O documento descreve a trajetória econômica da Irlanda nas últimas décadas, com ênfase nos períodos de 1950-1972, 1973-1986 e após 1986. Após décadas de protecionismo e intervencionismo, a Irlanda adotou uma estratégia de crescimento baseada nas exportações nos anos 1960, o que levou a um aumento no crescimento econômico. Nos anos 1970-1986, políticas keynesianas levaram a uma crise fiscal. Após 1986, cortes de gastos e reduções de impostos debelaram a cri
EFEITOS DOS CUSTOS TRANSACIONAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE GOVERNO
Irlanda Ajuste E Crescimento
1. Irlanda: ajustamento e crescimento
Esta série de três artigos tem por objetivo examinar o efeito de uma mudança de
percepção da trajetória econômica sobre os mercados, funcionando como exemplos
potenciais para o caso brasileiro hoje. Os outros artigos examinarão os casos do EUA
nos anos 1990 e Brasil nos anos 1960 após a implementação do PAEG (Plano de
Ação Econômica do Governo) em 1964.
Por mais de dois séculos, a Irlanda foi um dos países mais pobres da Europa. Nos
últimos 16 anos, tudo mudou com a Irlanda tendo um PIB per capita bem acima da
média dos principais países da União Européia. A figura 1 ilustra a trajetória do PIB
per capita da Irlanda e de algumas importantes economias nos últimos 80 anos.
PIB per Capita - PPP
1
32000
EUA
16000
Irlanda
8000 UK
Alem.
4000
2000
30 40 50 60 70 80 90 00
Durante os anos 50, a política econômica dos sucessivos governos foi calcada no
protecionismo, com forte intervencionismo do governo na esfera econômica. Uma
conseqüência destas políticas foi uma forte emigração, com a população sendo
reduzida em 5% ao longo da década (figura 2).
População
2
Mil hab.
4000
3800
3600
3400
3200
3000
2800
50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 00
Nos anos 1960, o governo começou a abandonar políticas protecionistas e iniciou a
implantação de uma estratégia de crescimento baseada nas exportações. Cortes
unilaterais de tarifas em 1964 e 1965 e o comprometimento, dentro de um acordo com
a Inglaterra de reduções anuais de 10% nas tarifas, tornaram a Irlanda mais atraente
para investimentos estrangeiros.
2. Como apresentado na figura 1, o crescimento reagiu de forma significativa. Enquanto
nos anos 1950 a média anual de crescimento do PIB per capita foi de 1.7%, entre
1960 e 1972 ela subiu para 3.9%.
No entanto, durante esse período, o resto da Europa também apresentou crescimento
elevado, sendo que as mudanças introduzidas tão somente permitiram que a Irlanda
participasse desse “progresso coletivo”, mantendo relativamente constante sua
posição na distribuição de renda da região.
No início dos anos 1970, a Irlanda continuou a avançar na liberalização do comércio e
em 1973 aderiu à comunidade Econômica Européia. No entanto, o período 1973 a
1986 é marcado pela adoção de políticas keynesianas para compensar os choques
negativos dos aumentos do preço do petróleo em 1973 e 1979. Ainda que um bom
número de países tenha adotado políticas compensatórias, as políticas expansionistas
adotadas na Irlanda acabaram debilitando fortemente a situação fiscal do país. Entre
1977 e 1981, por exemplo, todas as categorias de dispêndio aumentaram: os salários
aumentaram pelo efeito dos acordos nacionais; o emprego no setor público foi
incrementado na tentativa de reduzir o desemprego e um programa ambicioso de
expansão na infra-estrutura pública aumentou o dispêndio de capital. A inflação neste
momento atingiu 20%.
Em 1986, a relação dívida pública/PIB atingiu 116%, e o déficit nominal 7% do PIB. Os
altos níveis de dívida, pagamento de juros e gastos públicos tornaram a situação das
contas públicas insustentável. Neste momento, Charles Haughey é eleito primeiro-
ministro. Curiosamente, quando primeiro-ministro entre 1979-1982, o mesmo Charles
Haughey havia sido responsável pelas políticas que geraram a crise fiscal, e na
campanha em 1986 o seu partido advogava uma plataforma populista contrária ao
corte dos gastos públicos. O paralelo com o discurso eleitoral do PT é forte. No caso
da Irlanda, assim como no Brasil, foi a urgência da situação fiscal, e não uma
mudança ideológica, que causou a mudança de política econômica. Nas palavras de
Haughey: “As políticas que adotamos – cortes abrangentes de gastos, inclusive a
redução de 10.000 postos de trabalho no setor público – são ditadas exclusivamente
pelas realidades fiscais e econômicas, não sendo adotadas por qualquer razão
ideológica ou motivação política”.
