Tecnologias da Informação: A Lógica Instrumental do Acesso
1. I Enconto Internacional TIC e Educação
Tecnologias da Informação e Comunicação:
A Lógica Instrumental do Acesso
ROSILENE HORTA TAVARES
Faculdade de Educação/UFMG
horta.rosilene@fae.ufmg.br
RESUMO: Este artigo analisa as políticas autodenominadas evidenciar como objetivo principal a reflexão sobre a
de democratização das tecnologias da informação, também importância de se analisar políticas (em sentido lato) em
escolares, que procuram ocultar a primazia das intenções de curso que, com argumentos também de democratização,
acentuação de acumulação na sociedade atual. Sob uma parecem, entretanto, tentar ocultar a primazia das
metodologia dialética apontamos limites do acesso social às
intenções de acentuação de acumulação de capital, já em
tecnologias, assim como reconhecemos possibilidades
emancipatórias. Esperamos com isso colaborar para novas altíssimos patamares. Assim, tendo como base a crítica à
perspectivas de investigação da temática. lógica ou à racionalidade de tipo instrumental (Escola
de Frankfurt1) – que está limitada pela eleição dos meios
Palavras-chave: Lógica Instrumental – Sociedade da adequados para alcançar os fins pretendidos – apresenta-
Informação – Tecnologias da Informação e Comunicação
se, nos pontos seguintes, uma análise de como se
ABSTRACT: This paper examines the self-denominated processariam alguns dos eixos da orientação
policies of democratization of the information technologies, hegemônica ou dominante de utilização das TIC na
also academic, which seek to occult the primal intentions of pedagogia escolar.
accentuation of accumulation in the society today. We point
Advém das formulações anteriores a importância e
some limits under a dialectic methodology to social access to
technologies, recognizing emancipatory possibilities. We justificativa central para a elaboração deste artigo para o
expect to cooperate with new perspectives of thematic I Encontro Internacional TIC e Educação (Lisboa, nov.,
investigation. 2010).
Keywords: Instrumental logic – society of information – Uma abordagem em tal perspectiva parece ser
information and communication importante para o entendimento e possíveis políticas e
práticas em realidades de países pobres, como é o caso do
** Brasil, assim como dos países da América Latina e
Pode-se encontrar um – ou mais? – sentidos nas Caribe. Considerando que as alterações que se verificam a
práticas de integração e inovação curricular em curso nas nível mundial na economia e na sociedade se manifestam
escolas? Consoante a orientação política, pode haver de diversas maneiras na realidade brasileira, definindo
intenções diferenciadas (ou quiçá antagônicas?) nas para este país um sentido diferenciado do que cobre nos
iniciativas de integração das tecnologias da informação e países industrializados. A argumentação trazida neste
comunicação (TIC) à educação escolar. Uma destas trabalho pretende ter um grau de análise que possa refletir
orientações teria como fim a emancipação humana, um um debate social que, na realidade, ocorre em todo o
múltiplo desenvolvimento das possibilidades humanas e mundo. Buscar desvelar alguns dos limites reais das
a criação de uma nova forma de associação digna da políticas de acesso às novas tecnologias se constitui,
condição humana; no interior de tal sociedade cada assim, em uma necessidade da praxis social Esta,
indivíduo teria necessariamente os meios de cultivar seus entendida como síntese das relações entre a realidade e as
dotes e possibilidades em todos os sentidos. Talvez seja
este ideário um dos critérios que pautam o conceito de
democratização da ampliação qualitativa das formas de 1
utilização das TIC. Entretanto, esta orientação, apesar de A Escola de Frankfurt foi criada na Alemanha em 1923,
composta por um grupo de intelectuais com inspiração
que talvez possua uma adesão considerável de marxista, que formularam uma teoria social específica, como
educadores é a que define os rumos educacionais? Com crítica à sociedade industrial. Teve como principais
base nessa indagação, optou-se, neste trabalho, por representantes Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert
Marcuse e Jürgen Habermas.
