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AÇÕES AFIRMATIVAS DA
      PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS

                                      FLAVIA PIOVESAN
                                      FLAVIA PIOVESAN
                     Faculdade de Direito e Programa de Pós-Graduação
                       da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
                                   piovesan@dialdata.com.br



                                            RESUMO

Objetiva o artigo desenvolver uma análise a respeito das ações afirmativas sob a perspectiva
dos direitos humanos. Inicialmente, trata da concepção contemporânea de direitos huma-
nos, introduzida pela Declaração Universal de 1948, com ênfase na universalidade,
indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Em um segundo momento são
apreciadas as ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos, com destaque dos valo-
res da igualdade e diversidade. Por fim, são avaliadas as perspectivas e desafios para a imple-
mentação da igualdade étnico-racial na ordem contemporânea.
AÇÃO AFIRMATIVA – DIREITOS HUMANOS – DISCRIMINAÇÃO RACIAL – IGUALDADE
DE OPORTUNIDADES



                                           ABSTRACT

AFFIRMATIVE ACTION FROM A HUMAN RIGHTS PERSPECTIVE. The article aims to
develop an analysis on affirmative action from a human rights perspective. Initially, it deals
with the contemporary conception of human rights, introduced by the Universal Declaration
of 1948, stressing their universality, indivisibility, and interdependence. At a second stage,
affirmative action is analyzed from a human rights perspective, stressing the values of
egalitarianism and diversity. Finally, the perspectives and challenges to implement ethnic-racial
egalitarianism in the contemporary order are assessed.
AFFIRMATIVE ACTION – HUMAN RIGHTS – RACIAL DISCRIMINATION – EQUAL
OPPORTUNITIES


Este texto embasou a intervenção “Ações Afirmativas sob a Perspectiva dos Direitos Humanos”,
apresentada na Conferência Internacional sobre Ação Afirmativa e Direitos Humanos, no Rio de
Janeiro, em 16 e 17 de julho de 2004.



Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, p. 43-55, jan./abr. 2005                                 43
Flavia Piovesan


        Focalizarei este tema pelo prisma jurídico, destacando três reflexões cen-
trais: a concepção contemporânea de direitos humanos, o modo de conceber
as ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos e as perspectivas e
desafios para a implementação da igualdade étnico-racial na ordem contem-
porânea.


A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE DIREITOS HUMANOS

       Como reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando de-
vem e podem nascer. Como realça Norberto Bobbio (1988), os direitos hu-
manos não nascem todos de uma vez nem de uma vez por todas. Para Hannah
Arendt (1979), os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma
invenção humana em constante processo de construção e reconstrução1. Com-
põem um construído axiológico, fruto da nossa história, de nosso passado, de
nosso presente, fundamentado em um espaço simbólico de luta e ação social.
No dizer de Joaquin Herrera Flores, os direitos humanos compõem a nossa
racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem
e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Realçam, sobretudo, a
esperança de um horizonte moral, pautado pela gramática da inclusão, refle-
tindo a plataforma emancipatória de nosso tempo.
       Ao adotar o prisma histórico, cabe realçar que a Declaração de 1948
inovou extraordinariamente a gramática dos direitos humanos, ao introduzir a
chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela uni-
versalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade porque clama pela
extensão universal dos direitos humanos, com a crença de que a condição de
pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser
humano como essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e digni-
dade. Indivisibilidade porque, ineditamente, o catálogo dos direitos civis e po-


1. A respeito ver também Celso Lafer, 1988. No mesmo sentido afirma Ignacy Sachs: “Não se
   insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os
   direitos são conquistados, às vezes, com barricadas, em um processo histórico cheio de
   vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações
   e em estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos” (1998, p.156). Para
   Allan Rosas: “O conceito de direitos humanos é sempre progressivo. […] O debate a respei-
   to do que são os direitos humanos e como devem ser definidos é parte e parcela de nossa
   história, de nosso passado e de nosso presente” (1995, p. 243).



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Ações afirmativas da...


líticos é conjugado ao catálogo dos direitos econômicos, sociais e culturais. A
Declaração de 1948 combina o discurso liberal e o discurso social da cidada-
nia, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade.
        A partir da Declaração de 1948, começa a desenvolver-se o Direito In-
ternacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros instrumen-
tos internacionais de proteção. A Declaração de 1948 confere lastro axiológico
e unidade valorativa a esse campo do Direito, com ênfase na universalidade,
indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.
        O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a forma-
ção de um sistema internacional de proteção desses direitos. Esse sistema é
integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a
consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em
que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais dos direitos
humanos, fixando parâmetros protetivos mínimos. Nesse sentido, cabe des-
tacar que até 2003 o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos contava
com 149 Estados-partes, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, So-
ciais e Culturais contava com 146 Estados-partes, a Convenção contra a Tor-
tura contava com 132 Estados-partes, a Convenção sobre a Eliminação de To-
das as Formas de Discriminação Racial contava com 167 Estados-partes, a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher contava com 170 Estados-partes, e a Convenção sobre os Direitos da
Criança apresentava a mais ampla adesão, com 191 Estados-partes2. O eleva-
do número de Estados-partes desses tratados simboliza o grau de consenso
internacional a respeito de temas centrais voltados aos direitos humanos.
        Ao lado do sistema normativo global, surgem os sistemas regionais de
proteção, que buscam internacionalizar os direitos humanos nos planos regio-
nais, particularmente na Europa, América e África. Consolida-se, assim, a con-
vivência do sistema global da Organização das Nações Unidas – ONU – com
instrumentos do sistema regional, por sua vez, integrado com o sistema ame-
ricano, o europeu e o africano de proteção aos direitos humanos.
        Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementa-
res. Inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal, compõem
o espectro instrumental de proteção dos direitos humanos no plano interna-


2. A respeito, consultar Human Development Report (2003).




Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005                         45
Flavia Piovesan


cional. Nessa ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos
interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Ao adotar o valor da pri-
mazia da pessoa humana, esses sistemas complementam-se, somando-se ao
sistema nacional de proteção a fim de proporcionar a maior efetividade possí-
vel na tutela e promoção de direitos fundamentais. Estes são a lógica e o con-
junto de princípios próprios do Direito dos Direitos Humanos.