Após reduzir gastos em 1987, o orçamento de 1988 previa o maior corte de gastos em
30 anos. As despesas correntes do governo foram reduzidas em 3% enquanto os
gastos na conta capital foram cortados em 16%. O financiamento inflacionário não era
uma alternativa, haja visto que a inflação havia sido reduzida para 4.6% em 1986.
As reduções de despesas públicas debelaram a crise. Como mostram as figuras 3 e 4,
o déficit nominal foi drasticamente reduzido (já em 1987 a Irlanda logrou obter um
superávit primário) até se tornar um superávit a partir de 1998. (Curiosamente, em
entrevista recente, o ministro Palocci deixou “escapar” que visa um superávit nominal
a partir de 2007!). A relação dívida/PIB foi inicialmente reduzida, estabilizada e, a partir
de 1994, cai monotonicamente.
3. Saldo Nominal/PIB Dívida/PIB
% 3 % 4
4 120
3
100
2
1
80
0
-1
60
-2
-3 40
-4
-5 20
1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002
Apesar da redução dos gastos públicos ter sido implementada para debelar a crise
fiscal, e não como uma tentativa de construir um estado economicamente mais liberal,
nos anos que se seguiram, com a redução do tamanho e papel do governo na
economia, foi exatamente isto que se obteve.
Algumas restrições e comprometimentos, especialmente o fato de a Irlanda participar
da União Européia e ter assinado o Tratado de Maastritch, tornaram o ajuste crível e
de natureza permanente, afastando risco da volta do aumento de gastos, déficits e,
eventualmente, uma maior inflação. (Esse mecanismo, no caso brasileiro, seria a
renovação de um acordo com o FMI).
O nível de tributação na Irlanda era historicamente elevado. Sobre a pessoa física a
maior alíquota em 1975 chegava a 80%. Tanto a tributação sobre pessoas físicas
quanto jurídicas foi gradativamente reduzida. A redução foi mais dramática nos anos
1990. Em 2000, a alíquota máxima para pessoas físicas caiu para 46% (e a alíquota
padrão para 24%), caindo ainda mais em 2001 para 44% e 22%, respectivamente.
Para pessoas jurídicas a redução de impostos também foi significativa, com a alíquota
padrão caindo para 40% em 1996, 24% em 2000 e, em 2003 com o cancelamento de
uma alíquota especial de 10% para empresas manufatureiras e empresas envolvidas
com serviços comercializáveis internacionalmente, a alíquota padrão unificada foi
reduzida de 24% para 12.5%.
Além disso, a liberação do comércio internacional, iniciada nos anos 1960, continuou
com a tarifa média de importações sendo reduzida de 7.5% em 1985 para 6.9% em
1999.
Como conseqüência das sucessivas reduções de impostos, que teve como resultado
aumentar as liberdades econômicas e elevar significativamente o crescimento
econômico, a Irlanda hoje tem uma das menores cargas tributárias da União Européia,
perdendo somente para Luxemburgo. A figura 5 mostra que a taxa de crescimento
aumentou exatamente quando o índice de liberdades econômicas, no qual a
participação do estado na economia, regulamentação e tributação têm peso
significativo, foi para níveis elevados nos anos 1990. Em outros indicadores do
desenvolvimento social, como por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano e
Índice de Competitividade, a Irlanda também se situa entre os primeiros colocados.
4. Índice de Liberdades Econômicas e Crescimento
5
9.0 12
8.5 10
8.0 8
7.5 6
7.0 4
6.5 2
6.0 0
5.5 -2
1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000
Como veremos em todos os artigos da série, uma modificação da percepção sobre a
trajetória econômica tem um efeito significativo sobre o comportamento dos mercados,
especialmente da bolsa que, em essência, funciona como um termômetro das
expectativas.
A figura 6 mostra o comportamento do índice da bolsa irlandesa, indicando que a partir
de 1992, momento em que ficou claro para os participantes do mercado que as
transformações em curso seriam mantidas e aprofundadas, resultando, em ultima
instância, na eliminação dos déficits e redução da divida, a bolsa entrou em trajetória
de alta, multiplicando por um fator de 6 em oito anos, depois recuando com a
desaceleração da economia americana com a qual a Irlanda guarda laços estreitos. O
mesmo não havia acontecido quando da alta das bolsas americanas nos anos 1980,
refletindo uma situação econômica interna em deterioração.
Irlanda: Índice da Bolsa
6
Pts
8000
4000
2000
1000
500
86 88 90 92 94 96 98 00 02
João Marcus Marinho Nunes – 8 de novembro de 2003