Os sotaques de São Paulo - reportagem de Marcos Gomes sobre os diferentes cidades da Capital paulista, remontando à língua-geral indígena nhengatu, que teria dado origem ao sotaque do caipira paulista. A reportagem focaliza também o impacto das comunidades estrangeiras nos falares locais da cidade - como o espanhol dos bolivianos que veio substituir o dos imigrantes europeus do século passado - assim com o árabe, o coreano, o italiano, o chinês, o japonês, o alemão com forte presença nos falares locais da cidade. A reportagem também focaliza o impacto dos sotaques das populações brasileiras de outros Estados em São Paulo, principalmente Nordeste
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
O sotaque paulistano e suas origens indígenas
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O sotaque paulistano veio do caipira
O sotaque paulistano propriamente dito, caracterizado por uma
entonação e por uma pronúncia que o diferenciam do gaúcho, do
nordestino e do carioca, por exemplo, tem uma história muito
antiga, e remonta ao encontro das populações portuguesas com os
índios.
Segundo Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, professor e
pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
durante mais de 200 anos as vilas de São Vicente e São Paulo
foram irradiadoras de ondas de migração para o Sudeste e o Sul
do País e falavam em grande medida uma língua indígena baseada
no tupi, o nhengatu, a língua-geral simplificada pelos jesuítas e
utilizada pelos bandeirantes para comunicação com os índios.
Essa língua-geral de tronco tupi era uma das línguas francas
faladas na Capital, onde também coabitavam tribos de outros
troncos linguísticos.
O nhengatu sistematizado por jesuítas como Anchieta, que fez a
primeira gramática de tupi, foi predominantemente falado pela
população da vila de São Paulo até quase meados do século 18,
quando seu uso foi oficialmente proibido pelo marquês de
Pombal. São Paulo voltou a falar a língua portuguesa, mas
carregada de sotaques indígenas.
Essa língua se aproximaria muito do que é hoje o caipira do
interior. Assim o quadro O Violeiro (1899), de Almeida Júnior,
que mostra um casal de caipiras recostados na janela de grossas
vigas, seria também um retrato arcaico de como era a vida na
capital paulista até o século XVIII. As roupas naturalmente
seriam diferentes e eles estariam falando nhengatu ou um
português carregado do sotaque nhengatu (depois da proibição da
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língua pelo governo português). Teria sido por influência
principalmente indígena que ocorreram acréscimos de vogais para
fazer com que as consoantes fossem pronunciadas como no caso
de “mele” em vez de “mel”, “nóis” em vez de “nós”. As
consoantes finais dos infinitivos também foram suprimidas no
falar popular como em “falá” em vez de “falar”.
Os bandeirantes e tropeiros que ali primeiro se estabeleceram, por
influência indígena, também teriam adotado o hábito de pular
consoantes no meio das palavras (“muié” por “mulher”, por
exemplo) e usariam o “R” retroflexo (“porrta”). Também
ocorreram mudanças nas formas de tratamento: os mamelucos
diziam “mecê” em vez de “vossa mercê” (depois a própria língua
culta adotaria “você”, que veio de formas intermediárias
populares, como “vosencê”).
Palavras indígenas também fazem parte do vocabulário e das
expressões comuns do paulistano, como capim, abacaxi,
mandioca, jabuticaba, sabiá, curió, piranha, “estar na pindaíba”,
“estar de tocaia”.
A cidade de São Paulo cresceu, instituiu faculdades como a de
Direito, teve mais observância pelas normas cultas da língua e a
pronúncia do paulistano foi perdendo parte do sotaque e da
pronúncia “caipira” das palavras que ela tinha antes, mas
conservando um pouco de sua música.
O Rio de Janeiro teria sotaque semelhante, antes da chegada da
leva de migrações de Portugal que veio com a Família Real em
1808. Isso fez predominar naquela cidade a pronúncia mais
européia do “S” (em “cosstas”, por exemplo), que também é
característica de diferentes regiões litorâneas nas quais
predominou a imigração portuguesa, como litoral de Santa
Catarina, Santos, Pará.
A pronúncia de São Paulo já era característica, marcada por
contribuições do nhengatu e de outras línguas indígenas ao
português falado em Portugal, pelo linguajar popular e pela
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posterior predominância do linguajar mais erudito. Também
houve as contribuições dos escravos negros na entonação e no
vocabulário (“caçula”, “moleque”), por exemplo. Mas a presença
das línguas nativas africanas não foi tão intensa na Capital como
o foi nas plantações de café do Interior e em outras regiões do
Brasil, como Nordeste, principalmente Bahia, e no Rio de Janeiro.
O toque final foi dado pela chegada de levas de imigrantes
estrangeiros, que trouxeram novas línguas e diferentes sotaques
que hoje se ouvem na Capital.
O professor chama a atenção para o fato de a troca de “R” por
“L”, chamada tecnicamente de rotacismo, não ser uma
característica exclusiva do caipira, pois é falada pelas crianças (a
exemplo do linguajar das revistas da Mônica e do Cebolinha),
tipicamente pelos chineses e é encontrada em todas as regiões
brasileiras, estando mais relacionada a variáveis ou aspectos
sociais, como a escolaridade do falante, do que a motivos dialetais
circunscritos a uma dada região. Esse rotacismo pode ter sido
intensificado em dado período por influência indígena, mas está
ligado ao modo mais fácil ou mais elaborado de emitir o som das
letras, sendo que já existia no latim (“flagellum” e “fragellum”,
por exemplo). e no português dos clássicos (Camões usa “frauta”
em vez de “flauta”, por exemplo). “Isso denota que pode se tratar
de um caso de manutenção”, diz Santiago Almeida.