AS AÇÕES AFIRMATIVAS DA PERSPECTIVA
DOS DIREITOS HUMANOS

        Como já mencionado, a partir da Declaração Universal de 1948, começa
a desenvolver-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a
adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fun-
damentais.
        A primeira fase de proteção dos direitos humanos foi marcada pela tô-
nica da proteção geral, que expressava o temor da diferença (que no nazismo
havia sido orientada para o extermínio) com base na igualdade formal. A título
de exemplo, basta avaliar quem é o destinatário da Declaração de 1948, bem
como basta atentar para a Convenção para a Prevenção e Repressão ao Cri-
me de Genocídio, também de 1948, que pune a lógica da intolerância pauta-
da na destruição do “outro” em razão de sua nacionalidade, etnia, raça ou re-
ligião.
        Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral
e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que passa a
ser visto em sua peculiaridade e particularidade. Nessa ótica determinados
sujeitos de direito ou determinadas violações de direitos exigem uma resposta
específica e diferenciada. Vale dizer, na esfera internacional, se uma primeira
vertente de instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcio-
nar uma proteção geral, genérica e abstrata, refletindo o próprio temor da di-
ferença, percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a determina-
dos grupos uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria
vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a ani-
quilação de direitos, mas, ao revés, para sua promoção.
        Nesse cenário, por exemplo a população afro-descendente, as mulhe-
res, as crianças e demais grupos devem ser vistos nas especificidades e pecu-



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Ações afirmativas da...


liaridades de sua condição social. Ao lado do direito à igualdade, surge também,
como direito fundamental, o direito à diferença. Importa o respeito à diferen-
ça e à diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial.
        Destacam-se, assim, três vertentes no que tange à concepção da igual-
dade: a. igualdade formal, reduzida à fórmula “todos são iguais perante a lei”
(que no seu tempo foi crucial para a abolição de privilégios); b. igualdade ma-
terial, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orien-
tada pelo critério socioeconômico); e c. igualdade material, correspondente ao
ideal de justiça como reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos
critérios gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios).
        Para Nancy Fraser, a justiça exige simultaneamente redistribuição e re-
conhecimento de identidades. Como atesta a autora:

         O reconhecimento não pode reduzir-se à distribuição, porque o status na so-
         ciedade não decorre simplesmente em razão da classe. Tomemos o exemplo
         de um banqueiro afro-americano de Wall Street, que não pode conseguir um
         táxi. Neste caso, a injustiça da falta de reconhecimento tem pouco a ver com a
         má distribuição. [...] Reciprocamente, a distribuição não pode reduzir-se ao
         reconhecimento, porque o acesso aos recursos não decorre simplesmente em
         razão de status. Tomemos, como exemplo, um trabalhador industrial especi-
         alizado, que fica desempregado em virtude do fechamento da fábrica em que
         trabalha, em vista de uma fusão corporativa especulativa. Nesse caso, a injusti-
         ça da má distribuição tem pouco a ver com a falta de reconhecimento. [...]
         Proponho desenvolver o que chamo concepção bidimensional da justiça. Essa
         concepção trata da redistribuição e do reconhecimento como perspectivas e
         dimensões distintas da justiça. Sem reduzir uma a outra, abarca ambas em algo
         mais amplo (2001, p.55-56).

       Há, assim, o caráter bidimensional da justiça: redistribuição somada ao
reconhecimento. No mesmo sentido, Boaventura de Souza Santos (2003) afir-
ma que apenas a exigência do reconhecimento e da redistribuição permite a
realização da igualdade3. Ainda acrescenta:


3. A respeito ver ainda na mesma obra: “Por uma concepção multicultural de direitos huma-
   nos”, p. 429-461.



Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005                                   47
Flavia Piovesan


       ...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos
       o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a
       necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença
       que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (p.56)

       É nesse cenário que as Nações Unidas aprovam, em 1965, a Conven-
ção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada
hoje por 167 Estados, dentre eles o Brasil (desde 1968).
       Desde seu preâmbulo, essa Convenção assinala que qualquer “doutrina
de superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moral-
mente condenável, socialmente injusta e perigosa, inexistindo justificativa para
a discriminação racial, em teoria ou prática, em lugar algum”. Adiciona a urgência
de adotar-se todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação racial
em todas as suas formas e manifestações e para prevenir e combater doutri-
nas e práticas racistas.
       O artigo 1º da Convenção define a discriminação racial como

       ...qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,
       descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito ou o efeito
       de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igual-
       dade dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

       Vale dizer, a discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou
preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o exercí-
cio, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamen-
tais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro
campo. Logo, a discriminação significa sempre desigualdade. Esta mesma lógi-
ca inspirou a definição de discriminação contra a mulher, quando da adoção da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher pela ONU, em 1979.
       A discriminação ocorre quando somos tratados como iguais em situações
diferentes, e como diferentes em situações iguais.
       Como enfrentar a problemática da discriminação?
       No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, destacam-
se duas estratégias: a. repressiva punitiva (que tem por objetivo punir, proibir
e eliminar a discriminação; b. promocional (que tem por objetivo promover,
fomentar e avançar a igualdade).


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Ações afirmativas da...


