1. Entendendo a PEC 241 (55)
PEC do Teto dos Gastos Públicos
(para o OcupaCPII)
Miguel Freitas *
miguel@cpti.cetuc.puc-rio.br
* Engenheiro Pesquisador da PUC-Rio, não é economista.
Doutor em Eletromagnetismo Aplicado e Mestre em Telecomunicações.
2. “A nossa dificuldade em conseguir formar um pensamento é
muito maior do que a de vocês. Nós temos que ver tudo o
que a mídia nos passa, fazer um processo de compreensão,
de seleção, para daí conseguir ver do que a gente vai ser a
favor e do que a gente vai ser contra. É um processo difícil,
não é fácil para estudantes simplesmente decidir pelo que
lutar.” - Ana Júlia
3. PEC 241: O que diz o governo?
● Afirma ter havido um “aumento sem
precedentes da dívida pública federal”
● Temer: “uma família não pode gastar mais do
que arrecada”
● PEC: mecanismo proposto pelo governo para
frear o crescimento dos seus gastos, com o
objetivo de equilibrar o orçamento no longo prazo
e conter o aumento da dívida pública.
● PEC: por 20 anos o crescimento das despesas
da união seria limitado pela correção da inflação.
4. O que diz a Constituição:
● Impostos são cobrados segundo “capacidade
contributiva” => ricos devem pagar mais.
● Direitos dos cidadãos: Saúde, educação, moradia,
trabalho, previdência social, proteção à maternidade e à
infância, assistência aos desamparados, segurança,
lazer, vestuário, alimentação e transporte.
5. Reduzir desigualdades está na Constituição
● Pagar mais impostos não dá direito a mais serviços.
Impostos têm função redistributiva.
● Objetivos “fundamentais” da Constituição (art 3): I –
construir uma sociedade livre, justa e solidária; II –
garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV – promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
6. O que acontece quando os impostos não são
suficientes para pagar os serviços do estado?
● Despesas > Receitas : Déficit (contrário de superávit)
● O estado precisa pegar dinheiro emprestado.
● Entrega “títulos de dívida” em troca do dinheiro, se
comprometendo a pagar juros.
Algumas definições importantes:
● Despesas Primárias: Gastos com serviços (saúde,
educação, segurança etc) e funcionamento do estado,
sem incluir o pagamento de juros.
● Resultado Primário = Receitas – Despesas Primárias
● Resultado Nominal = Resultado Primário + Juros
Nominais.
● Juros Nominais = Juros sem descontar a inflação.
7. ● Resultado Nominal = Resultado Primário + Juros Nominais
● De 1998 até 2013 o governo sempre obteve superávit primário
(barras azuis)
● O custo financeiro (juros+swap) é o maior responsável pelo
déficit nominal (linha amarela)
● A PEC desvia o foco da discussão (juros, sonegação, reforma
tributária, impostos sobre lucros e dividendos etc)
Fonte: TD 217 do
Senado (“A PEC dos
Gastos Públicos é
necessária?”)
(% do
PIB)
8. Obs: Gasto efetivo com juros cerca 25%
(tem que descontar receitas financeiras)
Não é 45% mas ainda é muito mais que
saúde/educação/etc
Ver Blog do Bianchini (analista do BC): “Por que a
Auditoria Cidadã não é levada a sério?”
9. Algumas coisas que o governo não diz...
● A dívida sempre aumenta em períodos de crise
econômica (fato histórico). Mas é claro que não pode
crescer indefinidamente.
● A comparação com gastos de uma família é simplória e não
é adequada:
- Gastos do governo movimentam economia
ex: R$ 1,00 gasto no SUS aumenta PIB em R$ 1,70*
- Uma família não cria dinheiro (não que isso seja uma
solução).
- Economistas não conseguiram definir um limite para o
endividamento máximo do governo (Japão 234% PIB,
Itália 139%, França 104%... Brasil 65%)
* Abrahão, Mostafa e Herculano, 2011
10. Deficit Primário quando
Despesa > Receita
Efeito da crise: a partir de
2014 receitas despencam.
(desonerações contribuiram)
Fonte: Blog do Bianchini: “O Novo Regime Fiscal e as vinculações...”
11. O que a PEC 241 realmente faz?
(independente da receita)
● Mas a despesa não é corrigida pela inflação? Não deveria
aumentar?
R: Não, o gasto REAL não aumenta.
● Malandragem: o congelamento só começa em 2018, usando
valores de despesa de 2017. A população vai demorar 2 anos
para perceber.
Despesas reais congeladas
por 20 anos (10+10)
12. PEC limita o teto e altera os pisos constitucionais
● Antes os gastos obrigatórios tinham que ser maiores que uma fração da
arrecadação.
Ex: Gasto mínimo educação = (despesa educação / arrecadação) > 18%
● A partir de 2018 os gastos obrigatórios serão corrigidos apenas pela inflação,
mesmo que a arrecadação aumente.
● Gastos mínimos em saúde aumentam de 13,7% para 15% em 2017.
● Malandragem: a arrecadação de 2016 (e 2017) é menor que a dos anos
anteriores, logo o mínimo real congelado será pequeno mesmo com % maior.
13. Despesas com saúde conforme regra atual
● Os gastos com saúde (em % da arrecadação) aumentaram em 2015 pois a
arrecadação caiu.