Viagem pelos sotaques de São Paulo
O paulistano tem sotaque? Tem, e esse sotaque tem a ver com a
pronúncia das palavras e das frases, que seguem determinados
ritmos e melodias. Se a maneira de falar do paulistano já é um
dialeto próprio, com seu sotaque característico, tem ainda
subsotaques. O Diário do Comércio foi conferir alguns desses
ecos de outras regiões, povos, línguas e culturas, que podem ser
ouvidos hoje na Cidade.
Zona da Mata, Agreste, Sertão
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A Grande São Paulo tem mais de 2 milhões de moradores
nascidos no Nordeste, quase 10% do total de sua população.
Estima-se que população de nordestinos e seus descendentes
diretos chega a mais de 8 milhões na região metropolitana,
segundo estimativas, pois a migração é antiga e já passou por
duas ou três gerações. Em alguns lugares, como o Largo da
Concórdia, no Brás, e os extremos das zonas Leste e Sul, é
possível ouvir o cantado nordestino nas ruas, bares e mercearias
(“casas do Norte”). E o cantado das frases e o vocabulário podem
ser diferentes, conforme a pessoa veio da Zona da Mata litorânea,
do Agreste intermediário ou do Sertão dos interiores do Brasil.
Em geral a palavra “delícia”, por exemplo, é pronunciada
“délícia” com a antepenúltima sílaba aberta.
Praticamente todas as feiras livres têm setores nordestinos, que
vendem artigos como carne seca, azeite de dendê, pimentas
típicas, temperos como coentro e outras coisas. A forte influência
indígena na cultura nordestina se pode perceber em pratos como a
tapioca, que é uma espécie de panqueca feita com polvilho de
mandioca, receita típica indígena, mas que é muito apreciada
pelos nordestinos.
“Tá fazendo um frio arretado! Nem os cachorros ficam mais com
os quartos pra cima no sol, tá tudo encolhido...”, comenta
Raimundo Souza, que mora na zona leste e passa pelo largo da
Concórdia para pegar trem, aproveitando para fazer algumas
comprinhas para casa nas lojas do Norte da região. “Às vezes levo
até rapadura, para matar a saudade...” Mas hoje ele está
“avexado” (“com pressa”) para voltar para casa porque o filho de
oito anos faz aniversário e a família preparou uma festinha.
Raimundo foi buscar manteiga de garrafa e “um vinhozinho de
caju para servir aos adultos”. “Ó xente, num é que vai chover e eu
armei a churrasqueira com tijolos no quintal?, Vixe, vai ter de
mocozar todo mundo dentro da casa, que já é pequena...”
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Raimundo é mestre de obras. Muitos nordestinos recém-chegados
encontram seu emprego em São Paulo na função de pedreiros,
serviços domésticos e humildes postos de vigilante, atendente,
porteiros de prédios.
O cantado nordestino que se ouve na região do Brás se espalha
por vários pontos da cidade, mas se reúne no Centro de Tradições
Nordestinas, que fica na Rua Jacofér, 615, no bairro do Limão
(atrás do prédio do Estadão). Na sede do CTN são promovidas
feiras de culinária e artigos típicos e concorridos shows, que
chegam a lotar a área, com capacidade para sete mil pessoas.
Funciona de segunda a quinta no horário do almoço, de sexta e
sábado das 11h às 4h e de domingo das 11h à 0h, com muito
forró. Entre as iguarias, um destaque para as várias formas de
servir carne-seca, inclusive desfiada. Também fazem sucesso a
buxada de bode, os pratos com abóbora (jerimum), o sarapatel
(sangue e miúdos de porco), o baião-de-dois (feijão com arroz e
carne). As porções para 4 ou 5 pessoas custam de R$ 35 a R$ 45.
E lá também não falta a tradicional cozinha baiana, com suas
moquecas, o vatapá e o acarajé (entre R$ 7 a R$ 8, sempre muito
bem servido, com vatapá, camarão seco, várias especiarias, frito
no dendê fresco).
As festas de São João chegam a reunir mais de 1 milhão de
pessoas em animadas comemorações.O local tem quiosques e
restaurantes com barzinhos de comidas típicas e um palco onde se
apresentam shows de música e dança. Além disso, há também
uma capela, construída em homenagem ao Frei Damião, símbolo
da fé cristã nordestina, e um parque de diversão para crianças e
adultos.
Mas o CTN não se limita a promover a cultura, ele desenvolve
muitas ações sociais, como campanhas (SOS Nordeste, por
exemplo), encaminhamentos de pessoas com problemas aos
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órgãos competentes, campanhas de alfabetização de adultos,
ações em saúde, como vacinação, distribuição de camisinhas, etc.
Tem também uma bolsa de empregos, que pode ser consultada no
site da organização.
“Estive agora mesmo na casa de Maria, num sabe?”, diz uma
moça conversando com outra na frente do repórter numa fila para
comprar acarajé. O sotaque nordestino fica visível na entonação
da frase, e na pergunta num sabe, que se repete em várias outras
frases na língua falada. Também caracteriza o tom nordestino da
frase a falta de artigo em “casa de Maria”.
