OBSERVANDO A VIDA apre ok4. As histórias de “Observando a Vida Selvagem”revelam e surpreendem; visitam aqueles momentos em que normalmente dizemos
“Você tá brincando! Isso não aconteceu!” São situações movidas pela natureza humana naquilo que ela tem de mais instintivo,
curioso e ambíguo; peripécias que homens e mulheres realizam influenciados por seu potente arsenal hormonal; testosterona,
progesterona, adrenalina, quem sabe até ferormônios... Secreções correndo nas veias, bem vindas ou indevidas e que, muitas vezes,
colocam em questão quais os reais limites do livre arbítrio!
Afinal, quem somos nós? Do que somos capazes? O que nos atrai? O que nos causa repulsa? O que queremos? Queremos apenas
aquilo que realmente precisamos? As pequenas e grandiosas aventuras urbanas dos personagens são cotidianas;
podem acontecer – e acontecem – com qualquer um, especialmente numa megacidade onde vivem apinhados milhões
da nossa espécie! Infelizmente, a ‘observação da vida selvagem’ não leva sempre a um conhecimento esclarecedor e muito menos
à criação de boas regras de convivência. O mais comum é a incompreensão diante da bestial irracionalidade, mas para nossa sorte,
também acontece muitas vezes dessas experiências iluminarem nosso caminho e nos conduzirem para a felicidade.
Quer seja por amor, raiva, tesão, autoafirmação, fetiche, tara, seja lá o que for e independente da opção sexual,
na hora “H”, o resultado de nossas manobras quase sempre é grandioso, emocionante, hilário e até desastroso...
CONCEITO
6. O caráter não episódico das histórias resulta justamente do fato de ‘selecionarmos/focarmos’ um evento
na vida dos personagens, daí a associação à ideia de ‘crônica’. No que refere ao modelo de produção isso permite
maior liberdade na seleção e escalação de elenco e, consequentemente, mais objetividade e produtividade no set.
O plano é estruturar um elenco de atores e atrizes que possam, cada um deles, eventualmente interpretar mais
de um personagem ao longo da jornada de produção de um conjunto de filmes. Uma excelente referência
desse modelo de produção é o bem sucedido “Porta dos Fundos”.
PRODUÇÃO
HISTÓRIAS
O atual repertório de situações/crônicas é resultado - como já antecipa o título da série – da nossa
‘observação da vida selvagem’. Na medida em que vivemos novas experiências, vemos notícias ou simplesmente andamos
pela rua, novas histórias surgem e procuramos imediatamente dar-lhes uma forma narrativa. Algumas estão estruturadas,
em outras identificamos aquilo que julgamos essencial e arrebatador; ainda há aquelas que mesmo curtas sabemos
potencialmente capazes de desdobramentos e - o fundamental - adequadas para adaptação para audiovisuais com
10 minutos de duração. Nesse documento, indicamos algumas dessas histórias para exemplificar sua diversidade,
entre elas uma que já ‘traduzimos’ para o formato de roteiro.
19. 01. INT-EXT/NOITE – FUSCA TURQUESA / RUAS
RITINHA (31 anos), dirige seu ‘fusquinha’ turquesa pelas imediações da Rua Augusta. Ao seu lado, no banco do carona,
está sua inseparável amiga MALU (30 anos). As duas mulheres sorridentes são atraentes, usam mini vestidos
com decotes generosos. Da pele de ambas, “vemos surgir” um tênue ‘aroma’ (pós-produção) que se espalha
pelo carro e pelas janelas abertas. Tal como num ‘desenho animado’, o aroma se desloca pela calçada e invade
as narinas de pedestres, principalmente dois homens. Um é um rapaz entregador de pizza que se prepara para dar a partida
em sua moto, mas se volta rapidamente para as mulheres que passam no Fusca. O outro é um senhor que,
mesmo bastante idoso, volta o olhar interessado para Ritinha e Malu.
Dentro do Fusca, a unha perfeitamente pintada de Malu liga o rádio do carro e passamos a ouvir um samba-rock.
RITINHA
Esse seu Jorge merece acender uma ponta. Você tem?
MALU
Só a ponta?! Eu quero aquilo inteiro! Ôôô negão gostoso.
RITINHA
Chiiiii..Já vi tudo, tá afim de tirar o atraso.
21. RITINHA
O Gui vai te comer facinho vadia...O câmbio dele é desse tamanho?
MALU
Bem menor... Acredita que até disso ele conta vantagem? Diz que tudo bem engatar de ré!
As duas caem no riso. Corta para tomada externa do Fusca seguindo pela rua.
Das janelas, continua a exalar o ‘aroma’ aplicado em pós produção.
02. EXT/NOITE – RUA AUGUSTA
A rua está congestionada, carros se movimentam lentamente ao longo do percurso. Na calçada, todas as tribos vão e vem: metaleiros,
alternativos, punks de butique, prostitutas, travestis etc. ALFREDO (38 anos), bombado, exibicionista, bebe cerveja e tagarela
para MARCIO (26 anos) e MARCELO (23 anos), ambos também musculosos. Os três conversam e fazem demonstrações de luta na calçada,
diante do bar com poucos fregueses. No balcão, um velho que passou por ‘traqueostomia’ faz seus comentário através
do pequeno aparelho que leva ao orifício na garganta.
