Tcc -- a indiscplina e a violência escolar - uma perspectiva pedagógica e jurídica para a construção da cidadania
1. JOÃO HENRIQUE DA SILVA
A INDISCIPLINA E A VIOLÊNCIA ESCOLAR:
UMA PERSPECTIVA PEDAGÓGICA E JURÍDICA
PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
SÃO PAULO
2010
2. 2
JOÃO HENRIQUE DA SILVA
A INDISCIPLINA E A VIOLÊNCIA ESCOLAR:
UMA PERSPECTIVA PEDAGÓGICA E JURÍDICA
PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Centro Universitário
Claretiano para obtenção do título de
Especialista em Direito Educacional.
Orientador: Professor Mestre Carlos
Alberto Marinheiro.
SÃO PAULO
2010
3. 3
JOÃO HENRIQUE DA SILVA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Claretiano para
obtenção do título de Especialista em Direito Educacional.
Orientador: Professor Mestre Carlos Alberto Marinheiro.
A INDISCIPLINA E A VIOLÊNCIA ESCOLAR:
UMA PERSPECTIVA PEDAGÓGICA E JURÍDICA
PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Orientador: Professor Mestre Carlos Alberto Marinheiro.
Examinadora: Professora Doutora Aparecida Dinalli
São Paulo, 04 de dezembro de 2010.
4. 4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu amigo Adriano São João que
me abriu as portas para o saber e o desenvolvimento
deste trabalho. Sua presença amiga confortou-me e
direcionou-me para o amadurecimento profissional.
5. 5
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, Prof. Ms. Carlos Alberto Marinheiro, que me guiou no
desenvolvimento deste trabalho, possibilitando desenvolvê-lo com seriedade e
responsabilidade.
Agradeço a minha família, em especial, minha mãe que sempre me incentivou para
prosseguir meus estudos. Mesmo sem estudo, sua experiência de vida apontou-me caminhos
para o desenvolvimento integral como ser humano.
Sou grato ao meu amigo Luiz Henrique que me compreendeu nos momentos mais
complicados na minha vida, principalmente no desenvolvimento deste trabalho. Agradeço
também a paciência, a compreensão e o estímulo da Luiza Andreotti, que me ajudou a
caminhar nos trilhos difíceis da vida, além de me motivar no desejo da busca pela sabedoria.
Também agradeço à Escola Estadual “Presidente Bernardes”, que me fez acordar para o
trabalho árduo e sério de professor. À Escola Estadual “Vinícius Meyer” e à Escola
Estadual “Virgília Paschoal”, que contribuíram para o desenvolvimento profissional e o
despertar para o ato de educar comprometido com o bem comum. Inclusive, agradeço aos
meus amigos professores, que me compreenderam e motivaram a lutar sempre pela
concretização dos meus objetivos. Demonstraram que a árdua tarefa de educar é
dignificante.
Sou grato a Deus, como fonte de valores, pois me ensinou que educar é vocação. É um ofício
digno para colaborar com o desenvolvimento de todos os seres humanos.
E, por fim, sou grato à vida, por me ensinar que o trabalho de professor é mais do que
“ganhar um pão a cada dia”. Trata-se de amadurecimento enquanto pessoa em vista da
formação de outros seres humanos. O ato de ensinar contribui para o próprio
desenvolvimento como ser humano. Inclusive me mostrou que o exercício da cidadania deve
estar presente em todos os momentos da nossa vida.
6. 6
EPÍGRAFE
A educação é o ponto em que decidimos se amamos o
mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade
por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria
inevitável não fosse a renovação e a vinda de novos e dos
jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos
nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso
mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e
tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de
empreender alguma coisa nova e imprevista para nós,
preparando-as em vez disso com antecedência para a
tarefa de renovar um mundo comum.
(ARENDT, 1992, p. 247).
7. 7
RESUMO
A educação escolar é uma instituição fundamental para o desenvolvimento da sociedade.
Atualmente, ela tem sido objeto de reflexão constante nos mais diversos segmentos da
sociedade brasileira. Há um grande esforço de entender o seu papel na conjuntura atual. Um
dos problemas que mais tem chamado a atenção dos estudiosos diz respeito à indisciplina e à
violência, consideradas como obstáculos sérios para o desenvolvimento de uma educação com
qualidade. Tais problemas estão presentes nas mais diversas escolas do país e do mundo,
exigindo assim um repensar as posturas pedagógicas, jurídicas e políticas. Diversas leituras
interpretam e receitam os remédios necessários para superar este obstáculo no espaço escolar.
Diante desse universo de respostas para resolver este problema, destaca-se a idéia de que uma
postura pedagógica e jurídica deve estar presente nas escolas para remodelar sua organização,
gestão, didática e envolvimento com a família e a sociedade, contribuindo assim para a
remodelação das práticas pedagógicas e jurídicas. Por isso, é imprescindível que a pedagogia
e a juridicidade se reorganizem e resgatem a verdadeira essência da sua presença na
instituição escolar, que é formar cidadãos. Urge, então, concretizar as suas finalidades. A
cidadania pode ser conquistada através da resolução dos problemas escolares. É por meio dos
conflitos que é possível propor valores democráticos e cidadãos para o desenvolvimento da
personalidade humana, qualificar para o trabalho e para o exercício da cidadania. Antes,
porém, deve-se entender o que é o direito humano e, em especial, o direito à educação, porque
é a partir da garantia deles que a cidadania é consolidada. É por meio deles que é possível
mudar o caráter de uma educação fechada em si mesma para uma mais aberta a todas as
pessoas. Além disso, a educação exige uma leitura jurídica da solução dos problemas
disciplinares, principalmente, da violência escolar porque ela na legislação ganha o
significado de ato infracional, compreendendo-se como um crime que repercute no campo
8. 8
penal. Se o Direito é a instância necessária para a legitimação dos direitos, então é
fundamental que a perspectiva jurídica para a solução do ato infracional esteja na presente na
escola, uma vez que a escola é um locus propício à formação humana. A instituição escolar,
amparada pelo direito, contribui para a qualificação do seu serviço, ajudando a superar os
conflitos através das leis que ajudam a guiar as relações sociais.
Em seguida, é importante ter presente o que a pedagogia da escola entende como indisciplina
e violência escolar e, em especial, a indisciplina, porque esta é a tarefa essencial da pedagogia
escolar, uma vez que a violência escolar deve ser tratada no fórum do direito. E ainda
demonstrar quais são os caminhos pedagógicos coerentes com a missão da escola.
Posteriormente, cabe ao Direito e à Escola demonstrarem como é que podem ajudar na
resolução de tais problemas, visando à realização da cidadania. Portanto, a perspectiva
jurídica e pedagógica são elos indissociáveis na prática educativa em vista da formação do ser
humano e do cidadão. Apesar de suas peculiaridades, não deixam de se enriquecer entre si e
impulsionar a educação para uma ação mais digna e nobre.
Palavras-Chave: Indisciplina e Violência escolar. Perspectiva Jurídica. Perspectiva
Pedagógica. Cidadania. Direitos.
9. 9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
0
1. A PERSPECTIVA JURÍDICA NA EDUCAÇÃO 1
4
1.1 OS DIREITOS HUMANOS: UM FUNDAMENTO PARA
UMA VIDA DIGNA 1
5
1.2 DIREITO À EDUCAÇÃO: EM BUSCA DA REALIZAÇÃO
DA DIGNIDADE HUMANA 2
0
2. ATO INFRACIONAL: UMA PERSPECTIVA
JURÍDICA NA EDUCAÇÃO 3
1
2.1 O DIREITO E A EDUCAÇÃO NA VIDA ESCOLAR 3
2
2.2 O DIREITO E A CRIANÇA E O ADOLESCENTE EM
CONFLITO COM A LEI 3
5
2.3 LEITURA SOCIAL DO ATO INFRACIONAL 5
3
3. A PERSPECTIVA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO 5
8
3.1 A EDUCAÇÃO: À ESCUTA DO TEMPO. 5
9
3.1.1 A resposta da Educação em conformidade com o tempo 7
0
3.2 A EDUCAÇÃO: À ESCUTA DE SI MESMO 7
4
3.2.1 A Educação e suas concepções 9
1
3.2.1.1 A educação “bancária” 9
1
3.2.1.2 A educação “problematizadora” 9
3
3.2.2 Respostas para o dilema da indisciplina e violência escolar 9
4
10. 10
4. A PERSPECTIVA JURÍDICA NA EDUCAÇÃO PARA
A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA 9
8
4.1. O QUE É SER CIDADÃO? 10
0
4.2 A PERSPECTIVA JURÍDICA E A CIDADANIA 10
9
4.2.1 O Regimento Interno 10
9
5. A PERSPECTIVA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO 11
7
PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
5.1 A PERSPECTIVA PEDAGÓGICA E A CIDADANIA 11
8
5.1.1 O Contrato Pedagógico e as Assembleias de Classe 11
9
5.1.2 O Projeto Político-Pedagógico 12
9
5.1.3 Formação Ética no espaço escolar 13
3
5.1.4 Articulando ações possíveis na escola 13
9
CONCLUSÃO 14
7
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 15
0
11. 11
INTRODUÇÃO
O século XXI é o início de um novo período histórico. O mundo globalizado alterou
significativamente as estruturas das relações sociais. O transporte, a ciência, a política, a
economia e as tecnologias se transformaram rapidamente, acelerando a vida de todo e
qualquer indivíduo. A política neoliberal redesenhou a situação política, econômica, social e
cultural do Brasil, gerando também problemas para a própria sociedade. A desigualdade
social é uma conseqüência drástica de uma economia que quer se desenvolver às custas da
exploração do outro.