Sons da Itália na Mooca e no Bexiga
Quem anda um dia pela Mooca já pega o sotaque de forte
inspiração italiana: “ Luciána, num isquéci de pegá o quêjo na
cantína!” ou “Bélaaa, qui qui ti aconteceu, Bélaaa?” É um bairro
antigo, onde os imigrantes italianos criaram raízes, o que sucede
também com o Bexiga. Nesses dois bairros é possível perceber o
sotaque junto com os costumes da Itália, o que se expressa no
grande número de cantinas e pizzarias, por exemplo. É que a
influência italiana é muito expressiva na Capital: dosdez milhões
de habitantes da cidade de São Paulo, 60% (6,5 milhões de
pessoas) possuem alguma ascendência italiana. São Paulo tem
mais descendentes de italianos que qualquer cidade italiana
(Roma, por exemplo, a maior cidade da Itália, tem 2,5 milhões de
habitantes). Embora o italiano seja o mais espalhado dos sotaques
de São Paulo, ele se concentrou nesses bairros de origem operária,
onde os primeiros italianos que chegaram ao Brasil iam trabalhar
em tecelagens e moinhos.
Na Mooca, que acabou se tornando bairro de classe média e alta,
a tradição italiana é bem preservada pelos muitos descendentes,
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conforme explica a professora Maria Lúcia Armelini, que dá aula
de italiano no Clube Juventus. “Neste bairro vivem muitos
descendentes de italianos, é só ver os sobrenomes dos sócios do
Juventus.”, diz a professora.
“Temos orgulho do sotaque. Todas as escolas de línguas do
bairro, as associações de moradores têm curso de italiano, o
pessoal gosta de manter as tradições, mesmo sendo neto ou
bisneto de italianos.” Outro interesse, segundo a professora, é o
de tirar passaporte e ter cidadania italiana. “Muitos alunos que
tive eram filhos de italianos e queriam conhecer a língua para
requerer seus direito à cidadania italiana. Não precisa nascer na
Itália para ser italiano. Qualquer descendente de italiano é
italiano. Por isso eles pesquisam para ver se têm parentes na Itália
e se podem conseguir a cidadania e entrar para a comunidade
europeia. Muita gente aqui na Mooca tem cidadania italiana e
contatos com a Itália, até profissionais.” Um senhor que assistia à
entrevista e não quis dar o nome, interrompeu: “Até o presidente
Lula tem cidadania italiana por causa da mulher...”
Mas a professora admite que falar o italianado (mistura de
português com italiano) nas ruas é mais coisa de gente idosa.
“Este bairro tem muita gente da terceira idade, muitos avós que
vieram da Itália e tem muitas atividades para idosos, como
maratonas, é muito bom viver na Mooca.” Tendo como fonte os
mais idosos, que leem o poeta Dante no original, o sotaque
italiano foi sendo legado a seus filhos e netos e hoje é um bem
cultural do bairro, um patrimônio imaterial.
Além do sotaque, Maria Lúcia, que já viveu na Itália muitos anos,
aponta que Mooca tem um clima de Itália, que se pode sentir em
festas tradicionais, como a de San Genaro, e lugares que são
verdadeiros pedaços da Itália. “O supermercado Extra, da Paes de
Barros, por exemplo, que foi feito conservando um prédio da
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Tecelagem Crespi, tem até uma capela nos fundos, a capela da
família Crespi, que foi tombada pelo Patrimônio Histórico”. Ela
diz que se sente na Itália quando come um quitute na doceira Di
Cunto, fundada em 1935. Quanto à culinária, a Itália também está
presente em pizzarias como a São Pedro e Don Giovanni, lembra
a professora. Ela acha que a Mooca tem as dez melhores pizzarias
de São Paulo, mas nem lembra todos os nomes: “São tantas.”
Outra característica dos falares típicos da Mooca e do Bexiga é
não usar a letra “s” no final das palavras, em frases como “As
menina vão sair”. Isso se deve em grande parte ao fato de a língua
italiana não fazer plural com “s”, mas com “i”.
Na Mooca, que virou bairro residencial de classe média, o sotaque
está mais presente na entonação das frases e na pronúncia das
palavras. No Bexiga, as coisas são diferentes: o bairro é mais
comercial e a presença italiana fica evidenciada no nome das
cantinas e pizzarias que se espalham pela Rua 13 de Maio, por
exemplo. É no Bexiga que se realiza a mais importante festa
italiana do Brasil, a de Nossa Senhora de Achiropita, que chega a
atrair 2 milhões de pessoas, com suas barracas de quitutes como
fogazza, pizzas calzoni e vários tipos de macarrão.
E a memória do bairro está preservada no Museu do Bexiga, que
guarda, além de lembranças da cidade, como roupas dos
combatentes da Revolução de 1932, os pertences de Adoniran
Barbosa. O sotaque e o vocabulário extremamente popular do
músico mostram uma fusão do português dos muito pobres e do
italiano no Bexiga em torno dos anos 1940: “Domingo nóis fumo
num samba no Bixiga/ Na Rua Major, na casa do Nicola./ À
mezza notte o‟clock saiu uma baita duma briga/ E era só pizza
que avoava, junto com as brajola”
Hoje as festas com pizza e samba quase não se fazem nas casas
particulares, mas em cantinas e pizzarias. Mas ainda se houve o
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sotaque italiano nos gritos de uma senhora que da sacada do
apartamento se dirige à vizinha: “Concheta! Concheta! Acabô
meu arroiz!”