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2. I Enconto Internacional TIC e Educação
ideias, em um embate pela transformação social, com razão mistificada que se realiza como razão
vistas à emancipação humana (MARX, 1977). instrumental, pela qual a natureza, o útil-grátis, é
espoliado pela máquina e pelo trabalho. Mistificada
Pressupostos de Análise e Metodologia
porque é o lado abstrato da regularidade, da disciplina do
As tecnologias da informação e comunicação se trabalho legitimador dessa prática de pilhagem – prática do
configuram como força produtiva essencial, ou seja, as trabalho para o capital, da exploração dos homens para o
TIC são hoje elementos que atuam na sociedade capital.” (MATOS, 1989, 130).
exercendo signficativa influência para modificar ou
Nesse papel de meio da razão instrumental as TIC
transformar a natureza, bem como produzir bens
conseguiram sintetizar como nunca, por suas múltiplas
materiais. De fato, as TIC se investem de especial
funções, a máxima economia de tempo com o máximo
estatuto sob o chamado sistema Toyota, modo de
de produtividade. Supõe-se que, na educação, as
organização da produção capitalista originário do Japão,
expressões hoje mais evidentes dessa síntese são aquelas
e que adquiriu projeção global, tendo sito criado na
modalidades de Educação a Distância pautadas pela
fábrica da Toyota após a Segunda Guerra Mundial,
lógica da economia de escalas; que organiza o processo
elaborado pelo engenheiro Taiichi Ohno. O importante a
produtivo de maneira que se alcance a máxima
ressaltar para os fins deste artigo é que, no toyotismo, há
utilização dos fatores produtivos envolvidos no processo,
um abandono de um sistema em que se explorava
procurando como resultado baixos custos de produção e o
predominantemente o trabalho manual para outro em
incremento de bens e serviços. As TIC são, nesse sentido,
que se explora cada vez mais a componente intelectual
um fator produtivo fundamental. E, à medida que são
do trabalho, correspondendo então, conforme Marx
cada vez mais integradas também aos sistemas presenciais
(1989), a um aumento de mais-valia relativa;
de educação, possivelmente, com isto, estão promovendo
mecanismo que propicia um trabalho a mais produzido,
uma metamorfose no lugar social da escola.
mas não pago ao trabalhador (de que se origina o
capital). A mais-valia relativa é extraída do trabalhador Para tanto, em outro nível de políticas, os
através da intensificação dos processos de trabalho, com Organismos Internacionais e o Estado cumprem seu
a introdução de novas formas de produção, mais ágeis. papel nesse contexto, elegendo a educação como meio
Isso se faz incrementando a tecnologia e aumentando a de promover certa inclusão e justiça social, buscando
capacidade mental do trabalhador. adequar os indivíduos ao mercado de trabalho, de acordo
com a lógica atual do sistema em sua fase de “Sociedade
Decorre das alterações nas formas de produção, sob
da Informação ou do Conhecimento”.
o toyotismo, a configuração das atuais relações de
produção, que estão condicionando uma reengenharia Mas, a democracia posta em prática nessa sociedade,
geopolítica mundial, na qual se reformulam os papéis no entanto, traz em seu bojo contradições explícitas em
dos Estados com relação aos das empresas uma ideologia difundida por tais políticas para a
transnacionais, estas possuindo de fato a supremacia. Ao educação. Ideologia esta divulgada como meio de
mesmo tempo, há uma nova engenharia social, com as democratização; e que representaria igualdade, mas que
mudanças nas formas de organização e gestão do trabalho reflete desigualdades em sua efetivação e resultados.
muito integradas à renovação dos meios de alienação Nesse sentido, Borón (2000, p.68), ao analisar a
ideológica. (ANDREFF, 2000; BERNANRDO, 1998; democracia existente no capitalismo, afirma que ela é
KLEIN, 2002). operacionalizada como método e não como fim; não
tendo demasiado sentido falar da democracia em sua
Esses são os elementos de base das análises em
abstração, quando na realidade do que se trata é de
investigações que se tem vindo a desenvolver – sob uma
examinar a forma, as condições e os limites da
metodologia dialética (Marx), que parte das
democratização em sociedades como a capitalista, que se
determinações abstratas que levam à reprodução do
fundam em princípios constitutivos que lhes são
concreto no pensamento; e sob uma visão crítica (Escola
irreconciliavelmente antagônicos.