O Estado Social Democrático procura garantir todos os direitos inerentes à condição
humana, para que o cidadão tenha uma vida digna. Em vista disso, a Constituição Federal da
República Federativa Brasileira de 1988 apresenta os direitos fundamentais do cidadão como
garantias indispensáveis, interdependentes e universais para a realização humana. Dentre os
direitos, merece destaque o da educação, considerado como um direito social indispensável
para a conquista de verdadeiro e pleno exercício da cidadania humana.
Entretanto, a desigualdade social e a crise da autoridade provocam comportamentos
inadequados. Pelo fato de a instituição escolar estar articulada com a instituição política,
familiar e com a sociedade, ela enfrenta atualmente um obstáculo que precisa ser superado: a
indisciplina e a violência escolar (ou ato infracional).
O presente Trabalho de Conclusão de Curso procurará desenvolver uma reflexão
sobre os problemas atuais que afetam a realidade educacional, bem como demonstrar que a
indisciplina e a violência são problemas que pais, professores e gestores até agora não
conseguiram resolver de modo adequado ou satisfatório. As instituições familiares e
educativas têm o dever de se preocupar com a educação dos seus filhos e alunos,
12. 12
respectivamente; porém não conseguem realizar uma educação crítica e cidadã, uma vez que a
educação permanece, muitas vezes, separada da realidade.
A indisciplina e a violência escolar são situações que exigem uma reflexão crítica e
séria sobre os procedimentos tomados pela escola e pelos pais. Por isso, a escola tem a função
de compreendê-la como um ponto de partida para a construção da cidadania, levando em
consideração a dimensão física, intelectual e afetiva do aluno.
Assim, o trabalho buscará mostrar que a escola precisa repensar o modo como vem
lidando com o problema da indisciplina e violência, caso contrário não será capaz de
desenvolver uma educação que realmente ajude na transformação dos educandos.
Tendo presente esses elementos, o objeto deste Trabalho é refletir como que a
perspectiva jurídica e a pedagógica podem cumprir seu papel no espaço escolar,
principalmente na superação dos seus conflitos e na consolidação da cidadania.
Este estudo visa, portanto, analisar a indisciplina e a violência escolar e as
perspectivas pedagógicas e jurídicas que podem usadas para a construção de um exercício da
cidadania.
Para atingir esse objetivo, esse Trabalho de Conclusão de Curso desenvolverá os
seguintes pontos: a educação e seus obstáculos no século XXI; a indisciplina e a violência
escolar no espaço escolar; o comportamento dos professores diante os problemas no espaço
escolar; conceitualização e delimitação do termo indisciplina e violência escolar; relação entre
perspectiva pedagógica e a indisciplina e a violência escolar; o exercício da cidadania através
da perspectiva pedagógica; a finalidade das normas jurídicas no ambiente escolar; a
contribuição do ordenamento jurídico para o exercício da cidadania; e, por último, a
elaboração de uma reflexão sobre a construção da cidadania por meio da perspectiva
pedagógica e jurídica.
13. 13
Através de um levantamento bibliográfico sobre a indisciplina, a violência e as
perspectivas pedagógicas e jurídicas relacionadas à educação, este trabalho buscará entender
como os fenômenos da indisciplina e da violência afetam o espaço escolar, bem como a
formação para a cidadania.
O ponto de partida da reflexão será a perspectiva jurídica, considerada como a base
para que a escola assente suas decisões de maneira democrática e justa, principalmente, na
resolução do ato infracional. Tendo presente essa perspectiva, será possível estudar os dois
elementos importantes desta pesquisa: os problemas sociais, culturais, econômicos, políticos e
filosóficos pelos quais a escola passa e que influenciam significativamente na convivência
escolar e no desenvolvimento da aprendizagem, e a dificuldade que as escolas possuem em
compreender o que é a indisciplina e o ato infracional, e como redirecioná-los para uma
formação humana mais sólida e cidadã.
Em seguida, este trabalho procurará mostrar como que as leis são imprescindíveis
para a aplicação de regras e normas, tendo em vista que o ordenamento jurídico é um
instrumento de formação para a cidadania, não para subserviência ou atitude passiva na
sociedade. Por fim, analisará o papel da pedagogia que deve resolver os problemas da
indisciplina e redirecioná-los para a formação da cidadania.
O primeiro capítulo tratará dos direitos humanos, principalmente, do direito à
educação, demonstrando seu valor e sua necessidade para a efetivação no espaço escolar.
O segundo capítulo analisará especificamente como que a perspectiva jurídica pode
ajudar a solucionar os problemas da indisciplina e da violência escolar.
O terceiro capítulo refletirá sobre a influência da conjuntura atual nas estruturas
sociais, principalmente, a escolar, e o modo como a instituição escolar compreende os
problemas disciplinares, entre eles a indisciplina, que é foco constante de crítica, frustração e
imposição.
14. 14
O quarto capítulo estudará como o direito no espaço escolar pode mudar o caráter de
uma escola “bancária” para uma instituição que respeita realmente os direitos humanos, além
de estabelecer um Regimento Interno que favoreça o clima de união, harmonia, compreensão
e solidariedade.
E o quinto capítulo delimitará as diversas tarefas que a perspectiva pedagógica deve
resgatar na educação, procurando ressignificar a sua missão, reencantar o seu modo de
atuação nos conflitos internos para realizar a cidadania.
Portanto, este Trabalho de Conclusão de Curso tem por finalidade mostrar que o
direito e a pedagogia são duas molas propulsoras para a solução dos problemas no espaço
escolar, não porque pune, mas porque realimenta a sua função na instituição escolar com
objetivo essencial de formar seres cidadãos, transformadores da realidade.
15. 15
CAPÍTULO I
A PERSPECTIVA JURÍDICA NA EDUCAÇÃO
A educação surge como um trunfo indispensável à
humanidade na sua construção dos ideais da paz,
da liberdade e da justiça social.
(DELORS, 2001, p. 11).
A reflexão que se procura desenvolver neste primeiro capítulo tem o objetivo de
apresentar as noções gerais sobre os direitos humanos e sua importância na educação.
Demonstra que os direitos são indispensáveis para superar a precariedade da vida do homem,
além de possibilitar reaver aquilo que é pertencente aos seres humanos.
Tais reflexões possibilitam iniciar o assunto temático deste Trabalho de Conclusão
de Curso que aborda a questão da indisciplina e violência escolar, sob a perspectiva
pedagógica e jurídica em vista da construção da cidadania. Para compreender a indisciplina e
a violência é necessário levar em consideração que os educandos são iguais a todo o ser
humano. A criança e o adolescente são também sujeitos de direitos.
Diante dessa caracterização, é importante reconhecer que os fatos da indisciplina e da
violência escolar devem ser pensados como um confronto à realização destes direitos, uma
vez que tanto os alunos quanto os próprios profissionais da educação não contribuíram para a
efetivação destes direitos.
Então, reflete-se neste capítulo a importância dos direitos na vida social, bem como
na educação, para perceber como são legitimados estes direitos no momento de solucionar
conflitos, em especial, o ato infracional1, o qual será estudado no segundo capítulo. Trata-se
1
“A infração penal, como gênero, no sistema jurídico nacional, das espécies crime ou delito e contravenção, só
pode ser atribuída, para efeito da respectiva pena, às pessoas imputáveis, que são, em regra, no Brasil, os maiores
de 18 anos. A estes, quando incidirem em determinado preceito criminal ou contravencional, tem cabimento a
16. 16
agora de um olhar humano para a realização daquilo que torna os educando mais humanos: os
direitos.
1.1 OS DIREITOS HUMANOS: UM FUNDAMENTO PARA UMA VIDA
DIGNA
O ser humano vive num período complexo, caracterizado por mudanças rápidas e
contínuas. Ele se depara com um mundo neoliberal marcado por dificuldades, injustiças e
obstáculos. O período histórico atual é denominado de pós-modernidade. Trata-se de uma fase
de avanços tecnológicos, financeiros, políticos, sociais e culturais que influenciam e
determinam a vida de cada ser humano. Desse modo, as instituições passam por profundas
mudanças, principalmente no aspecto jurídico. Isso também afeta a instituição educativa, a
qual sofre interferências significativas nas suas relações jurídicas com o Estado.
Segundo Bittar e Almeida2, a pós-modernidade pode ser caracterizada por: uma nova
ordem de mundo e uma nova “constelação de valores” e condições de vida (2009, p.
640-641). Uma nova condição de vida devido à globalização que, entendida no sentido
cultural, foi denominada por McLuhan de “aldeia global” que, por sua vez, significa a
concorrência das informações com o conhecimento sistemático, propiciando nesta interação
humana circulações de informações, padrões e valores de modo intenso. (CASTRO, 2007, p.
199).
respectiva sanção. Abaixo daquela idade, a conduta descrita como crime ou contravenção penal, só pela
circunstância de sua idade, não constitui como crime ou contravenção, mas, na linguagem do legislador,
simples ato infracional. O desajuste existe, mas, na acepção técnico-jurídica, a conduta do seu agente não
configura uma ou outra daquelas modalidades de infração, por se tratar simplesmente de uma realidade diversa.
Não se cuida de uma ficção, mas de uma entidade jurídica a encerrar a idéia de que o tratamento a ser
deferido ao seu agente é próprio e específico.” (AMARANTE, In CURY, 2008, p. 361, grifo nosso). Cf.
