Este documento trata de um recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra decisão do Tribunal de Justiça que julgou procedente uma ação rescisória sobre uma ação de improbidade administrativa movida contra um ex-governador. Em três frases: O Ministério Público recorreu alegando que a ação rescisória foi utilizada de forma inadequada como substituto recursal e que não houve violação literal da lei para justificar a rescisão do acórdão anterior. O parecer do Ministé
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Resp 1800277
1. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.800.277 - SC (2019/0051186-3)
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RECORRIDO : PAULO AFONSO EVANGELISTA VIEIRA
ADVOGADO : MÁRCIO LUIZ FOGAÇA VICARI E OUTRO(S) - SC009199
RECORRIDO : ESTADO DE SANTA CATARINA
ADVOGADO : JOÃO DOS PASSOS MARTINS NETO - SC005959
INTERES. : NEUTO FAUSTO DE CONTO
INTERES. : RENATO LUIZ HINNIG
INTERES. : OSCAR FALK
INTERES. : PAULO SÉRGIO GALLOTTI PRISCO PARAÍSO
ADVOGADO : MÁRCIO LUIZ FOGAÇA VICARI - SC009199
INTERES. : MARCO AURÉLIO DE ANDRADE DUTRA
ADVOGADO : ALEXANDRO SERRATINE DA PAIXÃO - SC012135
INTERES. : NELSON WEDEKIN
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
DECISÃO
Trata-se, na origem, de ação rescisória ajuizada por Paulo Afonso Evangelista
Vieira em desfavor do Estado de Santa Catarina. Atribuiu-se à causa o valor de R$ 466,57
(quatrocentos e sessenta e seis reais e cinquenta e sete centavos).
Sustentou, em síntese, que, na ação civil pública movida pelo Estado de Santa
Catarina, foi condenado às penas de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e
de multa civil equivalente a dez vezes a remuneração percebida à época dos fatos, com
correção monetária desde a citação, bem como aos ônus sucumbenciais, entretanto, para a
condenação se exige o dolo da autoridade que comete o ato de improbidade, legitimidade
para a pretensão formulada e fundação em erro de fato.
Formulou, assim, requerimento de tutela de urgência para sustar a eficácia do
acórdão rescindendo até o trânsito em julgado da decisão a ser proferida e pleiteou a rescisão
do acórdão proferido, com o restabelecimento da sentença de primeiro grau que decidiu pela
rejeição do pedido de condenação do ora autor.
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina julgou procedente o pedido
mediante acórdão assim ementado (fls. 625-668):
AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
PROPOSTA PELO ESTADO DE SANTA CATARINA CONTRA
EX-GOVERNADOR. ILEGITIMIDADE ATIVA. PRECEDENTES.
TRANSFERÊNCIA DE VERBAS DO FUNDO DE MELHORIA DA POLÍCIA
MILITAR - FUMPOM PARA A CONTA ÚNICA DO TESOURO DO ESTADO.
SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU QUE CONDENOU O AUTOR ÀS PENAS DO
ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMANDO QUE
TEVE POR BASE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO ART. 11 DA LIA.
NECESSIDADE, EM CASOS COMO O PRESENTE, DA COMPROVAÇÃO DE
DOLO E MÁ-FÉ DO AGENTE PÚBLICO. INOBSERVÂNCIA NA ESPÉCIE.
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2. Superior Tribunal de Justiça
INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE TENHA HAVIDO PREJUÍZO OU DE QUE O
RÉU AUFERIU ALGUM BENEFÍCIO. PEDIDO PROCEDENTE.