ALFREDO
O negócio é full fight!
MARCIO
O que é isso, Alfredo? Video game?
ALFREDO
Qual é, bro? É o mix perfeito: karatê, jiu-jitsu, greco-romana.
Pro nosso perfil é mais eficiente que Krag Maga!
.
27. MALU
O que?! Que cara folgado!
RITINHA
Relaxa pelo amor de Deus, Malu. Amigo, desculpa, mas não estamos MESMO a fim de conversar, tá?
Estamos indo pro hospital visitar um amigo que está em coma. Não estamos no clima, entende?
Vocês até que são bonitinhos, mas…
MALU
Bonitinhos? Tá louca Rita? Olha moço, a verdade dói: não estou de ‘chico’ e estamos animadas,
indo pra uma festa cheia de gatinhos inteligentes e bem educados.
Ou seja, não precisamos conversar na rua com uns boladinhos que mal sabem chegar em mulher.
Podem voltar pro seus amiguinho ali e dizer que a cantada não deu certo.
Séria, Malu sobe o vidro manual da janela diante do desconcertado grandalhão Márcio. Ritinha observa o farol que, embora verde, não
implica em movimentação no trânsito e fica novamente vermelho. Marcelo, o terceiro amigo, se aproxima sorridente com uma garrafa
de cerveja nas mãos e alguns copos descartáveis. A motorista começa a sussurrar sua reza para Santa Rita de Cássia.
ALFREDO
Já entendi, voces são namoradinhas, né? Marcelão, nem adianta colar aqui. As mina é sapata …
MARCELO
Tá na cara seus trouxa! Fuca é carro de sapata ou bicho grilo.
36. Fim
Roberto tinha 22 anos e o tesão à flor da pele. Literalmente, pois só de encostar o braço contra a pele do braço de uma mulher
lhe vinha uma ereção. Por isso Roberto adorava andar de ônibus, principalmente no verão onde as mulheres punham seus braços
e pernas pra fora despudoradamente. Roberto era um cara bonito e se achava um caçador viril, não um tarado. Sempre cuidando
de não passar dos limites e ser linchado. E ali estava sua presa indefesa sentada sozinha com a pequena cabeça sonhadora
apoiada no vidro engordurado. Vestia um saia curta e uma blusa decotada, o que para Roberto já era um sinal de "to a fim de dar"
e não simplesmente um "to com um puta calor". Para um jovem tarado tudo passa por uma ótica distorcida.
A moça em questão estava é com um puta calor. Sonhava chegar em casa para assistir a novela tomando
um picolé de limão, que estava cuidadosamente escondido atrás do pote de feijoada congelada, para que seu irmão não o encontrasse.
Pediu licença para sentar ao seu lado. O fato de Roberto ser alto e ter as pernas compridas era um bom álibi
pra ele sentar espaçosamente bem próximo, porém ainda sem contato físico para não assustar a moça.
Sentou precisamente a distância de 2 centímetros das pernas e 1 centímetro e meio dos braços...
bastava uma respiração profunda e sincronizada para que os dois braços se encostassem.
Os sentidos aguçados de predador de Roberto já detectaram o roçar imperceptível dos pelos,
antes das peles se tocarem. O próximo passo só seria possível graças à Prefeitura de São Paulo
e seus asfaltos esburacados, que proporcionariam um solavanco, perfeitamente adequado para o álibi da aproximação total.
Pronto, um sacolejo dos bons e os corpos se aproximaram num balé desajeitado. Imóvel como um leão de tocaia na savana Wild Life,
Roberto espera pra ver se a moça vai se ajeitar no banco, pra se afastar. Não se mexe.
Então ele já começa a preparar o bote mais arriscado, em três movimentos.
O CAÇADOR DA LOTAÇÃO
37. Primeiro: distraidamente dar uma coçadinha na perna e deixar a mão lá.
Segundo: como quem não quer nada, ir escorregando a mão pro lado, até que a lateral do mindinho encoste
levemente na perna desnuda da moça.
Terceiro: constatada a aceitação da etapa dois, partir para o golpe de misericórdia...por as mãos na coxa da vítima.
Na verdade Roberto nunca chegou a esse ponto, porque ele ainda não é um tarado profissional.
Nem o mindinho ele conseguiu encostar em ninguém, porque lhe faltava a coragem.
Coça a perna Roberto, coça sem medo! Coçou... e deixou a mão tremula ali, distante dois extensos centímetros da perna da moça.
E que pernas perfeitas. O suor frio escorria pelas costas de Roberto. Prefeitura de Jesus me dê mais um solavanco agora por favor!
Roberto sentia todo apoio administrativo e divino naquele momento, porque o solavanco veio imediatamente.
Pronto! O dedinho está encostado lá, Roberto! Imóvel e sugando imperceptivelmente todo o calor daquelas coxas,
como um pernilongo que se alimenta da sua vítima anestesiada. Roberto mal conseguia respirar, e seu corpo congelou.