AMARANTE, Napoleão X. Da Prática do Ato Infracional. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e
do Adolescente Comentado: Comentários Jurídicos e Sociais. 9. ed. Atualizada por Maria Júlia Kaial Cury. São
Paulo: Malheiros, 2008.
2
Cf. BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 7. ed. São
Paulo: Atlas, 2009. p. 640-641.
17. 17
Além disso, a pós-modernidade contribui para profundas transformações na vida
social, porque “traz consigo uma mudança, senão radical, ao menos paulatina e parcial que se
projeta sobre as práticas jurídicas” (BITTAR; ALMEIDA, 2009, p. 642). Mas como as
práticas jurídicas não são efetivadas com justiça, “está em curso um revisionismo das
insuficiências da modernidade jurídica, de seus abusos e de sua obsolescência” (BITTAR;
ALMEIDA, 2009, p. 643), uma vez que a lei ou o direito existe para regular a vida humana.
O Direito refere-se à certa atitude, um modo de pensar e abordar as instituições
humanas em termos ideais. Consiste na exigência de que as instituições sociais coloquem em
prática certos princípios que não dependem da existência humana. (ARNOLD, 1971, p. 47,
apud FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 31).
Ao estabelecer regras para organizar a sociedade, o Direito protege o homem do
poder arbitrário, exercido à margem de toda regulamentação, salvando-o da maioria caótica e
do tirano ditatorial. Também busca equalizar as relações sociais para realizar a justiça.
Contudo, pode ser um instrumento de manipulação e alienação, através de técnicas de
controle e dominação implementar medidas que desumanizam a vida humana. (FERRAZ
JÚNIOR, 2003, p. 31-32).
Destarte, o direito estabelece normas para guiar a conduta humana e orientá-lo para
uma vida saudável na convivência com os demais. Por meio dele a sociedade se desenvolve e
progride. A sua aplicação teórica acontece inicialmente através de leis escritas.
A lei escrita maior de um país, no caso, o Brasil, é a Constituição Federativa que
pode ser chamada de Carta Magna ou Carta Política. Através dela organiza-se e fundamenta
todas as ações que buscam efetivar um Estado Democrático de Direito. Seus princípios e
objetivos almejam uma vida digna.
Ela também é uma das mais completas e ricas em instrumentos de direitos para
garantir a eficácia do Estado Social que se fundamenta no Estado de Direito. Essa
18. 18
característica manifesta-se por causa de quatro regras básicas de máxima amplitude que têm
como função alicerçar o Estado de Direito: 1) ação de descumprimento de preceito
constitucional que se encontra no parágrafo 1° do art. 102: a argüição de descumprimento de
preceito fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal
Federal, na forma da lei. 2) Os direitos e garantias previstos na Constituição que não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacional
pelas quais a República Federativa do Brasil faz parte. 3) As normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata. 4) E a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito. (BONAVIDES, 2008, p. 553).
Essas são as garantias fundamentais do direito objetivo e de direito subjetivo3 que
perpassam a nova Constituição do Brasil, com a visão do largo e ambicioso espaço jurídico
onde ela traçou a esperança de conciliar, em termos de eficácia normativa, os princípios do
Estado social com os do Estado de Direito. Ela contém 250 artigos acrescidos de um Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias com 83 artigos, dependendo, de modo formal e
material, de cerca de 200 leis complementares e ordinárias, das quais pouco mais da metade
foram aprovadas pelo Congresso Nacional. (BONAVIDES, 2008, p. 553-554).
Inclusive, a Constituição de 1988 é fundamentalmente, em muitas das suas
dimensões essenciais, uma Constituição do Estado Social. Assim, os problemas
constitucionais referentes às relações de poderes e exercícios de direitos subjetivos têm que
ser examinados e também resolvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de
3
O direito objetivo e subjetivo estão relacionados com o direito positivo. O direito positivo é o “conjunto
sistemático de normas destinadas a disciplinar a conduta dos homens na convivência social, asseguradas pela
proteção-coerção a cargo o Estado [...]” (RAO, 2004, p. 215). Só que o direito positivo tem uma distinção
fundamental entre a norma considerada em si e a faculdade que ela confere às pessoas, singulares ou coletivas de
procederem segundo o seu preceito, ou seja, entre a norma que disciplina a ação (norma agendi) e a faculdade de
agir de conformidade com o que ela dispõe (facultas agendi). Dessa forma, direito objetivo refere-se ao
“complexo de normas gerais imposta às ações humanas, na suas relações externas e feitas valer pela autoridade
do Estado, a fim de garantir aos indivíduos e à comunhão social a consecução de seus fins”. Ao passo que o
direito subjetivo é a “faculdade concebida aos indivíduos, de agir em conformidade com a norma garantidora de
seus fins e interesses, bem como de exigir de outrem aquilo que, por força da mesma norma, lhes for devido”.
(RAO, 2004, p. 215-216). Cf. RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
19. 19
ordenamento. Em decorrência disso, o Brasil precisou estabelecer direitos e garantias
fundamentais para que se firmasse a ideia de um Estado que busque o bem comum.
Por isso, no Artigo 5° prescreve: “Todos são iguais perante a lei; sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Este artigo significa o “conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à
distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da
pessoa humana, tanto individuais como sociais” (BONAVIDES, 2008, p. 80). Também
consiste em direitos fundamentais, cujo objetivo é a proteção dos direitos individuais e
coletivos da pessoa humana, protegendo-a de lesões ou violações. (POZZOBON, 2004).
Na verdade, este artigo garante todos os direitos consagrados na Constituição.
(HORTA, 2007, p. 184). Também “efetiva o princípio geral do reconhecimento de todos os
seres humanos como pessoas e dá consequência jurídica a esse reconhecimento”
(HERKENHOFF, 2010). São pessoas que possuem direitos relacionados intrinsecamente com
os ideais revolucionários: a liberdade, a igualdade e a fraternidade, em busca da preservação
da dignidade humana. Assim, é um direito protetivo, pois protege os direitos do homem
(BITTAR; ALMEIDA, 2009, p. 616).
Tais ideais são princípios de direito. O direito da igualdade se refere “aos direitos
sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades”
(BONAVIDES, 2008, p. 564). O direito de fraternidade diz respeito ao “direito ao
desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o
patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação” (BONAVIDES, 2008, p.
569). E o direito à liberdade concerne aos direitos civis e políticos. (BONAVIDES, 2008, p.
563).
20. 20
Esses direitos são valores-fonte que complementam outros direitos (HORTA, 2007,
p. 185). São direitos que objetivam a dignidade, sem distinção de raça, sexo, cor, profissão,
nacionalidade, pois todos são iguais perante a lei. Aliás, a dignidade é um fundamento do
Estado4 (Art. 1, Inciso III). Assim, todos devem ter seus direitos garantidos e legitimados para
que a dignidade seja resgatada, em vez de realizar barbaridades na vida social.
A dignidade também é garantida no artigo 6° da Constituição Brasileira que reza:
“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”. São assim,
direitos de créditos diante do Estado que demandam direcionamento dos governos
para o cumprimento de necessidades sociais através do desenvolvimento de políticas
públicas. Tais políticas têm como foco a redistribuição de bens numa sociedade,
tendo como meta a igualização de condições de vida assimétricas. (HADDAD;
GRACIANO, 2006, p. 131).
Nessa igualização de condições, destaca-se para o estudo deste Trabalho de
Conclusão de Curso o direito social à educação, como meio de realizar a dignidade na vida
humana, um modo de estabelecer a igualdade e a justiça no cenário brasileiro.
4
De acordo com a Constituição Federal, o Estado Democrático de Direito do Brasil tem como fundamentos:
“Art. 1° [...].
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.”
Complementando tais fundamentos é importante que se estabeleça os objetivos desta república que estão
relacionados intimamente na busca do bem comum. Os objetivos são:
“Art. 3° [...].
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.”
21. 21
1.2 DIREITO À EDUCAÇÃO: EM BUSCA DA REALIZAÇÃO DA
DIGNIDADE HUMANA
De acordo com Jacques Delors5, “a educação surge como um trunfo indispensável à
humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social” (2001, p.
11). Ela é a “via que conduz a um desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico,
de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as
guerras [...]” (2001, p. 11).
Garantir a educação é dar o substrato para que o indivíduo legitime os seus direitos e
realize a dignidade humana, contribuindo assim para a construção da paz na sociedade 6. Se a
dignidade efetiva-se por meio da realização dos direitos, e a educação é um direito essencial
que assegura demais direitos, é necessário garantir a educação para propiciar a dignidade.
A educação é um bem natural, essencial e imprescindível. Ou seja, a educação para
Joaquim Carlos Salgado7 deve ser vista da seguinte forma:
A educação na sociedade contemporânea adquire importância vital para quantos dela
participam. A sociedade contemporânea civilizada é uma sociedade essencialmente
estruturada na educação, e sua subsistência como tal, bem como seu
desenvolvimento, só serão possíveis pela educação. A questão é social por
excelência. A sociedade que não cuida da educação de seus membros compromete o
seu futuro e destina-se a ser dominada pelas mais desenvolvida. E mais: a
Constituição que não privilegia esse direito e não instrumentaliza os seus titulares
para fruí-lo, põe a perder toda a boa intenção do seu texto. (1996, p. 52).
5
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 11.
6
“A educação é a base da construção da cidadania, atributo da dignidade da pessoa humana, bem maior objeto
de tutela pelos denominados direitos fundamentais, como brota do próprio art. 1°, III, da CF”. (SOUZA, In
CURY, 2008, p. 210, grifo do autor).
