O Congresso Nacional em 2019 aprovou em nove meses a reforma da previdência. Colocou em tramitação a reforma tributária, com duas propostas originadas no próprio Legislativo, entre várias outras iniciativas importantes. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, teve papel decisivo nesse processo.
Deve-se esperar a continuidade do protagonismo parlamentar em 2020. Quais temas merecerão prioridade no Congresso, que reformas poderão ser aprovadas?
Para discutir essas questões, a Fundação FHC receberá o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Também participará do debate o economista Marcos Mendes, chefe da assessoria especial do Ministro da Fazenda (2016-2018) e autor do livro “Por que é tão difícil fazer reformas econômicas no Brasil?” (Editora Elsevier, 2019).
MARCOS MENDES
Pesquisador Associado do Insper, é consultor Legislativo do Senado desde 1995. Doutor em Economia pela USP, é autor do livro “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?” (2019).
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2Baixo crescimento não é um problema de
hoje. Nas últimas 4 décadas crescemos só
2,2% ao ano.
Taxa de crescimento do PIB: 1981-2019 (% ao ano)
2,20
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
10
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
2013
2015
2017
2019
PIB var % ao ano Média 1981-2019
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3Nosso crescimento é insuficiente para nos
fazer caminhar em direção ao padrão de
vida dos países mais ricos
PIB per capita como proporção do PIB per capita dos EUA:
1990-2018 (%)
Fonte: The World Bank Database
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
Brasil Chile India China Coreia Turquia N. Zelândia
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4
Em 1950, o Brasil tinha quase a mesma
renda per capita de Portugal e Espanha.
Hoje é a metade da de Portugal e 40% da
Espanha.
PIB per capita em 2017 (US$ convetidos para preços de 2017
usando PPP de 2011)
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
45.000
1950
1953
1956
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
2007
2010
2013
2016
Brasil Espanha Portugal
Fonte: The Conference Board
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5
Não acha justo comparar com a Europa
Ocidental? Então vamos olhar mais a leste.
PIB per capita em 2017 (US$ convetidos para preços de 2017
usando PPP de 2011)
Fonte: The Conference Board
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
1950
1953
1956
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
2007
2010
2013
2016
Brasil Polônia Bulgária Turquia
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6
Vamos comparar com nossos vizinhos?
Sequer tivemos competência para alcançar
a Argentina, que ao longo de 70 anos se
esforça para afundar!
PIB per capita em 2017 (US$ convetidos para preços de 2017
usando PPP de 2011)
Fonte: The Conference Board
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
1950
1953
1956
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
2007
2010
2013
2016
Brasil Argentina México
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7
Durante algum tempo tivemos desempenho
melhor que Peru e Colômbia, mas eles vão
nos ultrapassar em breve.
PIB per capita em 2017 (US$ convetidos para preços de 2017
usando PPP de 2011)
Fonte: The Conference Board
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
1950
1953
1956
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
2007
2010
2013
2016
Brasil Peru Colômbia Chile
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8
Brasil cresce
pouco há 40
anos:
Causas?
Soluções?