       Na vertente repressiva punitiva, há a urgência de erradicar-se todas as
formas de discriminação. O combate à discriminação é medida fundamental
para que se garanta o pleno exercício dos direitos civis e políticos, como tam-
bém dos direitos sociais, econômicos e culturais.
       Se o combate à discriminação é medida emergencial à implementação do
direito à igualdade, por si só é, todavia, medida insuficiente. Vale dizer, é funda-
mental conjugar a vertente repressiva punitiva com a vertente promocional.
       Faz-se necessário combinar a proibição da discriminação com políticas
compensatórias que acelerem a igualdade enquanto como processo. Isto é, para
assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante le-
gislação repressiva. São essenciais as estratégias promocionais capazes de es-
timular a inserção e inclusão de grupos socialmente vulneráveis nos espaços
sociais. Com efeito, a igualdade e a discriminação pairam sob o binômio inclu-
são/exclusão. Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a dis-
criminação implica violenta exclusão e intolerância à diferença e à diversidade.
O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta
automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, quan-
do o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social
de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de violência e discri-
minação.
       Nesse sentido, como poderoso instrumento de inclusão social, situam-
se as ações afirmativas. Elas constituem medidas especiais e temporárias que,
buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o proces-
so com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis,
como as minorias étnicas e raciais e as mulheres, entre outros grupos.
       As ações afirmativas, como políticas compensatórias adotadas para alivi-
ar e remediar as condições resultantes de um passado de discriminação, cum-
prem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático: assegurar a
diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam
o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve moldar-se no res-
peito à diferença e à diversidade. Por meio delas transita-se da igualdade for-
mal para a igualdade material e substantiva.
       Por essas razões a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial prevê, no artigo 1º, parágrafo 4º, a possibilidade de
“discriminação positiva” (a chamada “ação afirmativa”) mediante a adoção de
medidas especiais de proteção ou incentivo a grupos ou indivíduos, visando a


Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005                              49
Flavia Piovesan


promover sua ascensão na sociedade até um nível de equiparação com os de-
mais. As ações afirmativas constituem medidas especiais e temporárias que, bus-
cando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo com
o alcance da igualdade substantiva por parte dos grupos socialmente vulnerá-
veis, como as minorias étnicas e raciais, entre outros grupos.
        A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher também contempla a possibilidade jurídica de uso das ações
afirmativas, pela qual os Estados podem adotam medidas especiais temporá-
rias, visando a acelerar o processo de igualização de status entre homens e mu-
lheres. Tais medidas cessarão quando alcançado o seu objetivo. São, portan-
to, medidas compensatórias para remediar as desvantagens históricas, aliviando
o passado discriminatório sofrido pelo grupo social em questão.
        Quanto ao prisma racial, importa destacar que o documento oficial brasilei-
ro apresentado à Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, em Durban,
na África do Sul (31 de agosto a 7 de setembro de 2001), defendeu, do mesmo
modo, a adoção de medidas afirmativas para a população afro-descendente
nas áreas de educação e trabalho. O documento propôs a adoção de ações
afirmativas para garantir o maior acesso de afro-descendentes às universida-
des públicas, bem como a utilização, em licitações públicas, de um critério de
desempate que considere a presença de afro-descendentes, homossexuais e
mulheres no quadro funcional das empresas concorrentes. A Conferência de
Durban, em suas recomendações, pontualmente nos parágrafos 107 e 108,
endossa a importância de os Estados adotarem ações afirmativas para aqueles
que foram vítimas de discriminação racial, xenofobia e outras formas de into-
lerância correlatas.
        No Direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 estabelece impor-
tantes dispositivos que demarcam a busca da igualdade material, que transcende
a igualdade formal. A título de registro, destaca-se o artigo 7º, inciso XX, que
trata da proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos es-
pecíficos, bem como o artigo 37, inciso VII, que determina que a lei reservará
percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de defi-
ciência. Acrescente-se ainda a chamada “Lei das Cotas”4 de 1995 (Lei n. 9.100/


4. Note-se que esta lei foi posteriormente alterada pela Lei n. 9.504/97, a qual dispõe que cada
   partido ou coligação partidária deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para
   candidaturas de cada sexo.



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Ações afirmativas da...


95), que obriga sejam reservados às mulheres ao menos 20% dos cargos para
as candidaturas às eleições municipais. Adicione-se também o Programa Na-
cional de Direitos Humanos, que faz expressa alusão às políticas compensató-
rias, prevendo como meta o desenvolvimento de ações afirmativas em favor
de grupos socialmente vulneráveis. Some-se, ademais, o Programa de Ações
Afirmativas na Administração Pública Federal e a adoção de cotas para afro-
descendentes em universidades – como é o caso da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro – UERJ –, da Universidade do Estado da Bahia – Uneb –, da Uni-
versidade de Brasília – UnB –, da Universidade Federal do Paraná – UFPR –,
entre outras.
       Ora, se a raça e etnia no país sempre foram critérios utilizados para ex-
cluir os afro-descendentes, que sejam hoje utilizados para, ao revés, incluí-los.
       Na esfera universitária, por exemplo, dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada – Ipea – revelam que menos de 2% dos estudantes afro-
descendentes estão em universidades públicas ou privadas. Isso faz com que
as universidades sejam territórios brancos. Note-se que a universidade é um
espaço de poder, já que o diploma pode ser um passaporte para ascensão social.
É necessário democratizar o poder e, para isso, há que se democratizar o acesso
ao poder, vale dizer, o acesso ao passaporte universitário.
       Em um país em que os afro-descendentes são 64% dos pobres e 69%
dos indigentes5, faz-se necessária a adoção de ações afirmativas em benefício
da população afro-descendente, em especial nas áreas da educação e do tra-
balho. Quanto ao traballho, o “Mapa da População Negra no Mercado de Tra-
balho”, documento elaborado pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igual-
dade Racial – Inspir –, em convênio com o Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Dieese –, em 1999, demonstra que
o(a) trabalhador(a) afro-descendente convive mais intensamente com o desem-
prego, ocupa os postos de trabalho mais precários ou vulneráveis em relação
aos não afro-descendentes, tem mais instabilidade no emprego, está mais pre-
sente no “chão da fábrica” ou na base da produção, apresenta níveis de instru-
ção inferiores aos dos trabalhadores não afro-descendentes e possui uma jorna-
da de trabalho maior do que a do trabalhador não afro-descendente.