"A ação de improbidade administrativa "tem natureza especialíssima,
qualificada pela singularidade do seu objeto"; trata-se "de uma ação de caráter
repressivo, semelhante à ação penal, diferente das outras ações com matriz
constitucional, como a Ação Popular (CF, art. 5°, LXXIII, disciplinada na Lei
4.717/65), cujo objeto típico é de natureza essencialmente desconstitutiva (anulação
de atos administrativos ilegítimos), e a Ação Civil Pública para a tutela do patrimônio
público (CF, art. 129, III e Lei 7.347/85), cujo objeto típico é de natureza preventiva,
desconstitutiva ou reparatória" (REsp n. 827.445, Min. Teori Albino Zavascki); as
graves "consequências da eventual condenação em sede de ação judicial por ato de
improbidade administrativa revelam que se está, de fato, diante de medida judicial de
'forte conteúdo penal', com 'inegáveis aspectos políticos', conforme reconhecida
doutrina e jurisprudência do STF (Rcl. 2.138)" (TJMG, AC n.
1.0024.06.930400-4/001, Des. Armando Freire).
O Estado carece de legitimidade para ajuizar ação de improbidade
administrativa contra ex-governador visando exclusivamente a aplicação de sanções
pecuniárias e de caráter político. A Procuradoria do Estado não deve ser exposta a
processo de politização partidária, do qual resultaria comprometida a sua
credibilidade perante os destinatários dos seus serviços: a sociedade. (TJSC, Ação
Rescisória n. 2009.043496-1, da Capital, rel. Des. Newton Trisotto, j. 10-02-2010)".
Diante do acórdão, opôs o Ministério Público do Estado de Santa Catarina
embargos de declaração (fls. 674-688), com a seguinte ementa:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO CIVIL
PUBLICA PROPOSTAPELO ESTADO DE SANTA CATARINA CONTRA
EXGOVERNADOR E OUTROS POR PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA.
ACÓRDÃO QUE PROVEU PARCIALMENTE O APELO INTERPOSTO
PELO ENTE ESTATAL REFORMANDO A DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU
EXCLUSIVAMENTE EM RELAÇÃO AO EX-GOVERNADOR. CONSTATAÇÃO
DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E JUSTIFICATIVA PARA A
TRANSFERÊNCIA DE VERBAS DO FUNDO DE MELHORIA DA POLÍCIA
MILITAR (FUMPOM) PARA A CONTA ÚNICA DO TESOURO DO ESTADO.
OFENSA AOS PRINCÍPIOS REGENTES DA ADMINISTRAÇÃO.
DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CATARINENSE QUE ADMITE
E JULGA PROCEDENTE AÇÃO RESCISÓRIA. CONTRADIÇÃO. EMENTA E
TEOR DA REFERIDA DECISÃO DIFERENTE DO QUE CONSTA NA PARTE
DISPOSITIVA E NA CERTIDÃO DE JULGAMENTO.
RESCISÃO DO ACÓRDÃO QUE JULGOU A APELAÇÃO CÍVEL SOB O
FUNDAMENTO PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO ESTADO.
OMISSÃO QUANTO AOS ARTS. 16, 17, CAPUT, §§ 2° E 3°, E 18 DA LEI
8.429/92.
REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA.
AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ACÓRDÃO
QUE REAVALIA MATÉRIA PROBATÓRIA EM SEDE DE AÇÃO RESCISÓRIA.
PREQUESTIONAMENTO EXPRESSO QUANTO AO ART. 485, V, DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL (CPC).
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3. Superior Tribunal de Justiça
Os embargos de declaração foram acolhidos em parte por decisão colegiada
assim ementada (fls. 691-695):
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PROPOSTA PELO ESTADO DE SANTA
CATARINA CONTRA EXGOVERNADOR. CONTRADIÇÃO ENTRE A
FUNDAMENTAÇÃO, A EMENTA E A PARTE DISPOSITIVA. INTEGRAÇÃO
DO JULGADO PARA SANAR O VICIO, NESTE PONTO. DEMAIS
INSURGÊNCIAS, INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 535 DO
CPC. PREQUESTIONAMENTO. NITIDO INTUITO DE REDISCUTIR A
MATÉRIA EM CUJOS PONTOS O ARESTO FOI CONTRÁRIO AOS
INTERESSES DO EMBARGANTE. VIA PROCESSUAL INADEQUADA.
