticas e, ao mesmo tempo, desmerecem e inferiorizam o artista Queer, reflete esta realidade. Na divisa entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, um pequeno município do interior se destaca por seus encantos. Cruzeiro, a cidade menina, palco da Revolução Constitucionalista de 1932, possui grandes talentos. Vozes que abrilhantam e enriquecem o local. Lá, nasceu Ayana Ribeiro. Mulher trans, preta e guerreira. Artista local determinada a lutar por seus sonhos e por aquilo que acredita. Ayana foi uma criança agitada e espontânea. Trazendo alegria a todos que estiveram ao seu redor, já reluzia traços artísticos. Usando peças de roupa da mãe, suas performances das músicas da estrela dos anos 2000, Kelly Key, eram sua diversão. Sapato de salto nos pés, saias rodadas e as primeiras “laces”: toalhas de banho. Aos cinco anos de idade, Ayana teve o seu primeiro contato com a Música. Primeira conexão com sua vocação. Participante ativa da Igreja Evangélica, devido à tradição de seus familiares, a pequena frequentava, aos sábados, o culto das crianças, denominado de “cultinho”. Nestes encontros, a garotada se reunia sob a supervisão de adultos destinados ao papel de monitores e/ou catequistas. Brincadeiras, partilhas, estudo do evangelho e orações. A artista se sentia bem no ambiente. As crianças encontram alegria nos menores dos detalhes. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 10
  • 11. Certo dia, ao final de um dos cultos infantis, a monitora deu uma missão às crianças presentes. Para o próximo encontro, teriam que preparar apresentações para os pais e demais fiéis da Igreja. Dentre as atividades designadas, lá estava ela: a Música. Ayana encheu os olhos de lágrimas e se dispôs a cantar. Uma tarefa difícil e completamente nova. Durante a semana, preparação e ensaios. A escolha de uma música perfeita, marcada por nervosismo e insegurança, foi a parte mais difícil. A inocência da garota não a permitia compreender que, a partir desta iniciativa, sua história iria mudar. Seus sonhos se fariam presentes. E chegou o grande dia. Boca seca, mãos trêmulas e suor sob o rosto. Ao subir no palco, Ayana sentiu o nervosismo tomar conta de seu corpo. O desejo de sair correndo dali, em meio à multidão, era enorme. A respiração, ofegante. Mas ela não poderia desistir. Como deixar as crianças do cultinho na mão? Ela prometeu, se preparou e entregou. Ao soltar a voz, pela primeira vez em sua vida, a artista fez o local estremecer. A plateia, anestesiada por tamanho talento, se perguntava como a criança havia aprendido a cantar daquela maneira. A cantora emocionou a todos que foram a prestigiar naquela noite. A noite decisiva para a sua vida. Após cantar o último refrão da canção, a artista abriu os olhos e se deparou com a Igreja de pé, a aplaudindo e pedindo por mais canções. Naquele instante, Ayana percebeu que nunca mais deveria soltar o microfone. E como um sonho de criança, a Arte passou a fazer parte de seus planos. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 11
  • 12. Ao voltar para casa, não conseguia digerir a situação que havia acontecido. A mistura de sentimentos, em conjunto ao desejo de cantar muitas e muitas vezes, não permitia que a pequena fechasse os olhos naquela noite. Sorriso de orelha e orelha. Fortes emoções. Para amigos e familiares, seu sonho já estava definido: ser cantora. As pessoas ao seu redor eram capazes de notar a importância da Música. Seu combustível. A inclusão da Arte em todos os âmbitos de sua vida. Prioridade. Embora reconhecessem a dificuldade em se consolidar carreiras musicais em cidades do interior, seus entes queridos não desanimavam a futura cantora. A inocência da criança, em conjunto à pureza de seus sonhos mais sinceros, trazia alegria e esperança ao ambiente. Na escola, o jeito sincero e único da artista incomodava algumas crianças. Estas, incentivadas a repudiarem o diferente. A cantora relata as agressões sofridas durante as aulas, principalmente por meninos. Grupos de estudantes a cercavam e a agrediam verbalmente e fisicamente. Ofensas pautadas na LGBTfobia, na maioria das vezes. Apesar das dificuldades enfrentadas neste período, a cantora nunca deixou sua luz se apagar. Tendo orgulho de si mesma, o ódio que lhe era disseminado nunca a impossibilitou de sorrir. Ao voltar para casa, reencontrava o seu sonho. A arte, mais uma vez, era capaz de dar sentido à sua vida. Música, dança e poesia. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 12
  • 13. Com o passar dos anos, Ayana, não mais uma criança, passou a se conhecer intimamente. Seus desejos, suas vivências e sua identidade, de maneira geral, não correspondiam àquilo que sonhavam para ela. Sonhos que não pertenciam à artista. Sonhos que anulavam sua existência e, acima de tudo, sua felicidade. Sonhos que a impossibilitariam, de forma cruel, de ser ela mesma. Fatidicamente, a cantora não era mais vista da mesma maneira por pessoas que faziam parte de sua vida. Na Igreja, olhares de julgamento e desaprovação. Era difícil se encaixar ao padrão desejado por aqueles que diziam amá-la, acima de qualquer coisa. O uso do nome de Deus para a disseminação de ódio e preconceito, mais uma vez, afetou uma nova vítima. Não foi possível permanecer ali. Era injusto continuar se escondendo e anulando a verdadeira Ayana. Seu sorriso, não mais o mesmo. Suas angústias, camufladas por insinceridade e atuação. A toxicidade do ambiente designado a acolher e cuidar de pessoas. Juízo de valor e discriminação. Comentários maldosos durante cerimônias sagradas. A presença daqueles que leem a Bíblia e a decodificam de acordo com seus interesses. Interpretações seletivas e inapropriadas. A artista relata, com alegria, do momento em que decidiu não voltar mais para a Igreja. Um fim de semana que marcou sua vida. Após tomar a decisão de deixar o ambiente, recebeu o convite para uma festa. Sem pensar duas vezes, decidiu marcar presença. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 13
  • 14. Como um look preparado por ela mesma, foi o destaque da noite. Black Power e maquiagem bafônica, segundo a cantora. Finalmente, livre. Após tantas indagações, sentia-se completa e disposta a cuidar de si mesma. A libertação que seu interior precisava. Vontade de viver, amar e continuar lutando por seus sonhos. Ainda assim, sua liberdade a afastou de pessoas especiais. O preconceito, enraizado ao arcabouço cultural de cada um, impede que o amor fale mais alto. Pensamentos retrógrados e excludentes, fortalecidos por um sistema opressor. Machuca. Ayana sente, mas compreende que, sua felicidade cabe apenas a ela mesma. Nas noites de insônia, pensamentos tomam conta de seu interior. Dúvidas, questionamentos e receio do futuro. Sua força não permite que inseguranças a prejudiquem. Se dói, vira música. A artista compreende o poder da sétima arte em expressar os mais delicados e profundos sentimentos. Por onde vai, encanta e cativa. Novas histórias e novos amores. Em seu ciclo de amizades, a artista é inspiração. Traz alegria e incentiva, seja quem for, a seguir seu coração. Sinônimo de fortaleza. Carinho, conselhos e suporte a quem precisa. Ombro amigo para aqueles que a recorrem em momentos de fraqueza e dificuldades. O real interesse em ajudar. Sua alegria desperta o melhor daqueles que estão ao seu redor, mesmo que não a conheçam. Sem Ayana, a festa não pode começar. A verdadeira dona da festa. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 14