5. Segundo dados do Ipea, no Índice de Desenvolvimento Humano geral – IDH (2000), o Brasil
   ocupa o 74o lugar, mas no recorte étnico-racial, o IDH relativo à população afro-descendente
   ocupa a 108a posição, ao passo que o IDH relativo à população branca indica a 43a posição.



Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005                                         51
Flavia Piovesan


       É necessário ainda reconhecer que a complexa realidade brasileira tra-
duz um alarmante quadro de exclusão social e discriminação como termos in-
terligados a compor um ciclo vicioso em que a exclusão implica discriminação
e a discriminação implica exclusão.
       Nesse cenário, as ações afirmativas surgem como medida urgente e
necessária. Tais ações encontram amplo respaldo jurídico, seja na Constitui-
ção (ao assegurar a igualdade material, prevendo ações afirmativas para os
grupos socialmente vulneráveis), seja nos tratados internacionais ratificados
pelo Brasil.
       A experiência no Direito Comparado (em particular a do Direito norte-
americano) comprova que as ações afirmativas proporcionam maior igualda-
de, na medida em que asseguram maior possibilidade de participação de gru-
pos sociais vulneráveis nas instituições públicas e privadas. A respeito, a
Plataforma de Ação de Beijing de 1995 afirma, em seu parágrafo 187, que em
alguns países a adoção da ação afirmativa tem garantido a representação de
33,3% (ou mais) de mulheres em cargos da administração nacional ou local.
       Isso significa que essas ações constituem relevantes medidas para a im-
plementação do direito à igualdade. Faz-se, assim, emergencial a adoção de
ações afirmativas que promovam medidas compensatórias voltadas à concre-
tização da igualdade racial.


PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA IGUALDADE
ÉTNICO-RACIAL NA ORDEM CONTEMPORÂNEA

       A implementação do direito à igualdade é tarefa fundamental à qualquer
projeto democrático, já que em última análise a democracia significa a igualda-
de no exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A
busca democrática requer fundamentalmente o exercício em igualdade de
condições dos direitos humanos elementares.
       Se a democracia confunde-se com a igualdade, a implementação do di-
reito à igualdade, por sua vez, impõe tanto o desafio de eliminar toda e qual-
quer forma de discriminação como o desafio de promover a igualdade.
       Para a implementação do direito à igualdade, é decisivo que se intensifi-
quem e aprimorem ações em prol do alcance dessas duas metas que, por se-
rem indissociáveis, hão de ser desenvolvidas de forma conjugada. Há, assim,
que se combinar estratégias repressivas e promocionais que propiciem a im-


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Ações afirmativas da...


plementação do direito à igualdade. Reitere-se que a Convenção sobre a Eli-
minação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada hoje por mais
de 167 Estados (dentre eles o Brasil), aponta para a dupla vertente: a repres-
siva punitiva e a promocional. Vale dizer, os Estados-partes assumem não ape-
nas o dever de adotar medidas que proíbam a discriminação racial, mas também
o dever de promover a igualdade mediante a implementação de medidas espe-
ciais e temporárias que acelerem o processo de construção da igualdade racial.
        Considerando as especificidades do Brasil, que é o segundo país do
mundo com o maior contingente populacional afro-descendente (45% da
população brasileira, perdendo apenas para a Nigéria), tendo sido, contudo, o
último país do mundo ocidental a abolir a escravidão, faz-se emergencial a
adoção de medidas eficazes para romper com o legado de exclusão étnico-
racial, que compromete não só a plena vigência dos direitos humanos, mas
também a própria democracia no país – sob pena de termos democracia sem
cidadania.
        Se no início deste texto acentuava-se que os direitos humanos não são
um dado, mas um construído, enfatiza-se agora que a violação desses direitos
também o é. Ou seja, as violações, as exclusões, as discriminações, as intole-
râncias, os racismos, as injustiças raciais são um construído histórico a ser ur-
gentemente desconstruído, sendo emergencial a adoção de medidas eficazes
para romper com o legado de exclusão étnico-racial. Há que se enfrentar es-
sas amarras, mutiladoras do protagonismo, da cidadania e da dignidade da
população afro-descendente.
        Destacam-se, nesse sentido, as palavras de Abdias do Nascimento, ao
apontar a necessidade da

         ...inclusão do povo afro-brasileiro, um povo que luta duramente há cinco sécu-
         los no país, desde os seus primórdios, em favor dos direitos humanos. É o
         povo cujos direitos humanos foram mais brutalmente agredidos ao longo da
         história do país: o povo que durante séculos não mereceu nem o reconheci-
         mento de sua própria condição humana.

       A implementação do direito à igualdade racial há de ser um imperativo
ético-político-social, capaz de enfrentar o legado discriminatório que tem ne-
gado à metade da população brasileira o pleno exercício de seus direitos e de
liberdades fundamentais.


Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005                                 53
Flavia Piovesan


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOBBIO, N. Era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1988. [Trad. Carlos Nelson Coutinho]

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Sena-
do, 1988.

BRASIL. Decreto n. 1.904, de 13/5/1996. Institui o Programa Nacional de Direitos Huma-
nos, que ineditamente atribui aos direitos humanos o status de política pública governamen-
tal, contendo propostas de ações governamentais para a proteção e promoção dos direitos
civis e políticos no Brasil.

                 . Lei n. 9.100/95. Estabelece normas para as eleições, dispondo que cada
partido ou coligação partidária deverá reservar o mínimo de vinte por cento para candidatu-
ras de mulheres.

