A notícia-crime descreve que deputados estaduais convocaram protestos em frente a um hospital para impedir um aborto legal de uma criança de 10 anos estuprada. Isso violou leis e causou perturbação. Os deputados podem ter cometido crimes como embaraçar cumprimento de ordem judicial e incitação ao crime.
Noticia Crime contra Clarissa Tercio e Joel da Harpa
1. EXCELENTÍSSIMO DOUTOR PROMOTOR DA INFÂNCIA E JUVENTUDE COM
ATUAÇÃO NA COMARCA DA CAPITAL/PE
LIANA CIRNE LINS e HIGOR ALEXANDRE ALVES DE ARAUJO, vêm,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, oferecer a presente
NOTÍCIA-CRIME
em face de ÉRICA CLARISSA BORBA CORDEIRO (vulgo “CLARISSA TÉRCIO”) e
JOEL MAURINO DO CARMO (vulgo “JOEL DA HARPA”), pelas razões que passam a
expor:
1. DOS FATOS
No dia 08 de agosto do corrente ano, noticiou-se um fato bárbaro ocorrido no Estado
do Espírito Santo. Uma criança de dez anos deu entrada em um hospital capixaba com fortes
dores no abdômen. Após exames, descobriu-se que ela estava grávida.
Revelou-se que a criança era estuprada pelo tio há vários anos, o que causou a
gestação. A polícia concluiu o inquérito, e foi expedido mandado de prisão contra o suspeito
de estupro .1
O Poder Judiciário do Espírito Santo autorizou o procedimento de aborto legal, a
fim de impedir que a criança levasse em frente a gestação e acabasse falecendo.
Importante consignar que o aborto em caso de estupro está previsto em lei desde
1940, de modo expresso e taxativo, no corpo do Código Penal Brasileiro:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante
legal.
Trata-se de norma do século passado, que já reconhecia a necessidade de preservar a
dignidade da mulher vítima de odiosa agressão.
Do mesmo modo, poder-se-ia ainda invocar o inciso I do mesmo dispositivo:
1
Menina de dez anos engravida após ser estuprada no Espírito Santo
2. I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante.
Isto porque, segundo o médico que realizou o procedimento, Dr. Olímpio Barbosa
de Moraes Filho, havia notório risco de morte materna, vez que tratava-se de caso raro, por
não ser comum uma criança desta idade ovular e possibilitar uma gravidez. A continuidade
da gestação apresentava evidentes riscos à vida da criança, uma vez que seu corpo não
apresentava desenvolvimento suficiente .2
Os hospitais capixabas, entretanto, alegaram não possuir protocolo específico para a
avançada gestação da criança. Era necessária a transferência da criança para outro local em
que houvesse o protocolo .3
Tudo deveria ser feito em segredo de justiça, conforme ordena a lei. Porém, no
domingo, dia 16/08/2020, por volta das 15h, a extremista Sara Giromini, vulgo “Sara
Winter” - a qual, inclusive, está sob monitoração eletrônica em virtude de crimes contra a
honra e de ameaça ao Supremo Tribunal Federal e seus ministros - divulgou em vídeos e
postagens no Twitter e YouTube informações sobre o NOME da criança e o ENDEREÇO
DO HOSPITAL em que ela se encontrava, incitando a população a dirigir-se até lá, a fim de
provocar tumulto e caos .4
Assim, de posse dessas informações, deputados estaduais, dentre os quais Clarissa
Tércio e Joel da Harpa, supracitados, arregimentaram pessoas e foram para frente do Centro
Integrado de Saúde Amaury de Medeiros, ligado à Universidade de Pernambuco
(CISAM-UPE) a fim de impedir a realização do procedimento de aborto legal na criança
gestante .5
A deputada Clarissa Tércio publicou vídeo em seu Instagram no começo da
tarde do dia 16/08/2020, em frente ao CISAM, no qual incita que a população
compareça em frente ao hospital para impedir o procedimento. A deputada estadual
2