  • 15. Durante dois anos, fez parte do grupo MIXTAPE. Este, formado por mais dois integrantes. Sendo a vocalista, a artista se destacava nas apresentações e nas produções audiovisuais. Músicas dançantes, românticas e com mensagens positivas. Versatilidade e dedicação. Nas performances, looks ousados. A cantora ressalta os comentários maldosos sofridos durante as apresentações. Preconceito camuflado em meio a aplausos. Ela não perdia a postura. Nariz em pé e microfone na mão. O show não pode parar. Ciclos se encerram. A artista passa por um novo momento de sua carreira. A pausa em situações não mais desafiadoras. Mudanças são bem-vindas e necessárias para o crescimento pessoal e profissional de cada indivíduo. A esperança pela chegada de propostas e projetos que possam contribuir para a evolução de sua ocupação. Para Ayana, representatividade é ser. Ser sem medo. Ocupar espaços com força e determinação. Sim, ela é travesti. Ela é vida. Ela é real. Sua essência jamais será perdida ou moldada por outrem. A menina sonha. Sonha acordada. O desejo de ter uma carreira consolidada faz parte de seus maiores anseios. Ocupar palcos e levar alegria para a casa das pessoas. A artista se inspira em seus maiores ídolos e os leva consigo. Espelhos. Além de sonhar em viver da Música, a artista reconhece o poder que a Arte possui. Expressar sentimentos que não poderiam ser retratados de outra maneira. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 15
  • 16. Embora a Arte possibilite as mais variadas formas de se expressar sentimentos e vivências, Ayana compreende os obstáculos que virão a surgir em seu caminho. Conquistas que exigem força e superação. A contratação de artistas Queer’s se difere das demais. Empresários e organizadores de eventos, por sua vez, os colocam no final da lista de opções. Exigências infundadas e boicotes. Dificultar a presença destes artistas em espaços mantidos pela massa heterocisnormativa. No Line-Up de grandes festivais, o crescimento de cantores pertencentes à comunidade. Evolução gradativa. Para grupos conservadores, a simples pronúncia do nome de determinados artistas gera repulsa e olhares de julgamento. Nestes eventos, o público LGBTQIA+ se entrega. Roupas personalizadas, fotos e “trend’s” para as redes sociais. Os artistas Queer’s, por sua vez, se preocupam com todos os detalhes. Além de trazerem força e representatividade durante os shows, cada segundo das apresentações faz parte do planejamento. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 16 "Para o futuro, eu espero mais paz e comunhão entre as pessoas. Mais lealdade e amor ao próximo. Palavras de conforto e ombros amigos para um mundo melhor. Um futuro favorável."
  • 17. Entretanto, vale ressaltar a apropriação da cultura Queer a fim de se geral capital. Marcas e produtores de conteúdo se dizem solidários à causa. A presença do “Pink Money”. Termo este, utilizado para se referir ao lucro gerado a partir da comunidade. Shows, eventos, roupas ou utensílios domésticos voltados ao movimento. Em junho, mês do Orgulho LGBTQIA+, o “apoio” de pessoas que desconhecessem a razão desta luta. Textos vazios e publicações focadas em atrair novos públicos. A apropriação do movimento para se conquistar capital. Gerar frutos para o sistema responsável por intensificar a marginalização de grupos minoritários. A data de comemoração do Orgulho LGBTQIA+ diz respeito a um dos movimentos mais marcantes para a comunidade. Em 1968, os frequentadores do bar Stonewall, localizado no vilarejo de Greenwich, em Nova York, reagiram à violência policial sofrida constantemente naquela região. Grupos que, por muito tempo, permaneceram calados ao abuso de poder. A violência do Estado, designado a trabalhar em prol da qualidade de vida da população. Sua função permanece na teoria. Atuações inaptas e seletivas. A comunidade LGBTQIA+ passou a dominar as paradas musicais. Recordes de engajamento e visualizações. O primeiro lugar de uma Drag Queen nas plataformas digitais. A garra de artistas da comunidade que, ao longo de suas jornadas, precisaram provar, constantemente, força e talento. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 17
  • 18. Na internet, os assuntos mais comentados. O destaque, cada vez maior, de cantores Queer ao redor do mundo. A representação de culturas diversas e a abertura de novos horizontes. Locais que, por si só, simbolizam o poder. O poder da diversidade. Em programas televisivos, a presença destes artistas. Competições musicais ou a participação em demais programas de entretenimento. Espelhos para aqueles que carecem de apoio e esperança. A história do movimento LGBTQIA+ permite e necessita de reflexões. Visões deturpadas e infundadas sobre a comunidade. Ações responsáveis por marginaliza-la e dificultar o acesso de sua população a todos os âmbitos que circundam a sociedade. A inclusão em locais de fácil acesso à massa heterocisnormativa, partindo deste princípio, deve ser encarada como vitória. Espaços liderados por representantes do sistema opressor e excludente, cada vez mais, sendo ocupados por seus membros. A indústria musical não foge desta realidade. Por muitos anos, fora dominada por homens cisgêneros e heterossexuais. Composições e demais trabalhos audiovisuais baseados em fundamentos sexistas e excludentes. A inferiorização feminina e o fortalecimento da figura de “machão”. Durante este período, a comunidade LGBTQIA+ passava por constantes ataques em produções fonográficas. Letras que incitavam o ódio e atribuíam estereótipos discriminatórios às vítimas da LGBTfobia. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 18