                 . Lei n. 9.504/97. Estabelece normas para as eleições, dispondo que cada
partido ou coligação partidária deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de
setenta por cento para candidaturas de cada sexo.

FLORES, J. H. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. (mimeo)

FRASER, N. Redistribución, reconocimiento y participación: hacia un concepto integrado de
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1995.

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                                                                             .
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         .
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SANTOS, B. de S. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Introdução: para ampliar o cânone do reconhe-
cimento, da diferença e da igualdade, p.56.




54                                             Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005
Ações afirmativas da...


                 . Reconhecer para libertar : os caminhos do cosmopolitanismo multicultural.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Por uma concepção multicultural de direitos hu-
manos, p.429-461.



Recebido em: outubro 2004
Aprovado para publicação em: outubro 2004




Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005                                       55

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Ações afirmativas e direitos humanos

  • 1. AÇÕES AFIRMATIVAS DA PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS FLAVIA PIOVESAN FLAVIA PIOVESAN Faculdade de Direito e Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo piovesan@dialdata.com.br RESUMO Objetiva o artigo desenvolver uma análise a respeito das ações afirmativas sob a perspectiva dos direitos humanos. Inicialmente, trata da concepção contemporânea de direitos huma- nos, introduzida pela Declaração Universal de 1948, com ênfase na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Em um segundo momento são apreciadas as ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos, com destaque dos valo- res da igualdade e diversidade. Por fim, são avaliadas as perspectivas e desafios para a imple- mentação da igualdade étnico-racial na ordem contemporânea. AÇÃO AFIRMATIVA – DIREITOS HUMANOS – DISCRIMINAÇÃO RACIAL – IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ABSTRACT AFFIRMATIVE ACTION FROM A HUMAN RIGHTS PERSPECTIVE. The article aims to develop an analysis on affirmative action from a human rights perspective. Initially, it deals with the contemporary conception of human rights, introduced by the Universal Declaration of 1948, stressing their universality, indivisibility, and interdependence. At a second stage, affirmative action is analyzed from a human rights perspective, stressing the values of egalitarianism and diversity. Finally, the perspectives and challenges to implement ethnic-racial egalitarianism in the contemporary order are assessed. AFFIRMATIVE ACTION – HUMAN RIGHTS – RACIAL DISCRIMINATION – EQUAL OPPORTUNITIES Este texto embasou a intervenção “Ações Afirmativas sob a Perspectiva dos Direitos Humanos”, apresentada na Conferência Internacional sobre Ação Afirmativa e Direitos Humanos, no Rio de Janeiro, em 16 e 17 de julho de 2004. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, p. 43-55, jan./abr. 2005 43
  • 2. Flavia Piovesan Focalizarei este tema pelo prisma jurídico, destacando três reflexões cen- trais: a concepção contemporânea de direitos humanos, o modo de conceber as ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos e as perspectivas e desafios para a implementação da igualdade étnico-racial na ordem contem- porânea. A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE DIREITOS HUMANOS Como reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando de- vem e podem nascer. Como realça Norberto Bobbio (1988), os direitos hu- manos não nascem todos de uma vez nem de uma vez por todas. Para Hannah Arendt (1979), os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução1. Com- põem um construído axiológico, fruto da nossa história, de nosso passado, de nosso presente, fundamentado em um espaço simbólico de luta e ação social. No dizer de Joaquin Herrera Flores, os direitos humanos compõem a nossa racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Realçam, sobretudo, a esperança de um horizonte moral, pautado pela gramática da inclusão, refle- tindo a plataforma emancipatória de nosso tempo. Ao adotar o prisma histórico, cabe realçar que a Declaração de 1948 inovou extraordinariamente a gramática dos direitos humanos, ao introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela uni- versalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, com a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e digni- dade. Indivisibilidade porque, ineditamente, o catálogo dos direitos civis e po- 1. A respeito ver também Celso Lafer, 1988. No mesmo sentido afirma Ignacy Sachs: “Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às vezes, com barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos” (1998, p.156). Para Allan Rosas: “O conceito de direitos humanos é sempre progressivo. […] O debate a respei- to do que são os direitos humanos e como devem ser definidos é parte e parcela de nossa história, de nosso passado e de nosso presente” (1995, p. 243). 44 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005
  • 3. Ações afirmativas da... líticos é conjugado ao catálogo dos direitos econômicos, sociais e culturais. A Declaração de 1948 combina o discurso liberal e o discurso social da cidada- nia, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade. A partir da Declaração de 1948, começa a desenvolver-se o Direito In- ternacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros instrumen- tos internacionais de proteção. A Declaração de 1948 confere lastro axiológico e unidade valorativa a esse campo do Direito, com ênfase na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a forma- ção de um sistema internacional de proteção desses direitos. Esse sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais dos direitos humanos, fixando parâmetros protetivos mínimos. Nesse sentido, cabe des- tacar que até 2003 o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos contava com 149 Estados-partes, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, So- ciais e Culturais contava com 146 Estados-partes, a Convenção contra a Tor- tura contava com 132 Estados-partes, a Convenção sobre a Eliminação de To- das as Formas de Discriminação Racial contava com 167 Estados-partes, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher contava com 170 Estados-partes, e a Convenção sobre os Direitos da Criança apresentava a mais ampla adesão, com 191 Estados-partes2. O eleva- do número de Estados-partes desses tratados simboliza o grau de consenso internacional a respeito de temas centrais voltados aos direitos humanos. Ao lado do sistema normativo global, surgem os sistemas regionais de proteção, que buscam internacionalizar os direitos humanos nos planos regio- nais, particularmente na Europa, América e África. Consolida-se, assim, a con- vivência do sistema global da Organização das Nações Unidas – ONU – com instrumentos do sistema regional, por sua vez, integrado com o sistema ame- ricano, o europeu e o africano de proteção aos direitos humanos. Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementa- res. Inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal, compõem o espectro instrumental de proteção dos direitos humanos no plano interna- 2. A respeito, consultar Human Development Report (2003). Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005 45
