Unidade 01 ano 01 - Currículo no ciclo de alfabetização
1. Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
Diretoria de Apoio à Gestão Educacional
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
CURRÍCULO NA ALFABETIZAÇÃO:
CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS
UNIDADE 1 | ANO 1
Brasília
2012
2. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Sumário
Secretaria da Educação Básica – SEB
Diretoria de Apoio à Gestão Educacional
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC)
CURRÍCULO NA ALFABETIZAÇÃO: CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS
Iniciando a conversa 05
Aprofundando o tema 06
Currículo no ciclo de alfabetização: princípios gerais 06
Concepções de alfabetização:
o que ensinar no ciclo de alfabetização 16
Avaliação no ciclo de alfabetização 24
Compartilhando 30
Tiragem 122.102 exemplares Direitos de aprendizagem no ciclo de alfabetização
– Língua Portuguesa 30
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO O acompanhamento da aprendizagem das crianças:
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA
sugestão de instrumento de registro da aprendizagem 38
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Sala 500
CEP: 70047-900 Perfil de grupo:
Tel: (61)20228318 - 20228320 sugestão de instrumento de acompanhamento da turma 41
Aprendendo mais 42
Sugestões de leitura 42
Sugestões de atividades para os encontros em grupo 44
3. CURRÍCULO NA ALFABETIZAÇÃO: CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS
UNIDADE 1 | ANO 1
Autoras dos textos da seção Aprofundando o tema:
Eliana Borges Correia de Albuquerque , Rafaella Asfora e Wilma Pastor de Andrade Sousa. Iniciando a conversa
Autora dos relatos de experiência e depoimentos:
Ana Cristina Bezerra da Silva.
Leitores críticos e apoio pedagógico:
Alfredina Nery, Amanda Kelly Ferreira da Silva, Ana Cristina Bezerra da Silva, Ana Lúcia Martins Maturano,
Ana Márcia Luna Monteiro, Eliana Borges Correia de Albuquerque, Evani da Silva Vieira, Erika Souza Vieira,
Luciane Manera Magalhães, Magna do Carmo Silva Cruz, Ivanise Cristina da Silva Calazans, Rochelane
Vieira de Santana, Severino Rafael da Silva , Sheila Cristina da Silva Barros, Telma Ferraz Leal, Yarla Suellen
Nascimento Alvares. São muitos os desafios que vivenciamos nos últimos anos na busca da garantia de uma
escola democrática, em que todos os alunos tenham acesso a uma educação de qualidade.
Contribuições para a produção dos quadros de direitos de aprendizagem: Aprender a ler e escrever é um direito de todos, que precisa ser garantido por meio de
Adelma Barros-Mendes; Alexsandro da Silva; Ana Catarina dos Santos Pereira Cabral; Ana Cláudia uma prática educativa baseada em princípios relacionados a uma escola inclusiva.
Rodrigues Gonçalves Pessoa; Ana Cristina Bezerra da Silva; Ana Gabriela de Souza Seal; Ana Lúcia Guedes;
Ana Lúcia Martins Maturano; Andrea Tereza Brito; Artur Gomes de Morais; Carlos Mourão; Célia Maria Nesse primeiro texto do curso Formação do Professor Alfabetizador, pretendemos refletir
Pessoa Guimarães; Constância Martins de Barros Almeida; Cynthia Cybelle Rodrigues; Dayse Holanda; sobre a possibilidade real de desenvolvimento de práticas de alfabetização baseadas na
Débora Anunciação Cunha; Edijane Ferreira de Andrade; Eliana Borges Correia de Albuquerque; Evanice
inclusão e no respeito à heterogeneidade. Para isso, é importante discutirmos acerca das
Brígida C. Lemos; Ivane Pedrosa de Souza; Ivanise Cristina da Silva Calazans; Juliana de Melo Lima;
Kátia Regina Barbosa Barros; Leila Nascimento da Silva; Lidiane Valéria de Jesus Silva; Lourival Pereira concepções de alfabetização e de avaliação que se relacionam a tais princípios. Além dis-
Pinto; Luciane Manera Magalhães; Magna do Carmo Silva Cruz; Margareth Brainer; Maria Helena Santos so, para garantir que todas as crianças aprendam a ler e escrever, faz-se necessário traçar
Dubeux; Mônica Pessoa de Melo Oliveira; Nilma Gonçalves da Silva; Patrícia Batista Bezerra Ramos; Priscila direitos de aprendizagem que possam nortear a organização do trabalho pedagógico nas
Angelina Silva da Costa Santos; Rafaella Asfora; Rielda Karyna de Albuquerque; Rita de Cássia Barros de escolas.
Freitas Araujo; Rosa Maria Manzoni; Severina Erika Silva Morais Guerra; Sheila Cristina da Silva Barros;
Sidney Alexandre da Costa Alves; Simone Borrelli Achtschin; Suzaní dos Santos Rodrigues; Tânia Maria S.B.
Rios Leite; Telma Ferraz Leal; Terezinha Toledo Melquíades de Melo; Tícia Cassiany Ferro Cavalcante; Vera
Lúcia Martiniak; Vivian Michelle Rodrigues N. Padilha; Wilma Pastor de Andrade Sousa.
Assim, os objetivos dessa unidade são:
Obs. 1: O grupo de trabalho técnico para elaboração dos Direitos de Aprendizagem em Língua Portuguesa
/ MEC participou da discussão e elaboração dos quadros: Alfredina Nery, Ana Cristian Thomé Veneno • entender a concepção de alfabetização na perspectiva do letramento;
Batista. Aricélia Ribeiro do Nascimento, Divani Aparecida Pereira Albuquerque Nunes, Francisca Isabel • aprofundar a compreensão sobre currículo nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Pereira Maciel, Lúcia Helena Couto, Telma Ferraz Leal, Valéria do Nascimento Querido. na perspectiva da Educação Inclusiva e das diferentes concepções de alfabetização;
• compreender a importância da avaliação no ciclo de alfabetização, analisando e
Obs.2: Participantes do VI Encontro do Grupo de Trabalho Fundamental Brasil, em 15 e 16 de agosto de construindo instrumentos de avaliação e de registro de aprendizagem;
2012, realizaram leitura crítica e contribuíram com sugestões de aperfeiçoamento dos quadros. • construir coletivamente o que se espera em relação aos direitos de aprendizagem e
desenvolvimento no ciclo de alfabetização.
