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INSIDER TRADING:
O DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE LEALDADE
PELO USO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS
MARCELLA BLOK
ADVOGADA. PÓS GRADUADA EM DIREITO EMPRESARIAL COM ÊNFASE
EM SOCIETÁRIO E MERCADO DE CAPITAIS- FGV-RIO. PÓS GRADUADA EM
ADVOCACIA EMPRESARIAL- UGF-RIO.
SÓCIA DA MBLAW CONSULTORIA JURÍDICA EMPRESARIAL.
WWW.MBLAW.COM.BR
Av. Delfim Moreira, 570, apt 201
Leblon CEP 22441-000
Rio De Janeiro -RJ
Resumo: Insider trading é a negociação de valores mobiliários de certa companhia
motivada pelo conhecimento de uma informação que ainda não é de conhecimento do
público e é utilizada de forma ilícita por um individuom – Insider- que teve acesso à
determinada informação sgilosa e buscou obter vantagem com a mesma por meio de da
compra de um significativo número de ações, visando vendê-las a posteriori, após a
divulgação da informação outrora confidencial. Essa prática vem sido combatida em
dezenas de países e vem recebendo uma atenção especial por parte da CVM e dos demais
órgãos fiscalizadores, bem como pela legislação societária e do mercado de capitais, tendo
sido cofigurada como crime – ilicito penal por meio do art 27-D da Lei 6385/76. O caso
Sadia Perdigão foi o primeiro no qual os executivos da Sadia foram tipificados pelo
dispositivo legal supracitado, tendo sido exemplarmente punidos.
Palavras Chave: Insider Trading- descumprimento – dever de lealdade -informações
privilegiadas
Abstract: Insider TRADING is the negotiation of securities of certain company motivated
for the knowledge of an information that not yet is of knowledge of the public and is used
of illicit form for one person - Insider- that had access to the determined confidential
information and searched to get advantage with the same one by means of the purchase of a
significant number of securities aiming at to vender them a posteriori, after the spreading of
the long ago confidential information. This practical comes been fought in several
countries and comes receiving a special attention on the part from the CVM and from
superintended agencies, as well as for the corporate and stock market laws, having been
typified as crime - illicit criminal by means of art 27-D of Law 6385/76. The leading case
Sadia- Perdigão was the first one in which the executives of Sadia had been typified by the
above-mentioned legal device, having been exemplarily punished.
Key words: Insider Trading- breach – loyalty duty- confidential information
ÍNDICE
1- Introdução.2- Conceito de Insider Trading.3- Legislação pertinente .4-
Consequências do Insider, suas responsabilidades e suas penalizações. 5- Das
Provas.6- Da legislação norte-americana: Direito Comparado.7- Caso Sadia
Perdigão.8-Conclusao.9- Notas Bibliográficas
1- INTRODUÇÃO
Reza a teoria econômica que um mercado é eficiente quando o preço de suas ações
exterioriza todas as informações disponíveis sobre as empresas cujos títulos são
negociados.
O insider trading atenta a esta busca pela eficiência. Nele, temos a formação de preço
distorcida da "realidade de conhecimento público", vez que há dados relevantes que são de
conhecimento tão somente de alguns investidores por força de posição que os mesmos
ocupam.
O combate ao insider trading está intimamente ligado à questão de eficiência na
determinação do valor de um título negociado no mercado de capitais. O ideal é que a
cotação de ações reflita o conjunto de informações publicamente disponíveis, garantindo
assim a isonomia entre todos os investidores e diminuindo a questão das distorções no
mercado. Com normas que estabelecem uma política de ampla prestação de informações
por parte das Companhias Abertas (disclosure) , tenta-se conseguir tal eficiência. E é isso o
que se verá nos capítulos 2 e 3.
Sob o ponto de vista ético, as razões ao combate do insider trading são evidentes: este
provoca um temeroso desequilíbrio entre a posição ocupada pelo insider e a dos demais
players do mercado. Desta forma, temos uma situação absolutamente condenável sob os
aspectos éticos e econômicos, já que haverá a realização de lucros em função única e
exclusiva do acesso e utilização privilegiada de informações por parte do insider,
acarretando a perda de confiabilidade no mercado e a falta de assimetria das informações e
conseqüente ineficiência do mercado.
A confiabilidade pode ser vista como o bem mais preciso para um desenvolvido e efetivo
mercado acionário. Imperioso, portanto, para o desenvolvimento do mesmo, que os
investidores, em especial, os individuais, tenham a certeza de que o sistema não foi
concebido e estruturado de forma a favorecer aqueles que têm acesso a informações
privilegiadas. Um mercado financeiro e de capitais carente de confiabilidade está fadado ao
insucesso. O capítulo 4 abordará, nessa trilha, as consequências da prática do Insider, bem,
como suas responsabilidades e consequentes penalizações pela falta de transparência e pela
quebra dos deveres fiduciários, sobretudo, os de lealdade, de diligência e de boa fé.
Ocorre que não é facil provar o dolo dos insiders, isto é, a intenção de obter vantagem de
forma ilícita, violando o dever de lealdade e “passando por cima” da regra de transparência
de mercado. No capítulo quinto, refente às provas, abordaremos as principais provas:
presunções e indícios e apontamos os casos em que há uma presunção absoluta do
cometimento do crime previsto no art 27-D da Lei 6385/76.
No capítulo sexto, demonstramos um direito comparado com a legislação norte americana,
a mais avançada e combativa nesse tema, passando para o capitulo seguinte, no qual
abordaremos o caso mais emblemático da ocorrênncia do insider e de sua consequente
punição na esfera penal e administrativa: o caso Sadia Perdigão.
Concluiremos, por fim, demonstrando o avanço na legislação societária e do mercado de
capitais e dos métodos que visam combater a prática do Insider Trading.
Passemos, então, aos capítulos mais pormenorizados.
2- DO CONCEITO DE INSIDER TRADING
Insider Trading é a a hipótese extrema de falha no dever de informar e de assimetria entre
os participantes do mercado, culminando no uso de informação privilegiada. Se perpetrada
por administrador, será, ao mesmo tempo, uma falha no dever de informar e no dever de
lealdade. Em virtude de sua gravidade, foi, com as alterações promovidas pela Lei
10.303/2001, incluida no âmbito do ilícito penal (vide art 27-D da Lei 6.385/76).
Em havendo uma necessidade da existência de um mercado transparente e justo para a
captação de investimentos e onde haja confiabilidade e partindo-se do pressuposto de que
determinadas informações pertencem à empresa e que aquele que se beneficia dela,
utilizando-se de informação alheia e sigilosa, está prejudicando o bom funcionamento do
mercado de valores mobiliáriose está negociando com desigualdade de informação1
, faz-se
necessária a prevenção e a punicão do insider por meio de normas preventivas e punitivas
que diminuam o custo do capital e aumentem o risco de eventuais agentes insiders serem
descobertos.
Conforme ensina o ilustre Nelson Eizirik21
, insider trading é "simplificadamente a
utilização de informações relevantes sobre uma companhia, por parte das pessoas, que, por
força do exercício profissional, estão ´por dentro´ de seus negócios, para transacionar com
suas ações antes que tais informações sejam de conhecimento público”. Assim,
o insider compra ou vende no mercado a preços que ainda não estão refletindo o impacto de
determinadas informações sobre a companhia, que são de seu conhecimento exclusivo.
Insider é , pois, todo aquele que, em razão de sua relação com a Companhia, tem acesso a
determinadas informações privilegiadas sobre a situação e os negócios da mesma. A
definição de Insider, embora não esteja expressa de forma precisa por meio de nossos
1
Goodwin v. Agassiz,186, NE 659, (Mass 1933)
2
EIZIRIK, Nelson - "Insider Trading e Responsabilidade do Administrador de Companhia Aberta" - artigo
publicado na Revista de Direito Mercantil, nº 50, abril/ junho de 1983
dispositivos legais, pode ser facilmente dada pela doutrina e pela leitura sistemática dos
mesmos.
Seguem algumas definições:
“ Insider trading é a negociação de valores mobiliários de
certa companhia motivada pelo conhecimento de uma
informação que ainda não é de conhecimento do público.
...Normalmente a informação é obtida por algum empregado
ou dirigente da própria empresa, que ao divulgá-la
precocemente e apenas para determinadas pessoas
normalmente visa a obter compensação financeira”.3
“Insider trading é qualquer operação realizada por um
insider, com valores mobiliários de emissão da companhia,
no período imediatamente seguinte ao conhecimento da
informação relevante e antes que tal informação chegue ao
público investidor pelos meios institucionais de divulgação
adotados no mercado de capitais. Assim, o insider trading
caracteriza-se pelo uso da informação relevante não
divulgada na compra ou venda de valores mobiliários de
emissão da companhia, gerando um desequilíbrio de
posições, lesivo tanto a uma das partes da operação – o
comprador ou vendedor outsider – como ao próprio mercado
de capitais, em termos de confiabilidade”4
Insider Trading é um termo o qual inúmeros investidores
escutam diariamente e o associam à condutas ilegais. Ocorre
que este terrmo, atualmente, inclui uma lista de condutas
legais e ilegais. Legalmente, o mesmo se dá quando os
insiders- diretores, administradores e empregados de
determinada Companhia- compram e vendem valores
mobiliários em suas próprias Companhias. Quando os
insiders negociam seus próprios valores mobiliários, eles
precisam informar tais negociações à SEC. Insider trading
ilegal refere-se geralmente à compra e venda de um valor
mobiliário, em detrimento de um dever fiduciário ou de
qualquer outra relação de confiança e de confidencialidade,
3
http://pt.wikipedia.org/wiki/Insider_trading- acesso em 15.10.2011
4
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 3º v. 4ª ed.. São Paulo: Saraiva,
2009. p.311.
enquanto em posse de uma informação confidencial e não
pública desse valor mobiliário5
’
Em suma, em termos puramente doutrinários, ignorando-se portanto a legislação vigente
em cada país, insider, em relação a determinada companhia, é toda a pessoa que, em
virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a "informações relevantes" relativas aos
negócios e à situação da companhia.
Relevante ressaltar que os insiders distinguem-se do tippees. Enquanto os primeiros
possuem acesso direto às informações privilegiadas, os últimos as obtém devido a
determinadas dicas repassadas pelos insiders, que, nesse caso, funcionam como tippers.
Ocorre que ambos podem incorrer no uso indevido de informação privilegiada, tendo em
vista que qualquer um que possua uma informação privilegiada torna-se um potencial
sujeito ativo desse ilícito. A principal diferença entre eles reside no fato de que os tippees
não podem ser apenados pelo art 27-D, o qual prevê a prática do insider como um ilícito
penal, isto é, podem ser responsabilizados civil e administrativamente, mas não
penalmente, visto não serem os sujeitos ativos previstos pelo dispositivo supracitado, ao
contrário dos insiders primários, quem além de sofrer pena de reclusão de 1 (um) a 5
(cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em
decorrência do crime , sofrem,ainda, uma presunção absoluta de cometimento do crime de
insider, cabendo a eles o ônus de provar que não houve nexo de causalidade entre o dano
causado por eles e o resultado (assimetria de informações e falta de transparência ao
mercado).
Nos termos do ex- Diretor da CVM, Eli Loria, ao julgar o caso de Insider Trading ocorrido
por ocasião da oferta hostil lançada pela Sadia para a aquisição das ações da Perdigão:
5
Tradução livre do site da SEC: http://www.sec.gov/answers/insider.html: “ Insider trading" is a term that
most investors have heard and usually associate with illegal conduct. But the term actually includes both legal
and illegal conduct. The legal version is when corporate insiders—officers, directors, and employees—buy
and sell stock in their own companies. When corporate insiders trade in their own securities, they must report
their trades to the SEC. Illegal insider trading refers generally to buying or selling a security, in breach of a
fiduciary duty or other relationship of trust and confidence, while in possession of material, nonpublic
information about the security.
“Ademais, qualquer pessoa que realize uma operação com a utilização de informação
privilegiada pode ser responsabilizado por esta infração administrativa”.
A propósito, cita RUIZ:
En primer lugar, dado el ambito subjetivo de aplicación de
la infracción, puede ser autor cualquiera persona que la
use independientemente de como la haya obtenido... Desde
el momento que una persona lleve a cabo una operación
empleando información privilegiada de forma dolosa, o
culposa si há accedido a ella por su puesto profesional, es
responsable de la infracción administrativa de uso ilegal de
información privilegiada”.
O legislador brasileiro admitiu como "insider", nos termos da definição doutrinária de
início enunciada, as seguintes pessoas que, em razão de sua posição, têm acesso a
informações capazes de influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de
emissão da companhia:
1- Administradores – conselheiros e diretores da companhia (art. 145 da Lei nº
6.404/76);
1.1- Diretor de Relações com Investidores (art 3º, Instrução CVM 358)
2- Membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto da companhia, com funções
técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores (art. 160 da Lei nº 6.404/76);
3- Membros do Conselho Fiscal (art. 165 da Lei nº 6404/76);
4- Subordinados das pessoas acima referidas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76);
5- Terceiros de confiança dessas pessoas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76) e
6- Acionistas controladores (art. 22, inciso V, da Lei nº 6.385/76).
A SEC (Securities Exchange Comission) compreende como insiders6
:
6
http://www.sec.gov/answers/insider.htm - tradução livre
1- Administradores, Diretores e funcionários que negociam valores mobiliários utilizando-
se de informação privilegiada, confidencial e significativa.
2- Amigos, colegas de trabalho, familiares e outros "tippees" que negociaram valores
mobiliários após receber informações privilegiadas dos administradores e funcionários de
determinada Companhia .
3- Funcionários públicos, pessoas que trabalham em Bancos, Corretoras e outras
instituiçoes financeiras, quem receberam informações e que negociaram os valores
mobiliarios cujas informações receberam.
4- Outras pessoas que se aproveitaram de informações confidenciais de seus
empregadores.
3- DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE AO TEMA DO INSIDER TRADING
Embora sem uma definição legal explicita para o termo Insider, a Lei nº 6.404/76, nos arts.
155 e 157, combinados com 145, 160 e 165, ao tratar dos deveres de lealdade e de prestar
informações, por parte dos administradores e pessoas a eles equiparados, implicitamente
emitiu o conceito de "insider". Da mesma forma procedeu a Lei nº 6.385/76, quando
estabeleceu que a CVM expedirá normas, aplicáveis à companhia aberta, sobre informações
que devem ser prestadas por administradores e acionistas controladores.
Vejamos, pois, os dispositivos supra referidos :
Art 155- O administrador deve servir com lealdade à
companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-
lhe vedado:
I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou
sem prejuízo para a companhia, as oportunidades
comerciais de que tenha conhecimento em razão do
exercício de seu cargo;
II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da
companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou
para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de
negócio de interesse da companhia;
III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito
que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione
adquirir.
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia
aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que
ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do
mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de
modo ponderável na cotação de valores mobiliários,
sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para
si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda
de valores mobiliários.
§ 2º O administrador deve zelar para que a violação
do disposto no § 1º não possa ocorrer através de
subordinados ou terceiros de sua confiança.
§ 3º A pessoa prejudicada em compra e venda de
valores mobiliários, contratada com infração do disposto
nos §§ 1° e 2°, tem direito de haver do infrator indenização
por perdas e danos, a menos que ao contratar já
conhecesse a informação.
§ 4o
É vedada a utilização de informação relevante
ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha
tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si
ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.
(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001) – (negritou-se)
Traz o artigo 155 da Lei das S.A. uma “lista de condutas proibidas”, condutas essas que não
enunciam um rol taxativo de atividades, podendo ser capituladas e declaradas pela
autoridade judiciária por outras formas ou hipóteses de violação ao dever de lealdade.
Importante contribuição trouxe o artigo 8º da Instrução CVM 358 ao prever o dever de
guardar sigilo. Vejamos, in verbis
DEVER DE GUARDAR SIGILO
Art. 8º - Cumpre aos acionistas controladores, diretores,
membros do conselho de administração, do conselho fiscal
e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas,
criados por disposição estatutária, e empregados da
companhia, guardar sigilo das informações relativas a ato
ou fato relevante às quais tenham acesso privilegiado em
razão do cargo ou posição que ocupam, até sua divulgação
ao mercado, bem como zelar para que subordinados e
terceiros de sua confiança também o façam, respondendo
solidariamente com estes na hipótese de descumprimento.
Antes da divulgação, pois, deve ser guardado absoluto sigilo acerca das operações que
possam influir no comportamento dos investidores, sendo vedado aos administradores usar
informações privilegiadas para a obtenção de vantagem para si ou para terceiros, conforme
disposto pelo artigo 155, parágrafos primeiro a quarto da Lei das S.A e pelo artigo 8º da
ICVM 358 supracitado.
Haverá sigilo quando a informação não puder ser obtida por meios acessíveis ao publico em
geral. Deixará esta de ser sigilosa no momento posterior à publicação das mesmas pelos
administradores. Se por qualquer razão, contudo, vier a perder seu caráter confidencial, já
não se prestará ao insider trading. Isto porque a informação já disseminada , ainda que de
forma irregular e mesmo que seja extremamente relevante, já será uma informação de
mercado, a qual, portanto, presume-se refletida nas expectativas dos agentes que negociam
valores mobiliários.7
Em suma, o dever de lealdade está relacionado com transações em que há (i) conflito de
interesse entre o administrador e a Companhia; (ii) conflitos de interesses entre
Companhias por terem administradores em comum; (iii) vantagem obtida indevidamente
por administrador em oportunidades que pertenciam à Companhia; (iv) administrador
7
BARBOSA, Marcelo;BARROS, Octavio Fragata, BRICK, Bruna Zoghbi, CAMPINHO, Bernardo Capela,
Direito Societário e Mercado de Capitais, turma 2, vol 2, Editora FGV, 2009, Rio de Janeiro, pg 78
competindo com a Companhia; (v) informações falsas ou indevidas aos acionistas; (vi)
negociação do “insider”; (vii) abuso da minoria e (viii) venda de controle 8
.
Focar-nos-emos nos itens v e vi supra referidos: o uso de informações falsas ou indevidas
dadas aos acionistas e o ilícito conhecido como insider. Desta forma, desleal será o
administrador quando não guardar reserva dos negócios sociais (“leakage”), deixando que
ocorra vazamento de informações sigilosas e reservadas da companhia a pessoas, que,
possuindo acesso ao mercado de valores mobiliários, possam manipular as informações em
proveito próprio, fraudando interesses de acionistas e investidores;
Cumpre salientar que responde o administrador quando subordinados seus, ou terceiros de
sua confiança, violarem o dever de lealdade, desde que essa violação não seja ocultada por
esses subordinados das vistas do administrador.
Hamilton, analisando o dever de lealdade no direito norte-americano, esclarece que este
dever é um litígio em que transações são anuladas e que conselheiros de administração e
diretores têm sido responsabilizados por quebra desse dever fiduciário.
No que toca ao dever de informar, o qual também deve ser observado pelos administradores,
sob pena de responsabilização, este deve ser obrigatoriamente seguido pelos administradores
de companhias abertas,. A lei das S/A expressa este dever no seu art 157 e seus parágrafos
4º e 5º a seguir dispostos:
Art 157....
§ 4º Os administradores da companhia aberta são
obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e
a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da
assembléia-geral ou dos órgãos de administração da
companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios,
que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos
investidores do mercado de vender ou comprar valores
mobiliários emitidos pela companhia
§ 5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a
informação (§ 1º, alínea e), ou deixar de divulgá-la (§ 4º),
8
CORREA –LIMA, Osmar Brina, Responsabilidade Civil dos Administradores de sociedades anônimas. Rio
de Janeiro:Aide, 1989, p.75
se entenderem que sua revelação porá em risco interesse
legítimo da companhia, cabendo à Comissão de Valores
Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer
acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a
prestação de informação e responsabilizar os
administradores, se for o caso.
§ 6o
Os administradores da companhia aberta deverão
informar imediatamente, nos termos e na forma
determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta
e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão
organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da
companhia estejam admitidos à negociação, as
modificações em suas posições acionárias na companhia.
(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
Este dispositivo legal é inspirado pelo princípio do “full disclosure”, que garante a todos os
investidores oportunidades iguais de negociação.
A comunicação da ocorrência de fatos relevantes (“full disclosure”) deve ser prestada à
Bolsa de Valores onde são negociados os títulos da referida companhia, devendo haver
comunicação também por intermédio da imprensa. Este é o aspecto mais importante do
dever de informar.
O momento oportuno para que se efetive o cumprimento do dever de informar opera-se
quando finda a negociação realizada. Se não se tratar de negociação, o momento oportuno
para a comunicação opera-se quando o fato mostrar-se irreversível, devendo a comunicação
ser imediata pelo surgimento do perigo de vazamento das informações. Conforme dispõe
Modesto Carvalhosa “a informação à Bolsa deve ser feita no exato momento em que o
mercado pode ser influenciado por informações ainda não reveladas ao público”.