  • 19. A Música possui a capacidade de retratar as mais diversas realidades e apresenta-las a novas pessoas. Assim, passa a ser utilizada como ferramenta de emancipação de grupos minoritários oprimidos pela sociedade. Em contrapartida à evolução da sociedade como um todo, pode- se perceber a presença de ideais limitados e excludentes no universo da Música. Além da preferência por artistas heterocisnormativos, tanto por parte dos empresários como da massa, o caminho a ser percorrido por cantores Queer’s permanece inacessível. O apoio a artistas LGBT’s é fundamental. As dificuldades enfrentadas pela comunidade, fortalecidas pelo sistema capitalista, impedem que grandes talentos façam parte de festivais, rádios e demais meios de Comunicação. Vozes vedadas pelo ódio. Libertação pela Arte. Apropriação de sonoridades para transformar vidas. Construir sonhos e realiza-los. Desbancar estigmas e impedir a limitação imposta por culturas opressoras e discriminatórias. Fazer sorrir. Valorizar cada lágrima derramada. Aceitar os sentimentos gerados a partir de uma canção. Difundir as mais belas histórias e acompanhar a trajetória de um artista. Reconhecer o esforço do músico LGBTQIA+ em ocupar espaços dificultosos. Incentiva-lo e mostrar, a todo momento, o quanto sua jornada inspira outras pessoas. Estas que, em muitas das vezes, já não encontram motivos para continuar. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 19
  • 20. A comunidade se une em prol de sua emancipação. Equidade e respeito. Quando um LGBTQIA+ vence, todos vencem. Comemoração mútua. O sucesso de um profissional Queer, músico ou ocupante de demais áreas de mercado, simboliza a evolução. Passos lentos e necessários. Conquistas diárias. Diversidade e Música. A força da Arte. Quem canta, seus males espanta. CAPÍTULO I: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO 20
  • 21. CAPÍTULO II A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL 21
  • 22. O encontro da verdadeira felicidade. Reconhecer sua identidade e lutar por esta. As vivências da população trans no Brasil são perturbadoras. Ódio, exclusão e desigualdade. Ausência de oportunidades. Ser encarada como adjetivo de ofensa e motivo de piadas. Na infância, a infelicidade de não se identificar com o gênero atribuído ao nascimento. Sentir-se um erro. A falha das escolas em oferecer suporte a membros da comunidade, principalmente crianças transexuais. Educação sexual. Conhecer o próprio corpo. Compreender e respeitar seus limites e desejos. A abordagem, durante a infância, de questões relacionadas à sexualidade. Abordagens apropriadas e condizentes com a faixa etária de cada estudante. Saúde pública. Em ambientes educacionais, a juventude não-pertencente ao padrão heterocisnormativo deve se sentir segura. Conflitos e demais situações de desentendimentos ocasionados pelo preconceito, por sua vez, geram problemas no processo de aprendizagem. Deste modo, a priorização de diálogos sobre a temática e o fortalecimento de ações que visem a inclusão, são indispensáveis para a evolução dos alunos. Estes que, ao final de seu processo de formação, farão parte de uma sociedade preparada para lidar com as diferenças. O contato com a temática, bem como o incentivo de estudos relacionados à mesma, corresponde à formação de jovens livres de limitações. Livres de ignorância e despreparo para se conviver em meio a diversidade. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL 22
  • 23. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL Além do foco nas redes de ensino, vale ressaltar a importância da conscientização, em casa, sobre tais pautas. Dirigir-se às diferenças como algo errado ou “coisa feia”, ocasiona no fortalecimento de ideais retrógrados e discriminatórios. Durante a infância, pais e/ou responsáveis são vistos como heróis. Os adultos sabem de tudo. Eles são grandes. Os pequenos obedecem e tomam seus posicionamentos como verdade absoluta. Perigo. Ao crescerem e se depararem com a vida fora de sua barreira de “proteção”, há conflitos. Choque de realidade. A ignorância gerada pelos mais velhos. Faz-se necessário que, a temática tenha maiores abordagens nos mais variados âmbitos. Do social ao profissional, a inserção de pautas relacionadas à diversidade contribui para a evolução da sociedade e melhor convívio entre todos. No mercado de trabalho, sustentado pelo sistema capitalista, a participação da população trans permanece quase nula. A dificuldade de inclusão evidencia esta realidade, fortalecida pela ausência de políticas públicas. Carência de empatia. A exclusão de candidatos transexuais no setor profissional. Lutar em prol da diversidade vai além da superficialidade das mídias sociais. Em grandes empresas, o baixo (praticamente nulo) número de funcionários trans. Embora possuam o perfil correspondente à determinada vaga, tais candidatos possuem a consciência sobre a maneira que serão tratados. 23
  • 24. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL Caso cheguem ao momento de entrevista, poderão se deparar e lidar com deboche, piadas de mau-gosto e atitudes prejudiciais, por parte do contratante, à sua candidatura. Limitações impostas por líderes que corroboram com a opressão e exclusão da comunidade trans. Nos ambientes corporativos, nota-se a homogeneidade entre os funcionários. Homens heterocisnormativos e brancos. Ações e atuações robotizadas. Ausência de diversidade. O gestor que, se diz livre de preconceito, por de trás das cortinas, não contrata pessoas transexuais. Estas, marginalizadas e obrigadas a recorrerem a empregos informais. Sabe-se que, devido à ausência de oportunidades, parte da população trans sobrevive da prostituição. Sim, sobrevive. Não por escolha. Batalhas diárias. Perigo constante. A massa heterocisnormativa, privilegiada e cruel, invalida as qualidades e capacidade de contribuição da comunidade. Nas ruas, mulheres trans que trabalham com o sexo, estão sujeitas a todos os tipos de violência. Suas vidas colocadas em risco. Mais uma vez: não por escolha. Assaltos, ofensas e agressões. Mortes. Os empecilhos gerados pela opressão do sistema limitam os locais a serem ocupados pelas mesmas. Jovens heterocisnormativos, ricos e privilegiados, ao saírem de bares e boates, passam pelas avenidas e se deparam com elas. Para impressionar e chamar a atenção dos amigos, as ofendem e agridem. Constantes relatos de violência e injustiça. 24
  • 25. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL Na calada da noite, o cidadão de bem, defensor dos bons costumes e da família tradicional brasileira, a procuram. Os mesmos que, perante à sociedade, a tratam como aberração. Entre os amigos, piadas sobre seus corpos e escarne dos casos de violência. Qual o limite da hipocrisia? Termos pejorativos, como “traveco”, se fazem presentes entre a massa conservadora. Além disso, o referimento a pessoas trans a partir de pronomes que não dizem respeito à suas atuais identidades. Provocações e humilhação. O intuito de constranger quem sofre, diariamente, com a dor da exclusão. Durante muito tempo, a utilização destes termos era vista como brincadeira. Em programas de televisão, piadas transfóbicas eram naturalizadas. Discriminação em tons de deboche. Participação de personagens caricatos e a abordagem da temática de maneira irresponsável. Em prol do capital, tais abordagens condiziam com aquilo que agradava a massa conservadora. Fortalecida por ideais priorizados pelo sistema, a população tinha acesso à variedade de conteúdos que incentivavam a exclusão da comunidade. O sonho de estar nas telinhas sempre fez parte da vida de Melissa Felipe. Moradora de Lavrinhas, interior de São Paulo, a digital influencer vem conquistando o seu espaço e expandindo seus trabalhos como modelo fotográfica. Melissa se identifica como mulher trans. Aos 25 anos de idade, foi criada e continua vivendo no interior do estado. Sua infância, com a participação ativa de seus pais e familiares, foi tranquila. 25