https://noticias.band.uol.com.br/noticias/100000997420/nunca-passei-por-nada-parecido-diz-medico-sobre-prot
estos.html
3
Justiça autoriza interrupção de gravidez de criança estuprada no ES
4
Winter expõe nome de menina de 10 anos estuprada e endereço de hospital
5
Grupo antiaborto chamou de 'assassinos' médicos que atendiam menina de 10 anos estuprada por tio
3. fala: “a gente não quer permitir isso. Vai compartilhando, vai avisando a todo
mundo…. Um bebê vai ser morto aqui” .6
Igualmente, o deputado Joel da Harpa, em vídeo postado no seu Instagram
também no começo da tarde do dia 16/08/2020, convoca seus seguidores para ir em
frente ao hospital: “(...) Não podemos permitir que uma criança seja assassinada aqui
no Estado. (...) Vamos correr para evitar esse aborto, esse cruel assassinato, aqui no
Estado de Pernambuco”.7
A presença dos parlamentares em frente ao hospital é pública e notória. Eles
convocaram sua claque por rede social, além de terem sido testemunhados por várias
outras pessoas, afirmando que Recife se tornaria a “capital do aborto”, além de ofender e
dificultar o acesso do médico que faria o procedimento, Dr. Olímpio Moraes.
A presença do grupo em frente ao CISAM causou inúmeras perturbações à ordem do
local, e violou várias normas sanitárias. Há relatos de que o grupo chamou a criança de dez
anos, vítima de estupro ao longo de quatro anos, decerto fortemente fragilizada emocional e
fisicamente, gestante e que estava prestes a se submeter ao procedimento legalmente previsto,
de “ASSASSINA”. Há vídeos do grupo chamando o médico que iria realizar o procedimento
de “ASSASSINO”.
Igualmente, há relatos de que a criança, já extremamente traumatizada pelas
graves violações sexuais de que fora vítima e por uma gestação fruto de estupro e
pedofilia, somente conseguiu ter acesso ao hospital ESCONDIDA NO PORTA-MALAS
DE UM AUTOMÓVEL, pois o grupo de fundamentalistas não lhe permitia ter acesso
ao exercício de um direito legalmente previsto.
Os parlamentares indigitados coordenaram a reunião e os ataques realizados
pelo grupo. Tudo isto em frente a um hospital, local em que deve ser garantido o silêncio e a
calmaria, a fim de permitir a recuperação dos pacientes que ali se encontram, em evidente
descaso com a saúde pública.
6
Vídeo baixado e salvo em: https://tinyurl.com/y6snqf77. Disponível também no Instagram da Deputada:
https://www.instagram.com/tv/CD9_UR7hBpu/.
7
Vídeo baixado e disponível em: https://tinyurl.com/y23wfkfp. Disponível também no Instagram do Deputado:
https://www.instagram.com/tv/CD9VOBkppM3/.
4. O fato ganha maior gravidade ao sabermos que se trata de uma maternidade,
conhecida como Maternidade da Encruzilhada, e que o piquete promovido causou estresse
em mães parturientes, bebês recém nascidos, inclusive aqueles internados por razões de
saúde.
Em certo momento, o grupo encabeçado pelos parlamentares iniciou uma turbação
em frente ao hospital. Pelo que se vê nos vídeos mostrados na imprensa, Joel da Harpa e
Clarissa Tércio tentaram invadir o local para impedir, à força, a realização do procedimento
previsto em lei.
Nos vídeos, se vê de forma cristalina que o deputado estadual Joel da Harpa tenta
ingressar no hospital à força, mas é detido pela ação firme de policiais militares. A deputada
Clarissa Tércio é retirada às pressas do meio da turbação que ela mesma causou.
Após causarem toda essa perturbação, o grupo se dispersou, mas os parlamentares
foram em suas redes sociais incitar seus seguidores contra o hospital pernambucano e até
mesmo contra a criança que foi vítima da violência sexual, sob a justificativa de que estavam
protegendo a vida.