O espanhol de São Paulo agora vem dos Andes
Dentro de São Paulo existe uma cidade de pessoas que falam
espanhol, principalmente hoje, com a globalização. Mas muitas
dessas pessoas são imigrantes, que vieram em duas levas, uma da
Espanha, do século 19 até a Segunda Guerra, e outra da Bolívia,
que começou a chegar na década de 1990. Hoje os bolivianos são
oficialmente uma comunidade de mais de 200 mil cidadãos
paulistanos. É deles o espanhol que ouvimos hoje nas ruas da
cidade porque a maioria dos antepassados imigrantes da Espanha
já morreu, deixando milhões de descendentes espalhados pela
cidade que já não falam mais espanhol.
Na primeira metade do século 20, chegaram ao Brasil mais de
600 mil espanhóis, a maioria se fixando na Capital paulista, onde
constituiu as populações operárias do Brás e de bairros vizinhos.
Grande parte foi ser operária nos bairros industriais, outros se
dedicaram a ramos específicos, como ferros-velhos, carvoarias e
marmorarias. Descendentes desses espanhóis se espalharam pela
cidade, misturando-se com a população, e hoje só se concentram
em poucos bairros como Cambuci, onde é possível ver idosos
conversando em espanhol nos bares. Oficialmente o governo
espanhol estima que vivam no Brasil 15 milhões de descendentes
de espanhóis – a maioria em São Paulo.
A tradição da culinária está mantida em vários excelentes
restaurantes espanhóis que se espalham pela cidade, servindo
pratos como paellas (cozido de arroz e frutos do mar temperado
com açafrão). Muitos frequentadores são descendentes, que não
falam mais o espanhol com seus amigos, embora entendam a
língua.
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Mas hoje o espanhol que a gente mais ouve nas ruas próximas do
Centro não é mais o dos espanhóis e sim o dos nossos irmãos e
vizinhosbolivianos. Segundo o Consulado da Bolívia, eles já
perfazem uma colônia de 200 mil moradores na Capital paulista,
mas estimativas dão conta que o número passa dos 300 mil,
incuindo imigração ilegal. A maioria é composta de humildes
operários, que se dedicam ao trabalho esmerado da pequena
indústria, como o trabalho para as confecções de roupas. Alguns
chegam até a ser escravizados por compatriotas
inescrupulosos.Comunidades de outros hispânicos estão se
estabelecendo, como paraguaios e peruanos, com ocorrência de
mortes e conflitos entre gangues de adolescentes como reflexo da
disputa por pontos de trabalho nas confecções.
Os bolivianos e seus descendentes brasileiros estão espalhados
por praticamente toda a cidade, principalmente nos bairros de
subúrbio, mas predominam e trabalham em muitos pequenas
oficinas de costura em suas próprias casas, principalmente numa
área próxima ao centro, entre o Pari e o Bom Retiro, incluindo a
esquina da Rua Coimbra com a rua Bresser, e principalmente a
praça Kantuta, na rua Pedro Vicente, perto da Estação Armênia
do Metrô. O próprio nome “Kantuta”, que os bolivianos preferem
assim, com “k”, é uma palavra boliviana, nome de uma flor típica
do pais, que tem as cores da bandeira pátria: verde, amarelo e
vermelho. Muitos bolivianos trabalham para as confecções e lojas
dos coreanos, que com eles convivem no Bom Retiro.
“Quánto tiempo no necesitaria pa hacer una pieça tán grande?”,
pergunta Juan, descendente de bolivianos que nasceu em São
Paulo há 17 anos, referindo-se em portunhol a um tapete vendido
numa das barracas da plaza Kantuta. Ele visita a feira com uma
garota e um garoto mais velhos, que são bolivianos e se mudaram
para São Paulo há cinco anos. A menina e o menino conseguiram
emprego em confecções de coreanos graças à associação cultural
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que tem como sede a praça Kantuta. Os dois falam portunhol,
misturando algumas palavras em português, mas predominando as
palavras espanholas.
O menino tem o cabelo índio penteado com gel nos moldes
moicanos do Neymar. A menina, de olhos e cabelos de um negro
profundo, rosto corado e traços índios, elogia as comidas da feira:
“En la Bolívia las personas son pobres, pero tienem mucho lo que
comer, hay mucha gente que hace comida en las calles.” Pouco
depois os jovens falam da economia mundial. “Adonde eso vá
lhegar?”, pergunta o Neymar boliviano. “El domingo es el unico
dia en que no trabajo y puedo passear, los otros dias trajo mucho”,
diz Juan, que aprendeu a costurar. Ele ganha um salário mínimo
“y aun unos 200 reales de horas extras”, diz o garoto, que estuda
em escola estadual e muitas vezes perde o começo das aulas.
A comunidade boliviana trabalha duro nas oficinas caseiras. E
também têm de trabalhar muito os que juntam algum capital e
acabam se estabelecendo no comércio para sacoleiros da feira da
madrugada. No domingo as moças aproveitam para passear e os
rapazes jogam bola nos campinhos de terra do Pari e Bresser.
Na feira da plaza Kantuta, o ambiente é animado pelo som de
música popular boliviana que sai de alto-falantes num palco ao
lado da sede da Associação Gastronômica e Cultural: “No me
interesa ni tu oro, ni tu plata, yo quiero que seas mia y de mas
nádie” („Não me interessa nem teu ouro nem tua prata, quero que
sejas minha e de mais ninguém‟)”, diz uma canção.