Até agora nada contra a lei do município. Mas se fosse alguns centímetros para o lado direito, estaria atravessando
um limite que poderia não ter mais volta. Imaginou a multidão em frenesi pisoteando seu belo rosto contra aquele
chão áspero e metálico do ônibus. Se viu desfigurado na cadeia, espremido entre homens brutais numa minúscula cela.
Mas pensou também na sua mão espremida entre aquelas coxas monumentais. Roberto pensou então: se ele colocasse
a mão e a reação fosse negativa, poderia simular um ataque epilético logo em seguida, como se a mão na perna fosse
um último pedido de socorro antes da convulsão mental. Isso mesmo! Um epilético sempre causa pena e desconforto!
Bastaria babar, e morder a mão do primeiro infeliz que tentasse desenrolar sua língua.
39. FETICHE ORIENTAL
Paulo saiu da academia e foi dar um rolê pra comprar uma cueca nova. Gostava de ir na Calvin Klein,
onde tinha só vendedora mulher. Comprar cuecas com mulheres podia constranger alguns, mas Paulo, pelo contrário,
se excitava com a ideia. Vestia uma camiseta regata, pondo a mostra os músculos inchados pela maromba,
e com certeza ia chamar a atenção das vendedoras, pelo menos era o que esperava.
(Vendedora)- Boa tarde! Tudo bem? Posso te ajudar?
(Paulo)- Tudo. Queria ver umas cuecas tipo boxeador.
(vendedora)- Olha temos essas com pacote com três que estão em promoção. Deixa eu ver... Você deve ser M.
(Paulo)- Isso mesmo. A cueca é M.
Paulo se sentiu um boçal com essa leve insinuação ridícula que seu pau não era tamanho M, e torceu para a vendedora
não perceber o seu ato falho. A vendedora não pareceu nem um pouco interessada na sua musculatura, queria mesmo
era vender as cuecas. Nesse instante entrou na loja um executivo japonês, de uns 40 anos. Trazia pela mãozinha escondida
sob o terno cinza, mais largo do que deveria, uma pasta 007 imitação de couro. Parecia desconfortável dentro da loja.
Antes que a outra vendedora o abordasse ,dirigiu-se rapidamente para a mesma que atendia Paulo, interrompendo-a.
(Japonês)- Desculpa, com licença? Queria ver meias de algodão.
(Vendedora) - Nós não trabalhamos com meias senhor, mas se quiser ver outras coisas a Bete pode lhe atender.
40. O Japonês olhava para a vendedora constrangido, e rapidamente voltava os olhos para Paulo compulsivamente,
quase como um tique nervoso.
(Japonês)- Não tem meia é?
(Vendedora)- Não meu senhor, meias não. Sinto muito. Com licença.
(Japonês, dirigindo-se a Paulo)- Por gentileza, o senhor sabe me dizer onde eu encontro uma loja de meias na região?
(Paulo)- Amigo pra dizer a verdade eu quase não uso meias.
Olha só..ta vendo.?
Paulo apontou pro tenis 44, entornando a canela grossa e peluda, o que deixou o japonês ainda mais sem graça.
Pediu desculpas e se esgueirou para fora da loja, de um modo suspeito. Vinte minutos depois Paulo deixa a loja com 10 cuecas,
sendo que precisava de 3, finalmente percebendo porque colocavam mulheres bonitas para vender cuecas.
Seguiu em frente alguns passos, e resolveu inverter a direção do trajeto, para tomar um shake de proteína que faziam
ao lado da academia. Ao se virar, teve a impressão de ver o executivo japonês entrando rapidamente numa loja
de artigos indianos e esotéricos. Quando passou pela vitrine, viu o japonês examinando um cristal concentradamente,
como um geológo profissional. Teve a leve impressão que os olhinhos apontavam na sua direção através da pedra transparente.
Paulo sentou no balcão da lanchonete e pediu o enjoativo shake de proteína sabor morango. Bebeu à contragosto,
como parte obrigatória do treino de body-building. Viu passar de novo na calçada o maldito japa, carregando sua pastinha
imitação de couro preto descascada. Ele parou na porta da lanchonete e ali ficou alguns instantes, atendendo uma suposta l
igação num celular pós pago vagabundo. Entrou fingindo não ver Paulo e sentou numa mesa perto da porta.
Paulo começou a se irritar com a presença nipônica.
41. Arrotou o shake, pagou a conta e tomou seu rumo. Ao dobrar a esquina seu sexto sentido de macho alfa guiou sua cabeça
pra vigiar as costas. E lá estava o japonês, à uns dez passos de distância. Paulo colocou o queixo pra frente instintivamente,
sugerindo um ataque primitivo. O japonês paralisou e empalideceu. Paulo diminui rapidamente a distância entre os dois,
com passos largos e decididos.
(Paulo) – Você tá me seguindo, caralho?
(Japonês)- Calma moço, me desculpe, só queria um minuto do seu tempo. Não sou bandido, sou uma pessoa honesta.
(Paulo) – Que você não é bandido tá na cara. Tá achando que sou viado cara? Qual é? Fala porra!