Diante de todo o exposto, vê-se que há robustos indícios de que foram cometidas
inúmeras condutas delituosas, contra a criança vítima da violência sexual e, também, contra a
sociedade como um todo.
Os deputados estaduais indigitados cometeram, em tese, os delitos de embaraçar o
cumprimento de ordem judicial em favor de criança e adolescente (art. 236 do Estatuto da
Criança e do Adolescente); incitação ao crime (art. 286 do Código Penal); prevaricação (art.
319 do Código Penal) e perturbação do sossego (art. 42 da Lei de Contravenções Penais),
conforme se mostra a seguir.
2. DO DIREITO - VIOLAÇÕES E DELITOS COMETIDOS EM TESE
I. DA NÃO INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE PARLAMENTAR AO CASO
De início, é importante destacar que ao caso concreto não se aplica a imunidade
parlamentar dos deputados Noticiados. Isso porque a imunidade parlamentar,
constitucionalmente prevista para parlamentares estaduais, não abrange condutas delituosas
5. que sejam realizadas fora da Assembleia Legislativa e que não tenham relação com o
exercício do mandato.
O objetivo da imunidade parlamentar é proteger a liberdade de expressão dos
representantes eleitos do povo, em suas condutas que sejam ligadas ao exercício de suas
funções. A imunidade não é um abrigo para a prática de qualquer conduta ilícita - muito
menos as condutas graves que são abaixo indicadas.
A conduta dos Noticiados não está albergada pela imunidade parlamentar, pois não
tiveram nenhuma relação com o exercício do mandato de deputado estadual. Não está entre
os fins da representação legislativa estadual tentar impedir a realização de um procedimento
previsto expressamente em lei e autorizado pelo Poder Judiciário. Não está entre os objetivos
do mandato ofender uma equipe médica que exerce seu trabalho e causar balbúrdia em frente
a um hospital.
A imunidade parlamentar não deve ser usada como esconderijo para a prática de atos
delituosos, principalmente aqueles que firam os direitos fundamentais de criança e periclitem
a vida delas - cuja proteção é tão cara à sociedade.
Os deputados poderiam livremente expressar suas ideias e exercer sua fé, mas jamais
torturar moral e psiquicamente uma criança em situação de extrema vulnerabilidade e
transformá-la em uma bandeira ideológica, o que é degradante e desumano. Tampouco
poderiam impedir o exercício regular de um direito e embaraçar cumprimento de ordem
judicial voltada à proteção da criança.
Assim, por todos, é imperioso colacionar precedente do Supremo Tribunal Federal,
indicando que a imunidade parlamentar não é absoluta e não abriga condutas delituosas
desconexas com o exercício do mandato. Registre-se que o julgado se refere ao fato do então
deputado Jair Bolsonaro ter falado à Deputada Maria do Rosário que não a estupraria porque
ela não merecia [sic]:
Ementa: PENAL. DENÚNCIA E QUEIXA-CRIME. INCITAÇÃO
AO CRIME, INJÚRIA E CALÚNIA. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO
OFERECIMENTO. MANIFESTAÇÃO DE DESINTERESSE PELO
ACUSADO. IMUNIDADE PARLAMENTAR. INCIDÊNCIA
QUANTO ÀS PALAVRAS PROFERIDAS NO RECINTO DA
CÂMARA DOS DEPUTADOS. ENTREVISTA. AUSENTE
CONEXÃO COM O DESEMPENHO DA FUNÇÃO
6. LEGISLATIVA. INAPLICABILIDADE DO ART. 53 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
QUANTO AOS DELITOS DE INCITAÇÃO AO CRIME E DE
INJÚRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E REJEIÇÃO
PARCIAL DA QUEIXA-CRIME, QUANTO AO CRIME DE
CALÚNIA. 1. Os Tratados de proteção à vida, à integridade física e à
dignidade da mulher, com destaque para a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher -
“Convenção de Belém do Pará” (1994); a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher –
“Carta Internacional dos Direitos da Mulher” (1979); além das
conferências internacionais sobre a mulher realizadas pela ONU –
devem conduzir os pronunciamentos do Poder Judiciário na análise de
atos potencialmente violadores de direitos previstos em nossa
Constituição e que o Brasil se obrigou internacionalmente a proteger.