Obs. 3: Profissionais de secretarias de educação visitadas por profissionais da equipe pedagógica do MEC
contribuíram, apresentando sugestões, em encontros de debate com a equipe do Ministério da Educação.
Revisor: Iran Ferreira de Melo.
Projeto gráfico e diagramação:
Ana Carla Silva, Luciana Salgado, Susane Batista e Yvana Alencastro.
Ilustrações: Airton Santos.
Capa:
Anderson Lopes, Leon Rodrigues, Ráian Andrade e Túlio Couceiro.
4. Aprofundando o tema currículo como apontado por Moreira e lação ainda era analfabeta. Cook-Gum-
Silva (1994), não como um veículo que perz (1991) relaciona a prática escolar
transporta algo a ser transmitido e absor- de leitura com ênfase em métodos que
vido, mas como um lugar em que ativa- enfatizam o processo de “decodificação” à
mente em meio a tensões, se produz e se necessidade de expansão da escolarização
reproduz a cultura. Currículo refere-se, à população.
Currículo no ciclo de alfabetização: nessa perspectiva, a criação, recriação,
Até meados da década de 1980, a discus-
princípios gerais contestação e transgressão.
são acerca das práticas de alfabetização
Para Moreira e Candau (2007), a discussão se relacionava principalmente ao debate
Eliana Borges Correia de Albuquerque
sobre currículo envolve diferentes aspec- sobre os métodos mais eficazes para
tos, tais como os conhecimentos escolares, ensinar a ler e escrever, que envolviam
os procedimentos e as relações sociais que os sintéticos, analíticos e analítico-sinté-
Ao falarmos em alfabetizar crianças e a serem ensinados, que constituiriam conformam o cenário em que os conhe- ticos. Tais métodos, apesar de se dife-
adultos no Brasil, podemos nos referir a mudanças de natureza didática, ou a cimentos se ensinam e se aprendem, as renciarem no que se refere à unidade da
práticas diversas de ensino da leitura e transformações relacionadas à organiza- transformações que se deseja efetuar nos língua que serviria como ponto de partida
da escrita, desde aquelas vinculadas ao ção do trabalho pedagógico (material pe- alunos, os valores que se deseja inculcar e para o ensino da leitura e da escrita (le-
ensino de letras, sílabas e palavras com dagógico, avaliação, etc.), que correspon- as identidades que se pretende construir. tras, fonemas, sílabas, palavras, textos),
base em métodos sintéticos ou analíticos deriam a mudanças pedagógicas. Assim, Os autores, ao falarem sobre currículo, se se assemelhavam em muitos aspectos.
e que usam textos cartilhados, até as que as diferentes práticas de alfabetização referem a “experiências escolares que se Todos se baseavam em uma concepção
buscam inserir os alunos em práticas so- vivenciadas ao longo da nossa história desdobram em torno do conhecimento, de leitura e escrita como decodificação
ciais de leitura e escrita. Da mesma forma, estariam relacionadas a mudanças de na- em meio a relações sociais, e que contri- e codificação. O aprendizado do código
podemos nos referir a práticas desenvol- turezas didática e pedagógica no ensino buem para a construção das identidades de alfabético se dava por meio do ensino
vidas em diferentes espaços: na família, da leitura e da escrita, decorrentes de nossos/as estudantes” (p. 18). transmissivo das unidades da língua, se-
no trabalho, na escola. Considerando que diferentes aspectos – desenvolvimento
Em relação ao ensino da leitura e da escri-
esta última é a instituição oficial respon- científico em diferentes áreas, contexto
ta, como abordado por Braslavsky (1988),
sável pelo ensino da leitura e da escrita, socioeconômico, organização escolar,
as práticas de alfabetização baseadas em
podemos considerar que, mesmo nesse desenvolvimento tecnológico, mudanças
diferentes métodos de ensino (sintéticos
espaço, esse ensino tem apresentado certa pedagógicas (material pedagógico, livros
e analíticos) que até hoje se fazem pre-
diversidade. didáticos, etc.).
sentes em algumas escolas começaram
Como abordado por Chartier (2000), as As mudanças relativas às práticas de a se desenvolver a partir do século XVII
mudanças nas práticas de ensino podem alfabetização ou às outras áreas de co- em um contexto de mudanças históricas
se relacionar, dentre vários aspectos, a nhecimento se relacionam a mudanças orientadas por novos modelos sociais que
alterações nas definições dos “conteúdos” curriculares se tomarmos a definição de passaram a demandar a leitura e a escrita
em uma época em que a maioria da popu-
unidade 01 07
5. guindo uma progressão pré-determinada processo de alfabetização. Essa prontidão Ensino Fundamental, relacionados tanto a aprendizagem do código, desvinculado
que ia das unidades mais fáceis para as estava relacionada ao desenvolvimento à área da Língua Portuguesa como às dos usos sociais da leitura e da escrita,
mais difíceis. Partia-se do pressuposto de de habilidades perceptivas e motoras e, outras áreas, podemos perceber que se que desconsiderava os conhecimentos
que todos os alunos iniciavam o processo na maioria das vezes, era desenvolvida ensinava com base principalmente nas que as crianças possuíam sobre a escri-
sem conhecimento algum sobre a escrita na Educação Infantil ou nos primeiros lições presentes nos livros didáticos. Os ta. Muitos alunos, inclusive, iniciavam
e que cabia aos professores o ensino das meses da 1ª série do Ensino Fundamental. professores alfabetizadores, no geral, a 1ª série lendo e escrevendo palavras e
letras, sílabas e palavras. Ao aluno, nessa Assim, o trabalho com a linguagem nessa seguiam a cartilha à risca, garantindo textos. Para estes, as atividades escolares
concepção, cabia um papel passivo de primeira etapa da escolarização era repleto que todos os alunos fizessem as mesmas além de repetitivas, não os faziam evoluir
“recebedor” de algo pronto: a língua. de atividades que levavam as crianças a atividades de forma correta. O erro preci- em suas aprendizagens. Nessa perspecti-
desenvolver habilidades de coordenação sava ser evitado, pois era sinônimo de que va, esses alunos, ao não serem atendidos
As cartilhas relacionadas a esses métodos
motora e discriminação auditiva e visual, e o aluno não tinha aprendido o que fora em suas necessidades, eram, de certa
passaram a ser amplamente utilizadas
esses exercícios envolviam, entre outras, a ensinado/transmitido. Na série destinada forma, excluídos do processo de ensino-
como livro didático para o ensino nessa
identificação e o traçado de letras e síla- à alfabetização, que correspondia ao 1º -aprendizagem, embora não fossem
área (MORTATTI, 2000). Ensinar a ler e
bas isoladas. Nesse contexto, a leitura e a ano do Ensino Fundamental de oito anos, desvalorizados, já que apresentavam, no
escrever com base nos métodos analíticos
escrita eram evitadas, e o acesso aos textos as crianças passavam todo o ano apren- geral, as respostas corretas nas atividades
ou sintéticos exigia que as crianças apre-
limitava-se, muitas vezes, à prática de dendo letras, sílabas, palavras e lendo/ realizadas. Já as crianças que cometiam
sentassem uma prontidão para o início do
contar histórias realizada pela professora, escrevendo textos cartilhados que possuí- erros e concluíam o ano sem o domínio do
como forma de tornar o texto escrito mais am palavras com as unidades trabalhadas código escrito, engrossavam as estatísti-
simples e consequentemente mais “fácil” nas lições anteriores. Os textos eram, cas cada vez mais crescentes de repetên-
de ser compreendido. portanto, artificiais e não correspondiam cia e evasão escolar, sendo “excluídos” em
àqueles com os quais os alunos conviviam seus direitos de aprendizagem da leitura
Na 1ª série (1º ano do Ensino Fundamen-
fora da escola. e da escrita.