  • 4. Flavia Piovesan cional. Nessa ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Ao adotar o valor da pri- mazia da pessoa humana, esses sistemas complementam-se, somando-se ao sistema nacional de proteção a fim de proporcionar a maior efetividade possí- vel na tutela e promoção de direitos fundamentais. Estes são a lógica e o con- junto de princípios próprios do Direito dos Direitos Humanos. AS AÇÕES AFIRMATIVAS DA PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS Como já mencionado, a partir da Declaração Universal de 1948, começa a desenvolver-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fun- damentais. A primeira fase de proteção dos direitos humanos foi marcada pela tô- nica da proteção geral, que expressava o temor da diferença (que no nazismo havia sido orientada para o extermínio) com base na igualdade formal. A título de exemplo, basta avaliar quem é o destinatário da Declaração de 1948, bem como basta atentar para a Convenção para a Prevenção e Repressão ao Cri- me de Genocídio, também de 1948, que pune a lógica da intolerância pauta- da na destruição do “outro” em razão de sua nacionalidade, etnia, raça ou re- ligião. Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto em sua peculiaridade e particularidade. Nessa ótica determinados sujeitos de direito ou determinadas violações de direitos exigem uma resposta específica e diferenciada. Vale dizer, na esfera internacional, se uma primeira vertente de instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcio- nar uma proteção geral, genérica e abstrata, refletindo o próprio temor da di- ferença, percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a determina- dos grupos uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a ani- quilação de direitos, mas, ao revés, para sua promoção. Nesse cenário, por exemplo a população afro-descendente, as mulhe- res, as crianças e demais grupos devem ser vistos nas especificidades e pecu- 46 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005
  • 5. Ações afirmativas da... liaridades de sua condição social. Ao lado do direito à igualdade, surge também, como direito fundamental, o direito à diferença. Importa o respeito à diferen- ça e à diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial. Destacam-se, assim, três vertentes no que tange à concepção da igual- dade: a. igualdade formal, reduzida à fórmula “todos são iguais perante a lei” (que no seu tempo foi crucial para a abolição de privilégios); b. igualdade ma- terial, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orien- tada pelo critério socioeconômico); e c. igualdade material, correspondente ao ideal de justiça como reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios). Para Nancy Fraser, a justiça exige simultaneamente redistribuição e re- conhecimento de identidades. Como atesta a autora: O reconhecimento não pode reduzir-se à distribuição, porque o status na so- ciedade não decorre simplesmente em razão da classe. Tomemos o exemplo de um banqueiro afro-americano de Wall Street, que não pode conseguir um táxi. Neste caso, a injustiça da falta de reconhecimento tem pouco a ver com a má distribuição. [...] Reciprocamente, a distribuição não pode reduzir-se ao reconhecimento, porque o acesso aos recursos não decorre simplesmente em razão de status. Tomemos, como exemplo, um trabalhador industrial especi- alizado, que fica desempregado em virtude do fechamento da fábrica em que trabalha, em vista de uma fusão corporativa especulativa. Nesse caso, a injusti- ça da má distribuição tem pouco a ver com a falta de reconhecimento. [...] Proponho desenvolver o que chamo concepção bidimensional da justiça. Essa concepção trata da redistribuição e do reconhecimento como perspectivas e dimensões distintas da justiça. Sem reduzir uma a outra, abarca ambas em algo mais amplo (2001, p.55-56). Há, assim, o caráter bidimensional da justiça: redistribuição somada ao reconhecimento. No mesmo sentido, Boaventura de Souza Santos (2003) afir- ma que apenas a exigência do reconhecimento e da redistribuição permite a realização da igualdade3. Ainda acrescenta: 3. A respeito ver ainda na mesma obra: “Por uma concepção multicultural de direitos huma- nos”, p. 429-461. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005 47
  • 6. Flavia Piovesan ...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (p.56) É nesse cenário que as Nações Unidas aprovam, em 1965, a Conven- ção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada hoje por 167 Estados, dentre eles o Brasil (desde 1968). Desde seu preâmbulo, essa Convenção assinala que qualquer “doutrina de superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moral- mente condenável, socialmente injusta e perigosa, inexistindo justificativa para a discriminação racial, em teoria ou prática, em lugar algum”. Adiciona a urgência de adotar-se todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e manifestações e para prevenir e combater doutri- nas e práticas racistas. O artigo 1º da Convenção define a discriminação racial como ...qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igual- dade dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Vale dizer, a discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o exercí- cio, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamen- tais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo, a discriminação significa sempre desigualdade. Esta mesma lógi- ca inspirou a definição de discriminação contra a mulher, quando da adoção da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher pela ONU, em 1979. A discriminação ocorre quando somos tratados como iguais em situações diferentes, e como diferentes em situações iguais. Como enfrentar a problemática da discriminação? No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, destacam- se duas estratégias: a. repressiva punitiva (que tem por objetivo punir, proibir e eliminar a discriminação; b. promocional (que tem por objetivo promover, fomentar e avançar a igualdade). 48 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005