Além de imediatas, as informações devem ser precisas e não podem ser falsas, na medida
em que criam falsa impressão por serem mal formuladas, conduzindo os acionistas e os
investidores a uma impressão enganosa sobre os fatos prestados.
Considera-se como fato relevante, “todo e qualquer evento econômico ou de repercussão
econômica, a envolver a companhia, incluindo neste amplo conjunto as deliberações de seus
órgãos sociais, a realização ou não de certos negócios, projeção de desempenho e outros
fatores relevantes”. Será relevante o fato que puder influir, de modo ponderável, na decisão
de investidores do mercado de capitais, no sentido de vender ou comprar valores mobiliários
emitidos pela sociedade, sendo a divulgação de tais fatos um dever legal, conforme consta
do artigo 157, parágrafo quarto da Lei 6404/76, disposto supra.
Relevante destacar o artigo 13 da Instrução Normativa CVM n º 358 :
“VEDAÇÕES À NEGOCIAÇÃO
Art. 13 - Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato
relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a
negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a
eles referenciados, pela própria companhia aberta, pelos
acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores,
membros do conselho de administração, do conselho fiscal
e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas,
criados por disposição estatutária, ou por quem quer que,
em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia
aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas,
tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato
relevante.
§ 1º A mesma vedação aplica-se a quem quer que tenha
conhecimento de informação referente a ato ou fato
relevante, sabendo que se trata de informação ainda não
divulgada ao mercado, em especial àqueles que tenham
relação comercial, profissional ou de confiança com a
companhia, tais como auditores independentes, analistas de
valores mobiliários, consultores e instituições integrantes
do sistema de distribuição, aos quais compete verificar a
respeito da divulgação da informação antes de negociar
com valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles
referenciados.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a
vedação do "caput" se aplica também aos administradores
que se afastem da administração da companhia antes da
divulgação pública de negócio ou fato iniciado durante seu
período de gestão, e se estenderá pelo prazo de seis meses
após o seu afastamento.
§ 3º A vedação do "caput" também prevalecerá sempre que
estiver em curso a aquisição ou a alienação de ações de
emissão da companhia pela própria companhia, suas
controladas, coligadas ou outra sociedade sob controle
comum, ou se houver sido outorgada opção ou mandato
para o mesmo fim, bem como se existir a intenção de
promover incorporação, cisão total ou parcial, fusão,
transformação ou reorganização societária.
§ 5º As vedações previstas no "caput" e nos §§ 1º a 3º
deixarão de vigorar tão logo a companhia divulgue o fato
relevante ao mercado, salvo se a negociação com as ações
puder interferir nas condições dos referidos negócios, em
prejuízo dos acionistas da companhia ou dela própria”.
Note que o caput desse ordenamento apresenta uma presunção absoluta de que
determinados agentes, por possuírem informações privilegiadas (acionistas controladores,
diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e
de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição
estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na
companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da
informação relativa ao ato ou fato relevante) estariam incorrendo no crime do insider,
enquanto o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo trata de uma presunção relativa,
cabendo, pois a quem acusa aos agentes compreendidos nesse parágrafo (sujeitos que
tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como
auditores independentes, analistas de valores mobiliários, consultores e instituições
integrantes do sistema de distribuição) o ônus de provar que eles tiveram acesso a
determinadas informações privilegiadas e que fizeram uso das mesmas em benefício
particular.
A Instrução 358 da CVM, referida supra, é, a nosso ver, o regramento mais completo e
sucinto no que toca à divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo
às companhias abertas. Disciplina a divulgação de informações na negociação de valores
mobiliários e na aquisição de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta,
estabelece vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na
pendência de fato relevante não divulgado ao mercado. Transcrevemos alguns de seus
dispositivos mais relevantes:
DEVERES E RESPONSABILIDADES NA
DIVULGAÇÃO DE ATO OU FATO RELEVANTE
Art. 3º - Cumpre ao Diretor de Relações com Investidores
divulgar e comunicar à CVM e, se for o caso, à bolsa de
valores e entidade do mercado de balcão organizado em que
os valores mobiliários de emissão da companhia sejam
admitidos à negociação, qualquer ato ou fato relevante
ocorrido ou relacionado aos seus negócios, bem como zelar
por sua ampla e imediata disseminação, simultaneamente
em todos os mercados em que tais valores mobiliários
sejam admitidos à negociação.
§ 1º Os acionistas controladores, diretores, membros do
conselho de administração, do conselho fiscal e de
quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas,
criados por disposição estatutária, deverão comunicar
qualquer ato ou fato relevante de que tenham conhecimento
ao Diretor de Relações com Investidores, que promoverá
sua divulgação.
§ 2º Caso as pessoas referidas no parágrafo anterior tenham
conhecimento pessoal de ato ou fato relevante e constatem
a omissão do Diretor de Relações com Investidores no
cumprimento de seu dever de comunicação e divulgação,
inclusive na hipótese do parágrafo único do art. 6° desta
Instrução, somente se eximirão de responsabilidade caso
comuniquem imediatamente o ato ou fato relevante à CVM.
§ 3º O Diretor de Relações com Investidores deverá
divulgar simultaneamente ao mercado ato ou fato relevante
a ser veiculado por qualquer meio de comunicação,
inclusive informação à imprensa, ou em reuniões de
entidades de classe, investidores, analistas ou com público
selecionado, no país ou no exterior.
§ 4º A divulgação deverá se dar através de publicação nos
jornais de grande circulação utilizados habitualmente pela
companhia, podendo ser feita de forma resumida com
indicação dos endereços na rede mundial de computadores -
Internet, onde a informação completa deverá estar
disponível a todos os investidores, em teor no mínimo
idêntico àquele remetido à CVM e, se for o caso, à bolsa de
valores e entidade do mercado de balcão organizado em que
os valores mobiliários de emissão da companhia sejam
admitidos à negociação.
§ 5º A divulgação e a comunicação de ato ou fato relevante,
inclusive da informação resumida referida no parágrafo
anterior, devem ser feitas de modo claro e preciso, em
linguagem acessível ao público investidor.
§ 6º A CVM poderá determinar a divulgação, correção,
aditamento ou republicação de informação sobre ato ou fato
relevante.
Art. 4º - A CVM, a bolsa de valores ou a entidade do
mercado de balcão organizado em que os valores
mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à
negociação podem, a qualquer tempo, exigir do Diretor de
Relações com Investidores esclarecimentos adicionais à
comunicação e à divulgação de ato ou fato relevante.
Parágrafo único. Na hipótese do "caput", ou caso ocorra
oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada
dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou
a eles referenciado, o Diretor de Relações com Investidores
deverá inquirir as pessoas com acesso a atos ou fatos
relevantes, com o objetivo de averiguar se estas têm
conhecimento de informações que devam ser divulgadas ao
mercado.
Art. 5º - A divulgação de ato ou fato relevante deverá
ocorrer, sempre que possível, antes do início ou após o
encerramento dos negócios nas bolsas de valores e
entidades do mercado de balcão organizado em que os
valores mobiliários de emissão da companhia sejam
admitidos à negociação.
§ 1º Caso os valores mobiliários de emissão da companhia
sejam admitidos à negociação simultânea em mercados de
diferentes países, a divulgação do ato ou fato relevante
deverá ser feita, sempre que possível, antes do início ou
após o encerramento dos negócios em ambos os países,
prevalecendo, no caso de incompatibilidade, o horário de
funcionamento do mercado brasileiro.
§ 2º Caso seja imperativo que a divulgação de ato ou fato
relevante ocorra durante o horário de negociação, o Diretor
de Relações com Investidores poderá, ao comunicar o ato
ou fato relevante, solicitar, sempre simultaneamente às
bolsas de valores e entidades do mercado de balcão
organizado, nacionais e estrangeiras, em que os valores
mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à
negociação, a suspensão da negociação dos valores
mobiliários de emissão da companhia aberta, ou a eles
referenciados, pelo tempo necessário à adequada
disseminação da informação relevante.
§ 3º A suspensão de negociação a que se refere o parágrafo
anterior não será levada a efeito no Brasil enquanto estiver
em funcionamento bolsa de valores ou entidade de mercado
de balcão organizado de outro país em que os valores
mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à
negociação, e em tal bolsa de valores ou entidade de
mercado de balcão organizado os negócios com aqueles
valores mobiliários não estiverem suspensos.
A Instrução CVM 358, por meio de seu artigo 3º, tem como objetivo promover a correta
formação de preços no mercado e de evitar a possibilidade de assimetria informacional e o
uso de informação privilegiada, estabelecendo que as informações relevantes devem ser
divulgadas imediatamente e de forma ampla e simultânea para todo o mercado.
Não podemos nos olvidar, ademais, da Instrução CVM 8/79, item, I, a qual prevê, in verbis,
ser “ vedada aos administradores e acionistas de companhias abertas, aos intermediários e
aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições
artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a
realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não equitativas”. Observe-se que
não havendo o uso de uma informação inexata, o ilícito deixaria de ser a prática do insider
(o uso de uma informação privilegiada) para atingir uma informação não precisa e
tampouco verdadeira, inexata, configurando-se, pois, uma manobra fraudulenta e/ou uma
manipulação, cuja pena é distinta da pena do insider.
Relativamente ao conceito, adotado pelo Direito Brasileiro, do que sejam "informações
relevantes", entende-se que "Informações relevantes são aquelas referentes a fatos,
ocorridos nos negócios da companhia, que possam influir, de modo ponderável, na decisão
dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários de sua emissão"
(art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/76, combinado com o art. 155, § 1º).
Nesse diapasão, adotou a Lei nº 6.404/76 o critério de obrigar os administradores e as
pessoas a ele equiparadas a divulgá-las prontamente – art. 157, § 4º (salvo expressa
autorização em contrário da CVM – art. 157, § 5º).
Assim, o administrador (e pessoas a ele equiparadas: art. 145 – diretores e conselheiros; art.
160 – membros de quaisquer órgãos com funções técnicas) são obrigados a revelar, além de
qualquer deliberação de Assembléia Geral ou dos órgãos de administração da companhia,
qualquer "fato relevante, ocorrido nos negócios da companhia, que possa influir, de modo
ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores
mobiliários de sua emissão".
Já a Lei nº 6.385/76, demonstrando igual preocupação com o processo de divulgação da
informação relevante, enunciou, em seu art. 22, inciso VI, competir à CVM expedir normas
aplicáveis às companhias abertas sobre a "divulgação de fatos relevantes, ocorridos nos
seus negócios, que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do
mercado, de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia".
Lembre-se ainda que à CVM cabe, nos termos do art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.385/76,
"fiscalizar a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele
participem e aos valores nele negociados.
No que toca ao conceito de “fato relevante”, temos, in verbis:
Instrução CVM 358:
“DEFINIÇÃO DE ATO OU FATO RELEVANTE
Art. 2º - Considera-se relevante, para os efeitos desta
Instrução, qualquer decisão de acionista controlador,
deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de
administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato
ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial
ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus
negócios que possa influir de modo ponderável:
I. na cotação dos valores mobiliários de emissão da
companhia aberta ou a eles referenciados;
II. na decisão dos investidores de comprar, vender ou
manter aqueles valores mobiliários;
III. na decisão dos investidores de exercer quaisquer
direitos inerentes à condição de titular de valores
mobiliários emitidos pela companhia ou a eles
referenciados.
Parágrafo único. Observada a definição do "caput", são
exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre
outros, os seguintes:
I. assinatura de acordo ou contrato de transferência do
controle acionário da companhia, ainda que sob condição
suspensiva ou resolutiva;
II. mudança no controle da companhia, inclusive através
de celebração, alteração ou rescisão de acordo de
acionistas;
III. celebração, alteração ou rescisão de acordo de
acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente,
ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia;
IV. ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a
companhia, contrato ou colaboração operacional,
financeira, tecnológica ou administrativa;
V. autorização para negociação dos valores mobiliários
de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional
ou estrangeiro;
VI. decisão de promover o cancelamento de registro da
companhia aberta;
VII. incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia
ou empresas ligadas;
VIII. transformação ou dissolução da companhia;
IX. mudança na composição do patrimônio da companhia;
X. mudança de critérios contábeis;
XI. renegociação de dívidas;
XII. aprovação de plano de outorga de opção de compra de
ações;
XIII. alteração nos direitos e vantagens dos valores
mobiliários emitidos pela companhia;
XIV. desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição
de bonificação;
XV. aquisição de ações da companhia para permanência em
tesouraria ou cancelamento, e alienação de ações assim
adquiridas;
XVI. lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de
proventos em dinheiro;
XVII. celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na
sua realização, quando a expectativa de concretização for
de conhecimento público;
XVIII. aprovação, alteração ou desistência de projeto ou
atraso em sua implantação;
XIX. início, retomada ou paralisação da fabricação ou
comercialização de produto ou da prestação de serviço;
XX. descoberta, mudança ou desenvolvimento de
tecnologia ou de recursos da companhia;
XXI. modificação de projeções divulgadas pela companhia;
XXII. impetração de concordata, requerimento ou confissão
de falência ou propositura de ação judicial que possa vir a
afetar a situação econômico-financeira da companhia”
Este dispositivo arrolou os insiders primários e apresentou uma lista exemplificativa de
atos e/ou fatos os quais, ocorrendo, tornam obrigatória o full disclosure, isto é, a divulgação
das informações, outrora, confidenciais e privilegiadas.
Nessa trilha, o uso da informação privilegiada busca ser combatido da seguinte forma :
1- A proibição propriamente dita do uso da informação privilegiada
De acordo com Marco Antônio Martins de Araújo Filho ( Conselheiro Titular do CRSFN e
Representante da ANBID), para que determinada informação seja privilegiada, faz-se mister
que esta seja precisa, não pública, relativa ao valor mobiliário e price sensitive.
Com a proibição ao uso da informação privilegiada visa-se proteger os investidores, que
ignoram as condições internas da companhia, contra os possíveis abusos daqueles que as
conheçam. Segundo Norma Parente, em seu brilhante Parecer elaborado, em 1978, quando
era diretora da CVM, “o que caracteriza o uso da informação privilegiada é o
aproveitamento de informações reservadas, sobre a sociedade emissora de valores
mobiliários, em detrimento de outra pessoa, que com eles negocia ignorando aquelas
informações... O objetivo desta proibição é evitar que pessoas, direta ou indiretamente
relacionadas com a empresa, possam auferir ganhos patrimoniais extraordinários, através da
prevalência do conhecimento de atos ou fatos importantes, e reservados, sobre mutações
essenciais na vida da companhia. Essas pessoas estariam intervindo no mercado em
condições de superioridade em relação ao público em geral, sem acesso a tais
informações”9
.
O combate ao uso de informações privilegiadas pressupõe a existência de medidas que
determinem uma ampla e completa divulgação das informações referentes a atos e fatos
relevantes ocorridos no âmbito da companhia. Essas informações devem ser tornadas
acessíveis a todos ao mesmo tempo, de forma a estimular a existência de um mercado justo,
no que se refere ao acesso equânime às informações.
2- Enfatização do dever de informar fatos relevantes modificadores da vida societária
Razões de ordem ética e jurídica embasam o dever de informar. Decorre este da
necessidade de se impedir que alguém, prevalecendo-se da posição que ocupa, obtenha
vantagens patrimoniais indevidas, em detrimento de pessoas que ignoram certas
informações. Trata-se de um dever jurídico, atribuído aos administradores de companhia
aberta, que encontra correspondência direta no direito subjetivo que têm os investidores de
se inteirarem, não só dos atos e decisões provenientes da administração da companhia,
como de todos os fatos relevantes que possam ocorrer em seus negócios.
Assim, o dever de informar, como já explicitado nesse trabalho em capítulo anterior,
configura-se como parte complementar e indispensável na repressão ao uso da informação
privilegiada.
3- A vedação à prática de determinadas operações de mercado
A vedação à prática de determinadas operações de mercado tem sido usada como medida
auxiliar no combate ao uso da informação privilegiada. O fundamento para a adoção de tais
proibições reside no fato de que as pessoas que administram a companhia, ou que com ela
mantém íntimo relacionamento, podem ter uma visão global e prospectiva do seu
desempenho, e, com base nesse conhecimento, operar no mercado com valores mobiliários
de sua emissão, com uma superioridade não compartilhada pelos investidores do mercado
9
PARENTE. Norma Jonssen, 1978, Superintendência jurídica da CVM, Aspectos Jurídicos do Insider
Trading, Rio de Janeiro, pg 18
em geral. Vedações de operar à vista dentro de prazos pré-estabelecidos têm também sido
utilizadas como mecanismos repressivos no combate ao uso da informação privilegiada.
4- A feitura de relatórios esclarecedores da posição acionária de pessoas com
possibilidades de conhecimento dos negócios internos da companhia.
A obrigatoriedade da apresentação periódica de relatórios, desvendadores da posição
acionária das pessoas diretamente ligadas à companhia, tem sido igualmente utilizada como
medida preventiva no combate ao uso da informação privilegiada, pelo poder inibitório que
possui. Trata-se de disposição relacionada ao dever de informar, e que visa proporcionar
aos investidores o conhecimento da quantidade e qualidade dos valores mobiliários
pertencentes àqueles que dirigem a companhia da qual participam, bem como das
negociações por eles efetuadas com aqueles valores.
Uma das maiores inovações trazidas pela Instrução CVM 358 foi o seu artigo 15, o qual
prevê a Política de Negociação10
, igualmente conhecida como a Safe Harbor norte
americana implantada pela SEC. Tal sistema elimina a presunção de que determinada
10
POLÍTICA DE NEGOCIAÇÃO
Art. 15 - A companhia aberta poderá, por deliberação do conselho de administração, aprovar política de
negociação das ações de sua emissão por ela própria, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos,
diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções
técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária.
§ 1º A política de negociação referida no "caput" não poderá ser aprovada ou alterada na pendência de ato ou
fato relevante ainda não divulgado, e deverá necessariamente:
I. contar com a adesão expressa das pessoas mencionadas no "caput" que queiram dela se beneficiar, as
quais deverão observá-la estritamente; e,
II. incluir a vedação de negociações, no mínimo, no período de 15 (quinze dias anterior à divulgação
das informações trimestrais (ITR) e anuais (DFP e IAN) da companhia; e,
III. adotar procedimentos que assegurem que em nenhuma hipótese a companhia negociará com as
próprias ações nos períodos de vedação estabelecidos nesta Instrução e na própria política de
negociação;
§ 2º A critério da companhia, a adesão de que trata o inciso I do parágrafo anterior poderá contemplar a
indicação detalhada de política de negociação própria do interessado, a qual deverá observar os mesmos
elementos mínimos referidos no parágrafo anterior.
informação seja privilegiada, na medida em que inverte o uso da mesma, isto é, obriga,
sobretudo, os administradores das Companhias de Novo Mercado, de anunciar o desejo de,
transacionar determinadas ações ou outros valores mobiliários, de acordo com uma política
de fair disclosure, isto é, com transparência e justa divulgação.
Saliente-se, contudo, que o Administrador, nem sempre, é obrigado a divulgar toda e
qualquer informação ao mercado. Tem ele o direito de guardar em sigilo determinadas
informações as quais, se divulgadas, poderiam acarretar em prejuízos ou danos à
Companhia. A exceção a esta regra se dá quando a informação se torna relevante.
Ocorre que, em determinados casos, é complexa a tarefa de analisar se determinada
informação é relevante ou não. Em havendo uma análise da relevância da informação ou da
presunção de que esta o seja, deve o Administrador, no entanto, se abster de negociar e se
quiser fazê-lo, deverá avisar ao mercado e/ou informar, em conformidade com a política de
negociação, que realizará determinada transação.
O artigo 6º da Instrução da CVM 358 prevê esta exceção à imediata divulgação em caso da
divulgação da informação relevante poder colocar em risco interesse legítimo da
companhia11
;
11
Instrução CVM 358 - EXCEÇÃO À IMEDIATA DIVULGAÇÃO
“Art. 6º - Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente,
deixar de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua revelação
porá em risco interesse legítimo da companhia.
Parágrafo único. As pessoas mencionadas no "caput" ficam obrigadas a, diretamente ou através do Diretor de
Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar
ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários
de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados”.
4- CONSEQUENCIAS DO INSIDER, SUAS RESPONSABILIDADES E SUAS
PENALIZAÇÕES
Apresentaremos, a seguir, as consequencias do insider trading, de acordo com as diferentes
leis e diretrizes de nosso Direito Pátrio.
A Lei 6404/76 e o inciso I, bem como os parágrafos 1º , 2º e 4º12
, do art. 155 impõem
deveres e enunciam uma proibição para os administradores das companhias abertas e
aqueles que se lhes equiparam:
a. O dever de guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido
divulgada para conhecimento de mercado, capaz de influir de modo ponderável na cotação
dos valores mobiliários;
b. A proibição de valer-se dessas informações para obter, para si ou para outrem,
vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários, e
c. O dever de zelar para que subordinados e terceiros de sua confiança guardem sigilo
daquelas informações e não se valham dessas informações para obterem vantagem, para si
ou para outrem, mediante compra ou venda de valores mobiliários.