(Japonês)- Não moço, com todo respeito. Eu sou casado e o senhor parece ser bem machão, né?
(Paulo) – Tá me tirando japonês? Explica logo!
(Japonês) – Sabe, não me entenda mal, mas tenho uma coisa que me apetece muito, e queria fazer uma oferta respeitosa ao senhor.
(Paulo)- Oferta respeitosa? Eu lá sou Santo pra receber oferta respeitosa? Vai num terreiro japonês!
(Japonês)- Eu sou budista moço. A oferta é um dinheiro para eu cheirar o seu suvaco.
(Paulo)- O queee!!? Pirou cara?
(Japonês)- Eu gosto muito, muito mesmo, do cheiro de suvaco de homem forte. Só isso. E pagaria cem reais, para com todo
respeito cheirar o seu suvaco. Eu nem tocaria o senhor. Palavra de honra. Nós podemos ir ali no banheiro daquele restaurante.
Não gastaria mais que 5 minutos do seu tempo!!
(Paulo) – É brincadeira uma coisa dessa? Que cara de pau hein japonês? Voce não tem vergonha?
Casado e tudo. Budista. O que diria Buda..
(Japonês) – Me desculpe moço.
(Paulo)- Duzentos reais.
(Japonês)- Aceita cheque?
***
42. Estava eu caminhando pelo largo de Pinheiros. Era fim de tarde de um verão extremamente quente e eu tinha saído de um treino
de boxe tailandês, o que fazia sentir-me extremamente macho. Camisetinha regata com os músculos inchados à mostra, cabeça
recém raspada e uma grande autoconfiança. Resolvi me misturar àquele formigueiro na hora do rush, para lançar olhares sedutores
sobre as mulheres que passavam apressadas. Quem sabe convencia alguma a chegar mais tarde em casa.
Porém, quem decidiu interromper o caminho de casa, sucumbindo aos meus ferormônios, foi uma enorme barata voadora
que estatelou na minha testa. A mocinha subiu pela careca lustrosa e escorregou com sensualidade lânguida pela minha nuca,
descendo rapidamente para dentro da camiseta regata com a intenção libidinosa de explorar meu abdômen definido
com aquelas patinhas ásperas. De machão latino me transmutei imediatamente numa espécie de dançarino de flamenco histérico.
Gritei e me contorci num balé grotesco, em busca da barata estupradora, tudo para deleite da plateia que ali estava.
A barata desesperada dava voltas no meu tronco à procura de um esconderijo, pois àquela altura da coreografia
eu já tinha arrancado a camiseta. A moda fashion de machão eram aquelas calças sem cinto, um pouco mais largas do que se devia,
com a intenção sensual de mostrar um pedaço da cueca Calvin Klein. A barata não resistiu a tamanho apelo sexual e se enfiou
pra dentro das minhas calças, para o meu profundo desespero. E lá estava o badboy com as calças arriadas, dando pulinhos
sincronizados, como num fado português, em busca da barata safada. Na altura da coxa desferi um tapa na maldita, que finalmente
me abandonou, seminocauteada, alçando seu voo trôpego em direção ao crepúsculo. Subi as calças rapidamente,
sem tirar os olhos do chão e segui em frente pela rua, tão desnorteado quanto a barata, que me havia dado uma boa lição de humildade.
***
SUPER MACHO
43. Amanda havia economizado para comprar seu novo celular. Sua mãe insistira para que ela colocasse no seguro,
mas a mulher desdenhou do conselho. Não poderia ter sido mais imprevidente, afinal Amanda trabalha como assistente social
e justamente no centro de São Paulo! Conselho de mãe vale ouro! Foi como tinha de ser: depois de poucos dias,
Amanda foi assaltada por um truculento morador local, aliás, um velho conhecido do pessoal da Secretaria de Assistência Social.
Coqueiro era um magrão, bem alto e cabeludo, sua melhor arma era a cara feia e ossuda, mas ninguém duvidava
que levasse uma faca na cinta.
Amanda entregou o celular, mas não se conformou. Retornou minutos depois, mas dentro do taxi de uma motorista amiga.
Não demorou e ela avistou o ladrão. Coqueiro estava tranquilo, afinal sabia que a polícia geralmente não tinha tempo,
recursos e paciência para correr atrás de ladrão pé de chinelo. Amanda não tinha exatamente um plano; era mais uma ideia
nebulosa sobre como reaver seu celular. Ela pediu à amiga que parasse o carro bem diante de Coqueiro e,
ali do banco traseiro, começou a observá-lo sem parar. Lembrou de um amigo que dizia que bastava olhar cinco segundos
para a nuca de alguém que a pessoa entrava em alerta e olhava para trás. Isso provavelmente não funcionava
tão bem com craqueiros! Ainda assim, depois de um tempo, Coqueiro reparou em Amanda.