  • 7. Ações afirmativas da... Na vertente repressiva punitiva, há a urgência de erradicar-se todas as formas de discriminação. O combate à discriminação é medida fundamental para que se garanta o pleno exercício dos direitos civis e políticos, como tam- bém dos direitos sociais, econômicos e culturais. Se o combate à discriminação é medida emergencial à implementação do direito à igualdade, por si só é, todavia, medida insuficiente. Vale dizer, é funda- mental conjugar a vertente repressiva punitiva com a vertente promocional. Faz-se necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto como processo. Isto é, para assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante le- gislação repressiva. São essenciais as estratégias promocionais capazes de es- timular a inserção e inclusão de grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais. Com efeito, a igualdade e a discriminação pairam sob o binômio inclu- são/exclusão. Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a dis- criminação implica violenta exclusão e intolerância à diferença e à diversidade. O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, quan- do o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de violência e discri- minação. Nesse sentido, como poderoso instrumento de inclusão social, situam- se as ações afirmativas. Elas constituem medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o proces- so com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais e as mulheres, entre outros grupos. As ações afirmativas, como políticas compensatórias adotadas para alivi- ar e remediar as condições resultantes de um passado de discriminação, cum- prem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático: assegurar a diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve moldar-se no res- peito à diferença e à diversidade. Por meio delas transita-se da igualdade for- mal para a igualdade material e substantiva. Por essas razões a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial prevê, no artigo 1º, parágrafo 4º, a possibilidade de “discriminação positiva” (a chamada “ação afirmativa”) mediante a adoção de medidas especiais de proteção ou incentivo a grupos ou indivíduos, visando a Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005 49
  • 8. Flavia Piovesan promover sua ascensão na sociedade até um nível de equiparação com os de- mais. As ações afirmativas constituem medidas especiais e temporárias que, bus- cando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo com o alcance da igualdade substantiva por parte dos grupos socialmente vulnerá- veis, como as minorias étnicas e raciais, entre outros grupos. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher também contempla a possibilidade jurídica de uso das ações afirmativas, pela qual os Estados podem adotam medidas especiais temporá- rias, visando a acelerar o processo de igualização de status entre homens e mu- lheres. Tais medidas cessarão quando alcançado o seu objetivo. São, portan- to, medidas compensatórias para remediar as desvantagens históricas, aliviando o passado discriminatório sofrido pelo grupo social em questão. Quanto ao prisma racial, importa destacar que o documento oficial brasilei- ro apresentado à Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, em Durban, na África do Sul (31 de agosto a 7 de setembro de 2001), defendeu, do mesmo modo, a adoção de medidas afirmativas para a população afro-descendente nas áreas de educação e trabalho. O documento propôs a adoção de ações afirmativas para garantir o maior acesso de afro-descendentes às universida- des públicas, bem como a utilização, em licitações públicas, de um critério de desempate que considere a presença de afro-descendentes, homossexuais e mulheres no quadro funcional das empresas concorrentes. A Conferência de Durban, em suas recomendações, pontualmente nos parágrafos 107 e 108, endossa a importância de os Estados adotarem ações afirmativas para aqueles que foram vítimas de discriminação racial, xenofobia e outras formas de into- lerância correlatas. No Direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 estabelece impor- tantes dispositivos que demarcam a busca da igualdade material, que transcende a igualdade formal. A título de registro, destaca-se o artigo 7º, inciso XX, que trata da proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos es- pecíficos, bem como o artigo 37, inciso VII, que determina que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de defi- ciência. Acrescente-se ainda a chamada “Lei das Cotas”4 de 1995 (Lei n. 9.100/ 4. Note-se que esta lei foi posteriormente alterada pela Lei n. 9.504/97, a qual dispõe que cada partido ou coligação partidária deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. 50 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005
  • 9. Ações afirmativas da... 95), que obriga sejam reservados às mulheres ao menos 20% dos cargos para as candidaturas às eleições municipais. Adicione-se também o Programa Na- cional de Direitos Humanos, que faz expressa alusão às políticas compensató- rias, prevendo como meta o desenvolvimento de ações afirmativas em favor de grupos socialmente vulneráveis. Some-se, ademais, o Programa de Ações Afirmativas na Administração Pública Federal e a adoção de cotas para afro- descendentes em universidades – como é o caso da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ –, da Universidade do Estado da Bahia – Uneb –, da Uni- versidade de Brasília – UnB –, da Universidade Federal do Paraná – UFPR –, entre outras. Ora, se a raça e etnia no país sempre foram critérios utilizados para ex- cluir os afro-descendentes, que sejam hoje utilizados para, ao revés, incluí-los. Na esfera universitária, por exemplo, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea – revelam que menos de 2% dos estudantes afro- descendentes estão em universidades públicas ou privadas. Isso faz com que as universidades sejam territórios brancos. Note-se que a universidade é um espaço de poder, já que o diploma pode ser um passaporte para ascensão social. É necessário democratizar o poder e, para isso, há que se democratizar o acesso ao poder, vale dizer, o acesso ao passaporte universitário. Em um país em que os afro-descendentes são 64% dos pobres e 69% dos indigentes5, faz-se necessária a adoção de ações afirmativas em benefício da população afro-descendente, em especial nas áreas da educação e do tra- balho. Quanto ao traballho, o “Mapa da População Negra no Mercado de Tra- balho”, documento elaborado pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igual- dade Racial – Inspir –, em convênio com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Dieese –, em 1999, demonstra que o(a) trabalhador(a) afro-descendente convive mais intensamente com o desem- prego, ocupa os postos de trabalho mais precários ou vulneráveis em relação aos não afro-descendentes, tem mais instabilidade no emprego, está mais pre- sente no “chão da fábrica” ou na base da produção, apresenta níveis de instru- ção inferiores aos dos trabalhadores não afro-descendentes e possui uma jorna- da de trabalho maior do que a do trabalhador não afro-descendente. 5. Segundo dados do Ipea, no Índice de Desenvolvimento Humano geral – IDH (2000), o Brasil ocupa o 74o lugar, mas no recorte étnico-racial, o IDH relativo à população afro-descendente ocupa a 108a posição, ao passo que o IDH relativo à população branca indica a 43a posição. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005 51