Demografia
Baixa
produtividade
Baixo investimento
Educação
Abertura comercial
Ambiente de negócios
Infraestrutura
Legislação trabalhista
Privatizações
Estabilidade regulatória
Baixa poupança agregada
Segurança jurídica
Qualidade do invest. Público
Marcos regulatórios
Direcionamento de crédito
Mercado de crédito privado
Equilíbrio fiscal
União
Estados
Como recuperar o tempo perdido? Causas e
possíveis soluções para o baixo crescimento
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9
De 2005 a 2016 o Brasil era um barco que
navegava rapidamente na direção contrária à
que necessitamos:
1) Abandono da responsabilidade fiscal e disparada da dívida pública
2) Estímulo ao endividamento de estados e municípios
3) Desmonte do marco regulatório de óleo e gás e energia elétrica
4) Redução artificial dos juros e deterioração da credibilidade do Banco Central
5) Direcionamento do crédito por decisões políticas
6) Fundos de pensão, estatais e bancos públicos financiando projetos de baixa
qualidade
7) Concessões mal desenhadas que levaram a frustração de investimentos
8) Investimentos inviáveis: refinarias, estaleiros, ferrovias abandonados
9) Interferência na política de investimento de grandes empresas (Petrobras,
Eletrobras e Vale)
10) Congelamento de preços administrados
11) Proteção setorial e fechamento da economia
12) Fragilização das agências reguladoras
13) Criação de 48 novas empresas estatais, além de aumento da teia de subsidiárias
das já existentes
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10
A partir de 2016 estancou-se a marcha da
insensatez, e colocou-se o barco na direção
correta. Falta fazê-lo navegar rápido na
direção correta. Não é trivial:
• Tomando o cenário de 2014/15 como referência,
melhoramos muito.
• Mas o país deve se conformar em simplesmente
não ir para o brejo?
• Qual o tamanho do desafio para nos tornarmos um
país de renda alta, capaz de reduzir pobreza e
desigualdade, e garantir pilares básicos da vida
civilizada?
• Por décadas temos sido incapazes de transformar o
Brasil em uma sociedade próspera.
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11
A agenda de reformas é pesadíssima, para
um país que enfrenta fortes limitadores à
aprovação dessa agenda
• País grande e heterogêneo
• Federalismo conflituoso que socializa custos
• Protecionismo comercial forte e bem estabelecido
• Corporações politicamente fortes
• Baixo grau de coesão social e de confiança mútua
• Interferência entre poderes (Judiciário que faz
políticas públicas)
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12
Sistema político-eleitoral
• Fragmentação partidária
• Bancadas suprapartidárias de interesses específicos
(muitos legítimos, mas também sujeitos ao limite
das possibilidades orçamentárias)
• Disputa por orçamento e por regulação protetiva:
tendência a déficit e distorções regulatórias
• Presidente da República e Ministro da Economia
são os atores que têm mais incentivos para
racionalizar orçamento e regulação econômica
(ainda que nem sempre o façam)
• Necessidade de instrumentos de coordenação e
negociação nas mãos do Presidente da República
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13Instrumentos de governabilidade a
disposição do Poder Executivo estão
se enfraquecendo:
• Medidas provisórias: sob regras cada vez mais restritas.
• Vetos presidenciais: sendo derrubados e contornados pela
constitucionalização das matérias.
• Orçamento autorizativo: acabou.
• Emendas parlamentares: agora obrigatórias.
• Compartilhamento de poder (governo de coalizão): governo
se recursa a fazê-lo e nada põe no lugar – “Presidencialismo
de omissão”.
• Poder Executivo está claramente perdendo (abrindo mão)
de instrumentos de governabilidade e controle fiscal:
“presidencialismo de omissão”.
• Grande dispersão de interesses no Congresso gera risco
fiscal e regulatório.
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14
Mas não está dando certo? Afinal, a previdência foi
aprovada...
• Previdência é caso específico: houve debate e aprendizado. Tema
suficientemente grande para gerar mobilização e pressão.
• Alinhamento temporário das lideranças do Congresso com a agenda de
reformas, com uso dos instrumentos regimentais para controlar a pauta.
• Fragilização temporária da esquerda.
• Se o “ímpeto reformista” do Congresso enfraquecer, há risco de “tragédia dos
comuns”.
• Muitas contrarreformas não são visíveis, não mobilizam a opinião pública ou
são entendidas como positivas. Não dá para evita-las apenas via mídia social:
socorro fiscal aos estados,
aumento de obrigações de conteúdo local,
vinculações de recursos setoriais (Fundeb, infraestrutura,
gasoduto),
isenções tributárias,
aumentos e equiparações salariais (militares),
captura de agências reguladoras,
aumentos reais do Salário Mínimo,
reajuste da tabela do IR.