A infração desses três itens, segundo o § 3º do mesmo art. 155, acarreta para o
prejudicado o direito de haver indenização por perdas e danos dos infratores
12
Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios,
sendo-lhe vedado:
I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades
comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo;
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação
que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de
influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para
obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.
§ 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa ocorrer através de
subordinados ou terceiros de sua confiança.
§ 4º É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha
acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários
(Acrescentado pela Lei 10.302/2001);
(administradores, conselheiros e diretores, membros de órgãos estatutários com funções
técnicas e consultivas e conselheiros fiscais).
Este dispositivo é bastante amplo e responsabiliza sobremaneira as pessoas acima
indicadas. Eis que estas respondem por atos seus, de seus subordinados, e de terceiros de
sua confiança, e, no caso específico de "insider trading", por atos dessas pessoas e de
outras a quem estas tenham transmitido essas informações. Isto resulta em abranger
praticamente qualquer pessoa. Esta última categoria de pessoas o legislador as abrange, ao
usar a expressão "para si ou para outrem".
Note-se que os dispositivos em exame pretenderam, a todo modo, garantir ao investidor a
certeza de que, se prejudicado com a prática do insider trading, teria a correspondente
indenização em perdas e danos e, ainda, impor ao administrador o encargo de, a duras
penas, impedir que isso ocorra.
Buscou-se, desse modo, evitar que o investidor prejudicado ficasse à procura de quem
responsabilizar pelo ato ilícito. O regramento implícito nos dispositivos transferiu este
encargo para o administrador que, em etapa posterior, por sua vez, poderá reclamar o que
pagou a quem efetivamente praticou o insider trading. .Dito de outra forma, o art. 155 da
Lei nº 6.404/76 revela o interesse de restaurar o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo
dano, havendo uma nítida presunção legal no sentido de imputar ao administrador a
responsabilidade civil pelo prejuízo por meio do pagamento de indenização por perdas e
danos.
Nos termos da Lei nº 6.385/76, por sua vez, de acordo com o seu artigo. 9º, inciso V13
,
compete à CVM apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais e práticas não
eqüitativas de administradores; acionistas de companhias abertas; intermediários, e
participantes do mercado. "Atos ilegais", para este efeito, são aqueles contrários à Lei nº
13
Art 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2o
do art. 15, poderá :
V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores,
membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes
do mercado; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
6.404/76 e à própria Lei nº 6.385/76. "Práticas não eqüitativas" são aquelas nas quais não é
reconhecido e respeitado por igual o direito de cada uma das partes.
Apurada, por inquérito, a realização de atos ilegais ou práticas não eqüitativas, por parte
das pessoas acima mencionadas, pode a CVM puni-las nos termos do art. 11 da Lei nº
6.385/76 por meio da aplicação das penalidades de advertência e/ou multa.
Fazemos uma ressalva no que toca à prática de “ato ilegal”. Considerado o "insider
trading" como "ato ilegal", a CVM somente poderá punir os administradores e as pessoas a
ele equiparadas (art. 160 da Lei 6.404/76), pois a ilegalidade do ato decorreria de violação
do art. 155 da Lei nº 6.404/76, dispositivo este que considera como infrator somente os
administradores. Regulada a matéria, seria, então, lícito punir qualquer das pessoas
mencionadas no inciso V do art. 9º da Lei nº 6.385/76.
Finalmente, esclarecemos que o inciso VI, do art. 9º da Lei nº 6.385/76, estabelece que as
penalidades aplicadas por infração ao inciso V do referido artigo não excluem a
responsabilidade civil e penal.
Assim, o prejudicado em um caso de insider trading poderá pleitear a reparação do dano,
com fundamento no art. 155 da Lei nº 6.404/76, ou com fundamento no art. 159 do Código
Civil. Na primeira hipótese proporá ação contra o administrador, e na segunda contra quem
lhe causou o prejuízo. Esta última será examinada mais adiante.
Quanto à responsabilidade penal, concluído o inquérito e constatado que há ocorrência de
crime de ação pública, a CVM oficiará ao Ministério Público, para proposição da ação
penal contra aqueles que no inquérito administrativo foram julgados culpados. No processo
administrativo sancionador, são utilizados os princípios aplicáveis ao Direito Penal.
Passemos, por ora, à análise dos dispositivos do Código Civil Brasileiro, por meio de seus
artigo 92 c/c art. 94, e art 159, ao protegerem direitos subjetivos e patrimoniais, são
aplicáveis a casos de insider trading.
"Art. 92 – Os atos jurídicos são anuláveis por dolo,
quando este for sua causa.
Art. 94 – Nos atos bilaterais, o silêncio intencional de uma
das partes a respeito de fato ou qualidade de que a outra
parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se
que sem ela não seria celebrado o contrato.
Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito, ou causar
prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar dano."
Entendemos a aplicação dos dispositivos acima transcritos devido ao fato de que:
a) O ato de comprar e vender ações é um ato jurídico;
b) O "insider" intencionalmente silencia a respeito de fato relevante da empresa;
c) A parte prejudicada ignora este fato relevante;
d) Há omissão dolosa quando "insider trading" intencionalmente omite o fato, e
e) A parte prejudicada não teria celebrado o contrato, se soubesse dos fatos relevantes
que a outra parte dolosamente omitiu.
Quanto à aplicação da norma do art. 159, entendemos que, de igual modo, o artigo poderá
servir de fundamento para a parte prejudicada pleitear indenização, porque no "insider
trading", pois (i) existe um fato lesivo voluntário doloso, imputável ao agente por
omissão; (ii) existe a ocorrência de um dano, de caráter patrimonial, e (iii) há relação de
causalidade entre o dano e o comportamento do agente.
Assim sendo, resulta claro o direito que terá o prejudicado, numa operação de "insider
trading", de:
a. Propor a anulação da operação (arts. 92 e 94), ou
b. Pleitear indenização por perdas e danos (art. 159).
Nesse sentido temos a opinião de Pontes de Miranda, em "Tratado de Direito Privado", vol.
IV: "O dolo, que faz inválido o ato jurídico, também dá ensejo à incidência da regra
jurídica do art.159". E mais adiante, o mesmo autor, ao tratar de pretensões concorrentes,
ensina: "O dolo pode suscitar a anulabilidade do ato jurídico, como ato ilícito. Ali, dolo
invalidamente; aqui, dolo ato ilícito absoluto ... Os sistemas jurídicos não fazem qualquer
dessas pretensões exclusivas das outras".
De qualquer modo, quando o investidor optar por propor uma ação com fundamento no
artigo, 92 c/c 94 ou 159, deverá ele propô-la, obviamente, contra quem deu causa ao dano,
o que na prática muitas vezes será difícil.
Por conseguinte, na maior parte das vezes, o investidor escolherá propor a ação com
fundamento no art. 155 da Lei nº 6.404/76, não se utilizando da opção a ele concedida pela
lei civil. Isto é, proporá ele a ação de perdas e danos contra o administrador e/ou aqueles a
ele equiparados, art. 155 da Lei nº 6.404/76.
No que toca à responsabilidade dos agentes insiders, a doutrina majoritária a vê como
sendo objetiva, bastando o nexo de causalidade entre o dano verificado e a conduta
antijurídica, uma vez que há uma presunção de culpa dada pelo dever de informar. Outros a
vêem como subjetiva, sendo neste caso, essencial a demonstração da culpa ou dolo por
parte do agente, ademais do nexo de causalidade entre o resultado dano e as condutas
praticadas pelo agente insider. De toda a sorte, observa-se que no caso insider trading, o
mais importante é o nexo de causalidade, que se baseará em indícios. Deve ser observado
também que nos casos de presunção absoluta, é invertido o ônus da prova, não cabendo ao
órgão acusador provar a responsabilidade do insider, e sim ao insider provar a ausência de
sua responsabilidade administrativa, civil ou criminal.
Passemos, por ora, a um dos temas mais recentes no que toca ao insider trading: o advento
do art 27-D da Lei 6385/76, o qual configura como crime a prática do insider trading.
Antes do advento desse dispositivo, a nossa legislação penal não abordava esse tema de
forma clara e universal.
Vejamos, pois, o artigo 27-D, ipse literis:
DOS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS
Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não
divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da
qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou
para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em
nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até
3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em
decorrência do crime.
Ressalte-se que após o convênio firmado em 2009 entre MPF e CVM com a finalidade de
auxílio mútuo e troca de informações em matéria de insider trading, a ciência de atos
criminosos relacionados ao insider trading dobrou nos seis primeiros meses de 2010 em
comparação aos mesmos meses de 2009. A primeira denúncia deste tipo de crime ocorreu
em maio de 2009, quando o MPF pediu a abertura de ação penal contra dois ex-executivos
da Sadia e um ex-executivo do banco ABN-Amro que lucraram na Bolsa de Valores de
Nova York mediante o uso de informações obtidas em São Paulo relativas à oferta da Sadia
pelo controle acionário da concorrente Perdigão, em julho de 2006. Este caso será melhor
abordado no próximo capitulo.
De acordo com Alexandre Pinheiro dos Santos, ex procurador-chefe da Procuradoria
Federal Especializada junto à Comissão de Valores Mobiliários, por meio de seu excelente
artigo escrito na Revista Consultor Jurídico, em 15 de dezembro de 2009, estas são as
seguintes as principais características do delito de insider trading14
:
Objeto: a credibilidade, a estabilidade e o regular funcionamento do mercado mobiliário,
assim como a atuação regulatória e fiscalizatória da Comissão de Valores Mobiliários -
CVM;
Sujeito ativo: quem, em razão do seu ofício, tem acesso a informações privilegiadas (ex:
administrador de companhia aberta). Este poderia ser classificado em :
14
http://www.conjur.com.br/2009-dez-15/prevencao-combate-crime-insider-trading-sao-essenciais: acesso em
31.10.2011
1-Insider primário : Pessoa obrigada a guardar sigilo (administradores, profissional com
dever de confidencialidade), sendo apenados criminalmente pelo art 27-D da Lei 6385/76 e
administrativamente pela Instrução CVM 358/02, art. 8º; e
2- Insider secundário: É aquele que recebe a informação privilegiada dentro de uma
relação de confidencialidade, mas que não está obrigado ao dever do sigilo. È apenado
administrativamente com base na Instrução CVM 358/02 – art. 13 – §1º.
Sujeito passivo: titulares de valores mobiliários, investidores, companhia, CVM e a
sociedade como um todo;
Conduta típica: utilizar (fazer uso), de qualquer modo, da informação relevante;
Elemento subjetivo: o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de utilizar a informação
relevante;
Momento consumativo: o da efetiva utilização da informação relevante, eis que se trata de
crime formal e de perigo abstrato, ou seja, que não exige a obtenção da vantagem almejada
pelo agente, sendo suficiente, para a sua configuração, a evidente potencialidade lesiva do
ilícito;
Ação penal: pública incondicionada, ou seja, trata-se de ação cujo titular é o Ministério
Público; e
Competência: Justiça Federal, por se tratar de crime contra um dos segmentos do sistema
financeiro nacional (mercado de capitais), com potencial caráter transnacional e que viola
os interesses institucionais do órgão regulador e fiscalizador do mercado mobiliário
brasileiro, a autarquia federal em regime especial CVM.
Antes do advento desse dispositivo legal supramencionado, o insider trading não era objeto
específico de crime algum capitulado no Código Penal, e sequer na Lei nº 1.521, de
26.12.51 (crimes contra a economia popular). De acordo com o Código Penal Brasileiro,
para que se caracterizasse o ilícito penal, far-se-ia necessária a existência do dolo, da má
intenção, da consciência que possui o agente de que, com seu ato criminoso, estaria se
locupletando ilicitamente do patrimônio da vítima, despojando-a de seus haveres,
empobrecendo-a.
Em relação aos crimes envolvendo negócios com ações, temos, no art. 174, do Código
Penal, o induzimento à especulação e, no art. 177, § 1º, inciso II e VIII, a manipulação
fraudulenta, praticada por diretores, gerentes, fiscais ou liquidantes de companhias. Na lei
que dispõe sobre crimes contra a economia popular, nº 1.521/51, no seu art. 2º, inciso IX, é
capitulada como crime a tentativa ou a obtenção de ganhos ilícitos em detrimento do povo
ou de número indeterminado de pessoas, mediante especulação, não havendo referência
especial à especulação com ações e, no inciso VI e VII do art. 3º, verificando-se,
igualmente definido como crime, o ato de provocar altas e baixas de preços de valores por
meio de notícias falsas (falsidade das cotações – manipulações), ou o ato de dar indicações
ou fazer afirmações falsas em prospectos para o fim de substituição, compra ou venda de
títulos, ações ou quotas.
Do exposto, verifica-se que foram tipificados os crimes referentes à especulação e
manipulação.. A despeito da quase total ausência de análise da tipificação penal do "insider
trading", intentava-se configurá-lo como estelionato, nos moldes do art. 171 do Código
Penal, que dispõe ser crime o "ato de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em
prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou
qualquer outro meio fraudulento".
5- DAS PROVAS EM RELAÇÃO AO "INSIDER TRADING"
Tudo o que até aqui foi exposto não surtiria qualquer efeito prático se não se pudesse
legalmente provar a ocorrência do insider trading. Quanto à admissão de provas no curso
do inquérito e processo administrativo instaurado pela CVM, esclarece-se que serão aceitas
todas as provas admitidas em direito (art. 12 da Res. 454/77 – BACEN).
As características do insider trading nos levam a crer que, em matéria de comprovar sua
ocorrência, as presunções desempenharão relevante papel. É nesse momento, como adverte
Moacyr Amaral Santos, em "Prova Judiciária no Cível e no Comercial", que se manifesta a
importância das presunções, quando se trata de provar estados de espírito e intenções nem
sempre claras e não raramente suspeitas, ocultas nos negócios jurídicos.
No que tocam às presunções, no Direito Penal, poderia haver presunção juris tantum de
elementos do tipo (ex. violência, art. 224 CP), mas não de culpabilidade , posto haver uma
presunção de inocência. O mesmo não ocorre no Direito Civil, o qual abarca uma
presunção juris tantum de culpabilidade. Em esfera administrativa, pelo Processo
Administrativo Sancionador , aplicar-se-iam os princípios norteadores do Direito Penal.
Muito se tem discutido sobre a influência recíproca das jurisdições civil, penal e
administrativa.
No que tange à jurisdição administrativa, inquérito e processo administrativo CVM, a
última, embora de categoria diversa das civil e penal, tem plena liberdade em relação
àquelas.
A instância administrativa pode aceitar fatos e circunstâncias apurados em outra jurisdição,
mas dar-lhes a sua própria interpretação. É lhe vedado, no entanto, declarar existentes fatos
negados em outras jurisdições, ou penalizar quem foi declarado estranho ao fato. Nada
impede, no entanto, que, na esfera de sua competência, decida no âmbito restrito de suas
atribuições. Suas decisões não são definitivas, pelo art. 153, § 4º, da Constituição Federal, o
que quer dizer que, embora finais e irrecorríveis na área administrativa, são passíveis de
contestação na esfera judicial.
No insider trading, onde se verifica uma omissão dolosa, o convencimento do juiz, na
maior parte das vezes, será feito com base em indícios, que terão como conseqüência
presunções, ou talvez até mesmo através de normas da experiência comum, subministradas
pela observação do que ordinariamente acontece (prova baseada na experiência –
denominada prova "prima facie").
Três dispositivos do Código de Processo Civil nos autorizam este entendimento. O
primeiro, art. 131, estabelece que o juiz aprecie livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes. O segundo, art.
332, admite como hábeis para provar a verdade dos fatos todos os meios legais, bem
como os moralmente legítimos. E o terceiro, art. 335, dispõe que, em falta de normas
jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras da experiência comum subministradas pela
observação do que ordinariamente acontece.
O Código Civil de 2002, ao contrário do antigo, não dispôs expressamente que os atos de
má fé poderão ser provados por presunção. A presunção não é prova no sentido estrito, e
sim uma conclusão do juiz que, pelos dispositivos citados, é plenamente autorizada.
Pontes de Miranda assim define “presunção”: "É a experiência dele, do juiz, derivada do
que sabe sobre as coisas, das suas relações e coexistência, ou da localização que as
estabelece". Em razão disso, é irrelevante o fato do novo Código de Processo Civil não se
ter referido à presunção como prova de atos dolosos.
Tem sido objeto de preocupação de diversos autores a distinção entre indícios e presunções.
Uns acreditam expressões sinônimas. Outros entendem que a primeira é usada em Direito
Penal e a segunda no Direito Civil.
Parece-nos acertado concluir que indícios são fatos, acertos isoladamente despidos de valor,
mas quando analisados em conjunto com outros fatos, conduzem a conclusões.
Já a presunção parte de um indício, um fato certo, sendo o juízo formado por um ou vários
indícios, em relação a um fato certo. Em resumo, presunções são conseqüências deduzidas
de um fato conhecido (indício) para chegar a um fato desconhecido.
Havendo mais de uma presunção, visto que não é o número, mas a qualidade e o peso das
presunções que criam a convicção, poderia o juiz, baseado em uma só presunção, concluir
pelo fato que se pretende provar.
A falta de indícios, ou mesmo a dificuldade em estabelecer o nexo causal entre o dano e a
culpa do agente, por sua vez, não impede que se faça justiça. A lei expressamente autorizou
o juiz a decidir com base na experiência.
Não cremos, porém, que seja necessário o uso de presunção fundada na experiência, em
casos de "insider trading", visto que nesta hipótese há sempre indícios. Estes seriam, por
exemplo, a constatação de compras e vendas de ações de determinada empresa efetuados
imediatamente antes da revelação de um fato relevante da sociedade, por pessoas a ela
vinculadas, ou vinculadas a estas. Deste indício, que é um fato certo, o juiz concluirá, por
presunção, que houve um ato ilícito. Neste diapasão, o juízo formado a respeito do "insider
trading" será, na maior parte das vezes, extraído de presunções, já que a presunção é a
prova característica dos atos dolosos, fraudulentos, simulados e de má-fé em geral.
De toda a sorte, no âmbito dos administradores de carteira, existe o que se convencionou
chamar Chinese Wall (art 15 da Instrução CVM 306/99, alterada pelas Instruções CVM
364/02, 448/07 e 450/07), leia-se, um conjunto de regras, as quais pressupõem a (i)
existência de políticas e manuais; (ii) supervisão efetiva das comunicações entre áreas
“públicas” e “privadas” (sensíveis); (iii) efetivo monitoramento de operações dos
empregados e clientes; (iv) a utilização de listas restritivas (watch and restricted lists) e (v)
treinamento.
PROENÇA identificou, até o ano de 2000, os seguintes processos administrativos
sancionadores julgados pela CVM atinentes ao tema Insider Trading:
01/78;02/79;03/79;14/80;29/82;03/83;05/83;22/83;24/83;02/85;04/85;04/86;14/88;28/88;07
/91;09/92;31/93;18/96;22/99 e 13/00;32/0015
.
Seguem, ainda, outros Processos Administrativos Sancionadores mais recentes:
- Relacionados à Chinese Wall
PAS 06/2003 - julgado pela CVM em 14/09/2005
PAS 18/01 - julgado pela CVM em 04/11/2004
15
BARBOSA, Marcelo;BARROS, Octavio Fragata, BRICK, Bruna Zoghbi, CAMPINHO, Bernardo Capela,
Direito Societário e Mercado de Capitais, turma 2, vol 2, Editora FGV, Rio de Janeiro, pg 77
• Materialidade da infração - (des)necessidade de prejuízo
PAS 22/04 - julgado pela CVM em 20/06/2007
PAS 04/04 - julgado pela CVM em 28/06/2006
PAS 017/2002 - julgado pela CVM em 25/10/2005
PAS RJ2003/05627 - julgado em CVM 28/01/2005
• Presunção de culpa (presunção juris tantum)
PAS RJ2003/5669 - julgado pela CVM em 11/07/2006
PAS 04/04 - julgado pela CVM em 28/06/2006
PAS SP 2005/0155 - julgado pela CVM em 21/08/2007
PAS 12/2000 - julgado pela CVM em 17/04/2002
Além desses, merecem destaque outros mais recentes: Processos Administrativos
2006/8205. 2001/4652, 2002/2259 e 07/2007.
O caso de absolvição do Credit Suisse, tem sido, hodiernamente, o caso mais polêmico e
conhecido acerca deste tema do Insider Trading. A Comissão de Valores Mobiliários
absolveu o Credit Suisse Securities da acusação de uso de informação privilegiada na
operação com units - que representam ações - da Terna Participações. O Credit Suisse
prestou consultoria à Terna na operação societária de venda do controle acionário. A
divulgação em fato relevante da venda do controle foi feita no dia 23 de abril de 2009. No
dia anterior, o Credit Suisse negociou units de emissão da companhia. Por isso, a CVM
investigou a possibilidade de insider trading na negociação. No entanto, o Credit Suisse
explicou que a operação foi de pequeno porte, apenas para dar liquidez à operação de um
cliente que havia colocado à venda um lote de 35.500 units. Para o fechamento da
operação, faltavam 2.800 units. Foi alegado que as units adquiridas foram revendidas a
preços de mercado no mesmo dia, sendo que o Credit Suisse USA sofreu pequeno prejuízo
com a operação. 16
Seguem os trechos mais importantes do extrato da sessão de julgamento do processo
administrativo sancionador CVM Nº RJ2010/4206:
Acusado: Credit Suisse Securities (USA) LLC
Ementa: Eventual irregularidade na negociação com units da Terna Participações S/A, em
suposta infração ao art. 13 da Instrução CVM nº 358/02.