de Frankfurt). Tais investigações têm como preocupação
central inquirir sob quais variantes as novas TIC se A despeito de nossos compromissos críticos,
constituem hoje tanto como um instrumento queremos destacar aqui a hipótese de que parece estar
fundamental de acumulação de capital, quanto com suas em curso uma junção das políticas de cidadania ou da
funções maximizadas em seu viés de racionalidade democracia enquanto método, com as políticas de
instrumental. Ou seja, uma Razão que significa o “[...] integração das TIC na escola.
triunfo da máquina, do trabalho, da natureza útil e grátis,
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3. I Enconto Internacional TIC e Educação
Isso ocorre em um momento em que se assiste a uma desmistificação do “poder milagroso” das tecnologias
intensificação das exigências de um novo perfil de informacionais, Mattelart (2001, p.09) diz que “não se
trabalhador em suas características cognitivas, de deve esquecer a obra de longo prazo. É testemunha disto
comportamento e plásticas, procedentes das inovações o aparecimento precoce da utopia de uma língua
derivadas da dinâmica gestora, da microeletrônica, da universal, muito antes que a língua da informática
automação e da robótica, como analisa Santos (2001, cristalizasse este projeto. E, com a esperança da
p.02). Agora, o trabalhador deve exercer várias funções possibilidade de estabelecer os princípios classificatórios
ao mesmo tempo; e também saber operar vários tipos de de uma linguagem mundial, se reaviva o graal da
máquinas ou instrumentos, simultaneamente. “Biblioteca de Babel”, tão vasta como o universo,
Nesse contexto, no tocante ao lugar da escola como englobando todos os pensamentos humanos, abrigando
formadora de novos trabalhadores, a educação escolar se todos os livros possíveis [...]”.
situaria como uma força produtiva, geral, para responder Dantas (1993, p.19) analisa que a idéia de que a
aos desafios das empresas no processo de mundialização tecnologia pudesse viabilizar uma apresentação cidadã
do capital. O investimento do setor empresarial e sua autônoma, estendida ao espaço geopolítico da nação,
atuação, às vezes diretamente no interior da escola seria recolocada na década de 1970 pelos franceses
pública, ante a amplitude que este movimento assume, Simon Nora e Alain Minc (1978), que retomaram o
não têm precedentes, por exemplo, no Brasil, nas conceito grego de agora: assembléia popular, na qual os
décadas anteriores a 1990 (SILVA, 2001). cidadãos livres participavam diretamente na condução
Mas, como essa realidade se relaciona com o fato de democrática dos negócios de Estado.
ter ocorrido, nos últimos anos, uma criação ou produção No entanto, no contexto histórico e político em que
– cujo sentido se verá adiante – da ideologia da chamada Simon Nora e Alain Minc elaboraram estas idéias, a
“sociedade da informação”? Tendo como objetivo utopia da universalização do acesso de massas às
analisar quais são as implicações de tal ideologia para a tecnologias da informação se desvanece de novo.
educação escolar, se passa, a seguir, ao desenvolvimento Mattelart (2002, p.107-116) analisa o caráter prático que
da formação do conceito sobre a identidade da sociedade cumpre o “Informe Nora-Minc” (ainda que não haja
contemporânea. sido esta a intenção de seus autores): o panorama
internacional das estratégias de informatização dos
Sobre a Idéia de Sociedade da Informação
grandes países industrializados. O ponto de partida da
A idéia da sociedade da informação é hoje análise de Mattelart é o papel do Japão como modelo
dominante. Porém, tal noção, na realidade, segundo político-administrativo que, desde o início da década de
analisa Mattelart (2001), foi construída ideologicamente 1970, havia instalado uma estratégia com o objetivo de
e pode ser revelada pela história. Como um “clichê”, o responder ao desafio das novas tecnologias; e que, talvez
conceito de sociedade da informação encobre uma nova por isto mesmo, haveria evitado a recessão econômica
ideologia, responsável pela definição de mudança e do mundial a partir de 1979. A idéia de crise é exatamente a
“novo”, que tem um olhar voltado apenas para os que teria se “infiltrado” nos discursos das grandes
lugares em que há dispositivos técnicos. Instaura-se economias mundiais sobre as estratégias de informatização.