EMBARGOS ACOLHIDOS EM PARTE.
Inconformado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina opôs
embargos infringentes com vista a prevalecer os votos vencidos de improcedência dos pedidos
rescisórios (fls. 700-711).
Os embargos infringentes não foram acolhidos. Segue a ementa do acórdão (fls.
745-761):
PROCESSUAL CIVIL - RESCISÓRIA DE ACÓRDÃO EM AÇÃO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRA EXGOVERNADOR - VIOLAÇÃO
À LITERALIDADE DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/92 - RESCISÓRIA
PROCEDENTE, POR MAIORIA - VOTOS DISSIDENTES PELA
IMPROCEDÊNCIA - TEXTO LEGAL DE INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA
- ACÓRDÃO RESCINDENDO AMPARADO EM JURISPRUDÊNCIA
CONTEMPORÂNEA DOMINANTE - REVISÃO JURISPRUDENCIAL QUE NÃO
AUTORIZA AJUIZAMENTO DE RESCISÓRIA - SITUAÇÃO EXCEPCIONAL -
ATO ADMINISTRATIVO ÚNICO - LEGALIDADE MANIFESTA –
JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DECISÃO DESTOANTE CORRETAMENTE
RETIFICADA - INFRINGENTES NEGADOS - VOTO MAJORITÁRIO
MANTIDO.
Em embargos infringentes, prevalece voto majoritário que, restabelecendo a
integridade, al estabilidade e a coerência jurisprudencial, unifica entendimento sobre
ato especifico de ex-Governador, adequando por rescisória único julgado da Corte
que, apreciando o mesmo Decreto, considerou-o improbo, em contramão às demais
decisões da Corte sobre o ato do Executivo.
Irresignado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs recurso
especial, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal e nos
artigos 994, inciso VI, e 1.029, ambos do Código de Processo Civil (fls. 766-784), no bojo
do qual afirmaram afronta ao artigo 485, inciso V, do CPC/73.
Em resumo, alegou que a ação rescisória sequer poderia ser processada, quiçá
julgada procedente, pois o julgamento da ação originária considerou o posicionamento
majoritária à época quanto à interpretação do artigo 11 da Lei nº 8.429/92. Destacou que o
autor dispensou a interposição de embargos infringentes na ação originária e se utiliza da
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4. Superior Tribunal de Justiça
presente demanda como substituto recursal. Persistiu na ausência de violação literal, frontal e
direta do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, advindo o julgamento objurgado de reapreciação dos
fatos que circundam a causa, por meio de alusão a litígio similar em que não foi reconhecida a
prática de ato de improbidade administrativa pelo ex-Governador do Estado de Santa
Catarina.
Por isso, requereu o conhecimento e provimento do recurso para reconhecer a
impossibilidade de manejo da ação rescisória como sucedâneo recursal ou a inexistência de
violação literal a dispositivo de lei federal.
Foram apresentadas contrarrazões ao recurso especial pelo autor Paulo Afonso
Evangelista Vieira (fls. 790-799).
Em juízo de admissibilidade, o recurso foi admitido pelo Tribunal de Justiça de
Santa Catarina (fls. 801-809).
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso especial, em
parecer assim ementado (fls. 821-825):
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. AÇÃO RESCISÓRIA. ARTIGO 485, V, DO CPC/73.
RECURSO ESPECIAL. RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL.
IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO LITERAL À LEI. VIA
INADEQUADA PARA REVER EVENTUAL INJUSTIÇA DO ACÓRDÃO
RESCINDENDO. MATÉRIA CONTROVERTIDA À ÉPOCA. SÚMULA 343/STF.