7
SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo
Horizonte, n. 82, p. 15-69, jan. 1996.
22. 22
A Constituição perderá, então, seu caráter cidadão e de instrumento jurídico-
normativo-emancipatório8 se desconsiderar a educação como direito base para vida de todo e
qualquer cidadão.
Na Constituição, a educação é entendida como um direito social e torna-se uma
política pública fundamental para a vida humana. De acordo com Eliana Teixeira (2001, p.
37), a Constituição de 1988 traz um capítulo próprio de direitos sociais (Capítulo II do Título
II) e um título sobre a Ordem Social (Título VIII). Porém, os direitos sociais devem ser
inscritos na Ordem Social, sendo estes regulamentados no artigo 6°, formado por diversas
normas que têm aplicação imediata.
Para Haddad e Graciano, muitas das normas de direitos sociais devem ser vistas
como princípios “que, apesar de apresentarem alto grau de generalidade, são verdadeiras
normas jurídicas e como tais devem ser consideradas” (2006, p. 133). As regras ou normas
dizem o que deve ser feito, mas não limitam os direitos pelo fato de serem princípios, não
diminuindo assim as possibilidades de sua efetivação, porém, exigem-se novos métodos de
interpretação judicial para a sua aplicação. (HADDAD; GRACIANO, 2006, p. 134).
Os princípios devem ser compreendidos como um “tipo especial de norma, que
exigem a realização de algo ‘na maior medida possível’, levando-se em consideração não
apenas as possibilidades jurídicas, como os limites reais existentes para a sua concretização”
(HADDAD; GRACIANO, 2006, p. 134).
Eles “são mandados de otimização” (HADDAD; GRACIANO, 2006, p.134).
Direcionam ações que regulam a sociedade em vista da realização de tais direitos, exigindo
assim a intervenção do Estado na realização de políticas públicas, que, ao omitir-se, viola tais
8
Segundo Leandro Oliveira (2005), a Constituição Brasileira é um instrumento jurídico-normativo-
emancipatório, mas não realizou seu objetivo de emancipar, pois vive em circunstância liberal, individualista e
normativista do Direito, que propicia uma desumanização dos seus objetivos e funções. Inclusive, ela realiza-se
de modo disforme, isto é, dissociada de sua real função social e jurídica, porque sua interpretação é
descompromissada e a busca da transformação social não realiza seus objetivos, uma vez que esta interpretação é
mecanizada, ascética e burocrática, permitindo que o sistema ideológico e manipulador perpetuem. Logo, os
princípios da Constituição não são cumpridos, mas sim manipulados. Cf. OLIVEIRA, Leandro Corrêa. Revista
do NUPE. Contra a barbárie: por um direito constitucional insurgente. FDSM: N. 04/2005.
23. 23
direitos e que, no caso de se referirem aos direitos sociais, possuem um caráter coletivo, mas
também um direito subjetivo. (HADDAD; GRACIANO, 2006, p.143-144).
Desta maneira,
Não há nada pior em um Estado social do que a omissão dos poderes públicos no
tocante à realização das políticas públicas constitucionalmente delineadas. Trata-se
de uma lesão de direitos extremamente grave, que afeta a integridade do sistema e,
como tal, deve ser levada ao Judiciário, órgão incumbido de apreciá-las, conforme
dispõe o artigo 5°, inciso XXXV da Constituição Federal. (HADDAD;
GRACIANO, 2006, p. 145).
Uma violação que não pode acontecer diz respeito ao direito à educação que, como
direito social, é uma conquista, pois nem sempre esteve presente como um direito social nas
constituições anteriores9. É um direito para toda a sociedade que, por meio de sua organização
e em prol de seus interesses, criou o Estado como organismo forte, tendo por objetivo atender
os interesses desta. (TEIXEIRA, 2001, p. 38).
O direito à educação é um dever do Estado10, mas também da família, sendo
promovida e incentivada com a colaboração de todos (Art. 205 da CF/88). Esse dispositivo
constitucional possui um caráter bifronte, porque há a garantia do direito de exigir a prestação
estatal e um dever da sociedade para contribuir com o desenvolvimento da educação. Ou seja,
é um direito assegurado e que deve ser exigido. (TEIXEIRA, 2001, p. 100-101).
Com isso, o Estado assume uma postura intervencionista, um papel de prestador de
serviços na área de educação. (TEIXEIRA, 2001, p. 101). Inclusive, esse direito é um direito
público subjetivo, sendo assim acionável e exigível (Art. 208, VII, § 1º).
9
De acordo com Haddad e Graciano, “o reconhecimento dos direitos sociais contribuiu para que se operasse
uma profunda alteração no discurso vigente sobre a natureza dos direitos humanos, que acentuava seu caráter
meramente individual”. Os direitos sociais consistem em “[...] direitos de créditos diante do Estado que
demandam direcionamento dos governos para o cumprimento de necessidades sociais através do
desenvolvimento de políticas públicas. Tais políticas têm como foco a redistribuição de bens numa sociedade,
tendo como meta a igualização de condições de vida assimétricas” (2006, p. 131). Cf. HADDAD, Sérgio;
GRACIANO, Mariângela. A educação entre direitos humanos. São Paulo: Ação Educativa, 2006.
10
Um dever presente na Constituição Federal de 1988 que, “pela primeira vez na história brasileira, aborda a
questão da criança como prioridade absoluta, e a sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado”
(AMARAL E SILVA, In CURY, 2008, p. 17, grifo do autor).
24. 24
Para Haddad e Graciano, o direito público subjetivo consiste no
[...] poder público tem o dever de dar, fazer ou não fazer algo em benefício de um
particular. O titular, na falta de cumprimento da obrigação, tem contra o devedor
uma pretensão, ou seja, o direito de exigir coativamente, em juízo ou fora dele, a
prestação devida. O Estado, nessa circunstância, pode ser constrangido
judicialmente a executar o que deve. (2006, p. 150).
Sendo um direito público subjetivo, a educação básica busca cumprir a sua finalidade
que é: “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (Art. 205 da CF/88). Neste caso, a educação torna-se o
instrumento integrador, socializador e dignificador da vida humana, contribuindo assim para o
seu desenvolvimento sustentável. Dá o suporte para que o indivíduo desenvolva suas
potencialidades e humanize-se.
Daí a necessidade de os dispositivos constitucionais buscarem legitimar a educação
como um direito social, porque é “do desenvolvimento da educação que todos os demais
anseios da sociedade serão resolvidos, já que a educação é a alma da democracia, e a garantia
de um Estado Democrático de Direito depende dos investimentos da educação” (TEIXEIRA,
2001, p. 133).
Um investimento adequado reconhece que o direito à educação é uma garantia
fundamental para que se realize uma condição de vida digna, de igualdade e de justiça para
todo e qualquer ser humano. Sem ela, não é possível que a sociedade prospere e contribua
para o desenvolvimento da humanidade.
Dada a sua importância, a educação foi tema debatido ao longo dos séculos, em
especial, no mundo pós-moderno, quando se percebe a necessidade de reconhecer os direitos
dos homens que foram violados e barbarizados pelos próprios homens no decorrer do
desenvolvimento da história humana. Haddad e Graciano (2006, p. 127) afirmam que o
reconhecimento do direito à educação encontra-se presente nos principais documentos
internacionais de proteção dos direitos humanos: o Pacto Internacional dos Direitos
25. 25
Econômicos, Sociais e Culturais11; a Convenção sobre os Direitos da Criança12; a Convenção
Americana de Direitos Humanos13 e o Protocolo de San Salvador14, e, no plano interno, a
Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Plano Nacional da Educação (PNE).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação representa a participação cidadã dos
diferentes segmentos da sociedade civil organizada na área da educação, no Fórum Nacional
11
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, foi adotado pela Resolução n. 2.200-A
(XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e o Brasil tornou-se signatário
desse acordo em 24 de janeiro de 1992. Este pacto demonstra que os países signatários concordam com o
reconhecimento da dignidade inerente a todas as pessoas e dos seus direitos iguais e inalienáveis, permitindo que
as pessoas possam ter seus direitos econômicos, sociais e culturais também reconhecidos e legitimados, uma vez
que visam a realização da igualdade, justiça e fraternidade no mundo. Por isso, dizem que devem ser adotadas
medidas especiais de proteção e assistência para todas as crianças (art. 10, 3). Ainda, apresenta no artigo 13,
diretrizes gerais para garantir o direito à educação em todos os níveis da educação. Cf. ONU. Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Resolução n. 2.200-A. 16 de dezembro de 1966.
Disponível em: <http://www.foncaije.org/dwnld/ac_apoio/legislacao/outros/pacto_internacional_2.pdf>. Acesso
em: 31 ago. 2010.
12
A Convenção sobre os Direitos da Criança diz que a infância tem direito a cuidados e a assistência especiais,
para poderem assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade. Por isso, reconhece que ela,
para desenvolver sua personalidade de modo pleno e harmonioso, deve crescer num seio da família, num
ambiente de felicidade, amor e compreensão. Inclusive, deve ser educada de acordo com os idéias da Carta das
Nações Unidades, principalmente, com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e
solidariedade. As regras que se referem ao direito à educação estão prescritas no artigo 28 e 29, demonstrando
que elas são uma prioridade absoluta e merecem proteção integral. Cf. ONU. Convenção sobre os Direitos da
Criança. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/doc_crianca1.php>. Acesso em: 31 ago. 2010.