  • 26. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL Quando pequena, seu maior desejo era estar na televisão. Ao assistir a seus filmes favoritos, se imaginava como participante da história. Protagonista, sempre. O anseio por estar naquele ambiente, assim como suas maiores inspirações, tomava conta dos pensamentos da criança. Na adolescência, o incômodo com a aparência. Melissa não se sentia bem com seu corpo. Sem compreender a razão para tal desagrado, nunca estava completamente feliz. Em bons momentos, a desinquietação impedia que a garota aproveitasse, de fato, as vivências que a permeavam. A aceitação levou tempo. Melissa demorou para compreender e admitir, para si mesma, sua real identidade. O arcabouço cultural, sustentado por ideais impostos pelo sistema patriarcal, limitava a felicidade da modelo. Não foi sua culpa. De acordo com aquilo lhe foi ensinado, todos deveriam seguir o modelo de vida desejado e aceito por Deus. Anulação. O processo de aceitação foi doloroso. Além de lidar com o julgamento da sociedade, principalmente de pessoas que estavam ao seu redor, a luta consigo mesma também foi necessária. Ter a consciência dos percalços que seriam enfrentados, a partir de sua autoaceitação, a assombrava. Ansiedade. O medo de ser abandonada, do dia para a noite, por aqueles que mais amava. Sua maior preocupação era a reação de seus pais. Ela não queria perdê-los. O mundo era cruel demais para enfrenta-lo sozinha. O colo de sua mãe era capaz de protegê-la de qualquer ameaça. 26
  • 27. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL No começo de 2018, o primeiro contato com as passarelas. Após 7 horas de viagem, chegou ao seu destino: Bicas, Minas Gerais. Acompanhada do irmão e amigos, participou do Concurso Miss Zona da Mata Gay. Seu coração bateu mais forte. A sensação de ser incluída em um concurso de beleza trouxe, novamente, borboletas em seu estômago. Mel reforça a importância deste concurso para sua vida. Experiência única. No ano seguinte, retornou ao evento e garantiu o 3º lugar. Sem patrocínio e/ou apoiadores, como cabeleireiros e maquiadores, a modelo se destacou por sua beleza e simpatia. Um ambiente que a completava. Após o período da adolescência, marcado por constantes batalhas de autodescoberta e aceitação, Melissa tomou a decisão mais importante de sua vida. Aos 21 anos de idade, se assumiu como mulher trans e iniciou seu processo de transição. A jovem relata a mistura de sentimentos que tomaram conta de seus dias. Apesar do medo, sentia-se livre. A felicidade de permitir que seu interior pudesse, finalmente, ser honesto com o próprio corpo. Sonho que se tornou realidade. Sua vida não era mais uma mentira. A aniquilação de seus verdadeiros sentimentos, após duas décadas, havia chegado ao fim. A honra de dizer seu nome em voz alta e encarar o mundo da maneira que sempre quis. Uma mulher desprendida e corajosa. Em 2019, ano seguinte do início de sua transição, recorreu à retificação de nome e gênero. Atitude que completou, ainda mais, sua realização. A primeira mulher trans a ser retificada no Cartório de Registro Civil de Lavrinhas. Orgulho! 27
  • 28. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL Nas telas do cinema de Cruzeiro, cidade vizinha, Melissa protagonizou um longa-metragem. Juntamente a seu grupo teatral, gravou “A Lenda da Mulher de Branco”. O carisma de Melissa a colocou como protagonista da produção. O diretor do trabalho, natural do Rio de Janeiro, ficou encantado. Os holofotes começavam a seguir a jovem. Porém, Mel não podia esperar que eles chegassem até ela. Durante este período, ocupou ademais funções, como operadora de telemarketing, atendente de carrinho de lanche e monitora de transporte. A primeira mulher trans a ocupar um cargo público no município de Lavrinhas. As dificuldades para firmar contratos sempre estiveram presentes. A modelo cita as situações de preconceito que passou em momentos de seleção. De forma implícita, contratantes a tratavam diferente. Ela sabia o motivo. Desempregada, lidava com olhares tortos e constantes “nãos”. Em sua cidade natal, onde sente-se em casa, também há preconceito. Melissa relata um dos momentos mais dolorosos de sua vida. Certo dia, compareceu a um estabelecimento que sempre frequentou. Acompanhada de seus familiares, não fazia ideia da situação que estava por vir. Sua cunhada, grande amiga, a pediu para acompanha-la até o banheiro. A influencer se levantou e se dirigiu até o local. Ao chegar na porta da toalete, foi impedida de entrar pelos donos do local. Estes, conhecidos da família e “amigos” da jovem. 28
  • 29. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL O ambiente não estava cheio, apenas alguns rapazes reunidos. Ninguém se manifestou. Todos assistiram à situação e a trataram, de certa maneira, com naturalidade. Para eles, pertencentes à bolha do privilégio, era apenas mais um caso de preconceito. Mel descreve, com dor, o constrangimento que passou naquele momento. Seus familiares, sem saber como agir. A apunhalada pelas costas de quem menos esperava. Sua mãe, ao se deparar com o sofrimento da filha, ficou desolada. O irmão, enfurecido. Discriminação. Por prepotência e ignorância, os proprietários não perderam apenas uma cliente, mas sim, uma amiga. A modelo menciona o carinho que sentia pelo local e pelos funcionários. O preconceito cega. O cabresto elaborado pelo sistema capitalista e opressor. Nada impediu que Melissa sonhasse. Em meio a tantos sacrifícios, seus maiores anseios se mantiveram firmes e fortes. Arte, fama e sucesso. A jovem sempre confiou no seu potencial e, acima de tudo, na sua garra para conquistar seus objetivos. O apoio da família e amigos também a motivam. O suporte cedido por pessoas tão importantes, sem sombra de dúvidas, contribui para que mais batalhas sejam vencidas e novos projetos possam vir a acontecer. A primeira mulher trans a ganhar o concurso da Festa do Peão de Rodeio de Lavrinhas. Conquistas nunca imaginadas. A ocupação em locais marcados por ideais conservadores, reflete nos resultados das lutas da comunidade ao decorrer dos anos. Séculos de tortura e exclusão. 29