1 – O Tribunal “a quo” julgou procedente a ação rescisória, sob o único e exclusivo
fundamento de que o acórdão rescindendo teria sido julgado de forma contrária a
outras decisões proferidas pelo TJSC. Entretanto, a estreita via da ação rescisória
não é adequada a rever eventual injustiça da decisão – como fez o Tribunal “a quo”
–, pois não se trata de uma outra modalidade recursal. 2 – Do acórdão rescindendo
não houve interposição do recurso cabível, qual seja, os embargos infringentes,
deixando o recorrido transcorrer in albis o prazo recursal. Com efeito, não resta
dúvidas de que o autor/recorrido pretendeu a revisão do julgado, utilizando a ação
rescisória como sucedâneo recursal, o que, como cediço, é vedado por essa Corte
Superior. 3 – No caso, a questão posta pelo recorrido – ausência de dolo e dano ao
erário – constitui verdadeira tentativa de rejulgamento da lide com base em
fundamentos estranhos aos estreitos limites da coisa julgada, o que é vedado em ação
rescisória. 4 – A decisão transitada em julgado utilizou-se do entendimento
jurisprudencial aplicável à época e, apesar de o recorrido ter colacionado julgados
favoráveis à tese defendida, certo é que existem outros tantos precedentes em
consonância com o entendimento adotado no acórdão rescindendo. Logo, evidente a
existência de controvérsia sobre a matéria quando do julgamento do recurso especial,
motivo pelo qual se aplica à espécie o enunciado da Súmula nº 343/STF: “Não cabe
ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. 5 –
Parecer pelo provimento do recurso especial.
É o relatório.
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5. Superior Tribunal de Justiça
Alegaram os recorrentes a ofensa ao artigo 485, inciso V, do Código de
Processo Civil de revogado. Portanto, o recurso especial tem fundamento no artigo 105, III, a,
da Constituição Federal.
Como a decisão recorrida foi publicada sob a égide da legislação processual
civil anterior, observam-se – em relação ao cabimento, processamento e pressupostos de
admissibilidade dos recursos – as regras do Código de Processo Civil de 1973, diante do
fenômeno da ultratividade e do Enunciado Administrativo n. 2 do Superior Tribunal de Justiça.
O artigo 485, inciso V, do CPC/73 tinha a seguinte redação:
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida
quando:
[...]
V - violar literal disposição de lei;
Segundo o autor da ação rescisória, houve a violação dos artigos 12 e 17 da
Lei nº 8.429/92 e do artigo 267, inciso VI, do CPC no julgamento da ação originária.
Com efeito, o Tribunal a quo não acolheu a alegação de violação ao artigo 17
da Lei nº 8.429/92, mas julgou procedente a ação rescisória por violação ao artigo 11 da Lei
nº 8.429/92 (fl. 622):
a) por votação empatada, prevalecendo a decisão rescindenda, não há
violação ao art. 17 da Lei 8.429/92. Votaram pelo sentido do acolhimento da violação
do art. 17, os Exmos. Srs. Desembargadores Pedro Manoel Abreu, Newton Trisotto,
Sérgio Baasch Luz, Cesar Abreu, João Henrique Blasi e Jorge Luiz de Borba.
Votaram no sentido do não acolhimento da violação do citado artigo, os Exmos. Srs.
Desembargadores Jaime Ramos, Rodrigo Cunha, Ricardo Roesler, Carlos Adilson
Silva, Stanley da Silva Braga e Francisco de Oliveira Neto. b) por maioria dos votos,
julgar procedente a Ação Rescisória, por violação ao art. 11 da Lei 8.429/92, uma
vez exigido o dolo ou má-fé para sua caracterização, vencidos os Exmos. Srs.
Desembargadores Jaime Ramos, Ricardo Roesler e Rodrigo Cunha. Custas legais.