16
Notícia de 23 de agosto de 2011 vista no site do Valor Online
Absolvição.
Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos, o Colegiado da Comissão de Valores
Mobiliários, com base na prova dos autos, por unanimidade de votos, decidiu absolver o
Credit Suisse Securities (USA) LLC da acusação formulada de suposta infração ao art.13 da
Instrução CVM nº 358/02, por não ter restado provada efetiva violação do disposto no art.
13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02.
Assunto: Apurar eventual irregularidade na negociação com units da Terna Participações
S.A., em suposta infração ao artigo 13 da Instrução CVM nº 358/02
Diretor-Relator: Alexsandro Broedel Lopes
R e l a t ó r i o
1. No relatório de análise GMA-1/nº 37/09, de 04/12/09, preparado pela Gerência de
Acompanhamento de Mercado 1 ("GMA1") para o Processo Administrativo
Sancionador CVM nº RJ2009/13459, apurou-se que o Credit Suisse Securities
(USA) LLC ("Credit Suisse USA") prestou consultoria à Terna Participações S.A
("Terna"), inclusive com a elaboração de uma fairness opinion, com relação à
operação societária de venda do controle da Terna.
2. Considerando, ainda, que a operação de venda de controle da Terna foi divulgada
em fato relevante de 23/04/09 e que o Credit Suisse USA negociou units de emissão
da Terna no dia anterior, em 22/04/09, o relatório da GMA, 1 vislumbrou possível
infração ao disposto no art.13 da Instrução CVM nº 358/02, pois a referida
negociação teria ocorrido em período de vedação (fls. 21 e 22).
3. Ainda que não tenha verificado "indícios significativos de insider trading" nos
negócios realizados, em vista do "volume relativamente pequeno" envolvido, a
GMA1 sugeriu que a Superintendência de Relações com Empresas ("SEP")
averiguasse a atuação do Credit Suisse USA "pelo fato de a instituição ter
participado diretamente nas negociações que culminaram na venda do controle da
Terna Participações" (fls. 06).
4. Instado a apresentar manifestação prévia, o Credit Suisse USA informou que:
a. Foi o Credit Suisse (Europe) Limited, com sede em Londres, que foi
contratado pela Terna para a emissão de uma fairness opinion, e não o
Credit Suisse USA;
b. Alguns funcionários de investment banking do Credit Suisse USA "foram
envolvidos em discussões a respeito da transação pretendida" pela Terna;
c. No dia 22/04/09, um cliente do departamento de corretagem do Credit
Suisse USA havia colocado um lote de 35.500 units da Terna para venda na
Bolsa de São Paulo, sendo que restavam 2.800 para que a ordem fosse
fechada. Por razões comerciais, devido ao seu relacionamento com o cliente,
o Credit Suisse USA decidiu adquirir as referidas units, de forma a propiciar
liquidez a seu cliente e o fechamento da ordem. As units adquiridas foram
revendidas a preços de mercado no mesmo dia, sendo que o Credit Suisse
USA sofreu pequeno prejuízo com a operação."
5. Em 14/04/10, a SEP preparou Termo de Acusação, em face do Credit Suisse USA,
sob os seguintes fundamentos:
a. Segundo o art.13 da Instrução CVM nº 358/02, é vedada a negociação com
ações de emissão da companhia por quem tenha conhecimento de
informação referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata de
informação ainda não divulgada ao mercado. E, de acordo com o parágrafo
1º do artigo 13 citado, essa mesma vedação aplica-se àqueles que tenham
relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia;
b. A despeito dos argumentos apresentados pelo Credit Suisse USA, não há na
legislação e/ou regulamentação vigentes nenhum dispositivo que dispense o
cumprimento do referido art.13, parágrafo 1º, da Instrução CVM nº 358/02.
Assim, o Credit Suisse USA teria descumprido o referido dispositivo, ao
negociar com as units da Terna em 22/04/09, antes da divulgação do fato
relevante de 23/04/09, que anunciou a operação societária na Terna para
qual o Credit Suisse USA teria prestado serviços de consultoria;
c. O volume envolvido na operação realizada "corresponde a cerca de R$
80.696,00".
6. Em 09/08/10, o Credit Suisse USA apresentou sua defesa, sob os seguintes
fundamentos, resumidamente:
a. A SEP não provou que o acusado teve acesso à informação privilegiada, já
que "não foram realizadas investigações para averiguar quais informações os
funcionários do Credit Suisse USA tiveram acesso ao participar da
elaboração da fairness opinion da Terna, para quem eventualmente tê-las-
iam transmitido, quem teria transmitido a ordem de negociação e, mais
importante ainda, se quem efetivamente tomou a decisão da negociação de
units da Terna possuía informação privilegiada". Os funcionários do Credit
Suisse USA, que foram emprestados do seu departamento de investment
banking para auxiliar o Credit Suisse Europe na elaboração da fairness
opinion, não foram responsáveis pelos negócios com as units da Terna,
tampouco participavam da área responsável pela decisão desses negócios –
essa decisão teria sido tomada pela mesa de corretagem do Credit Suisse
USA;
b. No caso, não foi realizado nenhum processo investigatório, de forma que a
acusação pautou-se apenas em suposições. Fez-se uma suposição não
autorizada de que dois funcionários emprestados pelo Credit Suisse USA
teriam tido acesso à informação privilegiada e a transmitido aos
responsáveis pelas operações. Na verdade, haveria contraindícios de que a
operação foi realizada irregularmente: (i) os funcionários que tiveram acesso
à suposta informação privilegiada não fazem parte da área do Credit Suisse
USA que autorizou a negociação com as units da Terna; (ii) a negociação foi
realizada para dar liquidez a um cliente, motivo que não se relaciona com a
suposta detenção de informação privilegiada; (iii) a negociação resultou
prejuízo ao acusado; (iv) a própria acusação reconhece que a negociação não
tinha a finalidade de obtenção de vantagem indevida;
c. O disposto no artigo 13, parágrafo 1º, da Instrução CVM nº 358/02 depende
da verificação da culpabilidade do agente, não se tratando de uma vedação
absoluta, que não admite exceção ou prova em contrário. Assim, mesmo não
constando de forma expressa na norma a necessidade de verificação da
intenção do agente, ela não pode ser desconsiderada, pois sua análise é
inerente a todo ilícito administrativo. É preciso avaliar se a operação se
reveste de fundamentação econômica ou outra motivação forte que, ao final,
elida a infração prevista;
d. Deve-se, ainda, verificar se houve finalidade de obter vantagem com a
utilização da informação privilegiada, sendo este o elemento subjetivo do
tipo previsto no art.13 da Instrução CVM nº 358/02. Assim, quando não há
finalidade de auferir vantagem com a negociação, a conduta não é irregular;
e. Interpretar o dispositivo em questão de maneira diferente seria admitir que a
função normativa da CVM teria sido conduzida de forma irregular, ao editar
a Instrução CVM nº 358/02, pois ter-se-ia excluído a "finalidade de auferir
vantagem" contida como elemento do tipo legal de insider trading,
expressamente previsto no art.155, parágrafo 4º, da Lei nº 6.404/76;
f. A conduta do Credit Suisse USA não se coaduna com a do comportamento
que um insider teria se detivesse a informação privilegiada, que, no caso,
manteria os papeis em carteira até a concretização do leilão de oferta
pública. Ademais, o momento da negociação não foi definido pelo acusado,
mas por seu cliente;
g. De todo modo, independentemente de todos os argumentos anteriormente
expostos, não há que se falar em informação privilegiada, já que a
informação tida por sigilosa já circulava no mercado com grau mínimo de
robustez. Houve vazamento da informação, pois o presidente da Terna
S.P.A., em um roadshow realizado sobre o plano de negócios de 2009-2013,
tratou do assunto da potencial venda da participação da Terna, sua
controlada.
É o relatório.
Alexsandro Broedel Lopes
Diretor-relator
V o t o
01. Ao analisar a peça acusatória e a defesa, noto que a controvérsia central versa sobre a
interpretação da norma supostamente infringida, a saber, o art.13, da Instrução CVM nº
358/02.
2. Conforme a acusação, não há nada que dispense o cumprimento do referido art.13 e
seu parágrafo 1º, razão pela qual seriam irrelevantes os motivos que levaram o
Credit Suisse USA a negociar units da Terna no período vedado.
3. Já para a defesa, a acusação, assim agindo, deixou de avaliar a "finalidade de auferir
vantagem" com a informação privilegiada, como sendo o elemento subjetivo da
vedação prevista no art.13 da Instrução CVM nº 358/02 – elemento este presente,
expressamente, no art.155, parágrafo 4º, da Lei nº 6.404/76, que trata de insider
trading, praticado por insider de mercado ou secundário.
4. Conforme a defesa, dispensar o elemento subjetivo "finalidade de auferir
vantagem", na interpretação do art.13 citado, seria o mesmo que admitir que a
CVM, ao editar a Instrução CVM nº 358/02, teria extrapolado a sua função
normativa.
5. Buscando doutrina sobre o tema, Marcelo Fernandez Trindade, em artigo publicado
recentemente, discorreu justamente acerca dessa controvérsia na interpretação do
art. 13 da Instrução CVM nº 358/02, como se vê:
"A regulamentação da CVM, ciente da dificuldade de provar de maneira definitiva
tal motivação de auferir vantagem, inverteu o ônus da prova em certas situações de
atuação de insiders primários ou equiparados, através da criação de presunções.
(...)
A CVM, na forma do art. 8º, I, da Lei 6.385/1976, tem o poder de ‘regulamentar
(...) as matérias expressamente previstas nesta lei e na Lei de Sociedade por Ações’,
mas não tem o poder de proibir previamente negociações que sejam inerentes a
operações realizadas no mercado. E por isso mesmo não o fez, limitando-se,
corretamente, a estabelecer presunções iuris tantum, que comportam prova em
contrário, e atingindo apenas agentes que tenham induvidoso acesso à informação,
com a ciência de seu caráter privilegiado – como são chamados insiders primários
e os demais agentes a ele equiparados".
6. Assim, não houve ilegalidade ou extrapolação de limites por parte da CVM ao
deixar de inserir o elemento subjetivo "finalidade de auferir vantagem" na edição do
art.13 da Instrução CVM nº 358/02, ainda que esse elemento esteja, expressamente,
previsto no art.155 e parágrafos da Lei das S/A, ao dispor sobre insider trading. A
CVM poderia suprimir esse elemento subjetivo, com a inclusão, em sua norma, de
uma presunção relativa, com o objetivo precípuo de, no caso de insiders primários
ou equiparados, mitigar o seu ônus probatório.
7. A CVM deve exercer as suas atribuições para o fim de "assegurar o funcionamento
eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão" e "proteger os titulares de
valores mobiliários e os investidores do mercado contra o uso de informação
relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários", entre outras (artigo 4º
e incisos, da Lei nº 6.385/76). Disso decorre a total competência da CVM para
vedar determinadas operações no mercado, em determinadas condições, podendo,
para tanto, definir "as espécies de operação autorizadas na bolsa e no mercado de
balcão; e métodos e práticas que devem ser observados no mercado" (art.18, inciso
II, alínea ‘a’, da Lei nº 6.385/76).
8. E é exatamente esse o objetivo da Instrução CVM nº 358/02: trata-se de norma que
visa a manter a higidez e a confiança do mercado, vedando a possibilidade de
negócios por aqueles que detêm, antecipadamente, informação relativa a ato ou fato
relevante.
9. A meu ver, portanto, não há que se discutir acerca da legalidade da vedação contida
no art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02. Mas isso não significa que a
acusação esteja desincumbida de, em cada caso, comprovar o seu descumprimento,
ainda que mediante a utilização de prova indiciária. A defesa, por sua vez, sempre
poderá apresentar todas as provas cabíveis para demonstrar que não houve o
descumprimento da norma. Isso é evidente, pois decorre dos princípios do
contraditório e da ampla defesa, que norteiam todo e qualquer processo
administrativo.
10. Tanto que o próprio art.13 da Instrução CVM nº 358/02, em seus parágrafos 6º e 7º,
dispõe sobre exceções à vedação: (i) quando se tratar de negócios atrelados ao
cumprimento de plano de outorga de opção de compra de ações; e (ii) com relação a
negócios realizados de acordo com política de negociação da companhia. Nesses
casos, ainda que a CVM apure, a priori, eventual infração ao disposto no caput do
art.13, a defesa facilmente demonstrará que as negociações não eram irregulares,
trazendo aos autos o plano de opções ou a política de negociação da companhia que,
conforme o caso, facultam a negociação de ações no período vedado.
11. Em suma, o art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02 tratam de legítima
vedação normativa à negociação de ações, por determinadas pessoas e em
determinadas condições.
12. Pois bem, analisando o caso concreto, verifico que a defesa não contesta que a
negociação de units da Terna ocorreu um dia antes da publicação de fato relevante,
que divulgou informações sobre operação societária para a qual funcionários do
acusado teriam emitido uma fairness opinion. Trata-se, portanto, de fato
incontroverso, que indica aparente infração à norma apontada, razão pela qual
rejeito, desde logo, os argumentos da defesa no sentido de que a acusação não
realizou processo investigatório e pautou-se apenas em suposições.
13. Ainda de acordo com a defesa, o Credit Suisse USA teria negociado units da Terna,
durante o período vedado, para "dar liquidez a um cliente, o qual necessitava de
uma pequena quantidade de units para completar sua transação".
14. Em continuidade, afirma a defesa que: "essa negociação ter ocorrido na véspera da
divulgação do fato relevante não passa de mera coincidência, e como tal deve ser
aceita, sem conseqüências para o Defendente", que não deve ser responsabilizado,
"(...) seja porque o momento da negociação foi definido por uma necessidade de um
cliente; (...) seja porque a negociação não se coaduna com o comportamento de um
insider que detivesse informação privilegiada".
15. Conforme a defesa, portanto, o Credit Suisse USA não tinha a intenção de negociar
as units da Terna e, tampouco, de obter vantagem com essa negociação. O fez
apenas para atender as necessidades de um cliente.
16. Nesse sentido, ainda que inicialmente tenham sido trazidos só argumentos,
desacompanhados de qualquer prova, foi posteriormente protocolizado pela defesa
um expediente confidencial que confirma, com suficientes elementos objetivos, a
verossimilhança das alegações trazidas acerca das operações realizadas para atender
às demandas do supracitado cliente.
17. A análise do expediente acima, em conjunto com alguns contra-indícios fáticos,
opera a favor do acusado. De fato, ao analisar os negócios realizados, chama a
atenção, de pronto, o baixo volume operado – notadamente se considerarmos o
porte e a natureza da atividade desempenhada pelo acusado. Nota-se, ainda, que a
compra e venda das units da Terna foram realizadas no mesmo dia (day trade),
tendo, ao final, acarretado prejuízos para o acusado. E, principalmente, observo que
tudo ocorreu antes da divulgação do fato relevante.
18. Entendo, assim, que os elementos probatórios acima são suficientes para, no caso
concreto, desconstituir a base da acusação formulada e concluir que não restou
provada efetiva violação do disposto no art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº
358/02 pelo acusado, razão pela qual voto pela sua absolvição.
É como voto.
Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2011.
Alexsandro Broedel Lopes
Diretor-relator
Declaração de voto da Diretora Luciana Pires Dias na Sessão de Julgamento do
Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2010/4206 realizada no dia 23 de
agosto de 2011.
Senhora presidente, eu acompanho o voto do Relator.
Luciana Pires Dias
DIRETORA
Declaração de voto do Diretor Otavio Yazbek na Sessão de Julgamento do Processo
Administrativo Sancionador CVM nº RJ2010/4206 realizada no dia 23 de agosto de
2011.
Senhora Presidente, o presente caso suscita algumas importantes questões acerca
da estrutura das funções do art. 13 da Instrução CVM nº 358/2002. Parece-me óbvio que
também no §1º do referido dispositivo se está lidando com uma vedação à negociação,
aplicada aos chamados insiders secundários. Essa vedação, porém, deve ser lida de maneira
distinta daquela contida no caput, que se destina aos insiders primários.
Tais vedações partem, de um modo geral, da pressuposição de que as pessoas
relacionadas no caput do §1º, em razão do acesso que dispõem a certas informações, devem
ser, de início, tidas como insiders.
No caso do §1º, porém, a própria natureza dos agentes ali referidos faz com que
tal presunção deva ser considerada uma presunção juris tantum, sendo assim, passível de
afastamento.
Quando aquele dispositivo fala em "quem quer que tenha conhecimento de
informação, referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata de informação ainda não
divulgada ao mercado, em especial "aqueles que tenham relação comercial, profissional ou
de confiança com a companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores
mobiliários, consultores, instituições integrantes de sistema de distribuição, aos quais
compete verificar a divulgação da informação antes de negociar com valores mobiliários de
emissão da companhia ou a eles referenciados", está se referindo a personagens muito
distintos, que atuam no mercado de maneira diversa, que se organizam internamente de
maneira diversa e que são expostos à informação de maneira diversa.
Isso, para mim, demonstra que, na sua origem, a vedação constante do §1º talvez
corresponda, antes de mais nada, a uma estratégia regulatória necessária ante as
dificuldades com que, geralmente, o regulador se depara em casos de insider trading. É
impedimento porque essa é a forma que, juridicamente, melhor se coaduna às necessidades
desta Autarquia, mas a aplicação da norma exige cuidados que não são demandados para
aqueles agentes referidos no caput, ao menos não na mesma extensão, isso sob pena de se
produzirem efeitos indesejados, que, ao mesmo tempo em que restringem a atuação
legítima no mercado, nada mais têm a ver com a coibição das práticas que originariamente
a norma procurava coibir. Daí decorre que não há como afastar as peculiaridades do caso
concreto na análise do descumprimento do §1º do art. 13.
Em razão de tal análise, parece-me que, no presente caso, pela natureza da
acusada e dos serviços que ela tipicamente presta, pela sua estrutura organizacional, pela
análise dos resultados auferidos, impõe-se a absolvição.
Por esse motivo eu acompanho o voto do diretor-relator nas suas conclusões.
Otavio Yazbek
DIRETOR
Declaração de voto da Presidente da CVM, Maria Helena dos Santos Fernandes de
Santana, na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº
RJ2010/4206 realizada no dia 23 de agosto de 2011.
Eu também acompanho o voto do Relator e proclamo o resultado do julgamento, em que o
Colegiado desta Comissão, por unanimidade de votos, decidiu absolver o Credit Suisse
Securities da acusação formulada e encerro a sessão, informando que a CVM interporá
recurso de ofício ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.
Maria Helena dos Santos Fernandes de Santana
PRESIDENTE
6 – DA LEGISLAÇÃO NORTE-AMERICANA: ESTUDO DE DIREITO
COMPARADO
O sistema da legislação federal norte-americana sobre securities é e continua sendo a fonte
inspiradora para o Brasil e para uma série de outros países. Tendo em vista que o Insider
trading compromete a confiança dos investidores na justiça e a integridade dos mercados
de valores mobiliários, a SEC tem tratado a detecção e a repressão de violações de insider
trading como uma de suas prioridades. É justamente nos EUA que vem ocorrendo o maior
número de casos julgados envolvendo a questão de responsabilidade dos insiders. Ademais,
a Securities and Exchange Commission -SEC, autoridade administrativa encarregada de
fiscalizar o mercado acionário norte-americano, vem realizando esforços na repressão
do insider trading.
Nos Estados Unidos, a primeira regulamentação que abordou o tema do insider foi a
Securities Act 34, em sua seção 16 A, ao prever as anti-fraud provisions. Foi seguida pela
regra 10b5.
A Seção 16 a) reza a obrigação para os administradores, diretores e quaisquer pessoas que
detenham, direta ou indiretamente, mais de 10% de ações de uma companhia com títulos
publicamente negociados, de remeter à SEC relatórios mensais, indicando qualquer
modificação no número de ações que possuem naquela companhia.
Ademais, a Seção 16 b) dispõe que qualquer das pessoas acima elencadas deve devolver à
companhia qualquer lucro obtido nas operações de compra e venda ou venda e compra de
ações da mesma companhia dentro de um período de seis meses. Em suma, o insider não
pode comprar e vender em intervalo de tempo inferior a seis meses.