assim um “sentido comum”, que legitima todas as
O que pode levar a que se inferira que, nesse momento
eleições e recortes, que são, de fato, próprios de um
histórico, as novas tecnologias são expressão ou resultam
regime particular de verdade, como se fossem os únicos
das relações sociais que até então estavam estabelecidas.
possíveis e racionais. “Passe mágico, cujo segredo se
revela pela história: foi sob a da teoria dos fins, O Informe de Simon Nora e Alain Minc sobre a
começando com a do final da ideologia, a que foi informatização da sociedade, entregue ao presidente
incubada ao largo da Guerra Fria, a idéia da sociedade da Giscard d'Estaing em janeiro de 1978, constitui “uma
informação aparece então como alternativa aos sistemas rara exceção que confirma a regra da simples evolução
antagônicos.” (MATTELART, 2001, p.09). ritual” afirma Mattelart (2002, p.111). Esclarece que
quando tal Informe iniciou seus trabalhos a ameaça de
A noção de sociedade da informação se formaliza na
penúria energética, no âmbito mundial, já revelava o
seqüência das “máquinas inteligentes” criadas ao largo
espectro da crise. Neste contexto, Simon Nora e Alain
da Segunda Guerra Mundial, e entrou nas referências
Minc “aprofundam a noção com o propósito de definir o
acadêmicas, políticas e econômicas a partir da década de
estado dos lugares e de propor uma terapia,
1960. E, durante a década seguinte, já estaria
reencontrando assim a doutrina sansimonista sobre a
“funcionando” plenamente. Convidando-nos à
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4. I Enconto Internacional TIC e Educação
crise e o papel reorganizador atribuído à rede”, analisa direção, e não em outra. Orientam a formulação de
Mattelart (2002, p.113).2 Para Nora e Minc a programas de ação e de investigação dos Estados e das
informatização crescente da sociedade estaria no coração instâncias supranacionais” (MATTELART, 2001, p.8).
da crise, e poderia agravá-la ou contribuir para sua Apesar de que, por outro lado, a chamada “revolução
solução, já que revolucionaria o “sistema nervoso das digital” cumpre também a função de expansão na esfera
organizações e da sociedade por inteiro”, os cita da capacidade de comunicação humana em geral
Mattelart. A premissa de Nora e Minc era de que o novo (RAMONET, 2001; SILVEIRA, 2001). Porém, esta
modo global de regulação da sociedade que a idéia ficará aqui somente como um enunciado, pois aqui
informatização ajudaria a instaurar seria capaz de combater o foco é a ponderação de que não é como meio de
a “perda de consenso social” e fazer que fosse reencontrada democratizar a sociedade que a informática tem sido
a adesão dos cidadãos às regras do jogo social. priorizada. Vejamos um pouco, a seguir, de sua função
A análise de Mattelart desmistifica assim a noção na economia e na esfera social.
hegemônica de “sociedade da informação”,
Articulação entre Economia e Sociedade
considerando que a telemática, como um “neologismo”
inventado naquele momento histórico para indicar a A importância da revolução digital em termos
conexão entre as telecomunicações e a informática, econômicos é analisada por Beck (2001, p.73), quando
pressagiaria modos mais “brandos” de gestão de argumenta que os movimentos da indústria da
consenso. E isto é o que teria aberto caminho à comunicação, que em 1995 era de 1 bilhão de dólares,
“recriação de uma agora informacional”. Mattelart relata chegou a duplicar-se em cinco anos e a representar dez
então todo o processo desenvolvido a partir do Informe por cento da economia mundial. Porém, para chegar a
Nora-Minc na França que impulsiona uma doutrina ser esta potência foi necessário que a telefonia e a
francesa em matéria de circulação dos fluxos. O que radiofonia cumprissem seu papel que, no princípio do
implicou que, em 1981, o governo socialista inaugurasse século XX, segundo Dantas (1993, p.34), já ultrapassam
uma estratégia industrial que confiara à investigação a esfera imediata dos negócios e
científica e ao progresso tecnológico os elementos [...] penetram no espaço muito mais amplo da família e dos
motores para sair da crise. usos financeiros ou comerciais, exatamente porque serviam à
articulação ampla da produção social geral [...]. Através dos
Assim, Mattelart (2001, p.07-08), analisa como cabos telefônicos, se configura a forma mais primitiva de
simples “clichê” a narrativa da conquista da mercado-rede: as unidades familiares, enquanto
ciberfronteira, representada pela formulação “sociedade “consumidoras”, passam a inter atuar, por um meio técnico
global da informação”, de onde se anunciam das mais específico, com provedores e distribuidores de bens e
diversificadas maneiras, uma nova sociedade, “mais serviços; além disto, articulam e acionam um amplo
solidária, mais aberta e mais democrática”. A noção de conjunto de atos sociais, geralmente de natureza contratual –
“futuro tecnoinformacional”, de tal maneira, se teria instalado como atividades de tempo livre, entretenimento e
sem polêmicas e distanciada dos debates cidadãos. Na convivência familiar ou comunitária – que agenciam novos
estímulos à produção e ao consumo de materiais simbólicos.