Entenderam os desembargadores vencedores que a condenação por ato de
improbidade administrativa exigia a demonstração de dolo ou má-fé do agente. O
Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, na qualidade de relator, analisou que, se não
houvesse o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Estado de Santa Catarina (fl. 631):
[...] a presente ação também seria cabível por violação de literal disposição
de lei, especificamente em relação ao art. 11 da Lei n. 8.429/92, uma vez que, em
hipóteses idênticas a esta, nas quais figuravam inclusive as mesmas partes e os
mesmos fatos, diferenciando-se apenas quanto aos fundos dos quais foram
transpostos valores para o tesouro do Estado, reconheceu-se que o ato inquinado
não configuraria ato de improbidade administrativa pois, para tanto, seria necessário
a presença do dolo ou da má-fé do agente, o que não se comprovou in casu.
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6. Superior Tribunal de Justiça
Para o Desembargador Cesar Abreu, houve violação do artigo 12 da Lei nº
8.429/92, discorrendo que (fls. 664-666):
Constitui orientação pacificada desde a época do acórdão objurgado a
indispensável incidência de dolo ou má fé para as figuras dos arts. 9° e 11 da Lei de
Improbidade e a culpa para a hipótese do art. 10.
O acórdão acima invocado, proferido em sede de Embargos de Divergência
(Eb de Div. no REsp n. 875.163) e mencionado no voto vencido, é mais do que
suficiente para sustentar a rescisão do julgado impugnado.
Não fosse isso, se há admitir que o próprio acórdão rescindencio, na sua
expressão e fundamento destoa da conclusão condenatória. Explica-se: o voto
vencedor entendeu por caracterizado o desvio de finalidade, uma vez ofendidos os
princípios da unidade orçamentária, da moralidade e, sobretudo, primado da
legalidade. Disse mais, invocando o precedente do STJ, que "10. O Ministério
Público Federal na qualidade de custos legis, acertadamente assentou: PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
CONTRATAÇÃO. LICITAÇÃO. DISPENSA. 1. A lesão a princípios administrativos
prevista no art. 11 da Lei n° 8.429/1992 não exige dolo ou culpa do agente, nem
prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade
administrativa para configurar o ato de improbidade. [...]" (STJ, REsp 1.112.062,
Min. Luz Fux). Ocorre, entretanto, que esse acórdão do STJ em sua inteireza
patrocina entendimento diverso, exigindo dolo ou má fé para caracterização da
infração ao art. 11 da Lei 8.429/1992. Basta ler a sua ementa e os argumentos
jurídicos de sustentação para se enxergar o equívoco, fruto do “corta e cola”, na
inclusão da referência aliás, como visto, retirada do pronunciamento do Ministério
Público Federal.
[...]
O ilustre Min. Luiz Fux ao fundamentar o seu voto trouxe à colação quatro
precedentes do próprio STJ, um dos' quais em contrário à tese que defendeu, daí o
equivoco que veio marcar o venerando acórdão agora em juízo rescisório.
É preciso acertar o passo e fazer Justiça.
O segundo acórdão, do STJ invocado pelo voto vencedor, ora era em
exame, também faz a devida alusão à exigência de má-fé do administrador público
para caracterização da figura do art. 11 da Lei n 8.429/92 (REsp 1.113.200, Min.
Luiz Fux).
[...]
Tanto a doutrina corno a jurisprudência, na atualidade, sem mais titubeio,
associam a improbidade administrativa à noção de desonestidade, de má-fé do agente
público. O enquadramento nas previsões dos arts. 9° e 11 da Lei de Improbidade,
portanto, não, pode prescindir do reconhecimento de conduta dolosa.
Padeceria de inconstitucionalidade qualquer posição em contrário, uma vez
que desafiaria o princípio da segurança jurídica, da razoabilidade é proporcionalidade,
além de desafinar o princípio da realidade.
Mas há outro decisivo e definitivo argumento, capaz de, por si só, sepultar
a ação de improbidade administrativa em sua essência, qual seja ofensa à coisa
julgada (CPC, art. 485, IV).