Francisco Mussnich, em seu brilhante artigo publicado na Revista de Direito Mercantil n°
3417
, ensina-nos que :
A seção 16-b), comumente conhecida como Rule of
Thumb ou short- swing profit prohibition provision,
estabelece uma presunção de utilização desleal de
informações privilegiadas, se preenchidas certas
condições, desprezadas as intenções ou expectativas das
pessoas envolvidas. A seção estabelece a
responsabilidade por ato ilícito dos administradores
(conselheiros ou diretores) ou controladores diretos ou
indiretos de mais de 10% de qualquer classe de valor
mobiliário registrado de acordo com a seção 12 do
referido act, obrigando essas pessoas a reembolsarem à
empresa todo e qualquer lucro realizado na compra e
venda ou venda e compra de qualquer valor mobiliário
desta empresa, caso tenham sido realizadas em um
período inferior a seis meses.
Ressalte-se haver uma presunção jure et de jure no que toca a estas operações terem sido
efetuadas de boa fé. Embora não soasse estranho e tampouco inédito que o agente insider
pudesse estender suas operações por um período superior aos seis meses permitido pelo act,
este prazo teve de ser aceito como um ato definitivo.
A competência para a aplicação do act é da Justiça Federal e os réus podem ser citados em
qualquer parte do mundo.
Mais adiante, o brilhante autor e professor prossegue:
A execução judicial da seção 16-b) é efetuada através de ação
judicial de responsabilidade proposta contra os violadores da
norma jurídica , pela empresa dos valores mobiliários , ou, na
hipótese de sua recusa ou impossibilidade, decorrido o prazo
de 60 dias após a solicitação para a propositura da referida
ação ou ainda no caso de um acionista controlador (hipótese
em que é desnecessária qualquer solicitação para a
propositura da ação) pelos acionistas da Companhia
emissora, na qualidade de seus substitutos processuais.
17
MUSSNICH, Francisco Maciel Antunes, A Utilização desleal de informações privilegiadas- Insider
Trading- no Brasil e nos Estados Unidos, Revista de Direito Mercantil n° 34, , São Paulo, Malheiros, 1979, pg
35
O prazo de prescrição para a propositura da ação é de dois
anos , contados da data em que o lucro foi realizado, não
correndo , entretanto, a partir desta data, caso os violadores
da norma não tenham notificado a Securities Exchange
Comission da ocorrência da operação.
Cumpre salientar que a SEC obriga os administradores a notificar-lhe a quantidade de ações
possuídas pela empresa seis meses antes de sua investidura no cargo de administrador e até
seis meses após seu desligamento da empresa. Agindo assim, busca tal autarquia aumentar
as possibilidades de insider previstas na seção 16-b.
No caso Blau v. Lehman18
, a Suprema Corte Americana reconheceu a possibilidade de
existir uma relação contratual (conhecida como agency) a qual no direito brasileiro
assemelhar-se-ia a mandato, entendendo que o conceito de “administrador” poderia ser
estendido, pois, não somente aos administradores do Conselho de Administração e/ou da
Diretoria da Companhia.
Ademais da definição de “administrador”, o controlador direto ou indireto, isto é, aquele
que detenha mais de 10% dos valores mobiliários de determinada Companhia, pode ser
considerado um insider trading. Houve um caso emblemático19
em que a esposa de um
administrador foi considerada uma das controladoras indiretas das ações de seu marido,
tendo sido, conseqüentemente, punida com base nesse dispositivo 16-b.Nesta decisão, o
Tribunal Norte-Americano examinou o conceito de controlador direto e indireto e o
ampliou. Se os frutos da propriedade de determinados valores mobiliários de uma dada
companhia são gozadas por ambos os cônjuges, com o resultado dos dividendos, dos
ganhos de capital na alienação das ações e no caso de disposição das mesmas em caso de
doação ou herança, parece justo aos olhos da SEC e da Corte de Justiça Norte Americana
que ambos os cônjuges sejam apenados.
No entanto, tanto a SEC como os Tribunais reconhecem que as transações do controlador
direto ou indireto só seriam atingidas pela seção 16-b se a quantidade de valores
18
Ver Blau v. Lehman, 368, US, 403, (1962)
19
Vide caso Whiting v. Dow Chemical Company, 523,F.2ed, 680 (2nd
Cir, 1975)
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  • 1. INSIDER TRADING: O DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE LEALDADE PELO USO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS MARCELLA BLOK ADVOGADA. PÓS GRADUADA EM DIREITO EMPRESARIAL COM ÊNFASE EM SOCIETÁRIO E MERCADO DE CAPITAIS- FGV-RIO. PÓS GRADUADA EM ADVOCACIA EMPRESARIAL- UGF-RIO. SÓCIA DA MBLAW CONSULTORIA JURÍDICA EMPRESARIAL. WWW.MBLAW.COM.BR Av. Delfim Moreira, 570, apt 201 Leblon CEP 22441-000 Rio De Janeiro -RJ Resumo: Insider trading é a negociação de valores mobiliários de certa companhia motivada pelo conhecimento de uma informação que ainda não é de conhecimento do público e é utilizada de forma ilícita por um individuom – Insider- que teve acesso à determinada informação sgilosa e buscou obter vantagem com a mesma por meio de da compra de um significativo número de ações, visando vendê-las a posteriori, após a divulgação da informação outrora confidencial. Essa prática vem sido combatida em dezenas de países e vem recebendo uma atenção especial por parte da CVM e dos demais órgãos fiscalizadores, bem como pela legislação societária e do mercado de capitais, tendo sido cofigurada como crime – ilicito penal por meio do art 27-D da Lei 6385/76. O caso Sadia Perdigão foi o primeiro no qual os executivos da Sadia foram tipificados pelo dispositivo legal supracitado, tendo sido exemplarmente punidos. Palavras Chave: Insider Trading- descumprimento – dever de lealdade -informações privilegiadas
  • 2. Abstract: Insider TRADING is the negotiation of securities of certain company motivated for the knowledge of an information that not yet is of knowledge of the public and is used of illicit form for one person - Insider- that had access to the determined confidential information and searched to get advantage with the same one by means of the purchase of a significant number of securities aiming at to vender them a posteriori, after the spreading of the long ago confidential information. This practical comes been fought in several countries and comes receiving a special attention on the part from the CVM and from superintended agencies, as well as for the corporate and stock market laws, having been typified as crime - illicit criminal by means of art 27-D of Law 6385/76. The leading case Sadia- Perdigão was the first one in which the executives of Sadia had been typified by the above-mentioned legal device, having been exemplarily punished. Key words: Insider Trading- breach – loyalty duty- confidential information ÍNDICE 1- Introdução.2- Conceito de Insider Trading.3- Legislação pertinente .4- Consequências do Insider, suas responsabilidades e suas penalizações. 5- Das Provas.6- Da legislação norte-americana: Direito Comparado.7- Caso Sadia Perdigão.8-Conclusao.9- Notas Bibliográficas
  • 3. 1- INTRODUÇÃO Reza a teoria econômica que um mercado é eficiente quando o preço de suas ações exterioriza todas as informações disponíveis sobre as empresas cujos títulos são negociados. O insider trading atenta a esta busca pela eficiência. Nele, temos a formação de preço distorcida da "realidade de conhecimento público", vez que há dados relevantes que são de conhecimento tão somente de alguns investidores por força de posição que os mesmos ocupam. O combate ao insider trading está intimamente ligado à questão de eficiência na determinação do valor de um título negociado no mercado de capitais. O ideal é que a cotação de ações reflita o conjunto de informações publicamente disponíveis, garantindo assim a isonomia entre todos os investidores e diminuindo a questão das distorções no mercado. Com normas que estabelecem uma política de ampla prestação de informações por parte das Companhias Abertas (disclosure) , tenta-se conseguir tal eficiência. E é isso o que se verá nos capítulos 2 e 3. Sob o ponto de vista ético, as razões ao combate do insider trading são evidentes: este provoca um temeroso desequilíbrio entre a posição ocupada pelo insider e a dos demais players do mercado. Desta forma, temos uma situação absolutamente condenável sob os aspectos éticos e econômicos, já que haverá a realização de lucros em função única e exclusiva do acesso e utilização privilegiada de informações por parte do insider, acarretando a perda de confiabilidade no mercado e a falta de assimetria das informações e conseqüente ineficiência do mercado. A confiabilidade pode ser vista como o bem mais preciso para um desenvolvido e efetivo mercado acionário. Imperioso, portanto, para o desenvolvimento do mesmo, que os investidores, em especial, os individuais, tenham a certeza de que o sistema não foi concebido e estruturado de forma a favorecer aqueles que têm acesso a informações privilegiadas. Um mercado financeiro e de capitais carente de confiabilidade está fadado ao
  • 4. insucesso. O capítulo 4 abordará, nessa trilha, as consequências da prática do Insider, bem, como suas responsabilidades e consequentes penalizações pela falta de transparência e pela quebra dos deveres fiduciários, sobretudo, os de lealdade, de diligência e de boa fé. Ocorre que não é facil provar o dolo dos insiders, isto é, a intenção de obter vantagem de forma ilícita, violando o dever de lealdade e “passando por cima” da regra de transparência de mercado. No capítulo quinto, refente às provas, abordaremos as principais provas: presunções e indícios e apontamos os casos em que há uma presunção absoluta do cometimento do crime previsto no art 27-D da Lei 6385/76. No capítulo sexto, demonstramos um direito comparado com a legislação norte americana, a mais avançada e combativa nesse tema, passando para o capitulo seguinte, no qual abordaremos o caso mais emblemático da ocorrênncia do insider e de sua consequente punição na esfera penal e administrativa: o caso Sadia Perdigão. Concluiremos, por fim, demonstrando o avanço na legislação societária e do mercado de capitais e dos métodos que visam combater a prática do Insider Trading. Passemos, então, aos capítulos mais pormenorizados.
  • 5. 2- DO CONCEITO DE INSIDER TRADING Insider Trading é a a hipótese extrema de falha no dever de informar e de assimetria entre os participantes do mercado, culminando no uso de informação privilegiada. Se perpetrada por administrador, será, ao mesmo tempo, uma falha no dever de informar e no dever de lealdade. Em virtude de sua gravidade, foi, com as alterações promovidas pela Lei 10.303/2001, incluida no âmbito do ilícito penal (vide art 27-D da Lei 6.385/76). Em havendo uma necessidade da existência de um mercado transparente e justo para a captação de investimentos e onde haja confiabilidade e partindo-se do pressuposto de que determinadas informações pertencem à empresa e que aquele que se beneficia dela, utilizando-se de informação alheia e sigilosa, está prejudicando o bom funcionamento do mercado de valores mobiliáriose está negociando com desigualdade de informação1 , faz-se necessária a prevenção e a punicão do insider por meio de normas preventivas e punitivas que diminuam o custo do capital e aumentem o risco de eventuais agentes insiders serem descobertos. Conforme ensina o ilustre Nelson Eizirik21 , insider trading é "simplificadamente a utilização de informações relevantes sobre uma companhia, por parte das pessoas, que, por força do exercício profissional, estão ´por dentro´ de seus negócios, para transacionar com suas ações antes que tais informações sejam de conhecimento público”. Assim, o insider compra ou vende no mercado a preços que ainda não estão refletindo o impacto de determinadas informações sobre a companhia, que são de seu conhecimento exclusivo. Insider é , pois, todo aquele que, em razão de sua relação com a Companhia, tem acesso a determinadas informações privilegiadas sobre a situação e os negócios da mesma. A definição de Insider, embora não esteja expressa de forma precisa por meio de nossos 1 Goodwin v. Agassiz,186, NE 659, (Mass 1933) 2 EIZIRIK, Nelson - "Insider Trading e Responsabilidade do Administrador de Companhia Aberta" - artigo publicado na Revista de Direito Mercantil, nº 50, abril/ junho de 1983
  • 6. dispositivos legais, pode ser facilmente dada pela doutrina e pela leitura sistemática dos mesmos. Seguem algumas definições: “ Insider trading é a negociação de valores mobiliários de certa companhia motivada pelo conhecimento de uma informação que ainda não é de conhecimento do público. ...Normalmente a informação é obtida por algum empregado ou dirigente da própria empresa, que ao divulgá-la precocemente e apenas para determinadas pessoas normalmente visa a obter compensação financeira”.3 “Insider trading é qualquer operação realizada por um insider, com valores mobiliários de emissão da companhia, no período imediatamente seguinte ao conhecimento da informação relevante e antes que tal informação chegue ao público investidor pelos meios institucionais de divulgação adotados no mercado de capitais. Assim, o insider trading caracteriza-se pelo uso da informação relevante não divulgada na compra ou venda de valores mobiliários de emissão da companhia, gerando um desequilíbrio de posições, lesivo tanto a uma das partes da operação – o comprador ou vendedor outsider – como ao próprio mercado de capitais, em termos de confiabilidade”4 Insider Trading é um termo o qual inúmeros investidores escutam diariamente e o associam à condutas ilegais. Ocorre que este terrmo, atualmente, inclui uma lista de condutas legais e ilegais. Legalmente, o mesmo se dá quando os insiders- diretores, administradores e empregados de determinada Companhia- compram e vendem valores mobiliários em suas próprias Companhias. Quando os insiders negociam seus próprios valores mobiliários, eles precisam informar tais negociações à SEC. Insider trading ilegal refere-se geralmente à compra e venda de um valor mobiliário, em detrimento de um dever fiduciário ou de qualquer outra relação de confiança e de confidencialidade, 3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Insider_trading- acesso em 15.10.2011 4 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 3º v. 4ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2009. p.311.
  • 7. enquanto em posse de uma informação confidencial e não pública desse valor mobiliário5 ’ Em suma, em termos puramente doutrinários, ignorando-se portanto a legislação vigente em cada país, insider, em relação a determinada companhia, é toda a pessoa que, em virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a "informações relevantes" relativas aos negócios e à situação da companhia. Relevante ressaltar que os insiders distinguem-se do tippees. Enquanto os primeiros possuem acesso direto às informações privilegiadas, os últimos as obtém devido a determinadas dicas repassadas pelos insiders, que, nesse caso, funcionam como tippers. Ocorre que ambos podem incorrer no uso indevido de informação privilegiada, tendo em vista que qualquer um que possua uma informação privilegiada torna-se um potencial sujeito ativo desse ilícito. A principal diferença entre eles reside no fato de que os tippees não podem ser apenados pelo art 27-D, o qual prevê a prática do insider como um ilícito penal, isto é, podem ser responsabilizados civil e administrativamente, mas não penalmente, visto não serem os sujeitos ativos previstos pelo dispositivo supracitado, ao contrário dos insiders primários, quem além de sofrer pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime , sofrem,ainda, uma presunção absoluta de cometimento do crime de insider, cabendo a eles o ônus de provar que não houve nexo de causalidade entre o dano causado por eles e o resultado (assimetria de informações e falta de transparência ao mercado). Nos termos do ex- Diretor da CVM, Eli Loria, ao julgar o caso de Insider Trading ocorrido por ocasião da oferta hostil lançada pela Sadia para a aquisição das ações da Perdigão: 5 Tradução livre do site da SEC: http://www.sec.gov/answers/insider.html: “ Insider trading" is a term that most investors have heard and usually associate with illegal conduct. But the term actually includes both legal and illegal conduct. The legal version is when corporate insiders—officers, directors, and employees—buy and sell stock in their own companies. When corporate insiders trade in their own securities, they must report their trades to the SEC. Illegal insider trading refers generally to buying or selling a security, in breach of a fiduciary duty or other relationship of trust and confidence, while in possession of material, nonpublic information about the security.