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15
Mas não está dando certo? Afinal, a
previdência foi aprovada...
• Privatização a passo lento: zero mobilização para viabilizar
Eletrobras. Avançando apenas em vendas de participações.
• Abertura da economia não está acontecendo. Acordo UE e OCDE
são bons, mas não resolvem questões imediatas: redução de
alíquotas, conteúdo local, antidumping, revogação de regimes
especiais.
• PECs do ajuste fiscal em tamanho aquém do necessário e andam
devagar.
• Demora e pouca clareza na proposta do Executivo para reforma
tributária.
• Reforma administrativa sendo boicotada dentro do Executivo.
• Alguns projetos e ideias do próprio Executivo na direção contrária
da pauta reformista: maciça transferência de recursos para os
estados, Carteira Verde-Amarela, Fundo Ambiental (MP 900),
aumentos orçamentários para as Forças Armadas, isenções
tributárias para igrejas, capitalização de empresas estatais.
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16
O que temos de notícias positivas?
• Quantidade de reformas já aprovadas pode já ser suficiente para
melhorar ambiente micro e macroeconômico, e dar início a um
ciclo positivo:
Reforma da previdência
Reforma trabalhista
Teto de gastos
TLP
Duplicata eletrônica
Cadastro positivo
Extinção do Fundo Soberano
Privatização de subsidiárias da Eletrobras
Devolução dos recursos do BNDES e de bancos públicos
Nova política de crédito do BNDES e redução do crédito direcionado pelo governo
Novo FIES
Lei de responsabilidade e recuperação financeira das empresas estatais
Novo modelo regulatório para o setor de óleo e gás
Agenda de concessões andando com modelo mais responsável
Distrato na aquisição de imóveis
Nova relação financeira entre Tesouro e Banco Central
Recuperação da credibilidade do Banco Central e do Tesouro Nacional
Nova lei geral de telecomunicações
Abertura do mercado de aviação civil
Agenda BC# de regulação de novos instrumentos financeiros
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17
O que temos de notícias positivas?
• Vedação de coligação em eleições proporcionais (EC 97), que vai valer a partir
da próxima eleição, pode reduzir número de partidos e facilitar governo de
coalizão na próxima legislatura.
• Alguns governadores quebrando o paradigma de empurrar a conta para a
União: RS, GO, AL, CE, MG. Sinal de maturidade da sociedade em assuntos
fiscais.
• Corporações de servidores públicos enfraquecida: fim do imposto sindical e
esgotamento do orçamento. Maior chance de reforma administrativa.
• Maior poder do Congresso na definição do orçamento pode levar a contenção
do gasto obrigatório para abrir espaço para emendas: maior disciplina fiscal (ao
custo de piora na qualidade do gasto).
• Reformas maduras que devem avançar:
Marco regulatório do saneamento
Nova lei de licitações
• Agenda legislativa e regulatória do Banco Central parece sofrer pouca
resistência:
Autonomia do BC
Reforma do mercado de câmbio
Lei de resolução bancária
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18Conclusões
• O navio está apontando na direção correta, e se move
lentamente. Já é melhor que a marcha acelerada em
direção ao brejo.
• Mas isso não garante crescimento sustentado, que depende
de reformas que ocuparão a cena política por duas décadas,
pelo menos.
• “Presidencialismo de omissão” pode levar ao estancamento
da recuperação, e não ser suficiente para garantir as
reformas necessárias a mudar o padrão de renda do país.
• Não está descartada mudança de rota em direção ao brejo.
• Não existe uma “nova política” que garanta
governabilidade. Existem condições temporárias favoráveis
a reformas, que podem se desfazer em breve e deixar o país
em um impasse de governabilidade.
• Serão as reformas já aprovadas suficientes para inaugurar
um ciclo de prosperidade ou, pelo menos, melhorar um
pouco o crescimento potencial?