O artigo discute por que muitas pessoas nos EUA e possivelmente no Brasil duvidam da evolução. Apesar de fortes evidências científicas como o registro fóssil e adaptações de bactérias, apenas 39% dos americanos acreditam na teoria da evolução. Algumas pessoas têm dificuldade com a ideia de ter ancestrais em comum com outros primatas ou de descender de um ancestral unicelular.
1. Por que duvidam da evolução?
MARCELO GLEISER
Será que é tão ofensivo ter um ancestral em
comum com outros primatas, como os
chimpanzés?
São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2012
2. Ao menos nos EUA, a evidência é indiscutível. Em
uma pesquisa do grupo Gallup na véspera do
aniversário de 200 anos do nascimento de Charles
Darwin, no dia 12 de fevereiro de 2009, apenas 39%
dos americanos responderam que "acreditam na
teoria da evolução".
3. Não há dados semelhantes no Brasil, mas imagino
que os números sejam semelhantes ou piores.
4. A mesma pesquisa relaciona o resultado com o nível
educacional dos respondentes. Apenas 21% das
pessoas com ensino médio completo ou menos
acreditam na evolução. O número sobe para 53%
nos graduados e 74% em quem tem pós-graduação.
5. Por outro lado, a evidência em favor da evolução
também é indiscutível. Ela está no registro fóssil,
datado usando a emissão de partículas de núcleos
atômicos radioativos. Rochas de erupções vulcânicas
(ígneas) enterradas perto de um fóssil contêm
material radioativo. O mais comum é o urânio-235,
que decai em chumbo-207.
6. Analisando a razão entre o urânio-235 e o chumbo-
207 numa amostra de rocha ígnea e sabendo a
frequência com que o urânio emite partículas (em
704 milhões de anos, a quantidade de urânio numa
amostra cai pela metade), cientistas obtêm uma
medida bastante precisa da idade do fóssil. Por
exemplo, os dinossauros desapareceram há 65
milhões de anos.
7. A evidência em favor da evolução aparece também
na resistência que bactérias podem desenvolver
contra antibióticos. Quanto mais se usam
antibióticos, maior a chance de que mutações
gerem bactérias resistentes. Esse tipo de adaptação
por pressão seletiva pode ser investigado no
laboratório, sujeitando populações de bactérias a
certas drogas e monitorando modificações no seu
código genético.
8. Posto isso, pergunto-me por que a evolução causa
tanto problema para tanta gente. Será que é tão
ofensivo assim termos tido um ancestral em comum
com outros primatas, como os chimpanzés?
9. A nossa descendência é ainda muito mais
dramática: se formos mais para o passado, todos os
animais que existem descenderam de um único
ancestral, o Último Ancestral Universal Comum (na
sigla Luca, em inglês), que provavelmente era um
ser unicelular.
10. Essa desconfiança do conhecimento científico é
muito estranha, dada a nossa dependência dele no
século 21. (De onde vêm os antibióticos e iPhones?)
O problema parece estar ligado ao Deus-dos-Vãos, a
noção de que quanto mais aprendemos sobre o
mundo, menos Deus é necessário. Os que
interpretam a Bíblia literalmente veem nisso uma
perda de rumo. Se Deus não criou Adão e Eva e se
não nos tornamos mortais após a "queda do
Paraíso", como lidar com a morte?
11. Uma teologia que insiste em contrapor a fé ao
conhecimento científico só leva a um maior
obscurantismo. Mesmo que não acredite em Deus,
imagino que existam outras formas de encontrar
Deus ou outros caminhos em busca de uma
espiritualidade maior na vida.
12. MARCELO GLEISER é professor de física teórica no
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de
"Criação Imperfeita".
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