Além de concentrar gente falando o espanhol da bolívia, que tem
um cantado diferente do espanhol da Espanha, a visita à feira
dominical da Praça Cantuta permite almoçar comida boliviana a
bons preços. Um empanado boliviano (salteña) custa R$ 3,50 e
para muita gente já vale por um almoço. Ele é bem recheado com
cozido de porco ou de frango e é servido com pratinho e colher
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para a pessoa não se lambuzar com o recheio molhado e muito
bem temperado. Quem quiser uma refeição mais completa pode
optar por porco com batatas e milho bolivianos a R$ 12 o prato
muito bem servido, ou por frango com batatas muito macio e
crocante, a R$ 10.
A feira começou há mais de dez anos, em outro endereço, na
praça Padre Bento, no largo Santo Antônio do Pari, na frente da
igreja. “A iniciativa foi de uma boliviana, dona Berta Valdez, que
fazia um churrasco de coração de boi muito apreciado pelos
coreanos”, conta Wilson Campos, presidente da Associação
Gastronômica, Cultural e Folclórica Boliviana “Padre Bento”.
“Outros bolivianos se uniram a ela e atraíram conterrâneos para o
passeio de domingo com comidas típicas. Logo a feira começou a
atrapalhar o trânsito na Praça Padre Bento e com apoio da
Prefeitura foi mudada para a Praça Kantuta, que tem mais espaço.
Mantivemos no nome a homenagem ao „Padre Bento‟ da praça
anterior.”
Campos explica que a feira boliviana já chegou a gerar mais de
400 empregos, mas hoje diminuiu porque milhares de bolivianos
que trabalhavam para confecções mudaram de ramo e estão
vendendo para sacoleiros na feira da madrugada do Brás, que se
espalha pela rua Oriente e adjacências, como o Largo da
Concórdia. Essa feira congrega principalmente bolivianos,
nordestinos, fazendo um retrato das correntes migratórias que
vieram para a Cidade.
Em sua maioria católica, a comunidade boliviana tem apoio da
Pastoral do Imigrante e transformou a associação cultural num
ponto de encontro e de ajuda mútua. “Muitos bolivianos me
procuram precisando de emprego. Já indiquei modelos latinos
para agências de propaganda e marketing e gente que fala
espanhol para empresas.” Campos também chama a atenção para
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as línguas indígenas faladas pela comunidade boliviana, que
fazem ecoar sons dos Andes nas conversas particulares entre os
grupinhos: “Além do espanhol, os bolivianos em geral falam as
língua indígenas de suas regiões de origem, que são ensinadas nas
escolas: as principais são a língua quíchua da gente de
Cochabamba e a aimará, de La Paz.”
O presidente da associação cultural dos bolivianos, é casado com
a boliviana Helen Mirian, cozinheira de mão cheia que faz as
salteñas que ele vende numa barraca da feira. Ele revela que os
bolivianos falam línguas indígenas quando não querem que
saibam os assuntos de suas conversas: “Se for um grupo de
jovens, quando você está perto deles e eles percebem que você
entende espanhol, muitas vezes eles passam a falar em língua
indígena. Aí eles podem até te xingar que você não entende
nada...” Campos cita uma expressão em quíchua que se ouve na
Plaza Kantuta: “Jacu rripuna!” (“Vamos embora!”, que em
espanhol boliviano também se fala diferente: “Vamanos!”). Outra
expressão quíchua que se ouve na praça é “Apuracui!” (“Anda
logo!”).
A feira vende também pães caseiros e secos e molhados da
cozinha boliviana, como quínua, vários tipos de milho e batata
(tubérculos) que não existem no Brasil. Artesanato e roupas da
Bolívia podem ser ainda encontrados. Uma boa dica para conferir
a São Paulo de ecos andinos.
Coreanos substituem os judeus na José Paulino
Tradicional reduto de judeus, a rua José Paulino hoje fala
coreano. A maioria dos judeus se mudou e se espalhou pela
cidade. Suas pequenas confecções não conseguiram competir com
os preços dos coreanos. A maioria dos judeus mais ricos foi
morar em Higienópolis e nos Jardins, em cujas ruas podemos
ainda ouvir palavras em iídiche (os que vieram da Europa do
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leste) ou hebraico (os que vieram de países árabes), apesar de
muitos grupos falarem francês. Os judeus mais velhos que
aprenderam português ainda falam com sotaque que lembra o dos
alemães e norte-americanos falando portuglês. Muita gente em
São Paulo já ouviu a canção “Nava Naguila” (“Alegremo-nos”)
em hebraico, muita cantada em festivais judaicos.
As correntes de migração de judeus para o Brasil são posteriores à
proclamação da República, que separou a Igreja do Estado e
permitiu liberdade religiosa (o Império era católico). Grandes
levas de judeus asquenazes, provenientes do Leste Europeu, como
Polônia, Rússia, Ucrânia, chegaram a São Paulo desde o começo
do século até a criação do Estado de Israel, depois da Segunda
Guerra. Ainda em 1942, durante a guerra, a estimativa é de que
havia 60 mil judeus no Brasil. Nessa época, a imigração, que
tinha sido acentuada pela ascensão do nazismo, passou a ser
barrada pela ditadura de Getúlio Vargas. Mas os judeus já tinham
marcado sua presença em São Paulo, principalmente no Bom
Retiro – e também em outros Estados, como Rio Grande do Sul.