realidade, a referência de “sociedade global da informação”
seria o resultado de uma construção geopolítica. Com isso, se pode compreender melhor como a
tecnologia atual “eliminou as distância geográficas e
A efervescência da expansão ininterrupta das
sociais”, com a ajuda de aviões supersônicos,
inovações técnicas, entretanto, contribui com que se
computadores, satélites e todas as outras inovações que
“esquecesse” este fato. Assim, “a nova ideologia que não
permitem hoje, mais que nunca, que pessoas, idéias e
diz o próprio nome se naturalizou e foi levada à
produtos atravessem, tão rapidamente, como nunca,
categoria do paradigma dominante de mudança. As
tempo e espaço. Observe-se aqui a importância da
crenças que acompanham a noção de sociedade da
economia de tempo (valor de base do mecanismo da
informação mobilizam forças simbólicas que tanto
mais-valia) propiciada pelo atual sistema técnico que
fazem atuar como permitem atuar em determinada
possui a característica de ser invasor porque é susceptível
de presença em todas as partes. Tudo se junta e articula,
2
A doutrina de Saint-Simon e de seus discípulos, principalmente pois, mediante a “inteligência” da firma; caso contrário,
Enfantin e Bazard, preconiza o coletivismo, que garantiria a retribuição não poderia haver empresas transnacionais.
"a cada um conforme suas capacidades, a cada capacidade conforme Mas, como pode haver, por um lado, fragmentação
suas obras". Tal doutrina critica a propriedade privada porque esta
técnica da produção e, por outro, uma “unidade política
conduziria a uma organização anárquica da produção e consagraria a
exploração do homem pelo homem. de comando”, no interior das empresas? A partir da
100
5. I Enconto Internacional TIC e Educação
unicidade das técnicas, da qual o computador é uma ignorado a criatividade e a capacidade empresarial de
peça central, surge então a possibilidade de que exista agenciar a produção “sob formas mutantes”. Outrossim,
uma acumulação do porte atual. Sem ela, seria também que a esquerda clássica tampouco percebera as
impossível a atual “unicidade do tempo, o acontecer dimensões produtivas gerais da indústria da informação,
local sendo percebido como um elo do acontecer que crescia lado a lado aos complexos tecnológicos
mundial. Sem a mais-valia globalizada e sem esta siderometalúrgicos tayloristas e fordistas. Como, por
unicidade de tempo, a unicidade da técnica não teria exemplo, o papel que “o cinema e o rádio poderiam
eficácia”, analisa Milton Santos (2000, p.26-27). exercer, não somente ao gerar milhões de empregos
A relação contemporânea entre acumulação, mais ou menos qualificados e fomentar toda uma
tecnologia e controle social pode ser entendida a partir indústria de bens de capital tecnologicamente sofisticada,
do que Dantas (1996) denomina como lógica do capital senão, sobretudo, como formadores de hábitos de
informação; que, não obstante, está [tal lógica] oculta consumo necessários para a expansão de uma produção
especialmente pelo fato de que a maior parte das pessoas capitalista crescentemente midiatizada; isto não chegou
“pouco ou nada sabem” do funcionamento das a frenquentar as investigações das correntes principais da
comunicações “como meio através do qual se gera, economia e da sociologia do século XX, ainda que
registra e distribui a informação, obtendo daqui valores interessasse a um crescente conjunto acadêmico que
econômicos e sociais que acumulam ou se apropriam desenvolvia estudos em torno da cultura moderna e dos
diversos agentes.” (DANTAS, 1993, p.13-16). Desta meios de expressão. Estes estudos não conseguiram
maneira, a organização das comunicações, como hoje as influenciar as propostas políticas de então,
concebemos, não foi obra do azar ou da realização de particularmente as de cunho revolucionário, direta ou
alguns indivíduos genais, e sim de uma “construção indiretamente baseadas na crença de uma “revolução do
social” – recorde-se a criação da idéia de “sociedade da proletariado” fabril –revolução que, a rigor, nunca
informação” – procedente das opções políticas adotadas ocorreu. As questões culturais se remeteram à
através de alianças e conflitos entre grupos e classes, em “superestrutura...”. (DANTAS, 1993, p.30).