13
A Convenção Americana dos Direitos Humanos é conhecida como Pacto de San José, pois foi assinada e
aberta na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos humanos, em San José da Costa Rica, no dia
22 de novembro de 1969. É um acordo que busca reconhecer a importância dos direitos humanos, bem como a
necessidade da sua legitimação pelo poder público. Prescreve no artigo 26 que os Estados Partes devem se
comprometer a “adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional,
especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que
decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da
Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos
disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.” CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE
DIREITOS HUMANOS. Pacto de San José da Costa Rica. San José da Costa Rica, 22 de novembro de 1969.
Disponível em: < http://www2.idh.org.br/casdh.htm>. Acesso em: 31 ago. 2010.
14
O Pacto de San Salvador trata-se de um pacto adicional à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos
referentes aos direitos econômicos, sociais e culturais. Consiste na consolidação do continente americano, de um
regime de liberdade pessoal e de justiça social, que se fundamenta no respeito aos direitos essenciais do homem.
Estabelece o reconhecimento de que os direitos são atributos de qualquer pessoa humana e é importantíssimo
reconhecer a sua dignidade, buscando assim, superar a violação constante dos direitos para legitimar uma vida
coerente com princípios que humanizam a vida e ceda espaço a inclusão social e a proteção dos seus direitos. Em
especial, este protocolo aborda no artigo 13 o direito à educação pelo qual prescreve, in verbis: “Os Estados
Partes neste Protocolo convêm em que a educação deverá orientar-se para o pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, pelo
pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz. Convêm, também, em que a
educação deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista,
conseguir uma subsistência digna, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e
todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenção da paz.”
Consequentemente, dita algumas exigências que devem ser cumprida para que realize dignamente estes ideais.
Cf. PROTOCOLO DE SAN SALVADOR. Disponível em:
<http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm>. Acesso em: 31 ago. 2010.
26. 26
em Defesa da Escola Pública na LDB. As participações populares, representadas por
intelectuais, defendiam uma escola pública, gratuita, laica e de qualidade. Suas propostas,
somadas com a das escolas privadas, e apresentadas ao Congresso Nacional, foi aprovada e
sancionada em dezembro de 1996, como Lei. 9.394. (PEREIRA; TEIXEIRA In
BRZEZINSKI, 2008, p. 99-100).
Contudo, após 14 anos, necessita ainda de ser reformulada para corresponder às
expectativas do mundo, pois ela se encontra distante da realidade brasileira, uma vez que suas
normas somente atingem os grandes problemas enfrentados pela educação, tais como: carga
horária, salário dos professores, investimento, gestão escolar, qualidade do acesso e
permanência etc.
De acordo com Andre Ramal (1997) 15,
uma lei não é uma diretriz infalível e abstrata a partir da qual tudo o contexto real
vai ser ordenado. Se, por um lado, ela reflete os usos e costumes da sociedade que a
produziu, e ordena a prática social no sentido de possibilitar seu controle e sua
regulação, por outro ela se propõe assumir a condição de orientadora dessa prática,
acenando para modos de agir e de conviver que se distanciam dessa mesma prática,
procurando trazer o ideal para o real.
Além do mais, toda legislação é também fruto das tensões de interesses, acordos e
alianças envolvidos no seu processo de elaboração. Em razão disso, deve-se evitar um
sentimento ingênuo de que, uma vez promulgada a nova LDB, todas as reformas propostas
serão realizadas, assim como todas as práticas pedagógicas sugeridas serão cumpridas. Isso
não ocorreu com a lei anterior (5.692/71), como poderá ocorrer com a lei 9.394/96?
(RAMAL, 1997).
A Lei distribui funções, atribuições e responsabilidades, mas não pode ser tomada
como um fim em si mesma, pois as bases dessa responsabilidade social não estão no seu
texto, e sim na ação de cada professor, de cada escola, de cada centro educativo.
15
Cf. RAMAL, Andrea Cecília. A nova Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Salvador: Revista
de Educação CEAP, ano 5, n. 17, p. 05-21, jun. de 1997.
27. 27
Aliás, a educação não se muda por decretos. É claro que um caminho foi trilhado,
mas percorrê-lo é ainda um desafio. A LDB não é um texto ideal e faltam ajustes, mas a partir
de agora é o conjunto dessas diretrizes que vai fundamentar a ação pedagógica dos brasileiros
pelos próximos anos. (RAMAL, 1997). Nas entrelinhas dos 92 artigos escritos em linguagem
jurídica podem ser encontradas as mudanças com que se sonha no cotidiano no espaço
escolar. Chegou o momento de exigi-las e ousá-las, pois esta lei é como a semente lançada
que deve ser regada e adubada por atitudes previstas em lei para que surjam frutos. Eis o
processo educacional: amadurecer-se e transformar-se.
Tal processo constata-se, mesmo que lentamente, nos últimos anos, como a questão
da ampliação do direito à educação básica. A educação básica, como um direito público, exige
um ensino universal, destinado à formação comum. Uma educação para todos aqueles que se
fundamentam no princípio republicano de igualdade de oportunidades educacionais.
Inclusive, na legitimação dos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade para que
estabeleça um ensino público, gratuito, laico, universal e único e obrigatório (PEREIRA;
TEIXEIRA In BRZEZINSKI, 2008, p. 101).
A LDB, no seu artigo 3°, prescreve o princípio da “igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola”. Assim deseja ampliar o direito à educação, almejando
assegurar o acesso e a permanência do aluno na escola, dada a exclusão e marginalização
cruel que ainda existe. Tal garantia contribui para que os indivíduos tenham as mesmas
oportunidades que outros que estudam em escola particular, inclusive, por meio de uma
“garantia de padrão de qualidade” (art. 3°, IX). Além de outras garantias que objetivam
reconhecer os direitos de todos com honestidade, coerência e igualdade para realizar
democraticamente a sua função. Possibilitar a democratização da educação é ajudar a
consolidar a cidadania, desenvolver a personalidade e qualificá-la para o trabalho. (PEREIRA;
TEIXEIRA In BRZEZINSKI, 2008, p. 101-104).
28. 28
Deste modo, ao efetivar o direito à educação, efetiva-se as diversas possibilidades de
direitos promulgados na carta política. Por isso, é imprescindível que o indivíduo tenha o
direito à educação na garantia dos diversos níveis da educação básica: infantil, fundamental e
médio. Com isso existe uma concepção unificada da educação básica que enseja dar
oportunidade que o aluno estude desde os 4 até os 17 anos de idade, inclusive, para aqueles
que não tem a idade certa (Art. 208, I, CF de 88/ Art. 4 da LDB), objetivando formá-los tanto
intelectualmente, quando psicologicamente e afetivamente.
[...] a ampliação do conceito de educação básica há de se refletir na integração entre
os seus vários níveis – e desses necessariamente com o ensino superior -, levando à
composição de um bloco de conhecimento e à formação de habilidades e atitudes
calcadas em valores éticos e na participação. Cada um desses níveis tem uma função
social, uma finalidade educativa delimitada, um trabalho político-pedagógico a ser
desenvolvido junto aos alunos, de forma que o nível seguinte nunca terá o objetivo
de suprir as fragilidades e/ou dificuldades ocorridas no anterior. Eles
complementam-se, integram-se, mas não devem ser mutuamente compensatórios.
Essa clareza é fundamental para evitar equívocos prejudiciais à formação do
indivíduo, ao processo de aquisição gradativa e integralizada do saber. (PEREIRA;
TEIXEIRA In BRZEZINSKI, 2008, p. 105).
Com efeito, ao desejar priorizar a educação básica, o governo precisou criar um
Plano Nacional de Educação (PNE) por meio da Lei n°. 10.172/2001. Ele foi aprovado pelo
Congresso Nacional, através da Lei nº 10.162, em 9 de janeiro de 2001, e publicado no Diário
Oficial da União. Essa lei criou a obrigatoriedade de Estados, Municípios e Distrito Federal
elaborarem seus planos decenais. De acordo com a lei, o PNE deve ser avaliado
periodicamente pelo Poder Legislativo, sendo acompanhado pela sociedade civil organizada.
Ele deve ser resultado da discussão nas duas casas legislativas federais (Câmara e o Senado),
de dois projetos de lei, o do MEC e o da sociedade brasileira. (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2009, p. 158). Antevisto, o PNE é uma exigência constitucional através do Art. 214
e presente na LDB no artigo 9°, inciso I.
Desde ano passado e no decorrer deste ano, foram estabelecidas novas prioridades
para a Década da Educação no PNE 2011/2020, que é uma reavaliação do decênio do PNE
29. 29
anterior, buscando medidas necessárias para que o direito à educação seja legitimado na
sociedade. Ele possui os seguintes objetivos:
a) a elevação global do nível de escolaridade da população brasileira;
b) a melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis da educação;
c) a redução das desigualdades sociais e regionais na questão de acesso e
permanência na escola pública;
d) a democratização da gestão do ensino público nos estabelecimentos oficiais, que
devem obedecer aos princípios da participação dos profissionais da educação na
elaboração do projeto pedagógico da escola e da participação ativa da comunidade
escolar e locar em conselhos escolares e equivalentes. (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2009, p. 159).
Além da realização destes objetivos, prescreve as prioridades para que seja garantido
com eficácia o direito social da educação. Assim, as prioridades que devem reafirmar-se são:
a) Garantir ensino fundamental obrigatório, assegurando seu ingresso e permanência
na escola e a conclusão desse ensino.
b) Garantir ensino fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na idade
própria ou que não o concluíram.
c) Ampliar o atendimento nos demais níveis desse ensino.
d) Valorizar os profissionais da educação.
e) Desenvolver os sistemas de informação e de avaliação em todos os níveis e
modalidades de ensino.