ASSISTÊNCIA SOCIAL
44. Nem passou pela cabeça dele que aquela morena era uma de suas vítimas, até porque ela parecia interessada nele.
Interessada a ponto de não tirar o olho, sorrir e morder os lábios. Impaciente, Amanda abaixou o decote e mostrou
um peito para Coqueiro. O homem se animou. Foi seco para o táxi. Amanda abriu a porta traseira, Coqueiro entrou,
a taxista arrancou com o carro. Por cinco segundos Coqueiro soube o que era felicidade; a mão cheia naquele peitão...
Depois veio o spray de pimenta, ardendo forte no olho. Não enxergou nada. Mas entendeu que o carro parou.
A taxista desferiu o primeiro golpe com a chave de roda na cabeça de Coqueiro. De leve, que ela não queria sangue no carro.
Amanda arrancou a mochila de Coqueiro e se certificou dos quatro celulares ali dentro, um deles o seu, novinho!
Novas doses de spray de pimenta e Coqueiro mal pode resistir quando Amanda abriu a porta e usou as pernas para empurrar
o sujeito para fora do carro. Coqueiro ali, caído na sarjeta, desnorteado; Amanda levantou a chave de roda e perguntou
para amiga taxista: “Posso dar mais uma?” A motorista consentiu apenas balançando a cabeça.
Amanda desceu a chave de roda bem na boca de Coqueiro, dois dentes saltaram para o asfalto e o homem urrou de dor,
levando a mão à boca ensanguentada na tentativa de segurar a mandíbula deslocada. Amanda caprichou. Pegou de jeito!
***
45. O entregador de pizza Miguel sofre para manter o cronograma em seu trajeto, pois o atraso é penalizado não só pela insatisfação
do cliente que dificilmente concede uma gorjeta, mas pelo próprio patrão que diminui o ganho do funcionário. Quando chega
a um cliente, se depara com o problema: o condomínio não autoriza a entrada de entregadores e, sendo assim, o ritmo
do atendimento dos clientes por parte de Miguel passa a depender da disposição e da velocidade do morador que parece
ter se perdido no trajeto entre o sexto andar e o térreo! Ansioso, Miguel aproveita a saída de outro morador para ultrapassar
o primeiro portão da ‘gaiola’ de segurança que separa a rua pública do ambiente privado e protegido do condomínio.
A voz no interfone o adverte que aquilo é proibido. Miguel deve retornar à rua. Mas Miguel tem pressa e, parece,
o dono da pizza já está chegando. Era ele mesmo, mas a iniciativa de passar para o interior da gaiola sem convite,
deixa o morador atemorizado. Além disso a pressa, a irritação e a contrariedade de Miguel não são bem vistas pelo cliente
que chega sonolento à portaria e, protegido pelas grades, decide ali mesmo fazer valer seus direitos de consumidor e desiste da pizza.
Miguel se revolta e tem um ataque de fúria dentro da gaiola. O cliente ensaia uma reação, mas termina por desistir
do confronto e volta ao seu apartamento. Miguel fica ali enjaulado por vontade própria, resiste ao zelador do turno da noite,
aos moradores que tentam entrar e até mesmo aos PMs que chegam para apaziguar a situação. Ele só desiste da entrega
quando um colega seu chega com um garupa e uma nova pizza, quentinha e a pedido do mesmo cliente que perdera o sono
e resolvera telefonar novamente para a pizzaria. Miguel está demitido, a moto não é sua e ficará com o garupa enviado
para resgatar o veículo! Miguel só tem dinheiro para o ônibus que, infelizmente, só voltará ao serviço dali a algumas horas.
A madrugada está fria, assim como a pizza fatal que Miguel ainda carrega consigo.
É a única coisa que sobrou para ele naquela madrugada ...
***
PIZZA E FÚRIA
46. Zé Antonio está tomando seu café da manhã enquanto divaga sobre seus problemas intestinais.
(Pensamentos do Zé) – Tenho que marcar um gastro essa semana. Não tá dando esses gases. Ta piorando. Ontem escapei por pouco.
Zé lembra na noite anterior seu encontro com uma gata. Os dois esperando uma mesa para jantar num restaurante
chique, sentados num banco de madeira na parte externa do lugar. Conversavam sedutoramente e ele com uma puta
vontade de peidar. Chegava a dar cólica. Foda fazer cara de sedutor numa situação dessa, mas o Zé tinha muito auto-controle
dos músculos faciais, e dos do esfincter também. Aproveitando que estavam ao ar livre, e o lugar estava bem barulhento
com música e pessoas falando, Zé decidiu abrir a portinhola dos gases venenosos. Desta vez a bomba podia que ser das ruidosas.
Zé tinha a habilidade de controlar a intensidade do volume, seu cu era um verdadeiro potenciometro. Presumindo a concorrência
sonora do local, deixou as pregas num nível de contração seguro e soltou a bomba. O banco de madeira vibrou como uma harpa
e imediatamente a gata pegou o celular, pedindo licença para atender.
(Gata)- Ué! Achei que era meu celular vibrando.
Zé tinha um puta controle dos músculos faciais e manteve-se impassível.
Em uma outra ocasião, com uma outra gata, na frente de um barzinho com mesas na calçada esperava em pé por uma mesa.
Puto da vida e com dor no ciático, estava bem ao lado de um casal que já tinha pago a conta,
e enrolava num papo pentelho sobre um filme do Lars Von Tries.
