AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE DA UTILIZAÇÃO DOS RESÍDUOS GORDUROSOS DO PROCESSO DE...
Biodiesel de grãos defeituosos de café
1. AVALIAÇÃO PRELIMINAR DA VIABILIDADE DE PRODUÇÃO DE BIODIESEL A
PARTIR DE GRÃOS DEFEITUOSOS DE CAFÉ
Leandro Soares de Oliveira 1
Adriana Silva França2
Rodrigo Ribeiro da Silva Camargos3
Mário Carlos de Barros Júnior4
RESUMO
Um estudo preliminar foi efetuado para verificação da viabilidade de produção de
biodiesel pela transesterificação da fração triglicerídica e de ácidos graxos livres de
óleo de grãos de café defeituosos e não defeituosos. O óleo foi extraído com éter de
petróleo antes de ser submetido às reações de transesterificação. A fração referida do
óleo foi convertida, com sucesso, nos respectivos metil-ésteres dos ácidos graxos,
demonstrando, desta forma, a viabilidade de se produzir biodiesel utilizando-se grãos
defeituosos de café.
Palavras chave: biodiesel, pva
ABSTRACT
A study on the feasibility of producing biodiesel by the transesterification of the
triglycerides and free fatty acids fraction of the oil of defective and healthy coffee beans
was carried out. The oil was extracted with petroleum ether prior to the esterification.
The referred fraction of the oil was successfully converted into the methyl-esters of the
fatty acids, thus, demonstrating the feasibility of producing biodiesel from defective
coffee beans.
Key words: biodiesel, defective beans
1
Engenheiro Químico, Ph.D., Prof. Adjunto Dep. Engenharia Química/UFMG, E-mail: leandro@deq.ufmg.br
2
Engenheira Química, Ph.D., Prof. Adjunto Dep. Engenharia Química/UFMG, E-mail: franca@deq.ufmg.br
3
Engenheiro Químico, Mestrando, Curso de Pós-Graduação em Engenharia Química/UFMG
4
Engenheiro de Alimentos, Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Ciência de Alimentos/UFMG
2. 1.0 - INTRODUÇÃO
Os grãos defeituosos representam, atualmente, em torno de 20% do total de
café produzido no Estado de Minas Gerais, que é o maior produtor de café do Brasil.
Independentemente dos procedimentos de cultivo, de colheita e de beneficiamento
pós-colheita, grãos de café defeituosos estarão sempre presentes, por serem gerados,
em sua maior parte, por fatores de natureza intrínseca, não controláveis (Carvalho et
al., 1997). Dentre os vários tipos de defeitos, grãos pretos, verdes e ardidos (PVA) se
destacam em função de afetar significativamente a qualidade da bebida.
Os grãos de café defeituosos são mecanicamente separados dos não
defeituosos nas próprias fazendas produtoras, ou em cooperativas, por máquinas que
empregam diferentes princípios físicos de separação (pneumático, gravimétrico,
colorimétrico, etc). Os grãos defeituosos separados são ensacados e comercializados
para as indústrias de torrefação, que os utilizam em misturas com grãos não
defeituosos. Em virtude deste procedimento, o café torrado comercializado no mercado
interno brasileiro é considerado de baixa qualidade. A solução óbvia para este
problema seria que as torrefadoras abandonassem o emprego de misturas de cafés de
boa qualidade com grãos defeituosos. Além da influência benéfica sobre a qualidade
do café consumido internamente no Brasil, a retirada dos grãos de café defeituosos dos
mercados externo e interno contribuiria para regular a oferta do produto, permitindo,
desta forma, a redução de estoques excedentes e a regularização de preços do
produto. No entanto, ao abandonar o emprego de misturas com grãos defeituosos, em
favor de um produto de melhor qualidade, as torrefadoras estariam deixando de
comprar dos produtores e cooperativas todo o volume de grão defeituosos, para os
quais ainda não se encontrou uma forma alternativa de utilização, que seja rentável aos
produtores. Uma possibilidade seria a utilização destes grãos para a produção de
biodiesel.
Biodiesel é a denominação atribuída a combustíveis manufaturados pela
esterificação de óleos, gorduras e ácidos graxos, e que são renováveis. Este tipo de
combustível pode ser utilizado diretamente em motores a diesel, puro ou em misturas
3. com diesel de petróleo, uma vez que ambos são totalmente miscíveis (Graboski and
McCormick, 1998). O biodiesel tem se tornado cada vez mais atraente de ser utilizado
em substituição ao diesel de petróleo, em virtude de seus benefícios relacionados com
o meio ambiente e do fato de que pode ser manufaturado a partir de fontes renováveis.