diferentes fases da história contemporânea. Por outro lado, o computador, como “ícone” da nova
O próprio conceito de Comunicações já aponta, revolução informacional, conectado à rede, estaria
segundo o autor, à necessidade de alerta por parte das alterando a relação das pessoas com o tempo e com o
lideranças, quadros e militantes comprometidos com os espaço; inclusive “ressuscitando” a escrita ante a
movimentos sociais, além de intelectuais que investigam supremacia dos meios audiovisuais, principalmente ante
o tema, do que seriam os “arranjos” capitalistas dos o império da comunicação televisiva, como destaca por
sistemas de informação, que nos parecem “naturais e sua vez Silveira (2001, p.15). Desta forma, as redes
espontâneos.” Dantas (1993, p.15) define comunicações informacionais permitem “ampliar a capacidade de
como “[...] palavra plural que contém, em seu pensar de modo inimaginável”, segundo analisa o autor.
significado, tanto o que se entende por Mas vejamos alguns limites mais deste fato.
„telecomunicação‟ como por „radiofusão‟, „informática‟, Limites da “Ampliação da Mente”
„mídia‟, etc. Em comunicações cabe tudo que se refere
A idéia de ampliação da capacidade de pensar é
ao registro, tratamento e difusão da informação social.”
desenvolvida amplamente por Pierre Lévy, que destaca
Neste sentido, chegamos neste trabalho a uma em sua obra como a revolução informacional ampliara a
formulação central: a informação é um fenômeno social e inteligência humana. Isto porque a tecnologia da
histórico. Tal conclusão, segundo Dantas, não havia sido informação permite aumentar o armazenamento, o
possível a Marx desenvolver, devido às próprias processamento e a análise de informações, realizar
limitações de seu tempo, já que este analisou a informação milhares de relações entre milhares de dados por
como sendo [meramente] uma força produtiva. segundo. De modo que há uma “ampliação da mente”,
Entretanto, Dantas (1993, p.24-29) mostra o processo exatamente porque tal tecnologia se funda nas
histórico de como se deu a evolução do capital tecnologias da inteligência que, por sua vez, ampliam
financeiro como grande responsável do financiamento exponencialmente as diferenças na capacidade de tratar
das investigações científicas e técnicas que informações e transformá-las em conhecimento. Porém,
impulsionaram definitivamente o desenvolvimento das será a realidade desta tecnologia tão espetacular e
tecnologias da informação. O autor cita Cattani (1995, possível, para todas as pessoas?
p.18) em sua constatação de que a Esquerda havia
101
6. I Enconto Internacional TIC e Educação
Há quem diga que se faz necessário relativizar este cada vez mais autônoma. “A partir deste momento
papel “transformador” da tecnologia da informação. começamos a incorporar aparatos em nossas vidas, sem
Todavia, não se pode fazer uma apologia da inteligência refletir como eles intervêm nas mesmas.”
alienada. A quem cabe, ao final, o controle social da (BUSTAMANTE, 1993, p.132).