FLATULÊNCIA ASSASSINA
48. Fim
Só pelo nervoso a cólica já deu sinal de vida. E para piorar, as desgraçadas das glândulas sudoríparas começaram a funcionar
a todo vapor. Zé tentou aparentar calma, mas se entregou ao apertar compulsivamente o botão de emergência.
(Loura)- Voce tem claustrofobia? Eu tenho um pouco…
(Zé)- Não, é que estou atrasado. Elevador!!!! (gritando contra a janelinha da porta e dando bandeira do nervosismo)
(Loura) – Espera, tem o interfone aqui (abrindo uma portinha abaixo dos botões dos andares)
(Zé)- É mesmo, esqueci, desculpa o grito.
(Loura) – Tudo bem...Alo? Seu Gil? Estamos presos aqui no elevador. Dá pra vir soltar a gente? Ahhh..entendi…fazer o que né?
Mas tem que falar pro síndico seu Gil, segunda vez esse mes. Tá , tchau.
(Zé)- E ai, tudo bem? Ele tá vindo?
(Loura) – Ele falou que vai demorar uns dez minutos porque precisou resetar o sistema, e mudaram a senha que só o zelador
tem… O zelador tá fazendo compras e tá sem o celular. Volta mais ou menos em 10 minutos. Fazer o que? vamos esperar, né?
(Pensamentos Zé) – Fazer o que? Tudo menos peidar aqui dentro. Meu Deus tem um time de hockey patinando no meu
intestino. Aperta o cú Zé. Fecha o portão da masmorra.
(Loura) – E o ventilador parou, pra piorar. Que calor. Parce que não tem ar aqui dentro. Ainda bem que voce está aqui, sozinha
fico meio apavorada. Parece um caixão! Credo.
(Zé)- Ser enterrado vivo a dois realmente é mais gostoso.
(Loura)- Não achei graça!
(Zé) – Desculpe.
51. Ricardo, 41 anos com 90 kg de músculos e 10 de pança, está puto da vida sentado na sua pickup Ranger, entalado
no congestionamento. Acabou de brigar com sua mulher no celular, e vai ter que buscar o filho na escola, durante o mísero
horário de almoço que tem na firma. Provavelmente não vai conseguir almoçar, porque a sua mulher está uma reunião no trabalho
que se estendeu. Sua mulher trabalha mais e ganha bem mais que ele, motivo já pra deixa-lo puto todo dia ao levantar-se.
Ricardo enfia o mãozão cheio de anéis de prata na buzina da Ranger, porque o SUV do riquinho à sua frente demorou 5 segundos
para andar, depois que o transito desafogou um pouco.
Cláudio, 43 anos com 87 kg de músculos e zero de pança está puto nas calças sentado no seu SUV novinho, financiado em
prestações
à perder de vista. Acabou de saber que seu melhor, e praticamente único cliente, realmente trocara de fornecedor.
Também está desconfiado que sua mulher vai trocar de fornecedor. E o gerente do banco não aceitou uma renegociação
da sua dívida. E o desgraçado do sertanejo atrás dele não pára de aporrinhar com a buzina.
Ricardo e Cláudio saem sincronizadamente da avenida, pegam à direita numa rua de mão única com duas faixas estreitas,
com carros estacionados nas duas margens. Ricardo impaciente cola na bunda de Cláudio,
querendo impor sua velocidade e sofrendo com a dificuldade de ultrapassar.
(Ricardo)- Vai Playboy molenga do cacete! Anda corno!
Cláudio sente a pressão pelo retrovisor. Os vidros “filmados” de ambos os carros não permitem que se vejam os motoristas,
fazendo que a enorme pickup vire a personalização do mal, com seus grandes olhos e bocarra prestes a morder seu rabo.
Cláudio pensa na sua mulher dando pra outro cara, e então reduz propositadamente a velocidade para irritar mais ainda Ricardo.
VELOZES E FURIOSOS
52. (Cláudio resmunga) – Tá com pressa vaqueiro? Porque não saiu ontem?
Vendo que a pressão não faz efeito, Ricardo desespera-se por ultrapassar, piscando o farol e tocando a buzina. No cruzamento
em que a pista ganha um breve folego de espaço, ele acelera e passa quase raspando por Cláudio, rosnando o motor e gritando
a buzina. Cláudio se surpreende com a manobra e começa a perseguir o cowboy desvairado. Esse por sua vez percebe a SUV
colando no retrovisor, prevendo assim um desenlace trágico.
(Ricardo) – Agora voce tá com pressa desgraçado? Vem que eu to pronto pra te encher de porrada.
Ricardo pensa se o cara pode estar armado. Besteira. Um boyzinho desses não anda maquinado. Mas e se for um juiz? Mas dai ele
vai dar uma “carteirada” e não puxar uma arma. E se for um desses boladinhos lutadores de jiu-jítsu? Ricardo era bom de briga, mas
não sabia nada de jiu-jítsu e tinha medo do cara agarrar ele antes que pudesse dar uma porrada. Era só o que faltava, ter um braço
quebrado por um moleque no meio da rua. E o seu filho esperando na escola? Sua mulher ia achar ridículo ele brigar na rua, ainda
mais indo buscar o filho na escola, e atrapalhando sua reunião. Ia ser uma zica do caralho. Pensou: Porra Ricardo, porque você não
se controla? Foda-se, agora vai ter que encarar. Não ia amarelar.