2. (...). 7. A incitação ao crime, enquanto delito contra a paz pública,
traduz afronta a bem jurídico diverso daquele que é ofendido pela
prática efetiva do crime objeto da instigação. 8. A incitação ao crime
abrange tanto a influência psíquica, com o objetivo de fazer surgir no
indivíduo (determinação ou induzimento) o propósito criminoso antes
inexistente, quanto a instigação propriamente dita, que reforça
eventual propósito existente. Consectariamente, o tipo penal do art.
286 do Código Penal alcança qualquer conduta apta a provocar ou a
reforçar a intenção da prática criminosa. Na valiosa lição de Nelson
Hungria, incita a prática do crime aquele que atira a primeira pedra
contra a mulher adúltera. 9.(...). 14. (i) A incitação ao crime, por
consubstanciar crime formal, de perigo abstrato, independe da
produção de resultado naturalístico. (ii) A idoneidade da incitação
para provocar a prática de crimes de estupro e outras violências,
físicas ou psíquicas, contra as mulheres, é matéria a ser analisada no
curso da ação penal. (iii) As declarações narradas na denúncia
revelam, em tese, o potencial de reforçar eventual propósito existente
em parte daqueles que ouviram ou leram as declarações, no sentido da
prática de violência física e psíquica contra a mulher, inclusive novos
crimes contra a honra de mulheres em geral. (iv) Conclusão contrária
significaria tolerar a reprodução do discurso narrado na inicial e,
consequentemente, fragilizar a proteção das mulheres perante o
ordenamento jurídico, ampliando sua vitimização. 15. (i) A
imunidade parlamentar incide quando as palavras tenham sido
proferidas do recinto da Câmara dos Deputados: “Despiciendo, nesse
caso, perquirir sobre a pertinência entre o teor das afirmações
7. supostamente contumeliosas e o exercício do mandato parlamentar”
(Inq. 3814, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unânime, j.
07/10/2014, DJE 21/10/2014). (ii) Os atos praticados em local distinto
escapam à proteção da imunidade, quando as manifestações não
guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho
das funções do mandato parlamentar. (...). 22. Ex positis, à luz dos
requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, recebo a denúncia
pela prática, em tese, de incitação ao crime; e recebo parcialmente a
queixa-crime, apenas quanto ao delito de injúria. Rejeito a
Queixa-Crime quanto à imputação do crime de calúnia. (Inq 3932,
Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-192 DIVULG 08-09-2016 PUBLIC
09-09-2016)
Forte nessas razões, não há que se falar em excludente de tipicidade da imunidade
parlamentar, pois as condutas delituosas, em tese, não são ligadas ao exercício do mandato.
II. DA VIOLAÇÃO AO DEVER FUNDAMENTAL DE CUIDADO E RESPEITO
À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
O art. 227 da Constituição Federal eleva a dever fundamental a garantia e o respeito
aos direitos individuais da criança e do adolescente. Veja-se, in verbis:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão”.
Já o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) trata sobre o conteúdo
e a extensão do. “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”, diz o
dispositivo.
A Constituição e o ECA visam conceder às crianças e adolescentes proteção especial
e privilegiada, em virtude da especial condição de pessoa humana que lhes cerca; o mesmo
ocorre na ordem internacional, com a vigência da Convenção sobre o Direito da Criança. Tais
8. instrumentos buscam garantir que os Estados, as famílias e a sociedade assegurem os direitos
fundamentais das crianças.
O direito à imagem está dentre aqueles que são protegidos como fundamentais para
a infância. A imagem pode ser definida como “o modo de ser da pessoa que consiste na
exclusão do conhecimento pelos outros daquilo que se refere a ele só”, e, como todos os
demais direitos, deve ser protegida.