Com efeito, o Plano Nacional da Educação precisa definir diretrizes para a realização
das suas prioridades. Por isso, ele define: as diretrizes para a gestão e o financiamento da
educação, as diretrizes e metas para cada nível e modalidade de ensino e também na formação
e valorização do magistério e dos profissionais da educação.
Todavia, o Plano Nacional da Educação por si só não realiza as suas metas e
diretrizes necessárias, sendo necessário que o Plano de Desenvolvimento da Educação esteja
articulado com ele para um cumprimento real dos objetivos e prioridades que devem ser
legitimadas na sociedade civil. Segundo Saviani (2007),
confrontando-se a estrutura do Plano Nacional de Educação (PNE) com a do Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE), constata-se que o segundo não constitui
um plano, em sentido próprio. Ele se define, antes, como um conjunto de ações que,
teoricamente, se constituiriam em estratégias para a realização dos objetivos e metas
previstos no PNE. Com efeito, o PDE dá como pressupostos o diagnóstico e o
enunciado das diretrizes, concentrando-se na proposta de mecanismos que visam à
realização progressiva de metas educacionais. Tive, porém, que introduzir o
advérbio "teoricamente" porque, de fato, o PDE não se define como uma estratégia
30. 30
para o cumprimento das metas do PNE. Ele não parte do diagnóstico, das diretrizes e
dos objetivos e metas constitutivos do PNE, mas se compõe de ações que não se
articulam organicamente com este.
Ainda de acordo com Saviani (2007), deve-se atentar para a singularidade do Plano
de Desenvolvimento da Educação para uma melhor apreensão do seu significado e relação
com o Plano Nacional da Educação.
A singularidade do PDE, isto é, aquilo que o distingue de outras peças também
ligadas ao termo "plano", pode ser aferida em dois sentidos, um negativo e outro
positivo. Em sentido negativo, constata-se que, na verdade, o PDE não se configura
como um Plano de Educação propriamente dito. É, antes, um programa de ação.
Assim sendo, o nome "plano" evoca, aí, mais alguma coisa como o "Plano de
Metas" de Juscelino Kubitschek do que a idéia dos planos educacionais como
instrumentos de introdução da racionalidade na ação educativa, entendida esta como
um processo global que articula a multiplicidade dos seus aspectos constitutivos
num todo orgânico [...]. Em sentido positivo, a singularidade do PDE se manifesta
naquilo que ele traz de novo e que, portanto, não fazia parte do PNE e também não
se encontrava nos planos anteriores. Trata-se da preocupação em atacar o problema
qualitativo da educação básica brasileira, o que se revela em três programas
lançados no dia 24 de abril: o "Índice de Desenvolvimento da Educação Básica"
(IDEB), o "Provinha Brasil" e o "Piso do Magistério". Cumpre, pois, examinar
especificamente essa questão.
Retornando ao Plano Nacional da Educação 2011/2020, percebe-se que existem
alguns desafios que são prementes e buscam a superação desse plano, tais como: extinguir o
analfabetismo; ampliar o investimento em educação pública, atingindo 10% do PIB até 2014;
valorizar os profissionais da educação; implantar a escola de tempo integral na educação
básica; universalizar o atendimento público e gratuito da pré-escola, ensino fundamental de
nove anos e ensino médio; democratizar a oferta de vagas no ensino superior; expandir a
educação profissional; garantir oportunidades para estudantes com deficiência, indígenas,
afro-descendentes e povos do campo; valorizar a carreira do magistério; implantar o Sistema
Nacional de Educação, em regime de colaboração entre União, estados e municípios; e
estabelecer padrões de qualidade para cada modalidade de educação.
De acordo com o Ministro Haddad16, o PNE deve trabalhar prioritariamente por uma
educação qualitativa através de meios de atendimento e com recursos necessários ao seu
16
SBPC. Conae 2010: Ministro sugere metas de qualidade no novo Plano Nacional de Educação. Jornal da
Ciência, 29 de março de 2010. Disponível em: <http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-
up/conae_2010_ministro_sugere.htm>. Acesso em: 29 abr. 2010.
31. 31
cumprimento. Ele reconhece a importância de investir na educação infantil, universalizar o
ensino e valorizar os professores. (SBPC, 2010).
Portanto, após uma experiência frustrante da Década da Educação de 2001/2020, os
objetivos e as prioridades anteriormente vistas são aperfeiçoadas, acrescentando novas
prioridades para a Nova Década da Educação para o PNE 2011/2020. Espera-se que assim,
por meio da articulação entre a sociedade civil e o governo, busquem realizar uma educação
pública, gratuita, democrática e de qualidade para todos.
Um anseio que se encontra presente também no Estatuto da Criança e do
Adolescente que procura regulamentar diversos direitos e deveres das crianças e dos
adolescentes, bem como da União, dos pais, da escola e da sociedade.
Enfim, diversas leis ajudam resolver efetivar o direito à educação, mas a realidade
ainda é de exclusão e marginalização daqueles que não têm oportunidades ou daqueles que
mesmo encontrando-se na escola não têm uma educação com qualidade. É necessário pensar
num projeto político-pedagógico para a educação brasileira, fundamentado na ética e na
participação democrática, em busca de um Brasil “mais ‘civilizatório’ e menos bárbaro, e no
qual nossas práticas pedagógicas e educacionais se constituam alternativas concretas de
resistência à destruição dos direitos sociais alcançados e expressos na Constituição Federal de
1988”. (VIZIM; SILVA, 2003, p. 34).
Direito social da educação que ainda encontra grande entraves e obstáculos,
principalmente, na solução dos conflitos dentro do espaço escolar. Por isso, o segundo
capítulo vai procurar demonstrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é outra “asa”
necessária para que o indivíduo possa voar ainda mais alto rumo ao desenvolvimento integral
do ser humano. Quando os próprios conflitos, dentro do ambiente educacional, são resolvidos
democraticamente e juridicamente, levando em conta a noção de que o Direito é a instituição
jurídica necessária para desenvolver e regular a vida em sociedade, o bem comum, a
32. 32
igualdade, a justiça e a dignidade humana que devem deixar de ser meros ideais para se
tornarem realidade.
CAPÍTULO II
ATO INFRACIONAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA
NA EDUCAÇÃO
A indisciplina – contrariamente à visão biológica,
que tende a concebê-la como hiperatividade – é
decorrente muito mais do fato de a criança e o
adolescente não saberem o que estão fazendo na
escola, não valorizá-la, discordarem dos métodos
de ensino empregado e da maneira como os
professores se relacionam com eles, pelo conteúdo
escolar estar aquém ou além do nível de
desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem, por
não terem os valores morais como centrais em sua
personalidade (ou ter apenas os de caráter mais
privado) e por terem o espaço de recreação
prematuramente cerceado e, consequentemente, de
desenvolvimento por razões ligadas às condições
objetivas de vida. (SILVA, 2004, p. 203-204).
O Direito, principalmente, diante de um mundo pós-moderno que se muda
continuamente, provocando transmutação dos valores, exige sua legitimação na vida social
para que se estabeleça uma harmonia na sociedade.
Dessa forma, o fenômeno da indisciplina e, em especial, da violência escolar, impele
para valores e regras que contribuem para a melhor forma possível de convivência. Por isso, é
necessário analisar o Estatuto da Criança e do Adolescente que oferecem significativas
33. 33
orientações para zelar pelos direitos e cumprir os deveres das crianças, dos adolescentes, dos
pais, da sociedade e de outras instituições.
2.1 O DIREITO E A EDUCAÇÃO NA VIDA ESCOLAR
Direito e Educação são duas ferramentas imprescindíveis regular, formar e
desenvolver a humanidade. Possuem objetivos diferentes, mas ambas têm uma meta comum:
estabelecer uma vida digna.
O Direito, como um pacto ou acordo, estabelece regras e normas para ordenar melhor
a convivência entre os membros da sociedade.17
O direito é o que possibilita a livre coexistência dos homens, a coexistência em
nome da liberdade, porque somente onde a liberdade é limitada, a liberdade de um
não se transforma numa não-liberdade para os outros, cada um pode usufruir da
liberdade que lhe é concedida pelo direito de todos os outros de usufruir de uma
liberdade igual à dele. (BOBBIO, 1997, p. 70, apud BITTAR; ALMEIDA, 2009, p.
315).
Kant diz que o direito18 é um “conjunto de princípios capazes de informar uma
legislação positiva”. Ele pode ser de dois tipos: natural ou positivo. O direito natural não se
17
Entender o que seja o direito necessita olhar para a realidade cotidiana pela qual percebe que “a atividade do
ser humano sempre se exterioriza através de suas relações com os seus semelhantes, ou de sua ação sobre os
bens, materiais, que lhe proporcionam os meios de conservação e desenvolvimento”. Assim, ajuda a desenvolver
o ser social do homem, contribuindo para que surja o direito que pressupõe a coexistência social, para que seja
possível a proteção e ao aperfeiçoamento do homem, mas que deve considerá-lo “em estado de comunhão com
seus semelhantes, isto é, como parte do todo social, a que pertence”. (RAO, 2004, p. 51).