tal de oito anos), uma vez desenvolvi-
das as referidas habilidades, os alunos Acreditou-se, por muito tempo, que o Nesse contexto, as crianças que apresenta-
No “Caderno de
começavam a aprender, por meio prin- fracasso escolar, que, a partir da década vam necessidades especiais eram segre- Educação Especial
cipalmente da memorização, as letras/ de 1970, com a democratização do acesso gadas em salas específicas e muitos dos - a alfabetização
de crianças com
fonemas/sílabas que lhes possibilitaria à escola, atingiu índices preocupantes, alunos que fracassavam nas salas de aula deficiência: uma
proposta inclusiva”
ler palavras, frases e, por último, textos. estaria relacionado à falta de capacidades regulares eram avaliados como “deficien- são apresentadas
Todos os alunos vivenciavam as mesmas individuais dos alunos provenientes prin- tes”. O sistema escolar era excludente e reflexões sobre
Educação Inclusiva,
atividades, pois se acreditava, como já foi cipalmente do meio social desfavorecido. atendia de forma efetiva a uma pequena com dicas acerca
das estratégias
dito, que todos aprendiam do mesmo jei- Além de garantir a prontidão para a alfa- parcela da população. A partir da década de inclusão de
to, seguindo a mesma sequência presente betização, era preciso assegurar que os de 1980, a temática da exclusão/inclusão crianças com dife-
rentes necessida-
nas cartilhas. estudantes aprendessem o código escrito. educacional passou a ganhar força, como des educacionais
especiais.
Mudava-se a cartilha ou o método utiliza- pode ser observado no texto a seguir, que
Se buscarmos definir os conhecimen-
do, mas as práticas continuavam pautadas discute a “Educação Inclusiva”.
tos escolares trabalhados na 1ª série do
em um programa curricular voltado para
08 unidade 01 unidade 01 09
6. Educação Inclusiva por exemplo, a Declaração Mundial sobre Educação para
Todos (UNICEF, 1990), a Declaração de Salamanca (BRA-
Rafaella Asfora; Wilma Pastor de Andrade Sousa
SIL, 1994) e a Convenção de Guatemala (BRASIL, 2012),
passaram, então, a influenciar no Brasil a elaboração de
leis e ações relacionadas às políticas públicas de educa-
Pensar em Educação Inclusiva remete, em primeiro plano, ção inclusiva, as quais estão sendo efetivadas paulatina-
ao debate sobre exclusão educacional e nos faz refletir mente.
sobre a lógica do sistema escolar que historicamente
buscava atender apenas a uma parcela da população, Dentre os documentos anteriormente citados, a Declara-
segregar a maioria e direcionar o seu trabalho para uma ção de Salamanca constitui-se como o marco da educação
sala de aula homogênea. inclusiva, elaborado durante a Conferência Mundial de
Educação Especial, que reafirma: o direito à educação
Se a escola não promovesse a exclusão das diferenças, de todos os indivíduos, a igualdade de oportunidades
não precisaríamos definir aqui os princípios que funda- às pessoas com deficiência e a promoção do acesso à
mentam uma escola inclusiva “que conhece cada aluno, educação para a maioria das pessoas que apresentam
respeita suas potencialidade e necessidades, e a elas Necessidades Educacionais Especiais (NEE). No contexto
responde, com qualidade pedagógica” (BRASIL, 2004, p. da educação especial, de acordo com esse documento, o
08). E de que princípios estamos falando? Estamos aqui termo NEE refere-se a todas aquelas crianças ou jovens
nos referindo ao princípio da aceitação e respeito às cujas necessidades educacionais especiais se originam
diferenças, como um dos pilares fundamentais para uma em função de deficiências ou de dificuldades de apren-
educação para todos, uma vez que, estamos inseridos em dizagem. Esse documento reconhece “que toda criança
um estado democrático de direito. possui características, interesses, habilidades e necessi-
dades de aprendizagem que são únicas” - Declaração de
A nossa Constituição Federal de 1988 apresenta como
Salamanca (BRASIL, 1994).
o princípio fundamental a dignidade da pessoa huma-
na e, por conseguinte, o exercício da cidadania. Em seu Sendo assim, ele direciona a reconfiguração da escola tra-
artigo 205, apresenta “a educação como um direito de dicional em uma escola inclusiva, e nos faz refletir sobre
todos” e, no artigo 206, inciso I, estabelece “a igualdade o lugar ocupado pela educação especial na perspectiva
de condições de acesso e permanência na escola” como de uma educação inclusiva. Nesta direção, o Decreto N°
um dos princípios para o ensino. Encontramos aqui um 3.298/99 define a educação especial como uma moda-
direito instituído, mas como viabilizá-lo? Como garantir lidade transversal a todos os níveis e modalidades de
acesso ao ensino, permanência no âmbito educacional e ensino, enfatizando a atuação complementar da educa-
educação de qualidade? Esse é o grande desafio que nos ção especial ao ensino regular.