  • 10. Flavia Piovesan É necessário ainda reconhecer que a complexa realidade brasileira tra- duz um alarmante quadro de exclusão social e discriminação como termos in- terligados a compor um ciclo vicioso em que a exclusão implica discriminação e a discriminação implica exclusão. Nesse cenário, as ações afirmativas surgem como medida urgente e necessária. Tais ações encontram amplo respaldo jurídico, seja na Constitui- ção (ao assegurar a igualdade material, prevendo ações afirmativas para os grupos socialmente vulneráveis), seja nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. A experiência no Direito Comparado (em particular a do Direito norte- americano) comprova que as ações afirmativas proporcionam maior igualda- de, na medida em que asseguram maior possibilidade de participação de gru- pos sociais vulneráveis nas instituições públicas e privadas. A respeito, a Plataforma de Ação de Beijing de 1995 afirma, em seu parágrafo 187, que em alguns países a adoção da ação afirmativa tem garantido a representação de 33,3% (ou mais) de mulheres em cargos da administração nacional ou local. Isso significa que essas ações constituem relevantes medidas para a im- plementação do direito à igualdade. Faz-se, assim, emergencial a adoção de ações afirmativas que promovam medidas compensatórias voltadas à concre- tização da igualdade racial. PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA IGUALDADE ÉTNICO-RACIAL NA ORDEM CONTEMPORÂNEA A implementação do direito à igualdade é tarefa fundamental à qualquer projeto democrático, já que em última análise a democracia significa a igualda- de no exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A busca democrática requer fundamentalmente o exercício em igualdade de condições dos direitos humanos elementares. Se a democracia confunde-se com a igualdade, a implementação do di- reito à igualdade, por sua vez, impõe tanto o desafio de eliminar toda e qual- quer forma de discriminação como o desafio de promover a igualdade. Para a implementação do direito à igualdade, é decisivo que se intensifi- quem e aprimorem ações em prol do alcance dessas duas metas que, por se- rem indissociáveis, hão de ser desenvolvidas de forma conjugada. Há, assim, que se combinar estratégias repressivas e promocionais que propiciem a im- 52 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005
  • 11. Ações afirmativas da... plementação do direito à igualdade. Reitere-se que a Convenção sobre a Eli- minação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada hoje por mais de 167 Estados (dentre eles o Brasil), aponta para a dupla vertente: a repres- siva punitiva e a promocional. Vale dizer, os Estados-partes assumem não ape- nas o dever de adotar medidas que proíbam a discriminação racial, mas também o dever de promover a igualdade mediante a implementação de medidas espe- ciais e temporárias que acelerem o processo de construção da igualdade racial. Considerando as especificidades do Brasil, que é o segundo país do mundo com o maior contingente populacional afro-descendente (45% da população brasileira, perdendo apenas para a Nigéria), tendo sido, contudo, o último país do mundo ocidental a abolir a escravidão, faz-se emergencial a adoção de medidas eficazes para romper com o legado de exclusão étnico- racial, que compromete não só a plena vigência dos direitos humanos, mas também a própria democracia no país – sob pena de termos democracia sem cidadania. Se no início deste texto acentuava-se que os direitos humanos não são um dado, mas um construído, enfatiza-se agora que a violação desses direitos também o é. Ou seja, as violações, as exclusões, as discriminações, as intole- râncias, os racismos, as injustiças raciais são um construído histórico a ser ur- gentemente desconstruído, sendo emergencial a adoção de medidas eficazes para romper com o legado de exclusão étnico-racial. Há que se enfrentar es- sas amarras, mutiladoras do protagonismo, da cidadania e da dignidade da população afro-descendente. Destacam-se, nesse sentido, as palavras de Abdias do Nascimento, ao apontar a necessidade da ...inclusão do povo afro-brasileiro, um povo que luta duramente há cinco sécu- los no país, desde os seus primórdios, em favor dos direitos humanos. É o povo cujos direitos humanos foram mais brutalmente agredidos ao longo da história do país: o povo que durante séculos não mereceu nem o reconheci- mento de sua própria condição humana. A implementação do direito à igualdade racial há de ser um imperativo ético-político-social, capaz de enfrentar o legado discriminatório que tem ne- gado à metade da população brasileira o pleno exercício de seus direitos e de liberdades fundamentais. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005 53
  • 12. Flavia Piovesan REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, H. As Origens do totalitarismo. Rio de Janeiro: Documentário, 1979 BOBBIO, N. Era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1988. [Trad. Carlos Nelson Coutinho] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Sena- do, 1988. BRASIL. Decreto n. 1.904, de 13/5/1996. Institui o Programa Nacional de Direitos Huma- nos, que ineditamente atribui aos direitos humanos o status de política pública governamen- tal, contendo propostas de ações governamentais para a proteção e promoção dos direitos civis e políticos no Brasil. . Lei n. 9.100/95. Estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação partidária deverá reservar o mínimo de vinte por cento para candidatu- ras de mulheres. . Lei n. 9.504/97. Estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação partidária deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo. FLORES, J. H. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. (mimeo) FRASER, N. Redistribución, reconocimiento y participación: hacia un concepto integrado de la justicia. In: ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA CULTURA. Informe mundial sobre la cultura: 2000-2001. HUMAN DEVELOPMENT REPORT. New York: UNDP; Oxford: Oxford University Press, 2003. LAFER, C. A Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia das Letras, 1988. ROSAS, A. So called rights of the third generation. In: EIDE, A.; KRAUSE, C.; ROSAS, A. Economic, social, and cultural rights. Boston: Martinus Nijhoff Publishers; Londres: Dordrecht, 1995. SACHS, I. Desenvolvimento, direitos humanos e cidadania. In: PINHEIRO, P S.; GUIMA- . RÃES, S. P (orgs.). Direitos humanos no século XXI. Brasília: Ipri, Fundação Alexandre de . Gusmão, 1998. SANTOS, B. de S. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Introdução: para ampliar o cânone do reconhe- cimento, da diferença e da igualdade, p.56. 54 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005
  • 13. Ações afirmativas da... . Reconhecer para libertar : os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Por uma concepção multicultural de direitos hu- manos, p.429-461. Recebido em: outubro 2004 Aprovado para publicação em: outubro 2004 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005 55