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L EÓNIA DEVORA OS LIVROS LAURENCE HERBERT FRÉDÉRIC DU BUS  CAMINHO
Gostais das histórias que se contam às crianças? Histórias de bandidos e ladrões, histórias de gigantes e anões, histórias de feiticeiras, histórias de anedotas e histórias idiotas?
De certeza que gostais, mas Leónia ainda gosta mais. E de tal modo as adora que à dentada as devora. Quando digo «devorar» sei onde quero chegar: pois não pára uma inteira na mesa-de-cabeceira. E eu já lhes vou mostrar que isto não é história de inventar.
Assim que aprendeu a ler,  de tanto que de ler gostava,  lia tudo o que apanhava. Com os olhos devorava As histórias que mais gostava.
E depois, lentamente, as coisas pioraram seriamente.
Certo dia, em que ela anos fazia, fomos com ela à livraria e oferecemos-lhe «O Gato das Botas»: pois ela tanto gostou que num instante o devorou. Nesse dia não nos preocupámos, fingimos que não notámos. Mas ela insistiu: «Os Três Porquinhos» engoliu, e apreciou-os da mesma maneira que à «Gata Borralheira». Então dissemos: a coisa é grave por certo, é preciso estar de olho aberto. Passados dois dias, devorou «Branca de Neve e os Sete Anões», com pão cortado às fatias.
Tivemos de lhe dizer: Leónia, isto não pode ser! Mas à tarde foi-se esconder para se pôr a roer «Patinho Feio». Então tivemos que nos zangar, e começámos a gritar: Leónia, isso já chega! O papel não é bom para comer;  ainda vais adoecer! E marcámos sem demora uma consulta no doutor.
Ficámos aborrecidos e pedimos ao doutor que desculpasse aquele horror. Ele auscultou de uma vez Leónia da cabeça aos pés, depois sentenciou: -As histórias de reis fazem mal aos pés, as histórias de feiticeiras fazem mal às olheiras, as histórias de gigantes fazem mal aos dentes, as histórias de princesas causam muitas tristezas, as histórias de fadas põem as nádegas inchadas... No consultório do doutor, cá fora, esperámos uma hora. Felizmente havia ali muitos livros infantis. Nós, sem de nada suspeitar, começámos a folhear. Mas Leónia, aproveitando, enquanto íamos folheando, foi devorando às dentadas três bandas desenhadas.
É melhor ir consultar o professor Sabetudo, que é um dos especialistas de doenças nunca vistas. ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object]
Mas Leónia respondeu: - As histórias, digo-lhe eu, prefiro-as cruas, ao natural. ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object]
Mas nós dissemos com horror: É doido, este doutor! Agarrámos Leónia pela mão e saímos dali de repelão.   ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object]
E então foi decidido que a, a partir desse dia, livros em casa não mais haveria. ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object]
Mas Leónia, que era esperta, foi-se inscrever na biblioteca. Foi-se lá instalar como numa sala de jantar, e tratou de se regalar: a história do Pinto Calçudo, os contos da Mãe gansa, foi comendo tudo até encher a pança. A história do lagarto pintado, os contos do pé-coxinho, tudo foi devorado, bocadinho a bocadinho.
- Vou limpar tudo a eito. E bem dito, bem feito: varreu o chão, passou com esfregão, esfregou os ladrilhos, lavou os caixilhos, lavou as cortinas das janelas, areou os tachos e as panelas, arrumou as tigelas, sacudiu os tapetes passou o aspirador  e, trabalhando com ardor, deixou tudo a brilhar do rés-do-chão ao segundo andar. Mas vejam só: à força de as devorar, acabou por acreditar nas histórias que engolia. E um dia, ao voltar para casa dela, julgou que era a Cinderela. Vestiu um avental e disse com ar jovial:
Nós estávamos todos contentes – quem me dera a mim que todos os dias fosse assim.
Mas ao outro dia veio com a mania, dizendo toda convencida: - Hoje sou a Bela Adormecida, boa noite pais e manos, vou dormir durante cem anos. ,[object Object],[object Object],[object Object],[object Object],[object Object]
Já inquietos, começámos a procurar quem a pudesse acordar. No fim do ano, finalmente, tivemos uma ideia inteligente: Perguntar a toda a gente se conhecia algum príncipe encantado. Sem nova nem mandado, sem resposta nem sinal, pusemos um anúncio no jornal: AO PRÍNCIPE ENCANTADO PEDE-SE COM URGÊNCIA A SUA COMPARÊNCIA PARA TRAZER DE NOVO À VIDA A BELA ADORMECIDA.
Não tivemos muito que esperar. Logo ao outro dia vimos chegar, apressado, Um verdadeiro príncipe encantado. Não era muito grande, não senhor, mas era mesmo encantador. E tão atraente como um príncipe de antigamente. Usava óculos sobre o nariz, tinha uma vozinha de petiz, e três cabelos na cabeça.
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Deu-lhe um beijinho no nariz, e Leónia acordou, toda feliz. Nós ficámos aliviados, agradecemos ao príncipe encantado por ter sido tão delicado. Mas assim que acordou, Leónia logo perguntou se ele gostava de contos de fadas. - De contos de fadas, tenho o sótão cheio, onde os guardo e leio.
E como os dois gostavam de contos de fadas, saíram dali de mãos dadas.
Ora, como já deveis ter notado, quem casa com um príncipe encantado tem sempre muitos meninos. Leónia teve duzentos, muito pequeninos. Mas a sua doença extraordinária era também hereditária. Todos os filhos que nasciam com a mãe se pareciam.