Ressalta-se que o emprego de biodiesel reduz de forma significativa a emissão de
particulados em motores de combustão em comparação ao diesel de petróleo
(Graboski and McCormick, 1998; Siuru, 2001). Entretanto, alguns obstáculos de
natureza econômica ainda perduram com relação à produção industrial do biodiesel.
Os custos de matéria prima, em geral grãos oleaginosos tais como soja, canola e
girasssol, contribuem de 60 a 75% para o custo total do combustível biodiesel
(Krawczyk, 1996; Van Dyne et al., 1996; Bender, 1999). Estes custos poderiam ser
diminuídos pela utilização de produtos “menos nobres”, como, por exemplo, grãos
defeituosos de café. Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo efetuar
uma avaliação preliminar da viabilidade de produção de biodiesel como alternativa para
utilização de grãos defeituosos de café.
2.0 - MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 - Amostras de café
Grãos de café crus, sadios e defeituosos, foram adquiridos da Santo Antonio
Estate Coffee, em Santo Antônio do Amparo, Minas Gerais. As amostras utilizadas no
presente trabalho são originárias da Fazenda Samambaia, de onde frutas da variedade
Mundo Novo foram derriçadas e subsequentemente descascadas e secas ao sol. Os
grãos defeituosos foram selecionados manualmente dentre aqueles rejeitados pelas
máquinas que separam por cor. Do lote rejeitado, foram separados individualmente os
grãos defeituosos pretos, verdes (imaturos) e ardidos e a composição (peso/peso) do
lote foi determinada como sendo 50,0% de grãos ardidos, 21,1% de grãos imaturos,
2,1% de grãos pretos e o restante de grãos maduros não defeituosos (sadios). Os
outros tipos de defeitos (quebrados, brocados e outros) foram separados nas
operações de classificação (peneiramento e ventilação). As amostras constituídas da
mistura de grãos defeituosos e não defeituosos foram moídas em um moinho Rotatec
4. (Belo Horizonte, Minas Gerais) e a fração passante (97% da amostra) em peneira de
0,425 mm de abertura (35 mesh, série Tyler) foi utilizada para a extração de óleo. As
amostras de café moído foram secas em estufa por 24 horas a 105oC antes da
extração do óleo.
2.2 - Reagentes
Todos os reagentes utilizados são de grau analítico e foram adquiridos da
Labsynth (São Paulo, SP), exceto o trifluoreto de boro (BF3), que foi adquirido da
Sigma-Aldrich (EUA).
2.3 - Métodos de extração e esterificação
Os óleos foram extraídos com base em metodologias padronizadas na literatura,
em que as amostras secas foram exaustivamente extraídas em um aparelho Soxhlet
por 6 horas utilizando-se éter de petróleo como solvente. Subsequentemente à
extração, o solvente foi evaporado do extrato utilizando-se um evaporador rotativo. Os
teores de óleo foram determinados por gravimetria (Folstar, 1985). Para a análise da
composição em ácidos graxos do óleo de café, utilizou-se a metodologia de
esterificação dos ácidos graxos para posterior análise por cromatografia a gás. A
esterificação dos ácidos graxos, para efeito de análise, foi efetuada utilizando-se o BF3
em excesso de metanol (10%) (Illy and Viani, 1995).
As reações de transesterificação do óleo de café, para produção de biodiesel,
foram efetuadas na própria montagem Soxhlet, utilizando-se metanol e hidróxido de
sódio (NaOH), por 30, 60, 90, 120 e 150 minutos a temperaturas de 60-70oC.
2.4 - Método analítico
Os metil-ésteres de ácidos graxos foram analisados por cromatografia a gás em
um aparelho Shimadzu GC-17 (Japão), com uma coluna capilar DBWax (30 m x 0,25
mm d.i.), para a qual a temperatura foi variada de 160oC a 230oC, a uma taxa de 5oC
por minuto, em uma corrida de 20 minutos.
5. 3.0 - RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados para a quantificação dos teores de óleos de grãos defeituosos e
não defeituosos são apresentados na Figura 1. A análise comparativa das médias pelo
teste de Duncan a 5% de probabilidade demonstrou que os grãos sadios apresentaram
teor de óleo superior aos grãos defeituosos e que não houve diferença significativa de
teor óleo entre os defeitos preto, ardido e imaturo.
15
10
% b.s.
5
0
Sadio Preto Imaturo Ardido
Figura 1 - Teores de óleo em grãos de café.