é colocado na atenção à diversidade.
Vale salientar que, a partir do respeito aos direitos huma-
A partir dos anos noventa, novas formas de interpretação nos e do exercício da cidadania fundamentado no reco-
da questão da desigualdade, bem como do acesso das nhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos,
camadas populares a bens e serviços, começaram a ficar fica claro que a educação é um dos caminhos do exercício
mais definidas. Alguns documentos internacionais, como, dessa cidadania, e que se faz necessário respeitar os
10 unidade 01 unidade 01 11
7. direitos de aprendizagem de todas as crianças, à medida cer cada estudante (suas necessidades, potencialida-
que atende às suas necessidades educacionais especiais des, interesses, experiências passadas, etc); identificar
(NEE). necessidades de aprendizagem específicas; planejar as
aulas por meio de uma didática e de gestão do tempo,
Nessa direção, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
de modo que todos participem efetivamente da aula.
Nacional LDBEN/96 (BRASIL, 1996), no artigo 59, preconi-
za que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos
currículo, métodos, recursos e organização específicos
para atender às suas necessidades. Entendemos, com isso,
que essa garantia deve ser contemplada a partir dos anos Referências
iniciais da educação básica, sobretudo no ciclo de alfabe-
tização, na perspectiva de que saber ler e escrever é um
direito de todos que até então não tem sido efetivado. BRASIL. Presidência da República. Declaração de Salamanca
A Resolução nº 7,
e ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília:
de 14 de dezembro Quando falamos em alfabetização via educação inclusi-
de 2010, do Con- UNESCO, 1994.
selho Nacional de va, esta se configura como um instrumento de inserção
Educação, que fixa da criança na sociedade, e nos coloca diante de algumas BRASIL. Presidência da República. Ministério da Educação. Lei
Diretrizes Curricula-
reflexões pedagógicas. Para que a criança se aproprie do de diretrizes e bases da educação nacional. Lei nº 9.394 de 20
res Nacionais para o de dezembro de 1996. Brasília: MEC, 1996.
Ensino Fundamen- Sistema de Escrita Alfabética, que se configura como um
tal de 9 (nove) anos direito de aprendizagem, é imprescindível a reformulação BRASIL. MEC/SEE. Educação inclusiva: a escola. V.3. Brasília,
pode ser lida no
do currículo que rege as escolas, em função da realização 2004.
caderno do ano 1,
Unidade 8. de práticas inclusivas.
BRASIL. Presidência da República. Decreto n°.3.956, de 08 de
outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para
Nessa perspectiva, muitas vezes, nós educadores pergun-
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
tamos: Como incluir e atender à diversidade? Se acreditar- Pessoas Portadoras de Deficiência. Convenção de Guatemala:
mos que é possível, precisamos nos engajar no sentido de 2001. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/
repensar o fazer pedagógico na alfabetização, visando ao Acesso em 22 de junho de 2012.
atendimento de todos e a garantia dos direitos de apren-
NAKAYAMA, Antônio Maria. Educação inclusiva: princípios e
dizagem. Para compreendermos e enfrentarmos esse representação. Tese (Doutorado) Universidade de São Paulo –
processo, ressaltamos, então, os princípios da educação Faculdade de Educação. 364p. 2007.
inclusiva: acessibilidade e remoção das barreiras à apren-
UNICEF. Declaração mundial sobre educação para todos. Sa-
dizagem, avaliação da aprendizagem numa perspectiva
tisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem. Jomtiem,
formativa, gestão participativa, participação da família e
1990.
da comunidade, serviço de apoio especializado, currículo
multicultural, professor com formação crítico-reflexiva
(NAKAYAMA, 2007).
Tais princípios nos chamam a atenção para o desafio de
educar na diversidade, para isso, necessário se faz: conhe-
12 unidade 01 unidade 01 13
8. Conforme apresentado no quadro “Edu- Ao proporem a elaboração de currículos tização a um maior número de crianças, escolarização: uma equação imutável? In:
cação Inclusiva”, o aprendiz conquista o culturalmente orientados, Moreira e além de respeitar os seus direitos de COOK-GUMPERZ, Jenny (org.). A constru-
lugar social de um sujeito de direitos e a Candau defendem, apoiados em Stoer e aprendizagem. ção social da alfabetização. Porto Alegre:
educação inclusiva viabiliza a efetivação da Cortesão (1999), a superação do “daltonis- Artes Médicas, 1991.
Na próxima seção, discutiremos sobre as
sua cidadania à medida que busca respei- mo cultural”.
mudanças nas práticas de alfabetização MOREIRA, Antonio Flávio B. CANDAU,
tar as peculiaridades de cada sujeito por
relacionadas à tentativa de construção de Vera M. Currículo, conhecimento e cul-
meio de práticas de ensino acessíveis.
Elaborar currículos cultural- currículos voltados a uma perspectiva de tura. In: BEAUCHAMP, Jeanete. PAGEL,
Repensar práticas de ensino da leitura e da mente orientados demanda educação inclusiva que garanta o direito de Sandra D; NASCIMENTO, Aricélia R. do.
escrita, assim como dos conhecimentos re- uma nova postura, por parte da todos à aprendizagem da leitura e da escrita. Indagações sobre currículo. Brasília: Minis-
lacionados às outras áreas de ensino, requer comunidade escolar, de aber- tério da Educação, Secretaria de Educação
que pensemos, como Moreira e Candau tura às distintas manifestações Básica, 2007. Disponível em: http://
(2007, p. 31), na relação entre currículo e culturais. Faz-se indispen- portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ens-
cultura. Como apontam os referidos autores, sável superar o “daltonismo fund/indag3.pdf.