  • 8. “Ademais, qualquer pessoa que realize uma operação com a utilização de informação privilegiada pode ser responsabilizado por esta infração administrativa”. A propósito, cita RUIZ: En primer lugar, dado el ambito subjetivo de aplicación de la infracción, puede ser autor cualquiera persona que la use independientemente de como la haya obtenido... Desde el momento que una persona lleve a cabo una operación empleando información privilegiada de forma dolosa, o culposa si há accedido a ella por su puesto profesional, es responsable de la infracción administrativa de uso ilegal de información privilegiada”. O legislador brasileiro admitiu como "insider", nos termos da definição doutrinária de início enunciada, as seguintes pessoas que, em razão de sua posição, têm acesso a informações capazes de influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia: 1- Administradores – conselheiros e diretores da companhia (art. 145 da Lei nº 6.404/76); 1.1- Diretor de Relações com Investidores (art 3º, Instrução CVM 358) 2- Membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto da companhia, com funções técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores (art. 160 da Lei nº 6.404/76); 3- Membros do Conselho Fiscal (art. 165 da Lei nº 6404/76); 4- Subordinados das pessoas acima referidas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76); 5- Terceiros de confiança dessas pessoas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76) e 6- Acionistas controladores (art. 22, inciso V, da Lei nº 6.385/76). A SEC (Securities Exchange Comission) compreende como insiders6 : 6 http://www.sec.gov/answers/insider.htm - tradução livre
  • 9. 1- Administradores, Diretores e funcionários que negociam valores mobiliários utilizando- se de informação privilegiada, confidencial e significativa. 2- Amigos, colegas de trabalho, familiares e outros "tippees" que negociaram valores mobiliários após receber informações privilegiadas dos administradores e funcionários de determinada Companhia . 3- Funcionários públicos, pessoas que trabalham em Bancos, Corretoras e outras instituiçoes financeiras, quem receberam informações e que negociaram os valores mobiliarios cujas informações receberam. 4- Outras pessoas que se aproveitaram de informações confidenciais de seus empregadores. 3- DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE AO TEMA DO INSIDER TRADING Embora sem uma definição legal explicita para o termo Insider, a Lei nº 6.404/76, nos arts. 155 e 157, combinados com 145, 160 e 165, ao tratar dos deveres de lealdade e de prestar informações, por parte dos administradores e pessoas a eles equiparados, implicitamente emitiu o conceito de "insider". Da mesma forma procedeu a Lei nº 6.385/76, quando estabeleceu que a CVM expedirá normas, aplicáveis à companhia aberta, sobre informações que devem ser prestadas por administradores e acionistas controladores. Vejamos, pois, os dispositivos supra referidos : Art 155- O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo- lhe vedado: I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo;
  • 10. II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia; III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir. § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários. § 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança. § 3º A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada com infração do disposto nos §§ 1° e 2°, tem direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a informação. § 4o É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001) – (negritou-se) Traz o artigo 155 da Lei das S.A. uma “lista de condutas proibidas”, condutas essas que não enunciam um rol taxativo de atividades, podendo ser capituladas e declaradas pela autoridade judiciária por outras formas ou hipóteses de violação ao dever de lealdade. Importante contribuição trouxe o artigo 8º da Instrução CVM 358 ao prever o dever de guardar sigilo. Vejamos, in verbis
  • 11. DEVER DE GUARDAR SIGILO Art. 8º - Cumpre aos acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, e empregados da companhia, guardar sigilo das informações relativas a ato ou fato relevante às quais tenham acesso privilegiado em razão do cargo ou posição que ocupam, até sua divulgação ao mercado, bem como zelar para que subordinados e terceiros de sua confiança também o façam, respondendo solidariamente com estes na hipótese de descumprimento. Antes da divulgação, pois, deve ser guardado absoluto sigilo acerca das operações que possam influir no comportamento dos investidores, sendo vedado aos administradores usar informações privilegiadas para a obtenção de vantagem para si ou para terceiros, conforme disposto pelo artigo 155, parágrafos primeiro a quarto da Lei das S.A e pelo artigo 8º da ICVM 358 supracitado. Haverá sigilo quando a informação não puder ser obtida por meios acessíveis ao publico em geral. Deixará esta de ser sigilosa no momento posterior à publicação das mesmas pelos administradores. Se por qualquer razão, contudo, vier a perder seu caráter confidencial, já não se prestará ao insider trading. Isto porque a informação já disseminada , ainda que de forma irregular e mesmo que seja extremamente relevante, já será uma informação de mercado, a qual, portanto, presume-se refletida nas expectativas dos agentes que negociam valores mobiliários.7 Em suma, o dever de lealdade está relacionado com transações em que há (i) conflito de interesse entre o administrador e a Companhia; (ii) conflitos de interesses entre Companhias por terem administradores em comum; (iii) vantagem obtida indevidamente por administrador em oportunidades que pertenciam à Companhia; (iv) administrador 7 BARBOSA, Marcelo;BARROS, Octavio Fragata, BRICK, Bruna Zoghbi, CAMPINHO, Bernardo Capela, Direito Societário e Mercado de Capitais, turma 2, vol 2, Editora FGV, 2009, Rio de Janeiro, pg 78
  • 12. competindo com a Companhia; (v) informações falsas ou indevidas aos acionistas; (vi) negociação do “insider”; (vii) abuso da minoria e (viii) venda de controle 8 . Focar-nos-emos nos itens v e vi supra referidos: o uso de informações falsas ou indevidas dadas aos acionistas e o ilícito conhecido como insider. Desta forma, desleal será o administrador quando não guardar reserva dos negócios sociais (“leakage”), deixando que ocorra vazamento de informações sigilosas e reservadas da companhia a pessoas, que, possuindo acesso ao mercado de valores mobiliários, possam manipular as informações em proveito próprio, fraudando interesses de acionistas e investidores; Cumpre salientar que responde o administrador quando subordinados seus, ou terceiros de sua confiança, violarem o dever de lealdade, desde que essa violação não seja ocultada por esses subordinados das vistas do administrador. Hamilton, analisando o dever de lealdade no direito norte-americano, esclarece que este dever é um litígio em que transações são anuladas e que conselheiros de administração e diretores têm sido responsabilizados por quebra desse dever fiduciário. No que toca ao dever de informar, o qual também deve ser observado pelos administradores, sob pena de responsabilização, este deve ser obrigatoriamente seguido pelos administradores de companhias abertas,. A lei das S/A expressa este dever no seu art 157 e seus parágrafos 4º e 5º a seguir dispostos: Art 157.... § 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia § 5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1º, alínea e), ou deixar de divulgá-la (§ 4º), 8 CORREA –LIMA, Osmar Brina, Responsabilidade Civil dos Administradores de sociedades anônimas. Rio de Janeiro:Aide, 1989, p.75
  • 13. se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se for o caso. § 6o Os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001) Este dispositivo legal é inspirado pelo princípio do “full disclosure”, que garante a todos os investidores oportunidades iguais de negociação. A comunicação da ocorrência de fatos relevantes (“full disclosure”) deve ser prestada à Bolsa de Valores onde são negociados os títulos da referida companhia, devendo haver comunicação também por intermédio da imprensa. Este é o aspecto mais importante do dever de informar. O momento oportuno para que se efetive o cumprimento do dever de informar opera-se quando finda a negociação realizada. Se não se tratar de negociação, o momento oportuno para a comunicação opera-se quando o fato mostrar-se irreversível, devendo a comunicação ser imediata pelo surgimento do perigo de vazamento das informações. Conforme dispõe Modesto Carvalhosa “a informação à Bolsa deve ser feita no exato momento em que o mercado pode ser influenciado por informações ainda não reveladas ao público”. Além de imediatas, as informações devem ser precisas e não podem ser falsas, na medida em que criam falsa impressão por serem mal formuladas, conduzindo os acionistas e os investidores a uma impressão enganosa sobre os fatos prestados. Considera-se como fato relevante, “todo e qualquer evento econômico ou de repercussão econômica, a envolver a companhia, incluindo neste amplo conjunto as deliberações de seus órgãos sociais, a realização ou não de certos negócios, projeção de desempenho e outros fatores relevantes”. Será relevante o fato que puder influir, de modo ponderável, na decisão
  • 14. de investidores do mercado de capitais, no sentido de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela sociedade, sendo a divulgação de tais fatos um dever legal, conforme consta do artigo 157, parágrafo quarto da Lei 6404/76, disposto supra. Relevante destacar o artigo 13 da Instrução Normativa CVM n º 358 : “VEDAÇÕES À NEGOCIAÇÃO Art. 13 - Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante. § 1º A mesma vedação aplica-se a quem quer que tenha conhecimento de informação referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata de informação ainda não divulgada ao mercado, em especial àqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores mobiliários, consultores e instituições integrantes do sistema de distribuição, aos quais compete verificar a respeito da divulgação da informação antes de negociar com valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles referenciados. § 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a vedação do "caput" se aplica também aos administradores que se afastem da administração da companhia antes da divulgação pública de negócio ou fato iniciado durante seu período de gestão, e se estenderá pelo prazo de seis meses após o seu afastamento. § 3º A vedação do "caput" também prevalecerá sempre que estiver em curso a aquisição ou a alienação de ações de emissão da companhia pela própria companhia, suas controladas, coligadas ou outra sociedade sob controle
  • 15. comum, ou se houver sido outorgada opção ou mandato para o mesmo fim, bem como se existir a intenção de promover incorporação, cisão total ou parcial, fusão, transformação ou reorganização societária. § 5º As vedações previstas no "caput" e nos §§ 1º a 3º deixarão de vigorar tão logo a companhia divulgue o fato relevante ao mercado, salvo se a negociação com as ações puder interferir nas condições dos referidos negócios, em prejuízo dos acionistas da companhia ou dela própria”. Note que o caput desse ordenamento apresenta uma presunção absoluta de que determinados agentes, por possuírem informações privilegiadas (acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante) estariam incorrendo no crime do insider, enquanto o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo trata de uma presunção relativa, cabendo, pois a quem acusa aos agentes compreendidos nesse parágrafo (sujeitos que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores mobiliários, consultores e instituições integrantes do sistema de distribuição) o ônus de provar que eles tiveram acesso a determinadas informações privilegiadas e que fizeram uso das mesmas em benefício particular. A Instrução 358 da CVM, referida supra, é, a nosso ver, o regramento mais completo e sucinto no que toca à divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas. Disciplina a divulgação de informações na negociação de valores mobiliários e na aquisição de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta, estabelece vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado ao mercado. Transcrevemos alguns de seus dispositivos mais relevantes:
  • 16. DEVERES E RESPONSABILIDADES NA DIVULGAÇÃO DE ATO OU FATO RELEVANTE Art. 3º - Cumpre ao Diretor de Relações com Investidores divulgar e comunicar à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação, qualquer ato ou fato relevante ocorrido ou relacionado aos seus negócios, bem como zelar por sua ampla e imediata disseminação, simultaneamente em todos os mercados em que tais valores mobiliários sejam admitidos à negociação. § 1º Os acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, deverão comunicar qualquer ato ou fato relevante de que tenham conhecimento ao Diretor de Relações com Investidores, que promoverá sua divulgação. § 2º Caso as pessoas referidas no parágrafo anterior tenham conhecimento pessoal de ato ou fato relevante e constatem a omissão do Diretor de Relações com Investidores no cumprimento de seu dever de comunicação e divulgação, inclusive na hipótese do parágrafo único do art. 6° desta Instrução, somente se eximirão de responsabilidade caso comuniquem imediatamente o ato ou fato relevante à CVM. § 3º O Diretor de Relações com Investidores deverá divulgar simultaneamente ao mercado ato ou fato relevante a ser veiculado por qualquer meio de comunicação, inclusive informação à imprensa, ou em reuniões de entidades de classe, investidores, analistas ou com público selecionado, no país ou no exterior. § 4º A divulgação deverá se dar através de publicação nos jornais de grande circulação utilizados habitualmente pela companhia, podendo ser feita de forma resumida com indicação dos endereços na rede mundial de computadores - Internet, onde a informação completa deverá estar disponível a todos os investidores, em teor no mínimo idêntico àquele remetido à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação.
  • 17. § 5º A divulgação e a comunicação de ato ou fato relevante, inclusive da informação resumida referida no parágrafo anterior, devem ser feitas de modo claro e preciso, em linguagem acessível ao público investidor. § 6º A CVM poderá determinar a divulgação, correção, aditamento ou republicação de informação sobre ato ou fato relevante. Art. 4º - A CVM, a bolsa de valores ou a entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação podem, a qualquer tempo, exigir do Diretor de Relações com Investidores esclarecimentos adicionais à comunicação e à divulgação de ato ou fato relevante. Parágrafo único. Na hipótese do "caput", ou caso ocorra oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciado, o Diretor de Relações com Investidores deverá inquirir as pessoas com acesso a atos ou fatos relevantes, com o objetivo de averiguar se estas têm conhecimento de informações que devam ser divulgadas ao mercado. Art. 5º - A divulgação de ato ou fato relevante deverá ocorrer, sempre que possível, antes do início ou após o encerramento dos negócios nas bolsas de valores e entidades do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação. § 1º Caso os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação simultânea em mercados de diferentes países, a divulgação do ato ou fato relevante deverá ser feita, sempre que possível, antes do início ou após o encerramento dos negócios em ambos os países, prevalecendo, no caso de incompatibilidade, o horário de funcionamento do mercado brasileiro. § 2º Caso seja imperativo que a divulgação de ato ou fato relevante ocorra durante o horário de negociação, o Diretor de Relações com Investidores poderá, ao comunicar o ato ou fato relevante, solicitar, sempre simultaneamente às bolsas de valores e entidades do mercado de balcão organizado, nacionais e estrangeiras, em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à
  • 18. negociação, a suspensão da negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta, ou a eles referenciados, pelo tempo necessário à adequada disseminação da informação relevante. § 3º A suspensão de negociação a que se refere o parágrafo anterior não será levada a efeito no Brasil enquanto estiver em funcionamento bolsa de valores ou entidade de mercado de balcão organizado de outro país em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação, e em tal bolsa de valores ou entidade de mercado de balcão organizado os negócios com aqueles valores mobiliários não estiverem suspensos. A Instrução CVM 358, por meio de seu artigo 3º, tem como objetivo promover a correta formação de preços no mercado e de evitar a possibilidade de assimetria informacional e o uso de informação privilegiada, estabelecendo que as informações relevantes devem ser divulgadas imediatamente e de forma ampla e simultânea para todo o mercado. Não podemos nos olvidar, ademais, da Instrução CVM 8/79, item, I, a qual prevê, in verbis, ser “ vedada aos administradores e acionistas de companhias abertas, aos intermediários e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não equitativas”. Observe-se que não havendo o uso de uma informação inexata, o ilícito deixaria de ser a prática do insider (o uso de uma informação privilegiada) para atingir uma informação não precisa e tampouco verdadeira, inexata, configurando-se, pois, uma manobra fraudulenta e/ou uma manipulação, cuja pena é distinta da pena do insider. Relativamente ao conceito, adotado pelo Direito Brasileiro, do que sejam "informações relevantes", entende-se que "Informações relevantes são aquelas referentes a fatos, ocorridos nos negócios da companhia, que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários de sua emissão" (art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/76, combinado com o art. 155, § 1º).
  • 19. Nesse diapasão, adotou a Lei nº 6.404/76 o critério de obrigar os administradores e as pessoas a ele equiparadas a divulgá-las prontamente – art. 157, § 4º (salvo expressa autorização em contrário da CVM – art. 157, § 5º). Assim, o administrador (e pessoas a ele equiparadas: art. 145 – diretores e conselheiros; art. 160 – membros de quaisquer órgãos com funções técnicas) são obrigados a revelar, além de qualquer deliberação de Assembléia Geral ou dos órgãos de administração da companhia, qualquer "fato relevante, ocorrido nos negócios da companhia, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários de sua emissão". Já a Lei nº 6.385/76, demonstrando igual preocupação com o processo de divulgação da informação relevante, enunciou, em seu art. 22, inciso VI, competir à CVM expedir normas aplicáveis às companhias abertas sobre a "divulgação de fatos relevantes, ocorridos nos seus negócios, que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia". Lembre-se ainda que à CVM cabe, nos termos do art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.385/76, "fiscalizar a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem e aos valores nele negociados. No que toca ao conceito de “fato relevante”, temos, in verbis: Instrução CVM 358: “DEFINIÇÃO DE ATO OU FATO RELEVANTE Art. 2º - Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável: I. na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;
  • 20. II. na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; III. na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados. Parágrafo único. Observada a definição do "caput", são exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes: I. assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva; II. mudança no controle da companhia, inclusive através de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas; III. celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia; IV. ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa; V. autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro; VI. decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta; VII. incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas; VIII. transformação ou dissolução da companhia; IX. mudança na composição do patrimônio da companhia; X. mudança de critérios contábeis; XI. renegociação de dívidas; XII. aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações; XIII. alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia; XIV. desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição de bonificação; XV. aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou cancelamento, e alienação de ações assim adquiridas; XVI. lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de proventos em dinheiro;
  • 21. XVII. celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na sua realização, quando a expectativa de concretização for de conhecimento público; XVIII. aprovação, alteração ou desistência de projeto ou atraso em sua implantação; XIX. início, retomada ou paralisação da fabricação ou comercialização de produto ou da prestação de serviço; XX. descoberta, mudança ou desenvolvimento de tecnologia ou de recursos da companhia; XXI. modificação de projeções divulgadas pela companhia; XXII. impetração de concordata, requerimento ou confissão de falência ou propositura de ação judicial que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia” Este dispositivo arrolou os insiders primários e apresentou uma lista exemplificativa de atos e/ou fatos os quais, ocorrendo, tornam obrigatória o full disclosure, isto é, a divulgação das informações, outrora, confidenciais e privilegiadas. Nessa trilha, o uso da informação privilegiada busca ser combatido da seguinte forma : 1- A proibição propriamente dita do uso da informação privilegiada De acordo com Marco Antônio Martins de Araújo Filho ( Conselheiro Titular do CRSFN e Representante da ANBID), para que determinada informação seja privilegiada, faz-se mister que esta seja precisa, não pública, relativa ao valor mobiliário e price sensitive. Com a proibição ao uso da informação privilegiada visa-se proteger os investidores, que ignoram as condições internas da companhia, contra os possíveis abusos daqueles que as conheçam. Segundo Norma Parente, em seu brilhante Parecer elaborado, em 1978, quando era diretora da CVM, “o que caracteriza o uso da informação privilegiada é o aproveitamento de informações reservadas, sobre a sociedade emissora de valores mobiliários, em detrimento de outra pessoa, que com eles negocia ignorando aquelas informações... O objetivo desta proibição é evitar que pessoas, direta ou indiretamente relacionadas com a empresa, possam auferir ganhos patrimoniais extraordinários, através da prevalência do conhecimento de atos ou fatos importantes, e reservados, sobre mutações essenciais na vida da companhia. Essas pessoas estariam intervindo no mercado em
  • 22. condições de superioridade em relação ao público em geral, sem acesso a tais informações”9 . O combate ao uso de informações privilegiadas pressupõe a existência de medidas que determinem uma ampla e completa divulgação das informações referentes a atos e fatos relevantes ocorridos no âmbito da companhia. Essas informações devem ser tornadas acessíveis a todos ao mesmo tempo, de forma a estimular a existência de um mercado justo, no que se refere ao acesso equânime às informações. 2- Enfatização do dever de informar fatos relevantes modificadores da vida societária Razões de ordem ética e jurídica embasam o dever de informar. Decorre este da necessidade de se impedir que alguém, prevalecendo-se da posição que ocupa, obtenha vantagens patrimoniais indevidas, em detrimento de pessoas que ignoram certas informações. Trata-se de um dever jurídico, atribuído aos administradores de companhia aberta, que encontra correspondência direta no direito subjetivo que têm os investidores de se inteirarem, não só dos atos e decisões provenientes da administração da companhia, como de todos os fatos relevantes que possam ocorrer em seus negócios. Assim, o dever de informar, como já explicitado nesse trabalho em capítulo anterior, configura-se como parte complementar e indispensável na repressão ao uso da informação privilegiada. 3- A vedação à prática de determinadas operações de mercado A vedação à prática de determinadas operações de mercado tem sido usada como medida auxiliar no combate ao uso da informação privilegiada. O fundamento para a adoção de tais proibições reside no fato de que as pessoas que administram a companhia, ou que com ela mantém íntimo relacionamento, podem ter uma visão global e prospectiva do seu desempenho, e, com base nesse conhecimento, operar no mercado com valores mobiliários de sua emissão, com uma superioridade não compartilhada pelos investidores do mercado 9 PARENTE. Norma Jonssen, 1978, Superintendência jurídica da CVM, Aspectos Jurídicos do Insider Trading, Rio de Janeiro, pg 18
  • 23. em geral. Vedações de operar à vista dentro de prazos pré-estabelecidos têm também sido utilizadas como mecanismos repressivos no combate ao uso da informação privilegiada. 4- A feitura de relatórios esclarecedores da posição acionária de pessoas com possibilidades de conhecimento dos negócios internos da companhia. A obrigatoriedade da apresentação periódica de relatórios, desvendadores da posição acionária das pessoas diretamente ligadas à companhia, tem sido igualmente utilizada como medida preventiva no combate ao uso da informação privilegiada, pelo poder inibitório que possui. Trata-se de disposição relacionada ao dever de informar, e que visa proporcionar aos investidores o conhecimento da quantidade e qualidade dos valores mobiliários pertencentes àqueles que dirigem a companhia da qual participam, bem como das negociações por eles efetuadas com aqueles valores. Uma das maiores inovações trazidas pela Instrução CVM 358 foi o seu artigo 15, o qual prevê a Política de Negociação10 , igualmente conhecida como a Safe Harbor norte americana implantada pela SEC. Tal sistema elimina a presunção de que determinada 10 POLÍTICA DE NEGOCIAÇÃO Art. 15 - A companhia aberta poderá, por deliberação do conselho de administração, aprovar política de negociação das ações de sua emissão por ela própria, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária. § 1º A política de negociação referida no "caput" não poderá ser aprovada ou alterada na pendência de ato ou fato relevante ainda não divulgado, e deverá necessariamente: I. contar com a adesão expressa das pessoas mencionadas no "caput" que queiram dela se beneficiar, as quais deverão observá-la estritamente; e, II. incluir a vedação de negociações, no mínimo, no período de 15 (quinze dias anterior à divulgação das informações trimestrais (ITR) e anuais (DFP e IAN) da companhia; e, III. adotar procedimentos que assegurem que em nenhuma hipótese a companhia negociará com as próprias ações nos períodos de vedação estabelecidos nesta Instrução e na própria política de negociação; § 2º A critério da companhia, a adesão de que trata o inciso I do parágrafo anterior poderá contemplar a indicação detalhada de política de negociação própria do interessado, a qual deverá observar os mesmos elementos mínimos referidos no parágrafo anterior.
  • 24. informação seja privilegiada, na medida em que inverte o uso da mesma, isto é, obriga, sobretudo, os administradores das Companhias de Novo Mercado, de anunciar o desejo de, transacionar determinadas ações ou outros valores mobiliários, de acordo com uma política de fair disclosure, isto é, com transparência e justa divulgação. Saliente-se, contudo, que o Administrador, nem sempre, é obrigado a divulgar toda e qualquer informação ao mercado. Tem ele o direito de guardar em sigilo determinadas informações as quais, se divulgadas, poderiam acarretar em prejuízos ou danos à Companhia. A exceção a esta regra se dá quando a informação se torna relevante. Ocorre que, em determinados casos, é complexa a tarefa de analisar se determinada informação é relevante ou não. Em havendo uma análise da relevância da informação ou da presunção de que esta o seja, deve o Administrador, no entanto, se abster de negociar e se quiser fazê-lo, deverá avisar ao mercado e/ou informar, em conformidade com a política de negociação, que realizará determinada transação. O artigo 6º da Instrução da CVM 358 prevê esta exceção à imediata divulgação em caso da divulgação da informação relevante poder colocar em risco interesse legítimo da companhia11 ; 11 Instrução CVM 358 - EXCEÇÃO À IMEDIATA DIVULGAÇÃO “Art. 6º - Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia. Parágrafo único. As pessoas mencionadas no "caput" ficam obrigadas a, diretamente ou através do Diretor de Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados”.