inteligência? Este é um dos pontos centrais a se discutir. ***
As novas tecnologias informacionais ampliam a Nesse quadro geral de análise, qual seria então a
inteligência, mas majoritariamente (e proporcionalmente função da escola e da integração das TIC em sua
à dos setores populares), a dos extratos sociais pedagogia? A hipótese aqui é a de que o capitalismo vem
dominantes. Ainda que, inegavelmente, existam imprimindo hoje à escola, como um de seus papéis, o de
possibilidades de estender as potencialidades sua função social como formadora de hábitos de consumo
emancipadoras das tecnologias informacionais para os necessários para a expansão de uma produção capitalista
setores populares, inclusive no “terreno” da resistência à crescentemente midiatizada. Além, evidentemente, de a
lógica dominante.(KLEIN, 2002; TAVARES, 2005). escola prosseguir qualificando mais ou menos para os
Prosseguindo no campo dos limites impostos à postos de trabalho. Em conjunto com a escola, somar-se-
maioria da sociedade para o acesso à tecnologia, há ia o papel desempenhado pela televisão, o cinema, o rádio
outros problemas, a seguir destacados. e a Internet, em suas funções de meios de marketing de
Norretranders (1998), afirma que aprendemos a produtos e de ideais dominantes (Escola de Frankfurt).
descartar a informação e não a obtê-la. Ainda que se viva Assistiríamos então a uma aliança de papéis formadores
em um mundo onde se crê que a informação é o que há – mídias e escola – a fomentar toda uma indústria de
de mais importante. Segundo o autor, é certo que a bens de capital tecnologicamente sofisticada.
quantidade de informação disponível é muito maior do Mas, a técnica e a tecnologia podem ser tanto meios
que se pode assimilar, tendo em mente a tarefa de do capital, como meios de emancipação. Por isto, pode-
discriminar a que seria relevante ou interessante. A se afirmar que há também espaço para a construção de
sociedade da informação seria a “sociedade da entropia” lógicas emancipadoras de criação e utilização das
– uma sociedade da ignorância e da desordem. De outra tecnologias da informação e comunicação na educação
forma, Kosko (1999), diz que «a ironia da era digital é escolar, como são já muitas as experiências práticas
que as coisas são mais vagas que nunca. [...] A era digital existentes neste sentido.
possui seu próprio princípio de incerteza: as coisas se
fizeram mais vagas à medida que as partes se fizeram
mais precisas”, como seria o caso flagrante da Internet. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Aqui a fragmentação é a essência da alienação. Mas esta, ANDREFF, Wladimir. Multinacionais globais. Bauru:
não obstante, está camuflada pela justificativa do acesso EdUSP, 2000.
ao todo, possibilitado de fato pela Internet. Contudo, tal
acesso é para todos ou só para aqueles que possuem a BECK, Ulrich. Qué es la globalización? falacias del
capacidade intelectual e material de ser autônomos, de globalismo: respuestas a la globalización. Barcelona:
dirigir suas próprias escolhas também na Rede? Ediciones Paidós Ibérica, 2001.
É mister considerar, apesar dos limites apontados, BERNARDO, João. Estado, a silenciosa multiplicação do
que, antes de converter-se em um meio de controle, a poder. São Paulo: EDUSP, 1998.
tecnologia se origina “em relação com sua incorporação
BORÓN, Atílio. A sociedade civil depois do dilúvio
antropológica, como fruto da inteligência, da inquietude
neoliberal. In.: Pós-neoliberalismo: As políticas sociais
e da inventiva do homem”, segundo análise sobre a
e o estado democrático. RJ: Paz e Terra, 2000.
origem da “metáfora computacional” de Bustamante
(1993, p.122-150). O autor pondera que “a partir de BUSTAMANTE, Javier. Sociedad informatizada,
certo grau de desenvolvimento, quando a tecnologia se ¿sociedad deshumanizada? : uma visión crítica de la
desdobra em toda sua eficácia como instrumento e como influencia de la tecnología sobre la sociedad en la era
espelho que devolve ao homem sua imagem distorcida del computador. Madrid: Gaia, 1993.
ainda que todavia com traços humanos, ditas qualidade
DANTAS, Marcos. A lógica do capital informação. Rio de
começam a ter um menor peso específico no resultado
Janeiro: Ed. 34, 1993.
final, e o desejo do homem começa a ter uma menor
incidência sobre a configuração tecnológica do mundo,
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7. I Enconto Internacional TIC e Educação
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