Embora não invocado o argumento ou feita a indicação específica do inciso
alusivo à coisa julgada, a inicial repetida e exaustivamente aludiu aos diversos casos
julgados envolvendo a mesma conduta do ex-governador, referindo-se ainda ao
julgamento da Apelação Cível n. 2003.020326-5, à qual denominou de leading case,
ou seja, traduzindo, "uma decisão que tenha constituído em regra importante, em
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7. Superior Tribunal de Justiça
torno da qual outras gravitam" ou "que cria o precedente, com força obrigatória para
casos futuros".
Em seu voto, o Desembargador Francisco Oliveira Neto perfilhou que houve
inadequado método interpretativo de lei (fls. 654-655):
“É que o autor da demanda rescisória foi condenado, nos autos da ação de
improbidade administrativa, pela prática de ato ímprobo, consubstanciado no desvio
de finalidade do dinheiro público do Fundo de Melhoria da Polícia Militar para a
conta do Tesouro de Santa Catarina, com base no art. 11, I, da Lei n. 8.429/92.
Naquela oportunidade, o acórdão rescindendo, da Segunda Câmara de Direito
Público, reconheceu que houve, efetivamente, o desvio de finalidade da verba, e que
tal ato, por si só, se revestiu de improbidade dispensando-se a comprovação do
efetivo prejuízo e do dolo do agente público.
Ocorre que os precedentes da época, tanto deste Tribunal quanto da Corte
Superior, eram unânimes em afirmar que o dolo, ainda que genérico, era fundamental
para a tipificação da conduta nos arts. 9° e 11° da Lei n. 8.429/92. E esse
entendimento persiste até a atualidade. Aliás, não bastasse a orientação
jurisprudencial, vislumbro que o elemento "dolo" é inerente ao próprio texto legal,
porque o art. 11 da Lei de Improbidade exije (sic) que o agente público tenha agido
com o objetivo de praticar ato ilegal ou diverso do previsto em lei ou regulamento.
Confira-se: "Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres
de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: 1
- praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência".
Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal, sobre a matéria,
editou a Súmula 343, que dita: "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal
dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de
interpretação controvertida nos tribunais".
Por sua vez, o Desembargador Carlos Adilson Silva, que havia acompanhado o
voto divergente do Desembargador Ricardo Roesler (fl. 657), alterou seu posicionamento:
Em razão do pedido de vistas do eminente Desembargador César Abreu,
suspenso e retomado o julgamento, mantive o mesmo entendimento no concernente
à legitimação ativa, refluindo, contudo, quanto ao cabimento da ação rescisória,
porquanto houve violação ao art. 11 da Lei n° 8.429/92, inocorrendo, na hipótese,
ofensa à Sumula 343 do STF.
Ocorre que violação literal de lei é a afronta direta e frontal do conteúdo
normativo expresso na legislação indicada, de forma que para a desconstituição extraordinária
da coisa julgada é necessário que a decisão rescindenda tenha outorgado sentido excepcional
à legislação, ofendendo-a de forma frontal, o que não foi reconhecido no acórdão objurgado.
E pelo cotejo da petição inicial com os votos vencedores, verifica-se que esta
ação rescisória foi manejada com o fim de substituir recurso e de discutir questões que
poderiam ter sido analisadas antes do trânsito do julgado rescindendo.
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8. Superior Tribunal de Justiça
Entretanto, conforme jurisprudência dominante desta Corte, a ação rescisória
não pode servir como substituto da via recursal para rever suposta injustiça na interpretação
dos fatos, tampouco para se adequar a julgamentos posteriores.
A propósito do tema, vejam-se os seguintes precedentes:
PROCESSO CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. AGRAVO
INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA.
DEPÓSITO PRÉVIO DE 5% SOBRE O VALOR DA CAUSA. AUSÊNCIA.
INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. VIOLAÇÃO LITERAL A
DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO CONFIGURADA. UTILIZAÇÃO DA RESCISÓRIA
COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. INVIABILIDADE.