● “Ironicamente, o aumento da vinculação de despesas da União com saúde
foi um dos elementos da chamada pauta bomba, que visou impedir o ajuste
fiscal tentado por Dilma em seu segundo governo. Agora que o
impeachment foi consolidado, a medida sofre nova modificação.” - Bianchini
● Antes de 2015 (EC 86/15) os gastos de saúde eram corrigidos pela variação
nominal do PIB.
Mínimo de 15%
será antecipado
14. Despesas com saúde após a PEC
● Em 2030 a população brasileira terá 21 milhões de pessoas
a mais.
● Estas pessoas terão que ser tratadas com aproximadamente
a mesma quantia de recursos (reais) que em 2017.
● Todos os especialistas em saúde concordam que os
recursos atuais são insuficientes para prestar serviços de
qualidade.
● Governo: apenas as despesas totais são congeladas, saúde
pode aumentar se reduzir de outras áreas...
– Ok, mas vai tirar de onde?? (vide gráfico do orçamento)
– A maioria das despesas primárias, como previdência e
funcionalismo, é rígida. Há pouca margem para
remanejamento.
15. Despesas atuais do governo federal com educação
● As despesas com educação já estão acima do mínimo
constitucional (18% da arrecadação) desde 2001.
● O valor mínimo de 2017 será congelado por 20 anos.
16. ● O FUNDEB não é afetado pela PEC. Ele redistribui os recursos
entre união/estados/municipios pelo número de alunos, mas não
aumenta o volume de recursos.
● O FUNDEB é somado/subtraído às despesas para comprovar o
mínimo constitucional.
● O FUNDEB acaba em 2020... e depois?
17. Fontes de receita para educação em 2015
● Responsabilidades distribuídas. Gov. Federal (superior), estados
(médio) e municípios (fundamental), prioritariamente.
● Mínimo de 25% dos estados e municípios não é afetado pela PEC.
● O mínimo da união (18% da arrecadação) corresponde a 21% dos
recursos mínimos previstos. Mesmo se fosse totalmente eliminado, em
tese, ainda sobrariam 79% dos recursos (mínimos).
18. Impactos da PEC na educação
● Ao preservar transferências para estados e municípios
e o FUNDEB a PEC preserva, em princípio, a
educação básica.
● O ajuste (cortes) devem incidir principalmente
sobre ensino profissionalizante (CEFETs) e
superior, além de casos especiais como o Pedro II.
● Os gastos atuais já são maiores que mínimo de 18%,
assim um governo já poderia reduzir os gastos mesmo
sem a PEC.
● O congelamento vai limitar a expansão do ensino
superior. Provável sucateamento das universidades
federais.
19. Salário dos servidores públicos
● A PEC estabelece que quando um poder descumprir o
teto do limite de gastos, será proibida a concessão de
aumentos ou reajustes de servidores, empregados
públicos e militares.
● Ou seja, em caso de descumprimento, mesmo a
reposição da inflação não seria permitida.
● Neste caso são proibidas também medidas que
aumentem despesas acima da inflação, o que na
prática congelaria o salário mínimo (a regra atual de
valorização do mínimo incorpora o crescimento do PIB
com 2 anos de atraso)
20. Crescimento constante da previdência
● Gastos com previdência continuarão crescendo com novas
aposentadorias
● Alguma reforma será necessária no futuro, com ou sem PEC
● Com a PEC, é inevitável que o crescimento da previdência
retire recursos das outras áreas
“despedalada”
(sairá do gráfico
do acumulado de
12 meses em
dez/2016, igual
ao degrau da
linha verde 2010)
21. Observações finais
● O governo usa argumentos falaciosos para defender a
PEC (aumento explosivo das despesas, culpa do déficit
primário, de que outros países teriam feito ajustes
semelhantes etc)
● Países que adotaram restrições semelhantes (ex: Holanda
citada pelo governo) relaxaram as medidas justamente para
enfrentar a crise
● A PEC não é o único ajuste possível (e certamente não
é o melhor)
● Não se discute a taxação de lucros e dividendos que
incidiria sobre os ricos (apenas a Estônia na OCDE isenta
como o Brasil), fim de desonerações fiscais etc
● A PEC não evita o crescimento da dívida pública,
apenas retira dinheiro de outras áreas para garantir o
pagamento dos juros
22. Observações finais
● A PEC indiscutivelmente vai aumentar a desigualdade,
penalizando os serviços prestados aos mais pobres
(serviços públicos são uma forma de transferência de
renda)
● A PEC agrava a recessão ao reduzir investimentos
públicos em infraestrutura e gastos sociais
● A PEC será particularmente catastrófica para saúde
pública, educação pública técnica, superior e CPII
● A PEC afeta os próximos 5 presidentes e retira a
possibilidade da população decidir os rumos do país
através do voto (e isso feito por um governo não eleito...)
● Estudo do Senado concluiu que a PEC é inconstitucional
(Boletim Legislativo 53)
23. Quem já se manifestou contra a PEC
Conselho Federal de Economia
Conselho Regional de Medicina do Estado do RJ (CREMERJ)
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)
Conselho Regional de Medicina do Estado do RJ (CREMERJ)
Sociedade Brasileira de Pediatria
Ministério Público Federal
OAB
Defensoria Pública Federal
Fiocruz