Virou a direita pra pegar a avenida, e a SUV veio rasgando na sua cola. O farol fechou e ela encostou do seu lado.
Ambos vidros elétricos começaram a baixar, e o batimento cardíaco de Ricardo a aumentar. Tirou o cinto e pôs a mão na maçaneta,
se a porta do cara começasse a abrir ele saia antes, para não ser encurralado.
Os dois gigantes se encararam imóveis, numa silenciosa demonstração de força.
54. A RISONHA
Lucia era uma morena bonita, uma falsa magra de sorriso fácil, mas o que realmente chamava atenção na garota de vinte e poucos
anos eram os olhos verdes. Estava sempre de bem com a vida, apesar da vida não estar tratando tão bem dela. Tinha família, tinha
amigos e tinha sonhos, todos pobres e deixados, pelo menos provisoriamente para trás, lá em Cascavel, interior do Paraná. Estava
em São Paulo por um motivo bem certeiro: estudar para o concurso de auditoria fiscal federal. Não demorou e Lucia descobriu que
na prática, a mesada destinada a ela pelos pais não seria suficiente. Procurou emprego, mas a época era ingrata. Sendo linda, não
demorou para que uma ‘oportunidade’ chegasse até ela.
O sujeito se apresentou como sócio numa balada que estava contratando garotas. O salário era atraente e a escala de trabalho
permitiria à Lucia continuar seus estudos. Era uma chance que valia o empenho. Lucia não era ingênua e sabia o que precisaria fazer
para garantir aquele posto de trabalho.
Rogério era um homem sério, mas mesmo assim, brincava com Lucia ao dizer que não acreditava que ela tivesse
paciência com um quarentão. Na verdade, Rogério já estava mais perto dos cinquenta do que dos quarenta. Era barrigudo, enorme,
sanguíneo, peludo e boa parte dessa cobertura capilar estava branca. Mas Lucia não se importava com esse tipo de detalhe. Em
pouco tempo estaria na folha de pagamento da República, com estabilidade garantida e os benefícios de uma aposentadoria
especial. Com certeza se lembraria daquela aventura apenas como uma pedra em seu caminho de sucesso...
55. Rogério a levou para jantar. Sugeriu que fossem cedo para depois aproveitarem a noite como quisessem. Como ele queria, no caso...
Lucia sabia o que a esperava. Resolveu entender aquilo como uma ‘experiência de vida’, mas o que ela não imaginava é que Rogério
tivesse obsessão por limpeza. Depois do jantar, o homem a levou para um motel sofisticado, mas lá tirou uma mala do carro com
lençol, fronha, edredon, toalhas e uma enorme nécessaire com produtos de limpeza, antissépticos, lenços úmidos de vários
tamanhos, preservativos, óleos e alguns brinquedinhos, tudo novo, na caixa! Lucia procurou focar: lembrou que lhe disseram que
um fiscal da receita federal normalmente trabalha uns três dias por semana...
A situação ficou estranha quando Rogério encheu a Jacuzzi com água fervendo:
_ “É pra matar as bactérias”.
_ “Eu li que nem todas as bactérias fazem mal...”
_ “Você sabe como escolher as boas?”
Rogério disse isso num tom algo indignado, como se estivesse lidando com uma completa imbecil ou uma louca suicida disposta
a entrar na água com bactérias desconhecidas! O acidente aconteceu nesse momento: Rogério tropeçou e caiu de bunda na água
pelando; ele saltou como um babuíno louco, por sinal com o traseiro vermelho e escaldado. Lucia sabia que rir naquela hora poderia
representar o fim de sua futura carreira na Receita Federal. Pensou nas vantagens, na necessidade de dinheiro para financiar seus
estudos e não teve dúvidas. Se lançou sobre Rogério, enfiando um beijo suculento em sua boca. Aquilo acalmou o homem, mas
ainda assim, a queimadura, mesmo superficial, abalou o desejo do homem. Sem graça, Rogério mal disfarçava seu incomodo e usou
uma toalha de banho para cobrir seu sexo. Naquela altura, se quisesse poderia ter usado um lencinho úmido, daqueles menorzinhos
que distribuem em aviões. Lucia sabia que se quisesse se transformar numa boa lembrança na mente de Rogério, precisava reverter
aquele baixo astral. Imaginou que o melhor seria levar o sujeito na conversa, fazer ele relaxar...
56. A morena sorriu e se revelou a melhor companheira: colocou uma musiquinha, ensaiou uns passos de dança e, enquanto
se esmerava em movimentos sensuais, cuidava de esticar o lençol limpo trazido por Rogério. Fazia isso de forma perfeccionista,
o que percebeu deixava o homem feliz e satisfeito. Mas, poxa vida, queimar o saco em água fervendo não é algo que a gente possa
simplesmente tirar da cabeça e, sendo assim, todo o esforço de Lucia não estava fazendo muito efeito. Ela resolveu apagar a luz.