Referências
cultural”, ainda bastante pre- MOREIRA, Antonio Flávio B. e SILVA,
Insistimos, inicialmente, na sente nas escolas. O professor Tomaz T. (Orgs.). Currículo, cultura e
necessidade de uma nova pos- “daltônico cultural” é aquele BRASLAVSKY, Berta. O método: panacéia, sociedade. São Paulo: Cortez, 1994.
tura, por parte do professorado que não valoriza o “arco-íris negação ou pedagogia? Cadernos de Pes-
MORTATTI, Maria do Rosávio L. Os
e dos gestores, no esforço por de culturas” que encontra nas quisa, 66: 41:48, 1988.
salas de aulas e com que precisa sentidos da alfabetização (São Paulo: 1876-
construir currículos cultural- CHARTIER, Anne-Marie. Réussite, échec 1994). São Paulo: Ed. UNESP; CONPED,
mente orientados. Propomos, trabalhar, não tirando, por-
et ambivalence de l’innovation pédagogi- 2000.
a seguir, que se reescrevam os tanto, proveito da riqueza que
marca esse panorama. É aquele que: le cas de l’enseignement de la lecture.
conhecimentos escolares, que STOER, Stephen e CORTESÃO, Luiza.
Recherche et Formation pour les profes-
se evidencie a ancoragem social que vê todos os estudantes como sions de l’éducation: Innovation et réseaux
Levantando a pedra: da pedagogia inter/
desses conhecimentos, bem idênticos, não levando em con- multicultural às políticas educativas numa
sociaux. INRP, n. 34, p. 41-56, 2000.
como que se transforme a esco- ta a necessidade de estabelecer época de transnacionalização. Porto:
la e o currículo em espaços de diferenças nas atividades peda- COOK-GUMPERZ, Jenny. Alfabetização e Afrontamento, 1999.
crítica cultural, de diálogo e de gógicas que promove. (p. 31)
desenvolvimento de pesquisas.
Esperamos que nossos princí- Nessa direção, um currículo multicultural
pios possam nortear a escolha implica em propostas curriculares inclu-
de novos conteúdos, a adoção de sivas que compreendem as diferenças e
novos procedimentos e o esta- valorizam os alunos em suas especificida-
belecimento de novas relações des, seja cultural, linguística, étnica ou
na escola e na sala de aula. de gênero, o que amplia o acesso à alfabe-
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9. Concepções de alfabetização: crianças se apropriariam da escrita alfa-
bética, e não a partir da leitura de textos
inglesa literacy, que significa o estado ou
condição que assume aquele que aprende a
o que ensinar no ciclo de alfabetização “forjados” como os presentes em diferen- ler e escrever.
tes cartilhas de alfabetização. Para esses
Eliana Borges Correia de Albuquerque No Brasil, o termo letramento não substi-
autores, dependendo das oportunidades
tuiu a palavra alfabetização, mas aparece
de vivenciar práticas diferenciadas de lei-
associada a ela. Atualmente ainda convi-
tura e produção de textos (tanto na escola
vemos com um alto índice de analfabetos,
Na década de 1980, as práticas de alfabe- entender que o que a escrita alfabética nota como fora dela), os aprendizes poderiam
mas não podemos dizer que essas pessoas
tização baseadas em métodos sintéticos e no papel são os sons das partes das palavras ter maior ou menor conhecimento sobre a
são “iletradas”, pois sabemos que um
analíticos que culminavam na retenção, na e que o faz considerando segmentos sonoros “linguagem que usamos ao escrever” textos
sujeito, criança ou adulto, que ainda não se
1ª série, de uma grande parcela da popula- menores que a sílaba (os fonemas). de diferentes gêneros e sobre os diferentes
apropriou da escrita alfabética, envolve-se
ção que frequentava as redes públicas de usos sociais que damos a eles.
Ainda de acordo com as referidas autoras, em práticas de leitura e escrita por meio
ensino passaram a ser amplamente critica-
no processo de apropriação da escrita alfa- Assim, com a difusão dos trabalhos da da mediação de uma pessoa que sabe ler
A discussão sobre das à luz de teorias construtivistas e intera-
o Sistema de bética, as crianças ou adultos analfabetos Psicogênese da Língua Escrita, vimos e escrever e, nessas práticas, desenvolve
Escrita Alfabética cionistas de ensino (em geral) e da língua
passariam por diferentes fases relaciona- nascer um forte discurso contrário ao uso conhecimentos sobre os textos que circu-
e seu ensino é (em particular). No campo da alfabetiza-
objeto de reflexão das à forma como concebem as questões dos tradicionais métodos de alfabetização lam na sociedade (REGO, 1988; MORAIS
nos cadernos da ção, os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana
Unidade 3. acima citadas: inicialmente apresentariam e a defesa de uma prática que tomasse por e ALBUQUERQUE, 2004). Assim, por
Teberosky sobre a Psicogênese da Língua
uma escrita pré-silábica, em que não base a teoria psicogenética de aprendiza- exemplo, podemos ver que crianças peque-
Escrita (FERREIRO TEBEROSKY, 1984;
há correspondência grafofônica, depois gem da escrita. Pregava-se a necessidade nas que escutam frequentemente histórias
FERREIRO, 1985) vão influenciar no desen-
passariam pela escrita silábica, em que já de possibilitar que as crianças se apro- lidas por adultos (em casa ou na escola),
volvimento de novas práticas de alfabetiza-
há essa correspondência, mas no nível da priassem do Sistema de Escrita Alfabética são capazes de pegar um livro e fingir que
ção. Demonstrando que a escrita alfabética
sílaba (uma letra representaria um síla- a partir da interação com diferentes textos leem a história usando, para isso, uma
não era um código, o qual se aprenderia a
ba) e não do fonema para posteriormente escritos em atividades significativas de linguagem característica desse gênero.
partir de atividades de repetição e memo-
poderem chegar à escrita alfabética, na leitura e produção de textos, desde a Edu-
rização, as autoras propuseram uma con-
qual percebem a relação fonema-grafema, cação Infantil.
cepção de língua escrita como um sistema
ainda que apresentem trocas de letras na
de notação que, no nosso caso, é alfabético. O discurso da importância de se consi-
notação de alguns sons, já que essa fase
Elas perceberam, por meio de pesquisas, derar os usos e funções da escrita com
não pode ser confundida com domínio da
que, no processo de apropriação do Sistema base no desenvolvimento de atividades
norma ortográfica sendo, esta última, uma
de Escrita Alfabética, os alunos precisariam significativas de leitura e escrita na escola
tarefa de aprendizagem posterior.