As migrações de judeus diminuíram muito depois da Segunda
Guerra. Os imigrantes diretos hoje já são pais, avós ou até
bisavós.
Uma pesquisa sobre origem étnica dos judeus que hoje vivem em
São Paulo aponta que a maioria é brasileira (39,11%), com
16,73% de origem israelense, 6,46% de origem polonesa, 6,05%
italiana, 5,64% alemã, 4% portuguesa. Uma parcela menor veio
de países árabes, como o Egito. Os imigrantes judeus
praticamente não encontraram resistência religiosa, como chegou
a ocorrer nos EUA e na Argentina, o que facilitou sua integração.
Mas hoje a maior parte dos donos das lojas da José Paulino já é
constituída por imigrantes da Coreia do Sul. Eles trazem algum
capital, ao contrário dos bolivianos, que chegam praticamente
sem dinheiro e trabalham nas confecções dos coreanos – o que
gera migrações complementares. Suas confecções não deixam
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nada a desejar comparadas com produtos estrangeiros de boa
qualidade e são vendidas em grandes lojas pelo Brasil todo.
Segundo o Consulado da Coreia do Sul, moram em São Paulo
mais de 50 mil coreanos, que começaram a vir a partir da década
de 1960. Desde os anos 1990, a migração de coreanos para o
Brasil diminuiu muito, segundo explica Cristina Choi, que
trabalha no consulado da Coreia do Sul. “É possível encontrar
gente falando coreano em lugares do Bom Retiro como a Rua
Correia de Melo e a Três Rios.” Os coreanos que já falam
português ainda conservam uma melodia e um sotaque que visto
por leigos se assemelha ao do japonês ou do chinês, mas suas
frases são mais melódicas e menos sincopadas – o coreano é
completamente diferente dessas duas línguas. Muitos coreanos
que enriqueceram mudaram-se para a Aclimação, em casas de
classe média ou média alta, levando seu sotaque para lá.
Cristina lembra que no Bom Retiro é possível ouvir expressões
típicas coreanas como “Páli-páli!” (“Rápido, rápido!”) ou
“Anion” (uma mesma palavra que serve para dizer “bom dia”,
“boa tarde”, “boa noite”, “tudo bem?”). Nos restaurantes em que
os coreanos mais se concentram é possível saborear a comida de
seu país, como o bulgogui (churrasco típico, cuja carne é
adocicada) e tok (um doce à base de arroz). Os preços das
refeições são baratos, em torno de R$ 15.
Os sons da Coréia também são marcantes, pois a música popular
coreana atual, conhecida como K-pop, tem feito sucesso entre a
colônia no Brasil e entre os jovens em geral, inclusive de outros
países, como Europa e Japão. “Muitos brasileiros também gostam
da música coreana. O ritmo é simples e fácil de decorar”, diz
Cristina.
Ecos do Sol nascente
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Mais de 180 mil japoneses imigraram para o Brasil nas primeiras
décadas do século XX, em várias ondas com navios cheios,
muitas vezes com destino certo - como as fábricas da Capital e as
plantações do Vale do Ribeira, por exemplo. Dos cerca dos 1,5
milhão de descendentes de japoneses e pioneiros que hoje vivem
no Brasil, 400 mil moram na Grande São Paulo. São muitas casas
em que as avós ainda preparam o manju, um doce especial de
feijão. Os melhores elas separam para oferecer aos antepassados,
geralmente num sincretismo de catolicismo com xintoísmo, que
venera totens familiares.
Em bairros como a Liberdade, onde moram muitos descendentes
de japoneses, além de receber muitas visitas de descendentes que
lá vão fazer compras, ou o Bosque da Saúde, onde moram os de
classe média e média alta, o sotaque japonês está presente nas
frases. Com ele vêm outros aspectos típicos da cultura, como a
culinária que usa algas, arroz, peixe cru e temperos como
gengibre e molhos adocicados para acompanhar carnes. O
tradicional “arigatô” (“obrigado”, na frase “domo arigatô
gozamaishitá”) ou saudações como yokosô (“bem-vindos”) ainda
são ouvidos pelas ruas, assim como a letra japonesa “tsu”, que
não era pronunciada em português, mas agora está na imprensa,
depois que ficou divulgada a palavra tsunami para substituir a
inapropriada “maremoto”. A expressão “gozamaishitá”, sozinha,
não possui um significado, mas é utilizada nas formas polidas de
se falar com outra pessoa. Uma variação dela também está
presente no “bom dia” em japonês: “Ohayo gozaimasu”.
Muitos descendentes de japoneses se reúnem nos restaurantes das
ruas próximas da praça da Estação Liberdade do metrô, onde se
realiza uma tradicional feira dominical, ou em festas típicas pelas
ruas do bairro, como o Tanabata Matsuri, que relembra uma
antiga lenda do encontro de duas estrelas e se realiza no inverno.
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Tradições da China milenar
Estimativas dão conta de que vivem hoje em São Paulo mais de
130 mil chineses e seus descendentes. Oficialmente os primeiros
chineses a chegar à Capital constituem um grupo de 107 pessoas,
que desembarcou em São Paulo no dia 15 de agosto de 1900.
Grandes ondas migratórias ocorreram nos anos 1950 por causa
das guerras internas que levaram Mao Tsé Tung ao poder e
abalaram a economia, provocando surtos de fome.