18
De acordo com Cretella Júnior (2008, p. 147-148), Kant estudou na área do direito: “O estado de necessidade,
o fundamento do direito de punir, a natureza da pena, a equidade, a posição do direito como parte da metafísica
dos costumes. Analisou a fórmula de Ulpiano [...], estudou o direito inato e os direitos adquiridos, criticou o
instituto da escravidão, investigou o sentido da posse e da propriedade, expôs a doutrina dos direitos reais e dos
direitos pessoais, bem com sua teoria dos “direitos reais quase pessoais [...]”. Aliás, de acordo com o pensador
Konigsberg, o direito público classifica-se em três partes: direito político, direito das gentes e direito
cosmopolita. Direito político refere-se ao conjunto de normas instauradas pelos seres humanos que vivem juntos,
em um determinado território, para que se coloquem sob uma vontade única, personalizada no Estado, que tem
por sua vez, a finalidade de proteger a liberdade dos cidadãos. (CRETELLA JÚNIOR, 2008).
34. 34
mistura com o direito positivo. É a canônica que dá origem ao direito e informa-o.
(CRETELLA JÚNIOR, 2008, p. 147).
O direito positivo é diverso entre os povos, dependendo das circunstâncias de tempo,
de lugar, de momento histórico, porém, todas as legislações se fundamentam num mesmo
conjunto de princípios. Já o direito natural19 é um só, pois se baseia em postulados da razão
humana, não dependendo de nada. Só que a aplicação deste direito podem se diversificar,
refletindo-se no direito positivo de cada povo. (CRETELLA JÚNIOR, 2008).
Ressalta-se, no pensamento kantiano, que o direito não controla as intenções do
homem, preocupa-se com as relações exteriores ou práticas. Também é a disciplina nas
atividades externas dos seres humanos, não sendo assim uma disciplina das volições, dos
pensamentos ou dos desejos. Aliás, o direito não regulamenta a matéria da exteriorização dos
atos arbítrios, mas sim o seu aspecto formal. Por isso, o direito é uma ciência formal, visto
que não é possível separar a forma do conceito jurídico (CRETELLA JÚNIOR, 2008).
O direito é de fundamental necessidade para que as relações estabelecidas na
sociedade reafirmem os seguintes valores: o respeito, a liberdade, a igualdade, a justiça e a
dignidade, buscando equilibrar as relações existentes20.
Rao (2004, p. 52-53) demonstra a importância do direito desde a concepção da vida
humana:
O direito ampara o ser humano desde o momento em que é concebido e enquanto
ainda vive no ventre materno. E depois o segue e acompanha em todos os passos e
19
Segundo Nader, Kant identificou os direitos naturais com a liberdade. Tais direitos são conhecidos a priori
pela razão, não dependendo da legislação externa. (2009, p. 145).
20
O direito também se funda na condição geral que deve aceitar ao mesmo tempo a todos os arbítrios . Também é
a forma universal da existência de diversas liberdades individuais, regularizando as condições formais e
modalidades através das quais se torna possível que as pessoas realizem seus fins e interesses individuais. A
liberdade de um ser humano é limitada por causa da liberdade de outro, mas todos são livres. No direito, os
contratantes são vistos como iguais e livres, e a liberdade de todos estão em relação a uma lei universal. Só que o
direito não tem o dever móbil, por isso, é importante uma competência coercitiva que é a fundamentação e
preservação da liberdade dos indivíduos. A coação é o instrumento pelo qual procuram anular as inclinações
sensíveis que prejudiquem o uso da liberdade dos outros. Assim, a constituição civil é uma relação de homens
livres que se encontram sob leis coativas. Isto é, direito e faculdade de coagir representam a mesma coisa.
(LEITE, 2007). Cf. LEITE, F. T. Razão prática e direito. In: ______. Primeiras lições sobre Kant. Petrópolis:
Vozes, 2007.
35. 35
contingências de sua vida, contemplando o seu nascimento e, com o seu nascimento,
o início de sua personalidade. Protege-lhe, com a liberdade, a integridade física e
moral. Prevê e segue, de grau em grau, seu desenvolvimento físico e mental,
dispondo sobre sua capacidade progressiva ou sobre sua incapacidade. Regula suas
relações de família, como filho, parente, nubente, esposo e pai, bem assim, suas
relações patrimoniais, quer tenham por objeto bens corpóreos, quer recaiam sobre
outras pessoas, obrigadas a uma prestação de dar, fazer, ou não fazer alguma coisa.
Prevê e disciplina as conseqüências patrimoniais e penais da violação de seus
direitos. Define sua atividade profissional. Contempla sua qualidade de membro de
grupos sociais e de membro da comunhão política, inclusive suas relações com o
Estado, que ele, o direito, também cria, ordena e enquadra na ordem da comunhão
universal. E, por fim, dispõe sobre a sua morte, perpetuando-o através de seus
sucessores [...].
Por isso, é que a sociedade e direito forçosamente se pressupõe, não podendo existir
aquela sem este, nem esta sem aquela. Ubi societas ibi jus. Se a coexistência social
resulta da natureza humana, também da natureza do homem, que Deus fez à sua
semelhança, o direito decorre.
De fato, o direito forma e molda o ser humano. De semelhante modo, a educação
molda, plasma e forma o ser humano. Ela ajuda na formação da capacidade de julgar, torna o
indivíduo mais “consciente de suas raízes, a fim de dispor de referências que lhe permitam
situar-se no mundo, e deve ensinar-lhe o respeito pelas outras culturas”. É responsável pela
edificação de um mundo mais solidário. Pode ainda ajudar a nascer um novo humanismo,
“com um componente ético essencial, e um grande espaço dedicado ao conhecimento das
culturas e dos valores espirituais das diferentes civilizações e ao respeito pelos mesmos para
contrabalançar uma globalização em que apenas se observam aspectos econômicos ou
tecnicistas”. (DELORS, 2001, p. 47-49).
Como demonstra o filósofo e educador John Dewey, a educação deve desenvolver
dois tipos de conteúdos: o conteúdo conceitual (conhecimento acumulado) e procedimental
(que ajuda no desenvolvimento das potencialidades e habilidades), além do campo moral por
causa do uso social das capacidades. Inclusive, devem fazer parte os conteúdos atitudinais, ou
seja, a dimensão formativa dos valores e atitudes, uma vez que a escola amplia a educação
moral iniciada em casa. (TRINDADE, 2009, p. 90).
Essa educação moral contribui para desenvolver a dimensão social da criança, ou
seja, o desenvolvimento da consciência social, já que a educação é um “processo civilizador
36. 36
de: desenvolvimento, de transmissão e refinamento da consciência social” (TRINDADE,
2009, p. 90).
Com efeito, a educação ajuda a desenvolver essa consciência social, preparando os
indivíduos para viver civilizadamente, ou seja, busca modos de resolver os problemas,
fundamentando-se em valores e no objetivo de uma vida social mais harmoniosa, justa e
igualitária. De modo semelhante, dá-se com o direito o qual ajuda a lapidar a consciência
social, mostrando que ao longo da vida, devem ser estabelecidas normas, regras de
convivência que ajudem a desenvolver a sociedade de modo justo, igualitário e fraterno.
Por isso, este segundo capítulo irá demonstrar como que o ordenamento jurídico, em
especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente, pode ajudar a resolver os problemas na vida
educacional do aluno, moldando-o para ser um cidadão consciente e crítico do seu papel na
sociedade.
2.2 O DIREITO E A CRIANÇA E O ADOLESCENTE EM CONFLITO
COM A LEI
O direito à educação está presente em diversas normas jurídicas internas e externas.
Além de ela apresentar as diretrizes gerais na Constituição Federal, está presente também na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que possui normas para regulamentar o
Sistema Nacional de Ensino. Além disso, o direito à educação e a garantia dos demais direitos
também estão presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n°. 8.069/90) que
prescreve diversas normas para proteger seriamente as crianças e os adolescentes dos abusos
cometidos pelo Poder Público, pais, escola e sociedade.
Esta lei e a Carta Magna inovam em termos de conteúdo, método e gestão, pois o
ordenamento jurídico compreende que as
37. 37
a) crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos e prioridade absoluta das
políticas públicas e, assim, portadores de todo o tipo de garantias, incluindo as
processuais, destinadas a assegurar os direitos consagrados; b) a política de atenção
a esse grupo deve-se dar a partir do concurso das três esferas da administração
pública (nacional, estadual e municipal) num todo articulado (na idéia de Rede),
com a participação decisiva da sociedade civil e; c) institucionaliza a participação
popular na elaboração, definição e controle das políticas públicas, por meio de dois
Conselhos, o Conselho de Direitos (democracia representativa) e o Conselho Tutelar
(democracia participativa). Uma outra mudança significativa refere-se ao caráter da
legislação: é para todas as crianças e adolescentes e não mais discricionária como os
anteriores que legislavam para “menores em situação irregular. (PEREIRA, 2004, p.
10-11).
Assim, este Estatuto rompe, de modo definitivo, com a doutrina da situação irregular
adotada pelo Código de Menores (Lei 6.697, de 10.10.79), procurando estabelecer como
diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina de proteção
integral21. Neste caso, o legislador apresenta uma lei coerente com o texto constitucional de
1988 e documentos internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das nações,
do qual o Brasil é signatário22. (AMARAL E SILVA In CURY, 2008, p. 17).
Na Carta Política, de modo novo, trata-se da criança como prioridade absoluta23,
afirmando que a sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado. Reconhecendo
que há nobreza e dignidade do ser humano criança. (AMARAL E SILVA In CURY, 2008, p.
17). Assim reza o artigo 4° e 18° do ECA:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção à infância e à juventude.
[...].
21
Proteção integral “constitui-se em expressão designativa de um sistema onde crianças e adolescentes figuram
como titulares de interesses subordinantes frente à família, à sociedade e ao Estado” (PAULA, 2002, p. 23, apud
PEREIRA, 2005, p. 25).