entender como esse sistema funciona. Para foi incorporado, principalmente a partir
isso, é fundamental que compreendam o Para Ferreiro e Teberosky (1984), assim da década de 90, a um novo conceito de
que a escrita nota (ou “representa”, “grafa”) como para outros pesquisadores (REGO, alfabetização: o de letramento. Segundo
e como a escrita cria essas notações (ou “re- 1988), é interagindo com a escrita, con- Soares (1998), o termo letramento é a ver-
presentações”). Eles precisariam, portanto, templando seus usos e funções, que as são para o Português da palavra de língua
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10. Por outro lado, é importante destacar cionados ao aprendizado da leitura, tais índice de leitura apresentado por nossos dessa abordagem para a prática pedagógica
que apenas a interação com textos que como: a ampliação do Ensino Fundamental educandos nos processos de avaliação. de alfabetização, tais como: privilégio da
circulam na sociedade não garante que os para 9 anos como forma de garantir que os Defender, no entanto, a alfabetização faceta psicológica da alfabetização que obs-
alunos se apropriem da escrita alfabética, alunos da rede pública de ensino iniciem centrada em qualquer método sintético cureceu sua faceta linguística – fonética e
uma vez que, no geral, essa aprendizagem o processo formal de alfabetização aos ou analítico, como meio de superar o atual fonológica; incompatibilidade divulgada
não acontece de forma espontânea, mas seis anos de idade (BEAUCHAMP; PAGEL; contexto de fracasso escolar na alfabeti- entre o paradigma conceitual psicogené-
exige um trabalho de reflexão sobre as NASCIMENTO, 2007), a definição dos três zação, é desconsiderar as contribuições tico e a proposta de métodos de alfabeti-
características do nosso sistema de escrita. primeiros anos do Ensino Fundamental das pesquisas que analisam o processo de zação; e, por fim, o pressuposto, também
como o período destinado à alfabetiza- construção dos sujeitos na aprendizagem amplamente divulgado, de que apenas por
A despeito das novas concepções de alfa-
ção (PNE 2011/2020 - BRASIL, 2011), o da leitura e da escrita e os estudos sobre meio do convívio intenso com o material
betização e de mudanças nas práticas de
investimento na formação continuada de letramento. escrito que circula nas práticas sociais, a
ensino da leitura e da escrita com base nas
professores, por meio da criação da Rede criança se alfabetizaria. Nessa perspectiva,
novas perspectivas teóricas, muitos alunos Soares (2004), em seu artigo sobre as
Nacional de Formação de Professores e do a alfabetização, como processo de apro-
continuaram a concluir o primeiro ano e muitas facetas da alfabetização, comenta
desenvolvimento de programas de forma- priação de um sistema de escrita conven-
mesmo o primeiro segmento do Ensino que os problemas que vivenciamos hoje re-
ção continuada como o Pró-Letramento. cional com regras próprias, foi obscurecida
Fundamental sem saber ler e escrever. lativos a essa fase da escolarização podem
pelo letramento, porque “este acabou por
Resultados de avaliações em larga escala, Paralelamente ao debate sobre tais políti- estar relacionados, entre outras coisas, a
frequentemente prevalecer sobre aquela,
sejam internacionais (PISA), nacionais cas relativas à formação dos professores e uma perda de especificidade do proces-
que, como consequência, perde sua espe-
(SAEB, Prova Brasil), estaduais ou muni- sobre os resultados das avaliações em larga so de alfabetização vivenciado nas duas
cificidade” (SOARES, 2004, p. 9).
cipais, têm revelado o baixo desempenho escala, temos vivido também um amplo últimas décadas, relacionada a um pro-
dos nossos alunos em leitura e confirmam debate sobre que métodos/metodologias cesso por ela chamado de “desinvenção da No entanto, para “reinventar a alfabeti-
o fracasso da escola em ensinar os estu- utilizar para alfabetizar nossos alunos. alfabetização”. Para a referida autora, esse zação”, mais do que defender a volta dos
dantes a ler. Reportagens publicadas em revistas de processo foi causado, principalmente, pela antigos métodos de alfabetização (analíti-
grande circulação criticam o ensino da lei- mudança conceitual a respeito da aprendi- cos ou sintéticos) que priorizam primeiro
Algumas medidas têm sido efetivadas
tura e escrita com base em uma abordagem zagem da escrita que se difundiu no Brasil o ensino de um “código” para depois os
tanto em nível nacional, como no âmbito
construtivista de alfabetização, afirmando a partir de meados dos anos 1980, com a alunos poderem ler e escrever textos diver-
das diferentes secretarias de educação,
ser tal abordagem responsável pelo baixo divulgação dos trabalhos da psicogênese sos, a autora defende o trabalho específico
para tentar superar os problemas rela-
da escrita. de ensino do Sistema de Escrita Alfabética
inserido em práticas de letramento. Nessa
Sem desconsiderar a incontestável contri-
perspectiva, a referida autora propõe uma
buição que essa mudança paradigmática,
distinção entre os termos alfabetização e
na área da alfabetização, trouxe para a
letramento. O primeiro corresponderia à
compreensão da trajetória da criança em
ação de ensinar/aprender a ler e a escre-
direção à descoberta do sistema alfabético,
ver, enquanto o segundo seria considerado
Soares destaca alguns equívocos e falsas
como o estado ou a condição de quem não
inferências surgidos com a transposição
apenas sabe ler e escrever, mas cultiva
18 unidade 01 unidade 01 19
11. e exerce as práticas sociais que usam a observadas, e refletir sobre alguns aspec- uma escola da Rede Municipal de Ensino ta Alfabética, ao mesmo tempo em que
escrita. Como afirmado por ela: tos constitutivos do processo de alfabe- do Recife. Como procedimentos meto- ampliam suas experiências de letramento,
tização. A análise dos resultados revelou dológicos foram realizadas observações desde que sejam submetidos a atividades
alfabetizar e letrar são duas que um grupo de professoras desenvolvia de aulas e atividades diagnósticas com os sistemáticas de alfabetização que os levem
ações distintas, mas não inse- uma prática sistemática de alfabetização estudantes: escrita do nome de figuras a refletir sobre o sistema de escrita, assim
paráveis, ao contrário: o ideal que contemplava, diariamente, ativida- e uma atividade de reescrita de texto. A como a atividades de leitura e produção de
seria alfabetizar letrando, ou des de reflexão sobre o Sistema de Escrita análise dos dados revelou que a maioria textos, como era o caso da turma partici-
seja: ensinar a ler e escrever no Alfabética, enquanto outras professoras dos alunos das três turmas concluiu o ano pante da pesquisa.