Violar a imagem e os demais direitos fundamentais da criança é um ilícito de várias
ordens, e, inclusive, penal. Tal fato enseja esta representação.
III. DO DELITO DE EMBARAÇO À AÇÃO DE AUTORIDADE JUDICIÁRIA,
ART. 236 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Nos termos do art. 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), impedir ou
embaraçar a ação de autoridade judicial em favor de criança e adolescente é crime. Veja-se,
in verbis:
Art. 236. Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária,
membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público
no exercício de função prevista nesta Lei:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
No caso concreto, houve o cometimento do presente crime. Como afirmado
anteriormente, o Poder Judiciário do Espírito Santo permitiu que a criança gestante realizasse
o aborto. Tal procedimento somente não foi realizado naquele Estado em virtude da ausência
de protocolo específico, o qual existe em Pernambuco e aqui foi realizado.
Os parlamentares indicados convocaram pessoas para um ato a fim de impedir o
cumprimento de uma decisão judicial em favor de uma criança gestante, em premente risco
de morte. Mesmo tendo total ciência de que havia autorização judicial para o procedimento
abortivo, os parlamentares reuniram um grupo de pessoas para tentar impedir a realização do
ato.
Apesar de não terem conseguido impedir, embaraçaram a realização do ato, ao
ofender a honra da equipe médica e tentar invadir o nosocômio.Houve conduta dolosa, livre e
consciente, de causar embaraço à execução de ato judicial em favor de criança e adolescente.
9. Assim, há robustos indícios do cometimento, em tese, do crime do art. 236 do ECA.
IV. DO DELITO DE INCITAÇÃO AO CRIME, ART. 286 DO CÓDIGO PENAL
Dispõe o art. 286 do Código Penal (CP) sobre o delito de incitação ao crime, nestes
termos:
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.
Para além, foi cometido o crime do art. 286 do Código Penal (CP), quando os
parlamentares, em suas redes sociais, convocaram pessoas para ir à frente do CISAM-UPE
com o fim de impedir a realização do procedimento abortivo - repita-se, já devidamente
autorizado pela Justiça.
Consoante indicado no tópico anterior, impedir ou embaraçar a execução de ato
judicial em favor de criança é crime, o que é de pleno conhecimento dos parlamentares
indicados acima e de sua equipe, porém, incitaram a população a ir ao nosocômio e tentar
impedir a operação.
Como dito acima, a deputada Clarissa Tércio, em vídeo publicado no seu Instagram
no começo da tarde do dia 16/08/2020, em frente ao CISAM, incita a população a ir para
frente do hospital para impedir o procedimento: “a gente não quer permitir isso. Vai
compartilhando, vai avisando a todo mundo…. Um bebê vai ser morto aqui”.
Também em vídeo publicado em seu Instagram no começo da tarde do dia
16/08/2020, o deputado Joel da Harpa convoca seus seguidores para ir em frente ao hospital:
“(...) Não podemos permitir que uma criança seja assassinada aqui no Estado. (...)
Vamos correr para evitar esse aborto, esse cruel assassinato, aqui no Estado de
Pernambuco”.
O conteúdo dessas falas demonstram a incitação que os parlamentares fizeram de
seus seguidores para que comparecessem em frente ao hospital a fim de tentar impedir a
execução de ato autorizado pela Justiça. Inclusive, a existência da autorização é sabida por
eles. Mesmo assim, quiseram arregimentar pessoas para impedir seu cumprimento.
10. Assim, houve conduta dolosa, livre e consciente, para incitar a realização de crime, o
que faz a conduta dos parlamentares incidir no disposto no art. 286 do CP.
V. DO DELITO DE PREVARICAÇÃO, ART. 319 DO CÓDIGO PENAL
O art. 319 do CP tipifica o crime de prevaricação, com estes termos:
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de
ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer
interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
A prática de ato de ofício contra disposição expressa de lei com o fim de satisfazer
interesse ou sentimento pessoal é conduta delituosa, nos termos do indigitado dispositivo.