Além do fenômeno do rotacismo (troca de “R” por “L”, como em
“tliste”), os chineses e trouxeram uma entonação própria nas
frases, que é diferente da sincopada entonação japonesa: hoje
chineses e descendentes que falam a língua ainda se destacam por
pronunciar mais suavemente, as frases parecem ter maior riqueza
melódica. Isso se deve ao fato de o chinês ser uma língua tonal, na
qual a entonação com que é pronunciada uma palavra influi em
seu significado. Na verdade, os linguistas apontam que o chinês
possui quatro tons. A expressão “xiao hua” pode significar
“piada” se pronunciada num tom e “digestão” se o tom da
pronúncia for outro. “Ki she” pode significar “carro” ou “andar de
bicicleta”, dependendo do tom.
Além da tradicional cozinha chinesa, caracterizada por cozidos
como o frango xadrês com amendoim, que leva molho shoyu,
pimentão e acelga, ou o porco agridoce, a cozinha chinesa tem os
famosos rolinhos primavera, pasteizinhos com carne e repolho ou
acelga, e o macarrão iakissoba - cujo nome é japonês porque
também foi adotado no Japão (convém lembrar que o macarrão
foi inventado pelos chineses e levado para a Europa por Marco
Polo).
Também com os chineses vieram a acupuntura, as artes marciais,
o horóscopo chinês, o I-Ching, uma filosofia milenar. Muitos
descendentes de chineses comandam pastelarias ou operam
pequenas lavanderias familiares. Há também os que se dedicam
ao pequeno comércio, como o das mercearias. A aliança entre as
colônias japonesa e chinesa no Brasil traduz-se pelo fenômeno
atual de muitas mercearias da Liberdade que têm placas em
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japonês terem sido compradas por chineses, que falam chinês
entre eles e arranham japonês e português com os frequeses. O
dialeto mais comum é o mandarim, oficial na China.
Os chineses, que na maioria chegavam com a roupa do corpo e
moravem em cortiços, não chegaram a constituir um bairro
próprio em São Paulo. Seus descendentes se distribuíram pela
cidade, justamente por causa da natureza de suas ocupações
(lavanderias e pequenos comércios, que têm de estar distribuídas
nos bairros).
Mas até hoje muitas palavras e expressões da língua chinesa
podem ser ouvidas nos restaurantes típicos, nas ruas da Liberdade
e em muitos estabelecimentos comerciais, como lojas de
importação de eletrônicos e mercearias. Uma delas é “xie-xie”
(“obrigado”). Outra é “bu yong xié” (“de nada”, constituído pela
sequencia palavras “não”, “usar” e “agradecer”). A palavra “xié”,
decomposta em seus ideogramas significa “falar” e “corpo
dobrado em reverência”.
Outra expressão típica é “ni háo”, que quer dizer “olá” (sequência
dos ideogramas “você” e “bom”, “boa”). Acrescentando a
partícula interrogativa “má”, podem ser feitas frases como “ni háo
má?” (“como vai você?”). Já a expressão “até a vista”, que em
italiano se resume por “tchau”, em chinês tem dois ideogramas:
“zai jian” (sequência dos ideogramas que significam “novamente”
e “ver”). Os ideogramas dessas palavras podem ser vistos no
verbete “língua chinesa” da Wikipédia.
Por influência do poeta norte-americano Ezra Pound, o
mecanismo metafórico e poético da língua chinesa chegou a
influenciar os poetas concretos brasileiros nos anos 1960 e 1970.
Um exemplo do aspecto poético dos ideogramas chineses é dado
pelo símbolo de brilho, que põe lado a lado os ideogramas que
significam “sol” e “lua”. O ideograma para “tranquilidade” é feito
com o ideograma “teto” sobre o ideograma “mulher”. O
ideograma “mulher” seguido do ideograma “filho” significa
“benevolência”.
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Fora esse predomínio do pensamento por metáforas, a gramática
chinesa é uma das mais fáceis do mundo porque o chinês não
conjuga os verbos nem flexiona os substantivos e adjetivos.
Assim a grafia e a pronúncia do verbo “ser” (“shi”) são sempre as
mesmas, qualquer que seja o sujeito ou o tempo, indicados pelo
contexto da frase.
“Ó Maria, preparaste o bacalhau?”
“Ó Maria, o que estás a fazeire, o que procuras que não estás a
encontraire?” Uma frase como essa com ecos de Portugal ainda se
ouve espalhada pelos quatro cantos da cidade e principalmente
nas ruas da Vila Maria, onde sobraram redutos com ecos de além-
mar. Primeiro os portugueses colonizaram o Brasil e sua língua
sofreu influências das línguas indígenas (veja boxe). A descoberta
de ouro em Minas Gerais no século 18 atraiu mais portugueses
que ajudaram a desbravar os sertões brasileiros.
Mas em 1872 o Brasil tinha só 10 milhões de habitantes, com
pouco mais de 800 mil no Estado de São Paulo (quase 500 mil na
Capital). A grandes migrações começaram depois da abolição da
escravatura e da República, quando o país começou a se
industrializar. Em 1910 a população do País já tinha dobrado,
passando dos 22 milhões. O Estado de São Paulo já tinha mais de
3 milhões de habitantes nesse ano.
Nessa época estavam em curso as grandes ondas de migração da
Europa e do Japão para o Brasil, constituindo os lavradores do
campo e a classe operária que veio substituir a mão de obra
escrava nas cidades.