1. De acordo com o art. 490 do CPC/73, vigente à época da propositura da
ação, a falta do depósito prévio de 5% sobre o valor da causa implica o
indeferimento da petição inicial da ação rescisória, não sendo cabível, consoante a
jurisprudência deste Tribunal, a intimação da parte autora para a emenda da inicial.
Precedentes.
2. É assente no STJ que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do
CPC/73 somente é cabível quando a interpretação dada pelo decisum rescindendo
seja de tal modo afrontosa ao texto que viole o preceito em sua literalidade. "Se, ao
contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda
que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se
um mero 'recurso' com prazo de 'interposição' de dois anos" (REsp 9.086/SP, 6ª
Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 05/08/1996).
3. Hipótese dos autos em que, a pretexto de violação literal dos arts. 568, I,
e 669, parágrafo único, do CPC/73, a parte autora pretende promover rediscussão
quanto ao tema da legitimidade passiva de execução hipotecária, utilizando-se da ação
rescisória como se recurso fosse.
4. Agravo interno não provido. (AgInt nos EDcl na AR 5.781/RJ, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/11/2018, DJe
19/11/2018)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SERVIDOR PÚBLICO.
VIOLAÇÃO LITERAL DE DISPOSITIVO LEGAL (ART. 485, V, CPC/1973).
AÇÃO RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.
AÇÃO RESCISÓRIA NÃO PROVIDA.
1. Pela disposição normativa prevista tanto no art. 485, V, do CPC/1973
quanto no art. 966, V, do CPC/2015, observa-se que a concretização do vício
rescisório está na manifesta divergência entre o julgado e o legislado. Ou seja, a não
observação de preceito legal deve ser clara e inequívoca.
2. No caso dos autos, os dispositivos indicados como expressamente
violados são: I) arts. 3º, VI, e 267, ambos do CPC/1973 e art. 1º do Dec.-Lei n.
1.110/1970, porque a ilegitimidade da União não foi declarada; II) do art. 1º do
Dec.-Lei n. 20.910/1932 e dos arts. 219, § 5º, e 618, ambos do CPC/1973,
porquanto não houve a extinção da execução, apesar da ocorrência da prescrição da
pretensão executória.
3. Não se vincula a existência de vício rescisório a uma prévia indicação
precisa do dispositivo na fundamentação do julgado rescindendo. Contudo, a
inexistência de prequestionamento como requisito de ação rescisória não significa
que essa possa ser utilizada como sucedâneo recursal, em face de seu caráter
excepcional consequente da proteção à coisa julgada e à segurança jurídica. Assim, a
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9. Superior Tribunal de Justiça
deliberação contrária a disposição legal deve se apresentar no julgado rescindendo,
mesmo quando não apresentada expressamente, de forma relevante.
4. A decisão rescindenda limitou-se a examinar questão relacionada ao
excesso de execução. Tanto que deu provimento aos embargos à execução para
abater R$ 15.568,69 do requerido inicialmente na execução do título firmado em
mandado de segurança. Não houve análise de teses relacionadas à ilegitimidade ou à
prescrição, até mesmo porque essas questões sequer foram elencadas na petição de
embargos à execução. Portanto, verifica-se que esta ação rescisória foi manejada
com o fim de substituir recurso e de discutir questões novas, que poderiam ter sido
analisadas antes do trânsito do julgado rescindendo.
5. Ação rescisória não provida. (AR 5.581/DF, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2018, DJe
12/12/2018)
Ante o exposto, constatada a ofensa ao artigo 485, V, do CPC/73, com fulcro
no artigo com fundamento nos artigos 34, XVIII, c, e 255, §4º, III, ambos, do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça, conheço e dou provimento ao recurso especial para
julgar improcedente o pedido rescisório.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 23 de maio de 2019.
MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
Relator
Documento: 96170711 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 03/06/2019 Página 9 de 9