22
Veja o capítulo um que retrata a relação entre as leis internacionais e o direito educacional nos seguintes
documentos: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção sobre os Direitos
da Criança; a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Protocolo de San Salvador.
23
De acordo com Vasconcelos, as “crianças e adolescentes são, agora, considerados sujeitos de direitos e com
prioridade absoluta, no amplo espectro das políticas sociais básicas, das políticas assistenciais e da política de
proteção especial” (In CURY, 2008, p. 341).
38. 38
Art. 18. É dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os
a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.
O objetivo do ECA24 é “garantir direitos de cidadania, integridade e liberdade”.
(BIERRENBACH, In FESTER, 1992, p. 64). Tais direitos25 são assegurados por uma política
de direitos que deve articular atores e instituições responsáveis pela garantia da doutrina da
proteção integral para o conjunto da população infantil e juvenil, não discriminando ninguém.
(PEREIRA, 2005, p. 14) 26.
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual
e social, em condições de liberdade e de dignidade.
[...].
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Como objeto do Estatuto, as crianças e os adolescentes devem ser protegidos
integralmente. Esta proteção integral consiste no conjunto de direitos que pertencem a elas
pelo fato de estarem em condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, reconhecida
juridicamente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e
a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a
efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
24
“Na medida em que a sociedade brasileira praticar este Estatuto, estará superando a tentação do ter, do prazer e
do poder para descobrir a dignidade da pessoa humana e a força do relacionamento fraterno que nasce da
gratuidade do amor. Um país que aprende a valorizar a criança e a empenhar-se na sua formação manifesta sua
decisão de construir uma sociedade justa, solidária e capaz de vencer discriminações, violência e exploração da
pessoa humana”. (OLIVEIRA, In CURY, 2008, p. 19).
25
“O legislador desdobrou o direito ao respeito e à dignidade, de que são titulares de direito subjetivo a criança e
ao adolescente, em três subtipos, a saber: direito à integridade física, direito à integridade psíquica e direito à
integridade moral. Portanto, a lei protege a criança e o adolescente contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de
ofensa à sua personalidade física ou moral” (MATTIA, In CURY, 2008, p. 93).
26
Cf. PEREIRA, Irandi. O Adolescente em conflito com a lei e o direito à educação. 2005. Tese (Doutorado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.
39. 39
Trata-se de uma proteção de caráter positivo, pois deseja assegurar direitos que são
violados constantemente pelos adultos. Os adultos agora devem zelar pelos direitos deles,
responsabilizando - se pela garantia de proteger a criança e o adolescente, sem nenhum tipo
de discriminação, como estava presente nas legislações antecessoras do Estatuto, os Códigos
de Menores de 1927 e de 1979. (PEREIRA, 2005, p. 167).
Para garantir os direitos, é necessário que sejam respeitados os seguintes eixos da
política do direito: Promoção-Proteção; Vigilância-Controle; Defesa-Responsabilização.
Além da participação da Sociedade e das instituições do Sistema de Garantia de Direitos,
como no caso do Poder Judiciário através do Juizado da Infância e da Juventude. (PEREIRA,
2005, p. 15).
Tal conquista foi possível através do Movimento Social de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente (MSDCA) durante a segunda metade dos anos 70 e que almejava
uma melhor definição do papel e das atribuições de cada poder do Estado em relação aos
direitos individuais, difusos e coletivos da criança e do adolescente. (PEREIRA, 2005, p.
15-16).
Dessa forma, atualmente, a luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais
também na vida da criança e do adolescente - através do princípio de proteção integral –
buscam efetivar as mudanças jurídicas na legislação brasileira, como meio de dignificar a vida
destes seres. Os direitos previstos estão presentes especificamente nos artigos 3º, 4º, 7°, 15°,
19°, 53°, 60° do Estatuto.
Assim, são regras que devem seres respeitadas, implementadas e efetivadas para
todos, até para aqueles que vivem em situações sócio-educativas. O Poder Judiciário ou os
poderes públicos têm a obrigação de interpretar as normas constantes da ECA e de outras leis,
resoluções ou decretos externos e internos do país. (PEREIRA, 2005, p. 17).
40. 40
Os direitos, em especial, aqueles prescritos no artigo 3°, fundamentam-se em três
princípios: 1) a criança e o adolescente gozam de todos os direitos humanos garantidos à
pessoa humana, independente da sua idade, sendo reconhecidos ,então, numa situação jurídica
em relação aos direitos fundamentais; 2) este grupo etário tem direito à proteção integral pelo
fato de estarem na condição de desenvolvimento; 3) e este grupo possui garantias de um
desenvolvimento sadio e adequado, em condições de liberdade e dignidade que os ajudarão a
se desenvolver. (PEREIRA, 2005, p. 17-18).
Além destes princípios, vê-se a necessidade de realizar os quesitos da “Nova
Gramática dos Direitos da Criança e do Adolescente” (PEREIRA, 2004, p. 11) 27:
1. As legislações se destinam para o conjunto da categoria Infância e Adolescência.
2. Definição e hierarquização da função judicial: ao juiz cabe dirimir conflitos de
natureza jurídica; é prevista a presença obrigatória de advogado e ao Ministério
Público cabe a função de controle e contrapeso.
3. A situação irregular recai sobre a pessoa ou a Instituição que se omitiu de alguma
forma em relação a criança e o adolescente.
4. Previsão jurídica do princípio de igualdade perante a lei.
5. A internação somente é cabível nos casos de delito ou contravenções.
6. A infância é concebida como sujeito pleno de direitos.
7. Incorporação dos princípios constitucionais de proteção à pessoa.
8. Eliminação dos eufemismos. Exemplo: a internação constitui-se em real medida
de privação de liberdade, devendo ser aplicada somente nos casos imprescindíveis
em resposta a atos infracionais graves, não sendo mais admitida como medida
protetiva.
(Fonte: Doc. Diretrizes Técnicas: Prémio Sócio-Educando. s.d.. p. 7-8).
São direitos que visam à consecução de uma vida digna. Por isso, caso o adolescente
seja autor de um ato infracional cabe medidas sócio-educativas, ao passo que as crianças não
se aplicam tais medidas, mas medidas de proteção previstas no artigo 101, uma vez que são
penalmente inimputáveis28. O art. 10429 da ECA e art. 2730 do Código Penal estabelecem essa
imputabilidade as crianças e adolescentes. Essa distinção está prevista no artigo 2° da ECA:
27
Cf. PEREIRA, Irandi. Programas de sócio-educação aos adolescentes em conflito com a lei. Maringá:
UEM/PEC/PCA/CMDCA, 2004.
28
A Carta Magna diz em seu artigo 228 que: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial”.
29
“Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.”
30
“Casos de impunibilidade. Art. 27. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição
expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado (art. 76, parágrafo
único).”
41. 41
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este
Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Fixar a idade da criança até os doze anos incompletos explica-se pelo fato de ela
encontrar-se na fase da puberdade, da maturação sexual reprodutiva, ao passo que para o
adolescente determina a partir de doze até dezoito anos, como uma fase que se desenvolve
entre a infância e a idade adulta31. (PEREIRA, 2005, p. 31).
De acordo com Solari (2008, p. 20-21), essa diferenciação entre criança e
adolescente, no que concernem as fases delas, tem importância no Estatuto. Ambos gozam
dos mesmos direitos fundamentais, reconhecendo-se sua condição especial de pessoas em
desenvolvimento32. Esta prescrição está presente no Livro I. O tratamento de suas situações é
distinto quando incorrem em atos de conta descritos como delitos ou contravenções pela lei
penal. Assim, a criança infratora fica sujeita às medidas de proteção previstas no art. 101, que
acarretam um tratamento através de sua própria família ou na comunidade, sem que ocorra a
privação de liberdade, a restrição de direitos. Enquanto, o adolescente infrator pode ser
submetido a um tratamento mais rigoroso chamado de medidas sócio-educativa, presentes no
artigo 112, que podem implicar a privação da liberdade. Contudo, é garantido ao adolescente
as garantias do devido processo legal detalhados no artigo 111, observando-se nos demais o
procedimento dos arts. 171 e seguintes. Isto ocorre porque o Estatuto considera que o
adolescente, em determinadas situações, possui a maturidade suficiente para formar sua
31
Ressalta-se que “[...] adolescência é a idade na vida em que se começa a enfrentar o tempo como uma
dimensão significativa e contraditória da identidade. A adolescência na qual a infância é deixada para trás e os
primeiros passos são dados em direção à fase adulta, inaugura a juventude e constitui sua fase inicial”.
(MELUCCI, 1997, p. 8, apud PEREIRA, 2005, p. 35).
32
Engel apresenta o que seria esse desenvolvimento vislumbrado nas entrelinhas do Estatuto: “[...] a criança e o
adolescente são sujeitos em condições peculiares de desenvolvimento, não apenas biológico, mas sócio-
psicocultural. Acredita a lei que, ao relacionar com sua realidade (subjetiva e objetiva), a criança vá construindo
uma representação social do mundo e de si própria, constituída por conhecimentos, valores, crenças, mitos,
normas, costumes, rituais e linguagem, que formam um sistema de significados, também chamado de cultura.
Este conjunto de significados funciona como um gabarito, através do qual a criança não só percebe, compreende
e julga a si própria e ao mundo, como também orienta a sua prática econômica e política e a sua conduta social”.
(In CURY, 2008, p.348).