Então, para lhes dar de comer, Leónia começou a escrever: Histórias de bandidos e ladrões, histórias de gigantes e anões, histórias de feiticeiras, histórias de mistérios e frioleiras, histórias de anedotas, histórias idiotas.
Fim

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Leónia devora livros

  • 1. L EÓNIA DEVORA OS LIVROS LAURENCE HERBERT FRÉDÉRIC DU BUS CAMINHO
  • 2. Gostais das histórias que se contam às crianças? Histórias de bandidos e ladrões, histórias de gigantes e anões, histórias de feiticeiras, histórias de anedotas e histórias idiotas?
  • 3. De certeza que gostais, mas Leónia ainda gosta mais. E de tal modo as adora que à dentada as devora. Quando digo «devorar» sei onde quero chegar: pois não pára uma inteira na mesa-de-cabeceira. E eu já lhes vou mostrar que isto não é história de inventar.
  • 4. Assim que aprendeu a ler, de tanto que de ler gostava, lia tudo o que apanhava. Com os olhos devorava As histórias que mais gostava.
  • 5. E depois, lentamente, as coisas pioraram seriamente.
  • 6. Certo dia, em que ela anos fazia, fomos com ela à livraria e oferecemos-lhe «O Gato das Botas»: pois ela tanto gostou que num instante o devorou. Nesse dia não nos preocupámos, fingimos que não notámos. Mas ela insistiu: «Os Três Porquinhos» engoliu, e apreciou-os da mesma maneira que à «Gata Borralheira». Então dissemos: a coisa é grave por certo, é preciso estar de olho aberto. Passados dois dias, devorou «Branca de Neve e os Sete Anões», com pão cortado às fatias.
  • 7. Tivemos de lhe dizer: Leónia, isto não pode ser! Mas à tarde foi-se esconder para se pôr a roer «Patinho Feio». Então tivemos que nos zangar, e começámos a gritar: Leónia, isso já chega! O papel não é bom para comer; ainda vais adoecer! E marcámos sem demora uma consulta no doutor.
  • 8. Ficámos aborrecidos e pedimos ao doutor que desculpasse aquele horror. Ele auscultou de uma vez Leónia da cabeça aos pés, depois sentenciou: -As histórias de reis fazem mal aos pés, as histórias de feiticeiras fazem mal às olheiras, as histórias de gigantes fazem mal aos dentes, as histórias de princesas causam muitas tristezas, as histórias de fadas põem as nádegas inchadas... No consultório do doutor, cá fora, esperámos uma hora. Felizmente havia ali muitos livros infantis. Nós, sem de nada suspeitar, começámos a folhear. Mas Leónia, aproveitando, enquanto íamos folheando, foi devorando às dentadas três bandas desenhadas.
  • 9.
  • 10.
  • 11.
  • 12.
  • 13. Mas Leónia, que era esperta, foi-se inscrever na biblioteca. Foi-se lá instalar como numa sala de jantar, e tratou de se regalar: a história do Pinto Calçudo, os contos da Mãe gansa, foi comendo tudo até encher a pança. A história do lagarto pintado, os contos do pé-coxinho, tudo foi devorado, bocadinho a bocadinho.
  • 14. - Vou limpar tudo a eito. E bem dito, bem feito: varreu o chão, passou com esfregão, esfregou os ladrilhos, lavou os caixilhos, lavou as cortinas das janelas, areou os tachos e as panelas, arrumou as tigelas, sacudiu os tapetes passou o aspirador e, trabalhando com ardor, deixou tudo a brilhar do rés-do-chão ao segundo andar. Mas vejam só: à força de as devorar, acabou por acreditar nas histórias que engolia. E um dia, ao voltar para casa dela, julgou que era a Cinderela. Vestiu um avental e disse com ar jovial:
  • 15. Nós estávamos todos contentes – quem me dera a mim que todos os dias fosse assim.
  • 16.
  • 17. Já inquietos, começámos a procurar quem a pudesse acordar. No fim do ano, finalmente, tivemos uma ideia inteligente: Perguntar a toda a gente se conhecia algum príncipe encantado. Sem nova nem mandado, sem resposta nem sinal, pusemos um anúncio no jornal: AO PRÍNCIPE ENCANTADO PEDE-SE COM URGÊNCIA A SUA COMPARÊNCIA PARA TRAZER DE NOVO À VIDA A BELA ADORMECIDA.
  • 18. Não tivemos muito que esperar. Logo ao outro dia vimos chegar, apressado, Um verdadeiro príncipe encantado. Não era muito grande, não senhor, mas era mesmo encantador. E tão atraente como um príncipe de antigamente. Usava óculos sobre o nariz, tinha uma vozinha de petiz, e três cabelos na cabeça.
  • 19.
  • 20. Deu-lhe um beijinho no nariz, e Leónia acordou, toda feliz. Nós ficámos aliviados, agradecemos ao príncipe encantado por ter sido tão delicado. Mas assim que acordou, Leónia logo perguntou se ele gostava de contos de fadas. - De contos de fadas, tenho o sótão cheio, onde os guardo e leio.
  • 21. E como os dois gostavam de contos de fadas, saíram dali de mãos dadas.
  • 22. Ora, como já deveis ter notado, quem casa com um príncipe encantado tem sempre muitos meninos. Leónia teve duzentos, muito pequeninos. Mas a sua doença extraordinária era também hereditária. Todos os filhos que nasciam com a mãe se pareciam.
  • 23. Então, para lhes dar de comer, Leónia começou a escrever: Histórias de bandidos e ladrões, histórias de gigantes e anões, histórias de feiticeiras, histórias de mistérios e frioleiras, histórias de anedotas, histórias idiotas.
  • 24. Fim