  • 30. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL No mesmo evento, o título de segunda colocada como princesa do rodeio. A grandiosidade de tais feitos para a evolução da população interiorana. A compreensão do valor da diversidade e a importância de sua presença. Melissa faz parte desta história. O trabalho com mídias digitais vem se tornando realidade. Seguidores fiéis interessados em conhecer sua história e fazer parte de seus dias. Admiração. Em suas redes sociais, conteúdos diversos. Histórias sobre sua vida, dicas de beleza e a rotina de estudos. A influencer cita, ainda, o interesse de seu público por temáticas relacionadas à diversidade. Seja por curiosidade ou a partir do intuito de se buscar conhecimento, Mel se apropria deste interesse para informar e transmitir informações de relevância a seus espectadores. A oportunidade de propagar tais informações não deve ser desperdiçada. O cenário digital, cada vez mais presente, pode (e necessita) ser utilizado como ferramenta de estudo. A abordagem de tais temáticas de forma leve e descontraída, realizada por Melissa, possibilita maior nível de compreensão por parte de pessoas que não pertencem à comunidade. Entretanto, a liberdade da internet também gera problemas e situações de desconforto. Comentários maldosos e inconvenientes. Perguntas desrespeitosas. Melissa se depara, diariamente, com o preconceito no universo digital. Não há espaço para comodidade. A jovem sempre se interessou pela diversificação de suas áreas de interesse. Lutas intensas em prol da realização de seus sonhos. 30
  • 31. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL O foco nos estudos se tornou prioridade. A influencer reafirma o desejo de agregar maior conhecimento a pessoas que estão ao seu redor. Além de seu crescimento, Melissa destaca o desejo de contribuir para a evolução da sociedade. A força da coletividade. Possibilitar que todos tenham acesso a informações capazes de engrandecer o ser humano. Disseminar conhecimento e buscar por maior inclusão de pessoas trans nos mais variados ambientes. Não basta apenas lutar por si. Em conjunto, os percalços passam a ser menores. Para Mel, representatividade engloba toda sua trajetória. O termo vai além de impor sua opinião. Trata-se de ações que evidenciam, diariamente, o significado de suas vivências. A resistência traz o verdadeiro sentido à palavra comumente usada. A modelo ainda lembra, com orgulho, das pioneiras do movimento. As primeiras mulheres trans a ocuparem espaços inimagináveis. Marsha P. Johnson, Miss Major e Charlotte von Mahlsdorf. Figuras que marcaram a história da comunidade LGBTQIA+ no Brasil e no mundo. Além do sonho de desfilar em grandes passarelas, Melissa também preza pelo lado simples da vida. Casar e constituir uma família. Criar laços e deixar o seu legado. Sonhos simples e desejos que ilustram sua simplicidade. Fé em um futuro melhor. Mais respeito e empatia. Para Mel, o preconceito sempre irá existir. Porém, com a união da sociedade em prol de uma vida digna para cada membro da comunidade, todos poderão retratar suas memórias e lutar pelo fim da discriminação. 31
  • 32. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL Se faz necessário que o mundo tenha mais histórias como a de Melissa. Mais mulheres trans vencendo e se destacando. Diante da baixa expectativa de vida da população transexual, as vivências da comunidade, bem como a da modelo, devem ser contadas diariamente. Para pessoas trans que se encontram em fases difíceis do processo de transição, marcadas por dúvidas e insegurança, Melissa traz inspiração. Sua trajetória reflete na força do empoderamento da comunidade. O mundo cruel tenta, a todo custo, dizer que são incapazes. A massa repreende e exclui. Vieses ideológicos fortalecidos por limitações impostas pelo sistema, por sua vez, dificultam os processos de aceitação e inclusão. Diariamente, falácias são disseminadas para um grande número de pessoas. Estas que, se sentem no direito de expor pensamentos que oprimem. Tratam-se de posicionamentos que dão espaço para o ódio. Ideais problemáticos passaram a circular por todos os meios. O opressor ganha voz e busca, a todo instante, atrair mais aliados para o seu núcleo de desinformação. Casos de transfobia passam pelo processo de espetacularização e as vítimas se tornam números. Histórias aniquiladas pela constante busca por capital. No dia-a-dia, pessoas trans são reféns da marginalização. 32
  • 33. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL A fim de se combater a discriminação pela raiz, a sociedade deve trabalhar em conjunto. Permitir que a população transexual brasileira possa imergir, por completo, nos mais diversos âmbitos. Oportunidades em trabalhos formais e a valorização do empenho destas pessoas. Olhares empáticos. Compreender os privilégios heterocisnormativos e identificar as falhas, de modo geral, do combate à transfobia. Exigir ações inclusivas e contribuintes à busca pela participação ativa da comunidade no mercado de trabalho. O necessário (e inexistente) auxílio por parte do Estado. Políticas públicas voltadas à inclusão e projetos sociais que visem a disseminação de informações pertinentes. Abordar a temática, nos mais diversos setores, de maneira clara e responsável. Adaptar tais estudos de acordo com a realidade do público a ser trabalhado. Classes sociais, faixas etárias e interesses. A unicidade do ser humano exige a busca, por parte de órgãos oficiais, de abordagens pertinentes a todas parcelas da população. A abolição do uso de argumentos religiosos para o incentivo ao ódio. Incentivar a compreensão da inexistência de verdades absolutas. Permitir que cada cidadão possa encontrar sua fiel identidade e viver a partir daquilo que o faça feliz. Paz e liberdade. No país com o maior número de casos de transfobia, conteúdos pornográficos com corpos trans são os mais consumidos. Este é o Brasil. Hipocrisia e segmentação. A insinceridade do conservadorismo. 33
  • 34. CAPÍTULO II: A VIVÊNCIA DA POPULAÇÃO TRANSEXUAL Caminho árduo. Incontáveis pilares a serem conquistados e trabalhados em prol da equidade. Apoiar esta causa vai além de posts nas redes sociais. Trata-se de empregar pessoas trans. Votar em pessoas trans. Incentivar pessoas trans. Caminhar com pessoas trans. Amar pessoas trans. Retratar histórias de força e superação, assim como a de Melissa, simboliza a valorização de cada membro da comunidade. Vivências individuais que, ao mesmo tempo, representam tantos outros personagens. Experiências que moldam o ser. Casos marcantes e responsáveis por fortalecer as constantes batalhas enfrentadas pela comunidade. Esta, cansada de ser deixada em segundo plano. Revolução. Vidas trans importam! 34 "Eu espero uma sociedade com mais respeito e mais amor. Hoje em dia, muitas pessoas falam sobre empatia, mas ninguém se coloca no lugar do outro. Espero que ainda tenha mais inclusão e representatividade. Isso é muito importante!"