Só de Portugal vieram mais de 1,3 milhão de pessoas no começo
do século 20, a maioria constituída por homens pobres e solteiros
que se estabeleceram em cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
Depois a corrente migratória cessou e só foi retomada entre 1945
e os anos 60, por causa da ditadura salazarista. Nessa época
chegaram ao Brasil mais de 250 mil portugueses de todas as
classes sociais. Essa foi a última grande corrente migratória do
exterior que se dirigiu para o Brasil no século 20.
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Hoje moram no Brasil cerca de 700 mil portugueses, que vieram
entre 1930 e 1960, mas estima-se que haja no país 25 milhões de
descendentes dos imigrantes do começo do século 20. Estudos
genéticos apontaram que metade dos cromossomos Y da
população brasileira provêm de portugueses. Cerca da metade
(48%) dos genes dos negros brasileiros também possui genes não-
africanos herdados da miscigenação com antepassados
portugueses. Ainda hoje, muitos donos de padarias, bares e
restaurantes são descendentes de portugueses. E o sotaque vem
acompanhado de pratos típicos, como o bacalhau assado com
batatas, cebola e azeite e os pães de alho – sem esquecer o vinho
do Porto e os quitutes da doçaria portuguesa, como os pastéis de
belém e os fios d‟ovos.
Ecos árabes na 25 de Março
O sotaque árabe que pode ser percebido nos donos das lojas da
rua 25 de Março veio de uma corrente migratória que começou no
final do século 19, quando libaneses e sírios migraram para o
Brasil fugindo do domínio dos turcos, que submeteram os árabes
ao Império Otomano. Vieram também parcelas menores de
egípcios, marroquinos, jordanianos e iraquianos. Expressões em
árabe, como „mash‟allah‟, que expressa admiração e significa
literalmente “se deus quiser”, “udéch” (“quanto custa?”), “kifel
aele” (“como vai a família?”) podem ser ouvidas na 25 de Março.
Um detalhe interessante da língua árabe é que ela forma muitas
palavras em português por causa do grande desenvolvimento
científico dos árabes na Idade Média, muito superior ao dos
ocidentais na época. Assim a maioria das palavras começadas por
“al” é de origem árabe, como “alface”, “alfândega”. Outro, que se
pode conferir com descendentes que trabalham na 25 de Março e
mantêm a cultura, é que o pronome “tu” é flexionado de acordo
com o gênero. Dizemos “ezaiák?” quando perguntamos “como
vai?” a um homem, e “ezaik” quando perguntamos “como vai?” a
uma mulher.
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Junto com a língua, os árabes trouxeram pratos típicos, como o
quibe, a esfiha, que se espalharam pela cidade toda. Vários tipos
de coalhada e pratos com óleo de gergelim (hómus), além de
assados de carneiro também fazem parte desse cardápio que,
como o dos judeus, exclui a carne de porco, muito apreciada pelos
chineses.
Segundo estatísticas do IBGE, até 1959 tinham chegado ao Brasil
quase 190 mil árabes. Mais da metade veio para São Paulo. A
outra metade se espalhou pelo Brasil, muitos exercendo o trabalho
de mascates viajantes. Hoje calcula-se que haja 15 milhões de
descendentes de árabes no Brasil. A integração com a população
foi completa, com descendentes de árabes exercendo todas as
profissões – até a de governador do Estado.
Um almanaque de 1893 já chamava a atenção para a presença de
sírios e libaneses na rua 25 de Março: na época havia seis casas de
armarinhos e uma mercearia pertencentes a árabes. Eles estavam
começando a emergir da mascatagem e entrando no comércio
varejista. Em 1901, já havia mais de 500 empresas de sírios e
libaneses inscritas no almanaque e que estão na origem do que
atualmente é o maior centro de comércio da América Latina.
Sons da Alemanha no Brooklin
Chucrute (repolho cortado em tiras e fermentado), apfelstrudel
(torta de maçã), eisbein (joelho de porco defumado) são algumas
palavras em alemão que se ouvem em muitos restaurantes
espalhados pela cidade toda. A imigração alemã data do final do
século 19 ao final da primeira metade do século 20, quando
chegaram ao Brasil mais de 176 mil alemães. Hoje seus
descendentes são mais de 5 milhões, espalhados principalmente
pela região Sul do país.
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Os primeiros alemães de São Paulo chegaram em 1827 pelo porto
de Santos e foram levados para Santo Amaro. Os grupos
seguintes fixaram-se também na Zona Sul, em Itapecerica da
Serra. E a região do Brooklin faz até uma festa típica, a Maifest,
que celebra a primavera no hemisfério norte. A festa costuma ser
realizada no quadrilátero formado pelas Ruas Joaquim Nabuco,
Princesa Isabel, Barão do Triunfo e Bernardino de Campos e é
uma das atrações do calendário cultural da Cidade.
Como o alemão é uma língua declinada, os que falam português,
mantendo o forte sotaque nos “R” costumam deixar os verbos no
infinitivo e não saber flexionar as palavras em gênero e número.
“Os tremm ir chegar” é um exemplo de pronúncia no português-
alemão que se pode ouvir dos mais velhos do bairro, assim como
palavras ou expressões como como “Prost” (“saúde”) ou “Wie
geht es Dir?” (“Como você está?”), “Ich habe Hunger” (“Estou
com fome”), “Pass auf Dich auf!” (“Se cuida!”).