Os resultados para as composições em ácidos graxos dos óleos de grãos
defeituosos e não defeituosos são apresentados na Tabela 1. Para o caso da
composição em ácidos graxos, os resultados para grãos imaturos e ardidos são
apresentados em uma mesma coluna da Tabela 1 em função de os valores
encontrados serem idênticos para ambos os defeitos. Ao observar os grãos das
amostras individuais de imaturos e ardidos, notou-se que os grãos ardidos eram, em
sua maioria, grãos imaturos em estágios iniciais de fermentação, justificando, desta
forma, a similaridade na composição em ácidos graxos. Os ácidos graxos predomi-
nantes em todas as amostras foram o palmítico e o linoléico, com o linoléico presente
em maiores quantidades que o palmítico para grãos imaturos/ardidos e maduros
sadios. Para os grãos pretos, houve uma inversão na composição destes ácidos.
Quantidades similares de ácidos oléico e esteárico foram encontradas em todas as
6. amostras. Os ácidos linolênico e behênico foram encontrados em menores quantidades
para grãos maduros sadios e não foram encontrados nas amostras de grãos
defeituosos. Os resultados da composição em ácidos graxos para os grãos sadios
estão em concordância com os encontrados na literatura (Nikolova-Damyanova et al.,
1998; Turatti, 2001).
Tabela 1 - Composição em ácidos graxos do óleo de grãos de café.
%a
Pretos Imaturos/ Sadios
Ácido graxo
Ardidos
Palmítico (16:0) 40,2 + 2,1 31,1 + 1,4 32,6 + 0,9
Esteárico (18:0) 10,1 + 0,6 10,6 + 2,07 8,0 + 0,3
Oléico (18:1) 7,3 + 0,7 7,6 + 0,7 8,7 + 0,2
Linoléico (18:2) 34,5 + 1,0 36,1 + 0,5 44,6 + 1,1
Linolênico (18:3) n.d. n.d. 1,4 + 0,1
Araquídico (20:0) 2,2 + 0,4 4,8 + 1,2 3,3 + 0,2
Behênico (22:0) n.d. n.d. 1,1 + 0,2
a
% + desvio padrão (n=4); n.d. não detectado
Os resultados para a análise do óleo de café transesterificado para a produção
de biodiesel são apresentados na Tabela 2. Um cromatograma típico é apresentado na
Figura 2. As amostras de 1 a 5 correspondem aos tempos de transesterificação de 30 a
150 minutos, respectivamente. Observa-se que, aos 30 minutos de reação,
praticamente todos os ácidos graxos já estavam transesterificados em sua
completitude. A composição em ácidos graxos para biodiesel é similar à do próprio óleo
de café (Tabela 1), revelando que a transesterificação da fração triglicerídica e dos
ácidos graxos livres ocorreu com sucesso.
7. Tabela 2 - Composição em ácidos graxos do biodiesel.
%
Ácido Graxo Amostra
1 2 3 4 5
Palmítico 35,68 42,90 38,47 41,08 38,86
Esteárico 7,33 5,91 6,81 6,39 6,85
Oléico 8,01 7,13 7,88 7,47 7,77
Linoléico 44,52 41,23 43,42 41,97 43,08
Linolênico 1,46 1,46 1,43 1,41 1,40
Araquídico 2,47 1,34 1,96 1,64 2,01
Docosanóico 0,50 n.d. n.d. n.d. n.d.
Total (%) 99,97 99,97 99,97 99,96 99,97
Figura 2 - Cromatograma típico da análise de biodiesel obtido a partir da transesterificação do óleo de
café.
8. 4.0 - CONCLUSÕES
No presente estudo, demonstrou-se a viabilidade de produção de biodiesel a
partir do óleo extraído de uma mistura de grãos sadios e defeituosos de café cru, uma
vez que a transesterificação da fração triglicerídica e dos ácidos graxos livres ocorreu
com sucesso. Portanto, grãos defeituosos de café (pva) constituem alternativas
interessantes de serem utilizados como fontes renováveis para a produção de
biodiesel. A produção de biodiesel a partir de grãos defeituosos pode contribuir para a
redução de custos de produção de café, uma vez que o combustível produzido pode
retornar para as próprias fazendas como insumo para funcionar veículos e máquinas
agrícolas em geral.
5.0 - AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio financeiro das agências de fomento CNPq e
Fapemig e do Sindicato da Indústria de Café do Estado de Minas Gerais (Sindicafé-
MG).
6.0 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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