  • 36. A paz cativante. Relaxar, caminhar pela praça, tomar sorvete, nadar no rio. Enquanto as crianças brincam na rua, as mamães supervisionam da calçada. Depois de um tempo, a brincadeira termina e todos entram para beber água. Com a chegada e popularização dos aparelhos celulares, as brincadeiras ao ar livre diminuíram. A facilidade de acesso a novas formas de entretenimento, alteraram a rotina das crianças, principalmente interioranas. Mesmo com tal mudança, o interior continua sendo diferente. Muitos amam, outros detestam. Cidades do interior, comprovadamente, são mais indicadas a pessoas idosas. A tranquilidade do ambiente pode ser capaz de proporcionar dias mais leves e apropriados a este grupo. Visitar a vovó, que mora no interior, fez e continua fazendo parte da rotina de muitos brasileiros. Cidade pequena gera grande proximidade entre os moradores. As notícias correm e quem conta um conto, aumenta um ponto. Novos romances, promoções no trabalho, desentendimentos familiares. A famosa “rádio peão”. A realidade da população interiorana não se iguala a demais vivências. Determinados valores são passados de geração para geração. Referindo-se ainda, aos menores de idade, deve-se citar a notável presença do patriarcado. O papai sai para trabalhar e a mamãe lava a roupa. A vovó faz bolo e o vovô assiste ao jornal. A menina brinca de casinha e o menino joga futebol. Papéis pré- definidos. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA 36
  • 37. As consequências da limitação imposta por este sistema são cruéis. Sendo obrigados a concordarem e seguirem este modelo, jovens interioranos são impossibilitados de se descobrirem e a desvendarem o verdadeiro sentido de suas vidas. Estas, em muitas das vezes, marcadas por vivências falsas e infelizes. Identidades aniquiladas. Conservadorismo. Os filhos seguem o mesmo caminho dos pais. Caminho classificado como correto e esperado por Deus. O filhão, para encher o pai de orgulho, deve arrumar um emprego, comprar um carro, construir uma casa e “arrumar” uma bela esposa. Fugiu do roteiro? Vergonha. Aberração. Desonra. A menina, princesa. Jeito delicado. A obrigação de ser mãe. Anular suas vontades próprias e obedecer ao marido. Nos almoços de domingo, as mulheres preparam a comida e fazem os pratos dos esposos e das crianças. Servir. É inevitável que sonhem em ser motivo de orgulho para os pais. Estes, que lutaram tanto por sua criação. O desejo de ser amado, principalmente pela família, faz parte do ser humano. Torna-se perceptível que, muitos dos pais e/ou responsáveis, se aproveitam deste sentimento para tomarem posse da personalidade do jovem. Seu estilo, seus desejos, suas escolhas. Lavagem cerebral camuflada de proteção. A paz do interior, desejada por tantos, permanece inexistente para grande parte da população interiorana LGBTQIA+. A busca por pertencimento ao padrão excludente e limitado, imposto pelo sistema patriarcal, invalida a existência da diversidade. Esta, que enriquece a cultura e traz vida à sociedade. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA 37
  • 38. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA As diferenças amedrontam os que não saem do lugar. Nas ruas, comentários maldosos. Para a massa conservadora, o jeito de andar do homossexual afeminado incomoda mais à fome de uma pessoa em situação de rua. Valores invertidos e fortalecidos pela hipocrisia. O medo de andar de mãos dadas jamais fará parte da vida de população heterocisnormativa. Jovens LGBTQIA+ que vivem no interior, demoram para vivenciar, de fato, o amor. Casais Queer enfrentam olhares perversos do conservadorismo. Como se permitir amar alguém do mesmo sexo e abrir mão de sua paz? A dor, sofrida pelos alvos da discriminação, gera um sentimento de inferioridade. Não se considerar interessante o suficiente a ponto de despertar amor. Ao se deparar com pessoas dispostas a construir um relacionamento, o trauma se faz presente. A rejeição sofrida, durante tantos anos, desperta o receio de, mais uma vez, se machucar. Dificuldade de partilhar. Medo de amar. Medo de ser amado. No ramo profissional, ainda mais dificuldades para a população Queer. Em adição à limitação do mercado de trabalho em regiões interioranas, a comunidade enfrenta outro obstáculo: a discriminação. Comércio e pequenas empresas privadas. Oportunidades escassas. Não há como fugir do momento da entrevista. O contratante, além dos critérios definidos para a especificação da vaga, leva outros pontos em consideração. Marcados pelo patriarcado, tais critérios prejudicam a empregabilidade da comunidade. 38
  • 39. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA A partir de pré-julgamentos, os empresários optam por dar oportunidades a candidatos que condizem com o padrão esperado. Este, não relacionado à qualificação profissional. Heterocisnormatividade. Partindo deste princípio, nota-se a extrema dificuldade, por parte da comunidade LGTBQIA+, em sobreviver no interior. A dificuldade em se construir uma carreira fixa e consolidada. No ramo da beleza, Fernando Vogue se sobressai. Morador de Cruzeiro, interior de São Paulo, afirma que já nasceu cabeleireiro. Durante a infância, sua diversão era fazer tranças nas bonecas de suas irmãs e cortar o cabelo de amigas e familiares. Sendo o caçula de 8 irmãos, foi muito paparicado. Infância saudável e feliz. Brincadeiras que, somente crianças do interior possuem o privilégio de vivenciar. O ar fresco e a luz do luar. Pique-esconde, pega-pega e bandeirinha. Na escola, grandes amigos. A ingenuidade das crianças. Na fila da merenda, no pátio, na portaria ou na sala de aula. As disciplinas se tornavam parte da diversão e cada dia era uma nova descoberta. O carinho pela época tão marcante em sua vida e com papel fundamental na formação de seu caráter. Tempo que não volta mais. Vogue revela a grande admiração que tem por sua mãe. Esta que, sempre o apoiou e o incentivou a ser quem quisesse. Sua grande heroína. Amor verdadeiro. Relação responsável por fortalece-lo. 39
  • 40. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA O cruzeirense relembra, com carinho, do cuidado de suas irmãs. Quando brincavam de castelo encantado, sua irmã se fantasiava de príncipe para que ele pudesse ser a princesa. Era notável o brilho em seus olhos no momento em que colocava o vestido e conduzia a brincadeira. Ao contrário de outras crianças, vítimas do sexismo, o pequeno possuía a liberdade de ser quem sempre foi. Sem medo de ser feliz. A pureza em brincadeiras que, em famílias conservadoras, poderiam ser encaradas como comportamentos não-apropriados. Durante este período, o primeiro contato com o mundo da beleza. Ao se deparar com uma edição da revista Vogue, razão para seu nome, se maravilhou com o universo que estava à sua frente. A felicidade ao descobrir a existência de projetos que o completassem por inteiro. Embora não fizesse parte de sua realidade, sentiu algo único. A magia de compreender, a partir daquele momento, os âmbitos a serem explorados ao longo de sua vida. No Carnaval, o pequeno aproveitava de sua própria maneira. Pano sob a cabeça e saia feita a partir de um short velho. Fernando se dirigia à folia com seus irmãos e vivenciava momentos de extrema felicidade. Confete, fantasias e refrigerante. A espera pelo feriado mais animado do ano. O jovem não conseguia dormir. Ao fim da tarde, o início dos preparativos para a grande noite. Antes de sair de casa, hora do lanche. A benção da mãe e as regras para a folia. 40