  • 25. 4- CONSEQUENCIAS DO INSIDER, SUAS RESPONSABILIDADES E SUAS PENALIZAÇÕES Apresentaremos, a seguir, as consequencias do insider trading, de acordo com as diferentes leis e diretrizes de nosso Direito Pátrio. A Lei 6404/76 e o inciso I, bem como os parágrafos 1º , 2º e 4º12 , do art. 155 impõem deveres e enunciam uma proibição para os administradores das companhias abertas e aqueles que se lhes equiparam: a. O dever de guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento de mercado, capaz de influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários; b. A proibição de valer-se dessas informações para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários, e c. O dever de zelar para que subordinados e terceiros de sua confiança guardem sigilo daquelas informações e não se valham dessas informações para obterem vantagem, para si ou para outrem, mediante compra ou venda de valores mobiliários. A infração desses três itens, segundo o § 3º do mesmo art. 155, acarreta para o prejudicado o direito de haver indenização por perdas e danos dos infratores 12 Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários. § 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança. § 4º É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários (Acrescentado pela Lei 10.302/2001);
  • 26. (administradores, conselheiros e diretores, membros de órgãos estatutários com funções técnicas e consultivas e conselheiros fiscais). Este dispositivo é bastante amplo e responsabiliza sobremaneira as pessoas acima indicadas. Eis que estas respondem por atos seus, de seus subordinados, e de terceiros de sua confiança, e, no caso específico de "insider trading", por atos dessas pessoas e de outras a quem estas tenham transmitido essas informações. Isto resulta em abranger praticamente qualquer pessoa. Esta última categoria de pessoas o legislador as abrange, ao usar a expressão "para si ou para outrem". Note-se que os dispositivos em exame pretenderam, a todo modo, garantir ao investidor a certeza de que, se prejudicado com a prática do insider trading, teria a correspondente indenização em perdas e danos e, ainda, impor ao administrador o encargo de, a duras penas, impedir que isso ocorra. Buscou-se, desse modo, evitar que o investidor prejudicado ficasse à procura de quem responsabilizar pelo ato ilícito. O regramento implícito nos dispositivos transferiu este encargo para o administrador que, em etapa posterior, por sua vez, poderá reclamar o que pagou a quem efetivamente praticou o insider trading. .Dito de outra forma, o art. 155 da Lei nº 6.404/76 revela o interesse de restaurar o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano, havendo uma nítida presunção legal no sentido de imputar ao administrador a responsabilidade civil pelo prejuízo por meio do pagamento de indenização por perdas e danos. Nos termos da Lei nº 6.385/76, por sua vez, de acordo com o seu artigo. 9º, inciso V13 , compete à CVM apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores; acionistas de companhias abertas; intermediários, e participantes do mercado. "Atos ilegais", para este efeito, são aqueles contrários à Lei nº 13 Art 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2o do art. 15, poderá : V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
  • 27. 6.404/76 e à própria Lei nº 6.385/76. "Práticas não eqüitativas" são aquelas nas quais não é reconhecido e respeitado por igual o direito de cada uma das partes. Apurada, por inquérito, a realização de atos ilegais ou práticas não eqüitativas, por parte das pessoas acima mencionadas, pode a CVM puni-las nos termos do art. 11 da Lei nº 6.385/76 por meio da aplicação das penalidades de advertência e/ou multa. Fazemos uma ressalva no que toca à prática de “ato ilegal”. Considerado o "insider trading" como "ato ilegal", a CVM somente poderá punir os administradores e as pessoas a ele equiparadas (art. 160 da Lei 6.404/76), pois a ilegalidade do ato decorreria de violação do art. 155 da Lei nº 6.404/76, dispositivo este que considera como infrator somente os administradores. Regulada a matéria, seria, então, lícito punir qualquer das pessoas mencionadas no inciso V do art. 9º da Lei nº 6.385/76. Finalmente, esclarecemos que o inciso VI, do art. 9º da Lei nº 6.385/76, estabelece que as penalidades aplicadas por infração ao inciso V do referido artigo não excluem a responsabilidade civil e penal. Assim, o prejudicado em um caso de insider trading poderá pleitear a reparação do dano, com fundamento no art. 155 da Lei nº 6.404/76, ou com fundamento no art. 159 do Código Civil. Na primeira hipótese proporá ação contra o administrador, e na segunda contra quem lhe causou o prejuízo. Esta última será examinada mais adiante. Quanto à responsabilidade penal, concluído o inquérito e constatado que há ocorrência de crime de ação pública, a CVM oficiará ao Ministério Público, para proposição da ação penal contra aqueles que no inquérito administrativo foram julgados culpados. No processo administrativo sancionador, são utilizados os princípios aplicáveis ao Direito Penal. Passemos, por ora, à análise dos dispositivos do Código Civil Brasileiro, por meio de seus artigo 92 c/c art. 94, e art 159, ao protegerem direitos subjetivos e patrimoniais, são aplicáveis a casos de insider trading.
  • 28. "Art. 92 – Os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for sua causa. Art. 94 – Nos atos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade de que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela não seria celebrado o contrato. Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar dano." Entendemos a aplicação dos dispositivos acima transcritos devido ao fato de que: a) O ato de comprar e vender ações é um ato jurídico; b) O "insider" intencionalmente silencia a respeito de fato relevante da empresa; c) A parte prejudicada ignora este fato relevante; d) Há omissão dolosa quando "insider trading" intencionalmente omite o fato, e e) A parte prejudicada não teria celebrado o contrato, se soubesse dos fatos relevantes que a outra parte dolosamente omitiu. Quanto à aplicação da norma do art. 159, entendemos que, de igual modo, o artigo poderá servir de fundamento para a parte prejudicada pleitear indenização, porque no "insider trading", pois (i) existe um fato lesivo voluntário doloso, imputável ao agente por omissão; (ii) existe a ocorrência de um dano, de caráter patrimonial, e (iii) há relação de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. Assim sendo, resulta claro o direito que terá o prejudicado, numa operação de "insider trading", de: a. Propor a anulação da operação (arts. 92 e 94), ou b. Pleitear indenização por perdas e danos (art. 159). Nesse sentido temos a opinião de Pontes de Miranda, em "Tratado de Direito Privado", vol. IV: "O dolo, que faz inválido o ato jurídico, também dá ensejo à incidência da regra
  • 29. jurídica do art.159". E mais adiante, o mesmo autor, ao tratar de pretensões concorrentes, ensina: "O dolo pode suscitar a anulabilidade do ato jurídico, como ato ilícito. Ali, dolo invalidamente; aqui, dolo ato ilícito absoluto ... Os sistemas jurídicos não fazem qualquer dessas pretensões exclusivas das outras". De qualquer modo, quando o investidor optar por propor uma ação com fundamento no artigo, 92 c/c 94 ou 159, deverá ele propô-la, obviamente, contra quem deu causa ao dano, o que na prática muitas vezes será difícil. Por conseguinte, na maior parte das vezes, o investidor escolherá propor a ação com fundamento no art. 155 da Lei nº 6.404/76, não se utilizando da opção a ele concedida pela lei civil. Isto é, proporá ele a ação de perdas e danos contra o administrador e/ou aqueles a ele equiparados, art. 155 da Lei nº 6.404/76. No que toca à responsabilidade dos agentes insiders, a doutrina majoritária a vê como sendo objetiva, bastando o nexo de causalidade entre o dano verificado e a conduta antijurídica, uma vez que há uma presunção de culpa dada pelo dever de informar. Outros a vêem como subjetiva, sendo neste caso, essencial a demonstração da culpa ou dolo por parte do agente, ademais do nexo de causalidade entre o resultado dano e as condutas praticadas pelo agente insider. De toda a sorte, observa-se que no caso insider trading, o mais importante é o nexo de causalidade, que se baseará em indícios. Deve ser observado também que nos casos de presunção absoluta, é invertido o ônus da prova, não cabendo ao órgão acusador provar a responsabilidade do insider, e sim ao insider provar a ausência de sua responsabilidade administrativa, civil ou criminal. Passemos, por ora, a um dos temas mais recentes no que toca ao insider trading: o advento do art 27-D da Lei 6385/76, o qual configura como crime a prática do insider trading. Antes do advento desse dispositivo, a nossa legislação penal não abordava esse tema de forma clara e universal. Vejamos, pois, o artigo 27-D, ipse literis:
  • 30. DOS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Ressalte-se que após o convênio firmado em 2009 entre MPF e CVM com a finalidade de auxílio mútuo e troca de informações em matéria de insider trading, a ciência de atos criminosos relacionados ao insider trading dobrou nos seis primeiros meses de 2010 em comparação aos mesmos meses de 2009. A primeira denúncia deste tipo de crime ocorreu em maio de 2009, quando o MPF pediu a abertura de ação penal contra dois ex-executivos da Sadia e um ex-executivo do banco ABN-Amro que lucraram na Bolsa de Valores de Nova York mediante o uso de informações obtidas em São Paulo relativas à oferta da Sadia pelo controle acionário da concorrente Perdigão, em julho de 2006. Este caso será melhor abordado no próximo capitulo. De acordo com Alexandre Pinheiro dos Santos, ex procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto à Comissão de Valores Mobiliários, por meio de seu excelente artigo escrito na Revista Consultor Jurídico, em 15 de dezembro de 2009, estas são as seguintes as principais características do delito de insider trading14 : Objeto: a credibilidade, a estabilidade e o regular funcionamento do mercado mobiliário, assim como a atuação regulatória e fiscalizatória da Comissão de Valores Mobiliários - CVM; Sujeito ativo: quem, em razão do seu ofício, tem acesso a informações privilegiadas (ex: administrador de companhia aberta). Este poderia ser classificado em : 14 http://www.conjur.com.br/2009-dez-15/prevencao-combate-crime-insider-trading-sao-essenciais: acesso em 31.10.2011
  • 31. 1-Insider primário : Pessoa obrigada a guardar sigilo (administradores, profissional com dever de confidencialidade), sendo apenados criminalmente pelo art 27-D da Lei 6385/76 e administrativamente pela Instrução CVM 358/02, art. 8º; e 2- Insider secundário: É aquele que recebe a informação privilegiada dentro de uma relação de confidencialidade, mas que não está obrigado ao dever do sigilo. È apenado administrativamente com base na Instrução CVM 358/02 – art. 13 – §1º. Sujeito passivo: titulares de valores mobiliários, investidores, companhia, CVM e a sociedade como um todo; Conduta típica: utilizar (fazer uso), de qualquer modo, da informação relevante; Elemento subjetivo: o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de utilizar a informação relevante; Momento consumativo: o da efetiva utilização da informação relevante, eis que se trata de crime formal e de perigo abstrato, ou seja, que não exige a obtenção da vantagem almejada pelo agente, sendo suficiente, para a sua configuração, a evidente potencialidade lesiva do ilícito; Ação penal: pública incondicionada, ou seja, trata-se de ação cujo titular é o Ministério Público; e Competência: Justiça Federal, por se tratar de crime contra um dos segmentos do sistema financeiro nacional (mercado de capitais), com potencial caráter transnacional e que viola os interesses institucionais do órgão regulador e fiscalizador do mercado mobiliário brasileiro, a autarquia federal em regime especial CVM. Antes do advento desse dispositivo legal supramencionado, o insider trading não era objeto específico de crime algum capitulado no Código Penal, e sequer na Lei nº 1.521, de 26.12.51 (crimes contra a economia popular). De acordo com o Código Penal Brasileiro, para que se caracterizasse o ilícito penal, far-se-ia necessária a existência do dolo, da má
  • 32. intenção, da consciência que possui o agente de que, com seu ato criminoso, estaria se locupletando ilicitamente do patrimônio da vítima, despojando-a de seus haveres, empobrecendo-a. Em relação aos crimes envolvendo negócios com ações, temos, no art. 174, do Código Penal, o induzimento à especulação e, no art. 177, § 1º, inciso II e VIII, a manipulação fraudulenta, praticada por diretores, gerentes, fiscais ou liquidantes de companhias. Na lei que dispõe sobre crimes contra a economia popular, nº 1.521/51, no seu art. 2º, inciso IX, é capitulada como crime a tentativa ou a obtenção de ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas, mediante especulação, não havendo referência especial à especulação com ações e, no inciso VI e VII do art. 3º, verificando-se, igualmente definido como crime, o ato de provocar altas e baixas de preços de valores por meio de notícias falsas (falsidade das cotações – manipulações), ou o ato de dar indicações ou fazer afirmações falsas em prospectos para o fim de substituição, compra ou venda de títulos, ações ou quotas. Do exposto, verifica-se que foram tipificados os crimes referentes à especulação e manipulação.. A despeito da quase total ausência de análise da tipificação penal do "insider trading", intentava-se configurá-lo como estelionato, nos moldes do art. 171 do Código Penal, que dispõe ser crime o "ato de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento". 5- DAS PROVAS EM RELAÇÃO AO "INSIDER TRADING" Tudo o que até aqui foi exposto não surtiria qualquer efeito prático se não se pudesse legalmente provar a ocorrência do insider trading. Quanto à admissão de provas no curso do inquérito e processo administrativo instaurado pela CVM, esclarece-se que serão aceitas todas as provas admitidas em direito (art. 12 da Res. 454/77 – BACEN).
  • 33. As características do insider trading nos levam a crer que, em matéria de comprovar sua ocorrência, as presunções desempenharão relevante papel. É nesse momento, como adverte Moacyr Amaral Santos, em "Prova Judiciária no Cível e no Comercial", que se manifesta a importância das presunções, quando se trata de provar estados de espírito e intenções nem sempre claras e não raramente suspeitas, ocultas nos negócios jurídicos. No que tocam às presunções, no Direito Penal, poderia haver presunção juris tantum de elementos do tipo (ex. violência, art. 224 CP), mas não de culpabilidade , posto haver uma presunção de inocência. O mesmo não ocorre no Direito Civil, o qual abarca uma presunção juris tantum de culpabilidade. Em esfera administrativa, pelo Processo Administrativo Sancionador , aplicar-se-iam os princípios norteadores do Direito Penal. Muito se tem discutido sobre a influência recíproca das jurisdições civil, penal e administrativa. No que tange à jurisdição administrativa, inquérito e processo administrativo CVM, a última, embora de categoria diversa das civil e penal, tem plena liberdade em relação àquelas. A instância administrativa pode aceitar fatos e circunstâncias apurados em outra jurisdição, mas dar-lhes a sua própria interpretação. É lhe vedado, no entanto, declarar existentes fatos negados em outras jurisdições, ou penalizar quem foi declarado estranho ao fato. Nada impede, no entanto, que, na esfera de sua competência, decida no âmbito restrito de suas atribuições. Suas decisões não são definitivas, pelo art. 153, § 4º, da Constituição Federal, o que quer dizer que, embora finais e irrecorríveis na área administrativa, são passíveis de contestação na esfera judicial. No insider trading, onde se verifica uma omissão dolosa, o convencimento do juiz, na maior parte das vezes, será feito com base em indícios, que terão como conseqüência presunções, ou talvez até mesmo através de normas da experiência comum, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (prova baseada na experiência – denominada prova "prima facie").
  • 34. Três dispositivos do Código de Processo Civil nos autorizam este entendimento. O primeiro, art. 131, estabelece que o juiz aprecie livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes. O segundo, art. 332, admite como hábeis para provar a verdade dos fatos todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos. E o terceiro, art. 335, dispõe que, em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece. O Código Civil de 2002, ao contrário do antigo, não dispôs expressamente que os atos de má fé poderão ser provados por presunção. A presunção não é prova no sentido estrito, e sim uma conclusão do juiz que, pelos dispositivos citados, é plenamente autorizada. Pontes de Miranda assim define “presunção”: "É a experiência dele, do juiz, derivada do que sabe sobre as coisas, das suas relações e coexistência, ou da localização que as estabelece". Em razão disso, é irrelevante o fato do novo Código de Processo Civil não se ter referido à presunção como prova de atos dolosos. Tem sido objeto de preocupação de diversos autores a distinção entre indícios e presunções. Uns acreditam expressões sinônimas. Outros entendem que a primeira é usada em Direito Penal e a segunda no Direito Civil. Parece-nos acertado concluir que indícios são fatos, acertos isoladamente despidos de valor, mas quando analisados em conjunto com outros fatos, conduzem a conclusões. Já a presunção parte de um indício, um fato certo, sendo o juízo formado por um ou vários indícios, em relação a um fato certo. Em resumo, presunções são conseqüências deduzidas de um fato conhecido (indício) para chegar a um fato desconhecido. Havendo mais de uma presunção, visto que não é o número, mas a qualidade e o peso das presunções que criam a convicção, poderia o juiz, baseado em uma só presunção, concluir pelo fato que se pretende provar.
  • 35. A falta de indícios, ou mesmo a dificuldade em estabelecer o nexo causal entre o dano e a culpa do agente, por sua vez, não impede que se faça justiça. A lei expressamente autorizou o juiz a decidir com base na experiência. Não cremos, porém, que seja necessário o uso de presunção fundada na experiência, em casos de "insider trading", visto que nesta hipótese há sempre indícios. Estes seriam, por exemplo, a constatação de compras e vendas de ações de determinada empresa efetuados imediatamente antes da revelação de um fato relevante da sociedade, por pessoas a ela vinculadas, ou vinculadas a estas. Deste indício, que é um fato certo, o juiz concluirá, por presunção, que houve um ato ilícito. Neste diapasão, o juízo formado a respeito do "insider trading" será, na maior parte das vezes, extraído de presunções, já que a presunção é a prova característica dos atos dolosos, fraudulentos, simulados e de má-fé em geral. De toda a sorte, no âmbito dos administradores de carteira, existe o que se convencionou chamar Chinese Wall (art 15 da Instrução CVM 306/99, alterada pelas Instruções CVM 364/02, 448/07 e 450/07), leia-se, um conjunto de regras, as quais pressupõem a (i) existência de políticas e manuais; (ii) supervisão efetiva das comunicações entre áreas “públicas” e “privadas” (sensíveis); (iii) efetivo monitoramento de operações dos empregados e clientes; (iv) a utilização de listas restritivas (watch and restricted lists) e (v) treinamento. PROENÇA identificou, até o ano de 2000, os seguintes processos administrativos sancionadores julgados pela CVM atinentes ao tema Insider Trading: 01/78;02/79;03/79;14/80;29/82;03/83;05/83;22/83;24/83;02/85;04/85;04/86;14/88;28/88;07 /91;09/92;31/93;18/96;22/99 e 13/00;32/0015 . Seguem, ainda, outros Processos Administrativos Sancionadores mais recentes: - Relacionados à Chinese Wall PAS 06/2003 - julgado pela CVM em 14/09/2005 PAS 18/01 - julgado pela CVM em 04/11/2004 15 BARBOSA, Marcelo;BARROS, Octavio Fragata, BRICK, Bruna Zoghbi, CAMPINHO, Bernardo Capela, Direito Societário e Mercado de Capitais, turma 2, vol 2, Editora FGV, Rio de Janeiro, pg 77
  • 36. • Materialidade da infração - (des)necessidade de prejuízo PAS 22/04 - julgado pela CVM em 20/06/2007 PAS 04/04 - julgado pela CVM em 28/06/2006 PAS 017/2002 - julgado pela CVM em 25/10/2005 PAS RJ2003/05627 - julgado em CVM 28/01/2005 • Presunção de culpa (presunção juris tantum) PAS RJ2003/5669 - julgado pela CVM em 11/07/2006 PAS 04/04 - julgado pela CVM em 28/06/2006 PAS SP 2005/0155 - julgado pela CVM em 21/08/2007 PAS 12/2000 - julgado pela CVM em 17/04/2002 Além desses, merecem destaque outros mais recentes: Processos Administrativos 2006/8205. 2001/4652, 2002/2259 e 07/2007. O caso de absolvição do Credit Suisse, tem sido, hodiernamente, o caso mais polêmico e conhecido acerca deste tema do Insider Trading. A Comissão de Valores Mobiliários absolveu o Credit Suisse Securities da acusação de uso de informação privilegiada na operação com units - que representam ações - da Terna Participações. O Credit Suisse prestou consultoria à Terna na operação societária de venda do controle acionário. A divulgação em fato relevante da venda do controle foi feita no dia 23 de abril de 2009. No dia anterior, o Credit Suisse negociou units de emissão da companhia. Por isso, a CVM investigou a possibilidade de insider trading na negociação. No entanto, o Credit Suisse explicou que a operação foi de pequeno porte, apenas para dar liquidez à operação de um cliente que havia colocado à venda um lote de 35.500 units. Para o fechamento da operação, faltavam 2.800 units. Foi alegado que as units adquiridas foram revendidas a preços de mercado no mesmo dia, sendo que o Credit Suisse USA sofreu pequeno prejuízo com a operação. 16 Seguem os trechos mais importantes do extrato da sessão de julgamento do processo administrativo sancionador CVM Nº RJ2010/4206: Acusado: Credit Suisse Securities (USA) LLC Ementa: Eventual irregularidade na negociação com units da Terna Participações S/A, em suposta infração ao art. 13 da Instrução CVM nº 358/02. 16 Notícia de 23 de agosto de 2011 vista no site do Valor Online
  • 37. Absolvição. Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos, o Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários, com base na prova dos autos, por unanimidade de votos, decidiu absolver o Credit Suisse Securities (USA) LLC da acusação formulada de suposta infração ao art.13 da Instrução CVM nº 358/02, por não ter restado provada efetiva violação do disposto no art. 13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02. Assunto: Apurar eventual irregularidade na negociação com units da Terna Participações S.A., em suposta infração ao artigo 13 da Instrução CVM nº 358/02 Diretor-Relator: Alexsandro Broedel Lopes R e l a t ó r i o 1. No relatório de análise GMA-1/nº 37/09, de 04/12/09, preparado pela Gerência de Acompanhamento de Mercado 1 ("GMA1") para o Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2009/13459, apurou-se que o Credit Suisse Securities (USA) LLC ("Credit Suisse USA") prestou consultoria à Terna Participações S.A ("Terna"), inclusive com a elaboração de uma fairness opinion, com relação à operação societária de venda do controle da Terna. 2. Considerando, ainda, que a operação de venda de controle da Terna foi divulgada em fato relevante de 23/04/09 e que o Credit Suisse USA negociou units de emissão da Terna no dia anterior, em 22/04/09, o relatório da GMA, 1 vislumbrou possível infração ao disposto no art.13 da Instrução CVM nº 358/02, pois a referida negociação teria ocorrido em período de vedação (fls. 21 e 22). 3. Ainda que não tenha verificado "indícios significativos de insider trading" nos negócios realizados, em vista do "volume relativamente pequeno" envolvido, a GMA1 sugeriu que a Superintendência de Relações com Empresas ("SEP") averiguasse a atuação do Credit Suisse USA "pelo fato de a instituição ter participado diretamente nas negociações que culminaram na venda do controle da Terna Participações" (fls. 06). 4. Instado a apresentar manifestação prévia, o Credit Suisse USA informou que: a. Foi o Credit Suisse (Europe) Limited, com sede em Londres, que foi contratado pela Terna para a emissão de uma fairness opinion, e não o Credit Suisse USA; b. Alguns funcionários de investment banking do Credit Suisse USA "foram envolvidos em discussões a respeito da transação pretendida" pela Terna; c. No dia 22/04/09, um cliente do departamento de corretagem do Credit Suisse USA havia colocado um lote de 35.500 units da Terna para venda na Bolsa de São Paulo, sendo que restavam 2.800 para que a ordem fosse fechada. Por razões comerciais, devido ao seu relacionamento com o cliente, o Credit Suisse USA decidiu adquirir as referidas units, de forma a propiciar liquidez a seu cliente e o fechamento da ordem. As units adquiridas foram revendidas a preços de mercado no mesmo dia, sendo que o Credit Suisse USA sofreu pequeno prejuízo com a operação."