Melhor do que isso, descobriu que o quarto tinha lâmpadas de ‘luz negra’ e experimentou.
O resultado não poderia ter sido pior: os olhos, os dentes e todos os pelos brancos de Rogério reagiram à luz negra e brilharam,
transformando o sujeito num ridículo urso iridescente! Lucia não aguentou. Caiu na risada! Começou a gargalhar a ponto de não
conseguir parar. O constrangido Rogério, mesmo com a dor da queimadura, vestiu a calça, a camisa, pegou suas coisas e abandonou
Lucia no quarto. Esperando seu taxi em frente ao motel, a morena ainda ria só de lembrar. Afinal, a noite não tinha sido tão ruim
quanto poderia ter sido.
***
57. PERIGOSA HOMENAGEM
Estou há algum tempo experimentando um amor gostoso. A paixão ainda arde, mas também é acompanhada daquela sensação
agradável e acolhedora de quem senta próximo da fogueira. Eliane, minha companheira, namorada, mulher - pouco importa que
nome prefiram usar – é realmente alguém que tenho prazer em manter ao meu lado. A recíproca é verdadeira, pelo menos eu
espero que seja. Compartilhamos tudo: ideias, sentimentos, opiniões e decisões estratégicas e, como não poderia deixar de ser,
dividimos alegrias e dores. Nesse último departamento, fomos recentemente dominados por uma tristeza cortante: uma grande
amiga de minha garota – ela gosta que eu a chame de ‘minha garota’! – sofreu durante meses por conta de um câncer fulminante.
Passamos um bom tempo lidando com a ingênua expectativa de que a história terminasse bem e entrasse para o rol de conquistas
da medicina, milagres divinos ou ambos. Por conta disso, havíamos comprado antecipadamente ingressos para o show de Ana
Carolina, a cantora preferida da amiga de Eliane. Acreditávamos que ao menos poderíamos estar os três juntos nesse evento, talvez
fazendo das canções a trilha sonora da retomada da vida por parte da doente. Não aconteceu...
A amiga de Eliane não esperou por Ana Carolina. Partiu dez dias antes da turnê chegar à São Paulo, mas decidimos os
dois que iríamos ao show. Seria uma forma de homenagear a amiga e Eliane poderia assim experimentar momentos próximos à
falecida. Foi um erro. Quando chegamos ao show sentamos na nossa mesa programada anteriormente para três. Eliane, como
sempre, procurou enxergar o lado positivo das coisas. Falou da amiga, da maneira como ela enfrentou a vida e a doença... Para
quem observasse o casal, e especialmente minha atitude calada e condescendente diante das lembranças sinceras e doloridas, era
fácil imaginar que a falante Eliane estivesse magoada.
58. E com quem ela estaria magoada? Claro que com seu companheiro! O problema é que à nossa volta a maioria dos pagantes eram
mulheres; dessas boa parte era homossexuais assumidas e bem resolvidas e, praticamente todas mulheres ‘empoderadas’, para as
quais era impensável aceitar aquela fragilidade de Eliane! Ana Carolina começou a cantar e, nesse ponto, realmente a situação ficou
muito difícil para mim. É que Eliane não suportou as lembranças da amiga ausente e começou a chorar! Todos os olhos, inclusive os
de Ana Carolina, se voltaram para nós! Afinal, quem era aquele monstro que fazia a companheira se debulhar em lágrimas?!
Imaginando que Eliane conseguiria se recompor, eu relevei e procurei me concentrar no show! Para as demais eu ignorava a dor de
Eliane! Eu podia ouvir os sussurros de indignação acompanhados de olhares de desprezo e ódio! Resolvi tomar uma atitude e, de
forma cautelosa, tentei segurar a mão de Eliane para consola-la. Arisca e envergonhada, ela retirou a mão de forma abrupta!
Pronto! Eu havia tentado avançado o sinal! Todas e até mesmo os homens presentes – provavelmente em solidariedade a suas
respectivas companheiras, pois eu faria o mesmo – me incendiavam com as sobrancelhas franzidas; seus dentes rangiam. Eliane
soluçava descontrolada. Eu antecipava o momento em que seria linchado! Comecei a desesperar... Notei quando uma das mulheres
levantou-se e dirigiu-se a um dos seguranças; ela conversava com o sujeito de terno olhando para nossa mesa, vomitando na orelha
do rapaz suas apreensões acerca da segurança física e emocional de Eliane! Tomei a equivocada atitude de me levantar
repentinamente e me dirigir até a queixosa e o segurança. Os dois identificaram aquilo como um desejo de agredir! A mulher fugiu
atônita. O segurança, embaraçado pela ameaça, se colocou no meu caminho, imediatamente tentando me render e segurar meus
braços. Agi por instinto e fiz prevalecer minhas habilidades em artes marciais. Eu não queria brigar! Claro que não! Mas eu gritava
para avisar o segurança que aquilo era um mal entendido!