Os parlamentares supracitados atuaram dessa forma, ao usarem suas prerrogativas
políticas para tentar impedir a realização de um ato autorizado pela justiça, além de incitar
pessoas para que o fizessem.
A prevaricação, além da vontade livre e consciente de praticar um ato contra a lei,
exige o elemento subjetivo especial de satisfação dos interesses e sentimentos pessoais, o que
houve no caso. Os parlamentares visavam a evitar o procedimento legal em virtude de suas
ideologias e crenças religiosas - o que não pode ser admitido em um Estado Democrático de
Direito e laico.
Ao organizarem grupos para comparecerem em frente ao CISAM-UPE e tentarem
invadir o nosocômio, inclusive tentando se utilizar de suas prerrogativas, os parlamentares
cometeram o delito de prevaricação, nos termos do art. 319 do CP.
VI. DA CONTRAVENÇÃO DE PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO, ART. 42 DO
DECRETO-LEI Nº 3.688/1941
Nos esteios do art. 42 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei de Contravenções Penais -
LCP), a perturbação ao sossego é considerada contravenção penal com pena de até três meses
de prisão simples. Veja-se, in verbis:
Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
11. I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as
prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por
animal de que tem a guarda:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de
duzentos mil réis a dois contos de réis.
A perturbação do sossego, assim, pode se perfazer por meio de gritaria ou algazarra,
instrumentos sonoros que incomodam as pessoas ao redor e sem motivação. Tal situação
ocorreu no ato realizado em frente ao CISAM-UPE.
Há vários vídeos indicando que os grupos religiosos e os parlamentares
supracitados, reunidos em frente ao hospital, proferiram palavras de ordem, gritaram
chamando a equipe médica de “assassinos”, realizaram orações e cantorias em voz alta. Tudo
isso em frente ao nosocômio, local que, como se sabe, precisa de silêncio e paz para a
recuperação dos pacientes.
Os parlamentares citados e o grupo não se preocuparam com tal, mas tão-somente
em impingir suas crenças pessoais aos médicos e às pessoas que estavam ao redor. Pode-se
chamar a situação de algazarra - cuja definição abrange um ato em que haja gritaria,
xingamentos, cantorias em alta voz, com total desprezo ao estado das demais pessoas dentro
de um hospital.
Assim, com vontade livre e consciente, os parlamentares citados, junto aos grupos
que estavam em frente ao CISAM-UPE, perturbaram o sossego exigido para uma área
hospitalar, o que os faz incidir no art. 42 da LCP.
3. DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, apontados os robustos indícios da prática de vários delitos,
requer-se a DENÚNCIA dos parlamentares indicados nos delitos do artigo 236 do Estatuto da
12. Criança e do Adolescente; artigos 286 e 319 do Código Penal e artigo 42 da Lei de
Contravenções Penais.
Se se entender que é o caso, requer-se que seja determinada a instauração de
procedimento de investigação criminal (PIC) ou de inquérito policial em face dos
parlamentares noticiados, a fim de que sejam reunidas mais provas das condutas delituosas
perpetradas pelos parlamentares.
Requer-se a ouvida dos servidores do do Hospital CISAM-UPE, entre outros, a fim
de confirmar os relatos de agressão moral e psíquica à criança.
Admissão de prova documental, em especial vídeo disponível em
https://tinyurl.com/y6snqf77, disponível também no Instagram da Deputada
https://www.instagram.com/tv/CD9_UR7hBpu e vídeo disponível em
https://tinyurl.com/y23wfkfp e disponível também no Instagram do Deputado
https://www.instagram.com/tv/CD9VOBkppM3/.
Pede deferimento.
Recife, 19 de agosto de 2020.
LIANA CIRNE LINS
HIGOR ALEXANDRE ALVES DE ARAUJO