  • 38. 5. Em 14/04/10, a SEP preparou Termo de Acusação, em face do Credit Suisse USA, sob os seguintes fundamentos: a. Segundo o art.13 da Instrução CVM nº 358/02, é vedada a negociação com ações de emissão da companhia por quem tenha conhecimento de informação referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata de informação ainda não divulgada ao mercado. E, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 13 citado, essa mesma vedação aplica-se àqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia; b. A despeito dos argumentos apresentados pelo Credit Suisse USA, não há na legislação e/ou regulamentação vigentes nenhum dispositivo que dispense o cumprimento do referido art.13, parágrafo 1º, da Instrução CVM nº 358/02. Assim, o Credit Suisse USA teria descumprido o referido dispositivo, ao negociar com as units da Terna em 22/04/09, antes da divulgação do fato relevante de 23/04/09, que anunciou a operação societária na Terna para qual o Credit Suisse USA teria prestado serviços de consultoria; c. O volume envolvido na operação realizada "corresponde a cerca de R$ 80.696,00". 6. Em 09/08/10, o Credit Suisse USA apresentou sua defesa, sob os seguintes fundamentos, resumidamente: a. A SEP não provou que o acusado teve acesso à informação privilegiada, já que "não foram realizadas investigações para averiguar quais informações os funcionários do Credit Suisse USA tiveram acesso ao participar da elaboração da fairness opinion da Terna, para quem eventualmente tê-las- iam transmitido, quem teria transmitido a ordem de negociação e, mais importante ainda, se quem efetivamente tomou a decisão da negociação de units da Terna possuía informação privilegiada". Os funcionários do Credit Suisse USA, que foram emprestados do seu departamento de investment banking para auxiliar o Credit Suisse Europe na elaboração da fairness opinion, não foram responsáveis pelos negócios com as units da Terna, tampouco participavam da área responsável pela decisão desses negócios – essa decisão teria sido tomada pela mesa de corretagem do Credit Suisse USA; b. No caso, não foi realizado nenhum processo investigatório, de forma que a acusação pautou-se apenas em suposições. Fez-se uma suposição não autorizada de que dois funcionários emprestados pelo Credit Suisse USA teriam tido acesso à informação privilegiada e a transmitido aos responsáveis pelas operações. Na verdade, haveria contraindícios de que a operação foi realizada irregularmente: (i) os funcionários que tiveram acesso à suposta informação privilegiada não fazem parte da área do Credit Suisse USA que autorizou a negociação com as units da Terna; (ii) a negociação foi realizada para dar liquidez a um cliente, motivo que não se relaciona com a suposta detenção de informação privilegiada; (iii) a negociação resultou prejuízo ao acusado; (iv) a própria acusação reconhece que a negociação não tinha a finalidade de obtenção de vantagem indevida; c. O disposto no artigo 13, parágrafo 1º, da Instrução CVM nº 358/02 depende da verificação da culpabilidade do agente, não se tratando de uma vedação absoluta, que não admite exceção ou prova em contrário. Assim, mesmo não
  • 39. constando de forma expressa na norma a necessidade de verificação da intenção do agente, ela não pode ser desconsiderada, pois sua análise é inerente a todo ilícito administrativo. É preciso avaliar se a operação se reveste de fundamentação econômica ou outra motivação forte que, ao final, elida a infração prevista; d. Deve-se, ainda, verificar se houve finalidade de obter vantagem com a utilização da informação privilegiada, sendo este o elemento subjetivo do tipo previsto no art.13 da Instrução CVM nº 358/02. Assim, quando não há finalidade de auferir vantagem com a negociação, a conduta não é irregular; e. Interpretar o dispositivo em questão de maneira diferente seria admitir que a função normativa da CVM teria sido conduzida de forma irregular, ao editar a Instrução CVM nº 358/02, pois ter-se-ia excluído a "finalidade de auferir vantagem" contida como elemento do tipo legal de insider trading, expressamente previsto no art.155, parágrafo 4º, da Lei nº 6.404/76; f. A conduta do Credit Suisse USA não se coaduna com a do comportamento que um insider teria se detivesse a informação privilegiada, que, no caso, manteria os papeis em carteira até a concretização do leilão de oferta pública. Ademais, o momento da negociação não foi definido pelo acusado, mas por seu cliente; g. De todo modo, independentemente de todos os argumentos anteriormente expostos, não há que se falar em informação privilegiada, já que a informação tida por sigilosa já circulava no mercado com grau mínimo de robustez. Houve vazamento da informação, pois o presidente da Terna S.P.A., em um roadshow realizado sobre o plano de negócios de 2009-2013, tratou do assunto da potencial venda da participação da Terna, sua controlada. É o relatório. Alexsandro Broedel Lopes Diretor-relator V o t o 01. Ao analisar a peça acusatória e a defesa, noto que a controvérsia central versa sobre a interpretação da norma supostamente infringida, a saber, o art.13, da Instrução CVM nº 358/02. 2. Conforme a acusação, não há nada que dispense o cumprimento do referido art.13 e seu parágrafo 1º, razão pela qual seriam irrelevantes os motivos que levaram o Credit Suisse USA a negociar units da Terna no período vedado. 3. Já para a defesa, a acusação, assim agindo, deixou de avaliar a "finalidade de auferir vantagem" com a informação privilegiada, como sendo o elemento subjetivo da vedação prevista no art.13 da Instrução CVM nº 358/02 – elemento este presente, expressamente, no art.155, parágrafo 4º, da Lei nº 6.404/76, que trata de insider trading, praticado por insider de mercado ou secundário.
  • 40. 4. Conforme a defesa, dispensar o elemento subjetivo "finalidade de auferir vantagem", na interpretação do art.13 citado, seria o mesmo que admitir que a CVM, ao editar a Instrução CVM nº 358/02, teria extrapolado a sua função normativa. 5. Buscando doutrina sobre o tema, Marcelo Fernandez Trindade, em artigo publicado recentemente, discorreu justamente acerca dessa controvérsia na interpretação do art. 13 da Instrução CVM nº 358/02, como se vê: "A regulamentação da CVM, ciente da dificuldade de provar de maneira definitiva tal motivação de auferir vantagem, inverteu o ônus da prova em certas situações de atuação de insiders primários ou equiparados, através da criação de presunções. (...) A CVM, na forma do art. 8º, I, da Lei 6.385/1976, tem o poder de ‘regulamentar (...) as matérias expressamente previstas nesta lei e na Lei de Sociedade por Ações’, mas não tem o poder de proibir previamente negociações que sejam inerentes a operações realizadas no mercado. E por isso mesmo não o fez, limitando-se, corretamente, a estabelecer presunções iuris tantum, que comportam prova em contrário, e atingindo apenas agentes que tenham induvidoso acesso à informação, com a ciência de seu caráter privilegiado – como são chamados insiders primários e os demais agentes a ele equiparados". 6. Assim, não houve ilegalidade ou extrapolação de limites por parte da CVM ao deixar de inserir o elemento subjetivo "finalidade de auferir vantagem" na edição do art.13 da Instrução CVM nº 358/02, ainda que esse elemento esteja, expressamente, previsto no art.155 e parágrafos da Lei das S/A, ao dispor sobre insider trading. A CVM poderia suprimir esse elemento subjetivo, com a inclusão, em sua norma, de uma presunção relativa, com o objetivo precípuo de, no caso de insiders primários ou equiparados, mitigar o seu ônus probatório. 7. A CVM deve exercer as suas atribuições para o fim de "assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão" e "proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários", entre outras (artigo 4º e incisos, da Lei nº 6.385/76). Disso decorre a total competência da CVM para vedar determinadas operações no mercado, em determinadas condições, podendo, para tanto, definir "as espécies de operação autorizadas na bolsa e no mercado de balcão; e métodos e práticas que devem ser observados no mercado" (art.18, inciso II, alínea ‘a’, da Lei nº 6.385/76). 8. E é exatamente esse o objetivo da Instrução CVM nº 358/02: trata-se de norma que visa a manter a higidez e a confiança do mercado, vedando a possibilidade de negócios por aqueles que detêm, antecipadamente, informação relativa a ato ou fato relevante. 9. A meu ver, portanto, não há que se discutir acerca da legalidade da vedação contida no art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02. Mas isso não significa que a acusação esteja desincumbida de, em cada caso, comprovar o seu descumprimento, ainda que mediante a utilização de prova indiciária. A defesa, por sua vez, sempre poderá apresentar todas as provas cabíveis para demonstrar que não houve o
  • 41. descumprimento da norma. Isso é evidente, pois decorre dos princípios do contraditório e da ampla defesa, que norteiam todo e qualquer processo administrativo. 10. Tanto que o próprio art.13 da Instrução CVM nº 358/02, em seus parágrafos 6º e 7º, dispõe sobre exceções à vedação: (i) quando se tratar de negócios atrelados ao cumprimento de plano de outorga de opção de compra de ações; e (ii) com relação a negócios realizados de acordo com política de negociação da companhia. Nesses casos, ainda que a CVM apure, a priori, eventual infração ao disposto no caput do art.13, a defesa facilmente demonstrará que as negociações não eram irregulares, trazendo aos autos o plano de opções ou a política de negociação da companhia que, conforme o caso, facultam a negociação de ações no período vedado. 11. Em suma, o art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02 tratam de legítima vedação normativa à negociação de ações, por determinadas pessoas e em determinadas condições. 12. Pois bem, analisando o caso concreto, verifico que a defesa não contesta que a negociação de units da Terna ocorreu um dia antes da publicação de fato relevante, que divulgou informações sobre operação societária para a qual funcionários do acusado teriam emitido uma fairness opinion. Trata-se, portanto, de fato incontroverso, que indica aparente infração à norma apontada, razão pela qual rejeito, desde logo, os argumentos da defesa no sentido de que a acusação não realizou processo investigatório e pautou-se apenas em suposições. 13. Ainda de acordo com a defesa, o Credit Suisse USA teria negociado units da Terna, durante o período vedado, para "dar liquidez a um cliente, o qual necessitava de uma pequena quantidade de units para completar sua transação". 14. Em continuidade, afirma a defesa que: "essa negociação ter ocorrido na véspera da divulgação do fato relevante não passa de mera coincidência, e como tal deve ser aceita, sem conseqüências para o Defendente", que não deve ser responsabilizado, "(...) seja porque o momento da negociação foi definido por uma necessidade de um cliente; (...) seja porque a negociação não se coaduna com o comportamento de um insider que detivesse informação privilegiada". 15. Conforme a defesa, portanto, o Credit Suisse USA não tinha a intenção de negociar as units da Terna e, tampouco, de obter vantagem com essa negociação. O fez apenas para atender as necessidades de um cliente. 16. Nesse sentido, ainda que inicialmente tenham sido trazidos só argumentos, desacompanhados de qualquer prova, foi posteriormente protocolizado pela defesa um expediente confidencial que confirma, com suficientes elementos objetivos, a verossimilhança das alegações trazidas acerca das operações realizadas para atender às demandas do supracitado cliente. 17. A análise do expediente acima, em conjunto com alguns contra-indícios fáticos, opera a favor do acusado. De fato, ao analisar os negócios realizados, chama a atenção, de pronto, o baixo volume operado – notadamente se considerarmos o porte e a natureza da atividade desempenhada pelo acusado. Nota-se, ainda, que a compra e venda das units da Terna foram realizadas no mesmo dia (day trade), tendo, ao final, acarretado prejuízos para o acusado. E, principalmente, observo que tudo ocorreu antes da divulgação do fato relevante. 18. Entendo, assim, que os elementos probatórios acima são suficientes para, no caso concreto, desconstituir a base da acusação formulada e concluir que não restou
  • 42. provada efetiva violação do disposto no art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02 pelo acusado, razão pela qual voto pela sua absolvição. É como voto. Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2011. Alexsandro Broedel Lopes Diretor-relator Declaração de voto da Diretora Luciana Pires Dias na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2010/4206 realizada no dia 23 de agosto de 2011. Senhora presidente, eu acompanho o voto do Relator. Luciana Pires Dias DIRETORA Declaração de voto do Diretor Otavio Yazbek na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2010/4206 realizada no dia 23 de agosto de 2011. Senhora Presidente, o presente caso suscita algumas importantes questões acerca da estrutura das funções do art. 13 da Instrução CVM nº 358/2002. Parece-me óbvio que também no §1º do referido dispositivo se está lidando com uma vedação à negociação, aplicada aos chamados insiders secundários. Essa vedação, porém, deve ser lida de maneira distinta daquela contida no caput, que se destina aos insiders primários. Tais vedações partem, de um modo geral, da pressuposição de que as pessoas relacionadas no caput do §1º, em razão do acesso que dispõem a certas informações, devem ser, de início, tidas como insiders. No caso do §1º, porém, a própria natureza dos agentes ali referidos faz com que tal presunção deva ser considerada uma presunção juris tantum, sendo assim, passível de afastamento. Quando aquele dispositivo fala em "quem quer que tenha conhecimento de informação, referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata de informação ainda não divulgada ao mercado, em especial "aqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores mobiliários, consultores, instituições integrantes de sistema de distribuição, aos quais compete verificar a divulgação da informação antes de negociar com valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles referenciados", está se referindo a personagens muito
  • 43. distintos, que atuam no mercado de maneira diversa, que se organizam internamente de maneira diversa e que são expostos à informação de maneira diversa. Isso, para mim, demonstra que, na sua origem, a vedação constante do §1º talvez corresponda, antes de mais nada, a uma estratégia regulatória necessária ante as dificuldades com que, geralmente, o regulador se depara em casos de insider trading. É impedimento porque essa é a forma que, juridicamente, melhor se coaduna às necessidades desta Autarquia, mas a aplicação da norma exige cuidados que não são demandados para aqueles agentes referidos no caput, ao menos não na mesma extensão, isso sob pena de se produzirem efeitos indesejados, que, ao mesmo tempo em que restringem a atuação legítima no mercado, nada mais têm a ver com a coibição das práticas que originariamente a norma procurava coibir. Daí decorre que não há como afastar as peculiaridades do caso concreto na análise do descumprimento do §1º do art. 13. Em razão de tal análise, parece-me que, no presente caso, pela natureza da acusada e dos serviços que ela tipicamente presta, pela sua estrutura organizacional, pela análise dos resultados auferidos, impõe-se a absolvição. Por esse motivo eu acompanho o voto do diretor-relator nas suas conclusões. Otavio Yazbek DIRETOR Declaração de voto da Presidente da CVM, Maria Helena dos Santos Fernandes de Santana, na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2010/4206 realizada no dia 23 de agosto de 2011. Eu também acompanho o voto do Relator e proclamo o resultado do julgamento, em que o Colegiado desta Comissão, por unanimidade de votos, decidiu absolver o Credit Suisse Securities da acusação formulada e encerro a sessão, informando que a CVM interporá recurso de ofício ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Maria Helena dos Santos Fernandes de Santana PRESIDENTE
  • 44. 6 – DA LEGISLAÇÃO NORTE-AMERICANA: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO O sistema da legislação federal norte-americana sobre securities é e continua sendo a fonte inspiradora para o Brasil e para uma série de outros países. Tendo em vista que o Insider trading compromete a confiança dos investidores na justiça e a integridade dos mercados de valores mobiliários, a SEC tem tratado a detecção e a repressão de violações de insider trading como uma de suas prioridades. É justamente nos EUA que vem ocorrendo o maior número de casos julgados envolvendo a questão de responsabilidade dos insiders. Ademais, a Securities and Exchange Commission -SEC, autoridade administrativa encarregada de fiscalizar o mercado acionário norte-americano, vem realizando esforços na repressão do insider trading. Nos Estados Unidos, a primeira regulamentação que abordou o tema do insider foi a Securities Act 34, em sua seção 16 A, ao prever as anti-fraud provisions. Foi seguida pela regra 10b5. A Seção 16 a) reza a obrigação para os administradores, diretores e quaisquer pessoas que detenham, direta ou indiretamente, mais de 10% de ações de uma companhia com títulos publicamente negociados, de remeter à SEC relatórios mensais, indicando qualquer modificação no número de ações que possuem naquela companhia. Ademais, a Seção 16 b) dispõe que qualquer das pessoas acima elencadas deve devolver à companhia qualquer lucro obtido nas operações de compra e venda ou venda e compra de ações da mesma companhia dentro de um período de seis meses. Em suma, o insider não pode comprar e vender em intervalo de tempo inferior a seis meses.
  • 45. Francisco Mussnich, em seu brilhante artigo publicado na Revista de Direito Mercantil n° 3417 , ensina-nos que : A seção 16-b), comumente conhecida como Rule of Thumb ou short- swing profit prohibition provision, estabelece uma presunção de utilização desleal de informações privilegiadas, se preenchidas certas condições, desprezadas as intenções ou expectativas das pessoas envolvidas. A seção estabelece a responsabilidade por ato ilícito dos administradores (conselheiros ou diretores) ou controladores diretos ou indiretos de mais de 10% de qualquer classe de valor mobiliário registrado de acordo com a seção 12 do referido act, obrigando essas pessoas a reembolsarem à empresa todo e qualquer lucro realizado na compra e venda ou venda e compra de qualquer valor mobiliário desta empresa, caso tenham sido realizadas em um período inferior a seis meses. Ressalte-se haver uma presunção jure et de jure no que toca a estas operações terem sido efetuadas de boa fé. Embora não soasse estranho e tampouco inédito que o agente insider pudesse estender suas operações por um período superior aos seis meses permitido pelo act, este prazo teve de ser aceito como um ato definitivo. A competência para a aplicação do act é da Justiça Federal e os réus podem ser citados em qualquer parte do mundo. Mais adiante, o brilhante autor e professor prossegue: A execução judicial da seção 16-b) é efetuada através de ação judicial de responsabilidade proposta contra os violadores da norma jurídica , pela empresa dos valores mobiliários , ou, na hipótese de sua recusa ou impossibilidade, decorrido o prazo de 60 dias após a solicitação para a propositura da referida ação ou ainda no caso de um acionista controlador (hipótese em que é desnecessária qualquer solicitação para a propositura da ação) pelos acionistas da Companhia emissora, na qualidade de seus substitutos processuais. 17 MUSSNICH, Francisco Maciel Antunes, A Utilização desleal de informações privilegiadas- Insider Trading- no Brasil e nos Estados Unidos, Revista de Direito Mercantil n° 34, , São Paulo, Malheiros, 1979, pg 35
  • 46. O prazo de prescrição para a propositura da ação é de dois anos , contados da data em que o lucro foi realizado, não correndo , entretanto, a partir desta data, caso os violadores da norma não tenham notificado a Securities Exchange Comission da ocorrência da operação. Cumpre salientar que a SEC obriga os administradores a notificar-lhe a quantidade de ações possuídas pela empresa seis meses antes de sua investidura no cargo de administrador e até seis meses após seu desligamento da empresa. Agindo assim, busca tal autarquia aumentar as possibilidades de insider previstas na seção 16-b. No caso Blau v. Lehman18 , a Suprema Corte Americana reconheceu a possibilidade de existir uma relação contratual (conhecida como agency) a qual no direito brasileiro assemelhar-se-ia a mandato, entendendo que o conceito de “administrador” poderia ser estendido, pois, não somente aos administradores do Conselho de Administração e/ou da Diretoria da Companhia. Ademais da definição de “administrador”, o controlador direto ou indireto, isto é, aquele que detenha mais de 10% dos valores mobiliários de determinada Companhia, pode ser considerado um insider trading. Houve um caso emblemático19 em que a esposa de um administrador foi considerada uma das controladoras indiretas das ações de seu marido, tendo sido, conseqüentemente, punida com base nesse dispositivo 16-b.Nesta decisão, o Tribunal Norte-Americano examinou o conceito de controlador direto e indireto e o ampliou. Se os frutos da propriedade de determinados valores mobiliários de uma dada companhia são gozadas por ambos os cônjuges, com o resultado dos dividendos, dos ganhos de capital na alienação das ações e no caso de disposição das mesmas em caso de doação ou herança, parece justo aos olhos da SEC e da Corte de Justiça Norte Americana que ambos os cônjuges sejam apenados. No entanto, tanto a SEC como os Tribunais reconhecem que as transações do controlador direto ou indireto só seriam atingidas pela seção 16-b se a quantidade de valores 18 Ver Blau v. Lehman, 368, US, 403, (1962) 19 Vide caso Whiting v. Dow Chemical Company, 523,F.2ed, 680 (2nd Cir, 1975)