  • 41. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA Após horas de diversão, o extremo cansaço. Seus irmãos o traziam no colo e sabiam que, para Fernandinho estar naquele estado, a festa havia valido a pena. Forças escassas para o banho. Pés sujos e roupas tomadas pelo glitter. Sono pesado e olheiras sob seu rosto. Que noite! No dia seguinte, sentar na calçada e relembrar cada momento. Risos sinceros e olhares apaixonados. Vogue sempre priorizou o contato com pessoas especiais. A distância entre família e amigos, presente em determinados momentos de sua vida, nunca os separou. Conexão eterna. Aos 50 anos de idade, reafirma o orgulho de sua história. Enquanto foliões marcados pelo conservadorismo reprovavam seu comportamento, a criança só queria se divertir. Se divertir com pessoas especiais. Experiências que marcaram sua história. Sua sexualidade nunca foi um tabu. A certeza sobre sua identidade, seus gostos e seus sonhos. Embora reconhecesse estar na contramão do esperado pela sociedade, sempre valorizou a importância de se sentir bem consigo mesmo. A sensação de seguir o caminho certo. Ariano nato, como costuma dizer, o ícone de Cruzeiro nunca pensou em se esconder. O gosto por levantar sua bandeira e lutar por aquilo que acredita, independente das consequências, sempre fizeram parte de suas prioridades. Fugir do padrão. Inovar. Ao ingressar no mercado de trabalho, Vogue não se encontrou. Bem como a falta de oportunidades, o foco em áreas que não lhe agradavam, impediu que definisse, de início, um caminho a ser seguido. Desempregado, o sentimento de incapacidade. 41
  • 42. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA Certo dia, um convite inesperado. Seu grande amigo, o qual, recorria aos talentos de Fernando com maquiagem, o chamou para acompanha-lo até São Paulo e dividir um apartamento. Foram dias de angústia e incertezas até a tomada de decisão. O futuro cabeleireiro escreveu uma carta para sua mãe e se mudou para a cidade grande. Novas histórias. Lugares que não condiziam com sua rotina. O sossego do interior trocado pela inquietação das avenidas de São Paulo. Após dois meses de mudança, o primeiro curso voltado à área da beleza. Vogue foi obrigado a conciliar os estudos e o trabalho no escritório. Este, não o de seus sonhos; apenas necessário para investimentos em setores de real interesse. Dois anos preso a pilhas de papéis. Mediante à esta realidade, optou por abandonar a área administrativa e buscar por sua realização pessoal. Esta, relacionada à vida profissional. Os primeiros atendimentos foram realizados em casa. Clientes encantados com a qualidade do serviço. Amor e dedicação. Vale ressaltar o grande número de pessoas que se dirigem às capitais em busca da primeira oportunidade. Devido à ausência de vagas, a população interiorana recorre a alternativas que fogem de sua zona de conforto. Aprendizados originados a partir de novas vivências. Profissionais LGBTQIA+ interioranos enxergam as grandes cidades como um ponto de esperança. Após tantas batalhas vencidas e portas fechadas em suas terras de origem, as metrópoles são encaradas como a última chance de possíveis avanços em suas respectivas carreiras. 42
  • 43. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA A diversidade das capitais gera conforto e identificação. Estes locais, embora apresentem significativos números de casos de preconceito, manifestam riquezas culturais. Desta forma, passam a ser encarados como ambientes “seguros” para aceitação e vivência de identidades únicas e verdadeiras. A paixão pela nova fase não impediu que Fernando voltasse para o interior. O intuito de retornar às suas origens e realizar, onde tudo começou, seus maiores sonhos. Manter contato com a família e lutar em prol de seus objetivos. O cabeleireiro reafirma o amor por sua terra. Em Cruzeiro, aprendeu a amar e a valorizar cada segundo. Firmou laços e descobriu suas maiores paixões. Como citado anteriormente, o interior desperta reações de amor ou ódio. Vogue se orgulha em dizer o quanto ama sua cidade natal. Desapegado de bens materiais, prefere estar rodeado de pessoas verdadeiras e ricas de alma. Onde sente-se em casa, estão aqueles que fizeram parte de sua história. Relações que moldaram seu caráter e o fortalecem em batalhas diárias. Andar pelas ruas e cumprimentar a todos que cruzarem seu caminho. Fernando não abre mão de sua rotina. Ser amado e distribuir sorrisos. Acompanhar o crescimento e a evolução de cada ente querido. Se nutrir do abraço de amigos que se tornaram parte da família. Seu retorno para Cruzeiro marcou o início de uma nova etapa. O foco em sua vocação, bem como o suporte cedido por aqueles que mais ama, contribuiu para sua grande realização. Trabalhar com beleza, para Vogue, simboliza o mais precioso da vida. 43
  • 44. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA Amigos, não mais clientes. O público pode sentir sua gratidão em trabalhar com aquilo que sempre sonhou. A felicidade transparece. A responsabilidade apresenta leveza e supre o desejo de sua alma. Fernando, como membro da comunidade LGBTQIA+, reconhece a presença de dogmas e tabus em determinados posicionamentos de suas vivências. Estes, por sua vez, atribuídos à sua criação. Princípios baseados em predefinições limitadas e incapazes de lidar com a diversidade. O cabeleireiro ressalta a esperança no crescimento de populações empáticas e acolhedoras. Rompimento de barreiras. Sua convivência com novas gerações, durante sua rotina de trabalho, o permite refletir sobre ideais justos e livres de amarras. Liberdade e comoção. Vogue acredita em um futuro melhor. Baseando-se em experiências já vividas, cita a perceptível evolução da sociedade como um todo. O convívio com os mais diversos grupos de pessoas, ao longo de seu caminho profissional, possibilitou sua percepção individual de bom e ruim. Lidar com as diferenças. Para a sua geração, como sempre diz, manteve-se como ponto delicado. Divergência de opiniões. Fernando luta, diariamente, em prol de sua evolução pessoal. Sair da zona de conforto e abraçar as mais novas oportunidades de crescimento. 44
  • 45. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA Acordar cedo e se dirigir à sua segunda casa. Fernando levanta, toma o seu café e se prepara para atender ao público. Após a finalização, fotos para as redes sociais. Cortes, tinturas e procedimentos estéticos. A inserção no mundo digital, para Vogue, também se faz presente. Adaptação e redescoberta. Assim como a estrela cruzeirense, deve-se citar a constante busca pela adaptação dos profissionais a este novo cenário. A dificuldade de inserção no mercado de trabalho, por parte da comunidade, a torna refém dos mais diversos tipos de aperfeiçoamentos e transformações. A necessidade de independência. Trabalhar em prol de sua própria liberdade. Tratando-se da comunidade LGBTQIA+, tal autonomia não diz respeito a possíveis luxos e superficialidades, mas sim, ao sustento. É indispensável citar o grande número de jovens expulsos da casa de seus responsáveis. Humilhação e linchamento. Vidas dilaceradas pelo preconceito. Pais infringindo a liberdade de seus filhos e anulando a história que construíram juntos, como uma família. 45 "Meu sonho é diferente das outras pessoas. Eu sonho em ver o mundo curado das coisas ruins. Não gosto dessa disputa que o ser humano tem. Não gosto dessa arrogância. Meu sonho é ver o mundo diferente. Que as pessoas se olhem e se igualem."