contexto das práticas sociais da priorizavam o trabalho de leitura e pro- na fase alfabética de escrita, apresentando
leitura e da escrita, de modo O que estamos chamando de atividades de
dução coletiva de textos. A realização de razoável domínio das correspondências fo- A reflexão mais
que o indivíduo se tornasse, ao reflexão sobre o Sistema de Escrita Alfa- aprofundada
um ditado com os alunos das professoras nográficas diretas. Em relação à produção sobre os princípios
mesmo tempo, alfabetizado e bética? Como abordado por Leal e Morais do Sistema de
mostrou que a maioria das crianças que textual, algumas crianças do 1º concluíram Escrita Alfabética
letrado (Soares, 1998, p. 47). (2010), para compreender as proprieda-
estudavam com as do primeiro grupo o ano produzindo textos de forma legível e é contemplada na
des do sistema alfabético, é necessário que Unidade 3.
concluiu o ano na hipótese alfabética de elaborada. Esses resultados apontam para
o indivíduo se aproprie de uma série de
Como desenvolver práticas de alfabetiza- escrita, enquanto nos outros grupos uma a possibilidade de alunos do 1º ano do 1º
conhecimentos, tais como:
ção nessa perspectiva? Seriam essas práti- proporção maior de alunos apresentou ciclo se apropriarem do Sistema de Escri-
cas efetivas? Algumas pesquisas têm sido hipóteses de escrita menos avançadas. As
desenvolvidas com o objetivo de investigar experiências vivenciadas nos encontros
como os professores estão construindo mensais, no entanto, possibilitaram que
práticas de alfabetização na perspectiva do as docentes refletissem sobre suas práti-
a) Se escreve com letras, que não podem características físicas ou funcionais dos
alfabetizar letrando e investigar a relação cas de ensino e, nesse processo, fossem ser inventadas, que têm um repertório referentes que substituem;
dessas práticas com a aprendizagem dos recriando-as, na perspectiva do alfabeti- finito e que são diferentes de números e
f) Todas as sílabas do português contêm
alunos. Relataremos, a seguir, de forma zar letrando. outros símbolos;
uma vogal;
b) As letras têm formatos fixos e pequenas
sucinta, duas dessas pesquisas. A segunda pesquisa foi desenvolvida por variações produzem mudanças na identidade
g) As sílabas podem variar quanto às
combinações entre consoantes, vogais
A primeira foi desenvolvida por Albu- Cruz (2008), e teve como objetivo verificar das mesmas (p, q, b, d), embora uma letra
e semivogais (CV, CCV, CVSv, CSvV, V,
assuma formatos variados (P, p, P, p);
querque, Morais e Ferreira (2008) e as práticas de ensino da leitura e da escrita CCVCC...), mas a estrutura predominante
c) A ordem das letras é definidora da é a CV (consoante-vogal);
envolveu um grupo de nove professoras desenvolvidas por professores dos três palavra que, juntas, configuram e uma letra
h) As letras notam segmentos sonoros
que lecionavam no 1º ano do 1º ciclo da primeiros anos do Ensino Fundamental pode se repetir no interior de uma palavra
menores que as sílabas orais que
Secretaria de Educação da cidade do Reci- e a relação dessas práticas com a apren- e em diferentes palavras;
pronunciamos;
fe. Como procedimentos metodológicos, dizagem dos alunos no que se refere ao d) Nem todas as letras podem vir juntas de
i) As letras têm valores sonoros fixos,
outras e nem todas podem ocupar certas
além de observações semanais das aulas domínio do Sistema de Escrita Alfabética posições no interior das palavras;
apesar de muitas terem mais de um valor
sonoro e certos sons poderem ser notados
das professoras, uma vez por mês eram e à capacidade de produzir textos. Partici-
e) As letras notam a pauta sonora e não as com mais de uma letra. (p. 35-36)
realizados encontros com as docentes que param da pesquisa três professoras (uma
tinham o objetivo de discutir as práticas de cada ano do 1º ciclo) e 60 alunos (15
do 1º ano, 20 do 2º ano e 25 do 3º ano) de
20 unidade 01 unidade 01 21
12. Nessa perspectiva, defendemos que as A definição de direitos de aprendizagem FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre
crianças possam vivenciar, desde cedo, colabora para a discussão acerca do que alfabetização. São Paulo: Cortez, 1985.
atividades que as levem a pensar sobre as pode ser priorizado no planejamento do
LEAL, Telma e MORAIS, Artur. O
características do nosso sistema de escrita, ensino e do que pode ser avaliado, tema
aprendizado do Sistema de Escrita
de forma reflexiva, lúdica, inseridas em que será discutido na próxima seção.
Alfabética: uma tarefa complexa, cujo
atividades de leitura e escrita de diferentes
funcionamento precisamos compreender.
textos. É importante considerar, no entanto,
In LEAL, Telma, ALBUQUERQUE, Eliana
que a apropriação da escrita alfabética não
e MORAIS, Artur (orgs.). Alfabetizar
significa que o sujeito esteja alfabetizado.
Referências letrando na EJA: fundamentos teóricos
Essa é uma aprendizagem fundamental,
e propostas didáticas. Belo Horizonte:
mas para que os indivíduos possam ler e
Autêntica Editora, 2010.
produzir textos com autonomia é necessário
ALBUQUERQUE, Eliana B.C., MORAIS,
que eles consolidem as correspondências MORAIS, Artur e ALBUQUERQUE,
Artur G.; FERREIRA, Andrea T.B. As
grafofônicas, ao mesmo tempo em que Eliana. Alfabetização e letramento: o
práticas cotidianas de alfabetização: o
vivenciem atividades de leitura e produção que são? como se relacionam? como
que fazem as professoras? In: Revista
de textos. É preciso, portanto, a definição alfabetizar letrando?. In: LEAL, Telma
Brasileira de Educação. V. 13, n.38. maio/
de direitos de aprendizagem relacionados Ferraz e ALBUQUERQUE, Eliana (Org.).
ago 2008.
aos diferentes eixos do ensino da Língua Alfabetização de jovens e adultos em uma
Portuguesa a serem desenvolvidos ao longo BEAUCHAMP, Jeanete, PAGEL, Sandra perspectiva de letramento. Belo Horizonte:
dos três primeiros anos do Ensino Funda- e NASCIMENTO, Aricélia. Ensino Autêntica, 2004.
mental, tal como os que são sugeridos no fundamental de nove anos: orientações para
REGO, Lúcia L. B. A Literatura Infantil:
primeiro fascículo do material do Programa inclusão da criança de seis anos. Brasília:
Uma Nova Perspectiva da Alfabetização. 3.
