Este documento discute como os conselhos de administração podem gerir melhor os riscos socioambientais incorporando as perspectivas dos stakeholders. Ele destaca como a Fundação Renova, criada após o desastre de Mariana, estabeleceu uma estrutura de governança para lidar com as partes interessadas e como isso pode ser útil para empresas minimizarem riscos futuros.
1. Como convencer o Conselho de Administração a gerir riscos
socioambientais antes de que se materializem?
Por Heiko Hosomi Spitzeck
Gerente ExecutivodoNúcleode Sustentabilidade da FDC
Na nossa série de palestras sobre o “Futuro da Governança Corporativa”
organizamos ontem (13/07) uma discussão sobre riscos socioambientais com
Roberto Waack – Diretor-Presidente da Fundação Renova. A Fundação Renova tem a
missão de implementar e gerir os programas de reparação, restauração e
reconstrução das regiões impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão
operado pela Samarco.
“A perda vai muito além do impacto financeiro”
Os impactos econômicos do rompimento da barragem de Fundão por si só são
impressionantes. No Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) foi
combinado um investimento de R$ 20 bilhões até 2030 dedicadas a recuperação do
impacto ambiental e social causado pelo desastre. Isso já põe em risco a
sobrevivência da empresa, mas Roberto Waack destacou que o impacto vai muito
além. “19 pessoas morreram e muitos estão traumatizados. Se uma empresa
mineradora quer voltar a operar na região, precisa resolver os problemas causados”.
Isso é um problema complexo. Waack revela que o desastre causou externalidades
das externalidades. “80% do trabalho na região foi informal. Então se você quer
compensar um microempreendedor que vendeu 100m3 de areia, mas só tinha
autorização para tirar 20m3, qual valor você considera? Se você cadastra 100m3 a
pessoa se autodenúncia, se você relata 20m3 a pessoa não se sustenta. A
informalidade não é uma consequência direta do desastre, mas ela agora entra na
conta”.
“Um conselho que só olha indicadores financeiros não vai descobrir essas
externalidades”
Particularmente interessante para conselheiros é a estrutura de governança que a
Fundação Renova montou para lidar com os afetados e outros stakeholders
importantes. O Comitê Interfederativo acompanha, monitora e fiscaliza os
resultados da Renova frente ao TTAC. Outros comitês como o painel de especialistas,
a curadoria do Ministério Público de Minas Gerais, o Conselho Consultivo dos
afetados integram as vozes de outras partes interessadas. “Em total foram feitos
1.388 reuniões e mais de 42.000 pessoas engajadas. Compara isso com um Conselho
de Administração que na maioria das vezes tem entre 7 e 9 membros”, observa
Waack.
Então, como minimizar riscos socioambientais?
A resposta aqui é clara: Incorporar a visão dos stakeholders na gestão antes de que
uma crise aconteça. Mas como? O primeiro passo é construir um mapa de
materialidade identificando temas ambientais (ex. escassez de água) ou sociais (ex.
bloqueio de acesso da fábrica pela comunidade) que impactam os resultados
2. econômicos da empresa. A empresa precisa ainda iniciar um diálogo proativo com os
temas mais relevantes para o negócio.
Temos alguns exemplos recentes, como da Fibria e do Grupo André Maggi. Por conta
de protestos das comunidades indígenas, a Fibria optou por convidar o líder Ailton
Alves Lacerda Krenak para atuar no Comitê de Sustentabilidade da organização,
onde o presidente do Conselho participa. Já o Grupo Maggi se associou a mesa
redonda da soja para lidar com temas de desmatamento e trabalho infantil – uma
iniciativa multi-stakeholder.
Se tratando do comportamento corporativo, Waack não é otimista: As empresas
mapeiam o ambiente socioambiental no qual operam? “Acredito que na maioria, a
resposta é não”. Este processo de engajamento com stakeholders obviamente não é
fácil, mas a Fundação Renova consegue lidar com demandas até interessantes. “Se
você soma a quantidade de peixes que membros da comunidade dizem ter retirado
do rio, eles não devem caber no rio, mas a empresa precisa resolver a demanda para
voltar a operar”, relata.
Como isso não fosse suficiente, o pensamento de Roberto Waack vai ainda além
quando pensamos em planos de contingências: “Se um meteoro caísse na sua
barragem (você tem zero culpa para isso) qual papel sua empresa teria na
recuperação?”. Segundo ele, se você construiu um tecido social forte e relações de
confiança com seus stakeholders, o trabalho vai ser muito mais fácil. “Um dos
grandes desafios na gestão de riscos tradicionais é a combinação entre
probabilidade e impacto financeiro. Na Barragem de Fundão, a probabilidade é
muito baixa e o impacto financeiro muito alto”. Roberto Waack recomenda entender
estas situações muito melhor para não passar de maneira despercebida na conversa
do conselho.
Quem precisa liderar este processo?
“É o papel do Acionista e do Conselho de Administração”, acredita Roberto Waack.
As questões são atreladas ao modelo de negócio e perguntas como: Quais riscos
estou disposto a confrontar e como vou operar esta empresa têm respostas que dão
um norte para o CEO e para a Diretoria executar, mas não são elas que definem. Por
isso é importante que o Conselho de Administração siga três passos segundo Waack:
1. Entender o contexto socioambiental de seu negócio
2. Mapear e engajar com os stakeholders
3. Pensar planos de contingência e extrapolar os riscos
Links:
Mapa de Materialidade:
http://www.fdc.org.br/professoresepesquisa/nucleos/Documents/sustentabilidade/
guia_howto_matriz_materialidade.pdf
Curso de Conselheiros:
http://www.fdc.org.br/programas/DocumentosProgramas/pdc.pdf