  • 46. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA Nas ruas, sem suporte e acolhimento, situações de perigo. Sozinhos, em busca de alimentos, remédios ou gestos de carinho, tais membros da comunidade passam a ser encarados como estatísticas. Desemprego, miséria e agressões. A vulnerabilidade da população LGBTQIA+ passa a ser refletida nos constantes casos de violência. O ódio encarado com naturalidade. A ineficiência do sistema judiciário em lidar com situações de LGBTfobia. Descaso e impunidade. Em cidades do interior, os ocorridos apresentam ainda mais dificuldades de solução. Embora a “rádio peão” se faça presente, como citado anteriormente, devido ao atuante viés conservador destas regiões, tais acontecimentos permanecem por debaixo dos panos. Não há quem se importe com a dor de uma vítima da LGBTfobia. A opressão sofrida pela massa heterocisnormativa e conservadora, em conjunto ao despreparo do sistema, por sua vez, não enche os olhos das autoridades. Nota-se, a partir da maneira com que demais crimes são tratados em localidades interioranas, o desprezo do governo pela comunidade LGBTQIA+. Nestas regiões, assuntos supérfluos e/ou de interesse da elite, ganham maior destaque. Dores invalidadas. Figuras políticas que visam o capital. Projetos infundados e utilizados como ferramenta de divulgação de suas respectivas imagens. Durante as campanhas, promessas. Cultura, saúde e emprego. Após os resultados, ações benéficas a seus aliados e focadas em suprir, unicamente, seus próprios interesses. 46
  • 47. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA Candidatos “defensores da família”. Discursos preparados para a grande massa. A população conservadora, sob este cenário, passa a enxergar uma chance de expor ideais e posicionamentos discriminatórios. A presença de líderes políticos fortalecidos por discursos opressores e excludentes, atribui normalidade a este tipo de comportamento. Jovens interioranos e membros da comunidade LGBTQIA+ vivem com medo. Os casais, ao cruzarem por conhecidos nas ruas, soltam as mãos. Sensações e vivências que jamais serão compreendidas por parte da massa heterocisnormativa. Em muitas das vezes, as dores são associadas ao “mimimi”. Termo este, empregado a fim de se classificar angústias que não fazem parte da realidade de quem o utiliza. Insensibilidade. A segmentação presente em municípios do interior fortalece a homogeneidade do mercado de trabalho. O comércio local, fonte de lucro em grande parte destas regiões, passa a banalizar a luta por inclusão e valorização à diversidade. Mediante a esta realidade, membros da comunidade LGBTQIA+ residentes destes locais, recorrem a outras alternativas de sobrevivência. Dentre elas, como citado anteriormente, estão a adesão a empregos informais e a migração para as grandes capitais. A limitação de ambientes fundamentados por ideais conservadores e excludentes reflete na dificuldade de candidatos Queer de receberem oportunidades. O descaso de empresários e profissionais de cargos elevados em aplicar, de fato, políticas de inclusão no ambiente de trabalho. 47
  • 48. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA Cumprir metas. Donos de empresas trabalham de acordo com as demandas de mercado. Este, sustentado por políticas e demais ações voltadas ao capitalismo. Em ambientes corporativos, a ausência de diversidade e participação de grupos minoritários. Espera-se que, a partir do desenvolvimento de iniciativas voltadas à diminuição da desigualdade, bem como do incentivo a campanhas de inclusão, a realidade possa mudar. Caminhos que exigem trabalho e real participação do Estado e restante da população. A riqueza do interior. Sua beleza e seus pontos fortes. Locais esquecidos e desvalorizados pela sociedade. Ares frescos. A evolução gradativa de pontos que, há tempos, encontravam-se inimagináveis. A importância de sua participação na construção da história. O necessário empenho em transformar estas regiões em ambientes mais acolhedores e receptivos. Retomar a paz. Preparar e levar informações com o propósito de alterar a maneira com que as diferenças são reputadas. Permitir que a diversidade seja reconhecida, incentivada e valorizada. Compreender o contexto a ser trabalhado e possibilitar maiores diálogos nestas localidades. Ouvir, abraçar e instruir. Semear a empatia. Apresentar o valor de cada indivíduo e sua respectiva jornada. Elucidar caminhos a serem percorridos a fim de se construir e manter sociedades isentas de estigmas e limitações. 48
  • 49. CAPÍTULO III: REALIDADE INTERIORANA Possibilitar a maior participação LGBTQIA+ em regiões interioranas. Criar ambientes seguros para cada membro da comunidade e impedir que a violência seja incentivada e naturalizada. Desenvolver conteúdos imersivos e contribuintes para o fim da discriminação. Informações que retomem o amor do povo interiorano. Unir pessoas separadas pela fortificação de ideais opressores e excludentes. Evidenciar a importância de se enlaçar a solidariedade. 49