Pró-Letramento, que propõe um conjunto Ministério da Educação, Secretaria de
ed. São Paulo: FTD, 1988.
de capacidades a serem desenvolvidas pelos Educação Básica, 2007.
alunos dos três primeiros anos do Ensino SOARES, Magda. Letramento: um tema em
Fundamental. Outro exemplo de propo- BRASIL. Plano Nacional de Educação
três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,
sição de direitos de aprendizagem pode PNE/2011-2020. Brasília: MEC/SEF, 2011.
1998.
ser visualizado na seção Compartilhando CRUZ, Magna do Carmo Silva. Alfabetizar
SOARES, Magda. Letramento e
deste caderno. O principal objetivo dessa letrando: Alguns desafios do 1º ciclo
alfabetização: as muitas facetas. Revista
proposição é que tal exemplo possa servir no Ensino Fundamental. Recife: Ed.
Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr,
de ponto de partida para a discussão, em Universitária da UFPE, 2008.
nº 25, 2004.
cada município, acerca de conhecimentos e
capacidades que possam ser propostos nos FERREIRO, Emilia TEBEROSKY, Ana.
documentos oficiais que orientam o traba- Psicogênese da Língua Escrita. Porto
lho nas escolas. Alegre, Artes Médicas, 1984.
22 unidade 01 unidade 01 23
13. Avaliação no ciclo de alfabetização deveriam ser memorizadas – le-
tras/fonemas/padrões silábicos,
escrita das letras, sílabas, palavras, frases
e textos trabalhados. Era preciso garantir
Eliana Borges Correia de Albuquerque no caso dos métodos sintéticos, que os alunos dessem as respostas cor-
ou textos/frases com um reper- retas, uma vez que o erro precisava ser
tório de palavras que deveriam evitado, pois era indicador de que o estu-
ser memorizadas, no caso dos dante não havia aprendido/memorizado o
Como vimos no texto anterior, até meados para o início do processo de alfabetização,
métodos analíticos – sempre que fora ensinado.
da década de 1980, as práticas de alfabetiza- compensando as supostas carências cultu-
ção se baseavam em métodos considerados rais, deficiências linguísticas e defasagens com base em uma sequência a Como abordado no primeiro texto deste
hoje como “tradicionais”, que tornavam afetivas que esses alunos – provenientes das ser seguida. O aluno só poderia caderno, tal prática de avaliação era exclu-
artificiais as práticas escolares da leitura e camadas populares – apresentavam (KRA- ser apresentado a novas unida- dente, pois desconsiderava o sujeito em
da escrita. Liam-se e escreviam-se palavras, MER, 2006). des uma vez que tivesse memo- suas singularidades e não considerava suas
frases e textos “cartilhados” (considerados rizado as anteriores. experiências/conhecimentos prévios, assim
Considerava-se, naquele contexto, que as
pseudo textos) com o objetivo de aprender como seus percursos de aprendizagem. Os
crianças que ingressavam no Ensino Funda-
“o código” alfabético. Atreladas a essas prá- educandos, ao final do ano, eram apenas ro-
mental não possuíam conhecimentos sobre Nessa prática de ensino da leitura e da
ticas de alfabetização desenvolvidas na 1º tulados em aptos ou não aptos a prosseguir
a língua e, ao mesmo tempo, julgava-se escrita, a avaliação era fundamental para
série do Ensino Fundamental observávamos os estudos, estando tal aptidão relacionada
necessário que todas elas tivessem desen- o bom andamento do processo. Avaliava-
a realização de práticas de avaliação nomea- ao desempenho deles nas tarefas/provas
volvido uma maturidade para aprender a ler -se se os alunos estavam aprendendo
das hoje como tradicionais, cuja ênfase era escolares e a suas capacidades de emitirem
e escrever relacionadas com as habilidades o código alfabético na perspectiva da
na medição/mensuração das aprendizagens as respostas corretas.
anteriormente mencionadas. Uma vez diag- memorização das unidades apresentadas/
dos alunos e na classificação deles como ap- ensinadas pelo professor e presentes no
nosticado que elas estavam “aptas” para ini- A partir da década de 1980, o fracasso esco-
tos ou não aptos para progredir no ensino. livro didático utilizado. O objetivo de tal
ciar esse processo, cabia ao professor, que lar que até então era visto como um proble-
Antes de iniciar o processo formal de alfa- seguia um determinado método, apresentar avaliação era o de medir e classificar a ma de deficiência ou carência cognitiva e
betização, era preciso avaliar se os alunos as unidades sonoras (sílaba, fonema) em aprendizagem dos alunos para determinar cultural dos alunos do meio popular, passou
apresentavam a “prontidão” necessária para uma sequência pré-estabelecida, unidades seu prosseguimento nos estudos, tanto no a ser considerado, à luz das teorias cons-
tal processo, relacionada ao desenvolvimen- estas que deveriam ser memorizadas pelos que se refere à sequência de apresentação trutivistas e sociointeracionistas de ensino
to de habilidades “psiconeurológicas” ou alunos. Como abordado por Albuquerque e das lições/unidades ao longo do ano, como (em geral) e da língua (em particular), às
“perceptivo-motoras” (coordenação mo- Morais (2006, p. 129), à passagem para a 2ª série. O propósito práticas tradicionais de ensino da leitura
tora, discriminação auditiva e visual, etc.). classificatório e seletivo de tal prática de e da escrita. No campo da alfabetização,
Com a elevação do índice de repetência na avaliação evidencia-se nos altos índices de como vimos anteriormente, os trabalhos
1ª série do Ensino Fundamental da escola
Os diferentes métodos contro- reprovação no final da 1ª série. de Emília Ferreiro e Ana Teberosky vão dar
pública, vimos surgir programas de Educa-
lavam e garantiam a aprendiza- um novo sentido aos erros ou escritas não
gem quando existia prontidão. Ainda em relação a tais práticas de alfabe-
ção Compensatória que tinham o objetivo convencionais dos alunos, que passaram a
O controle era feito a partir da tização e avaliação, presentes na memória
de preparar os alunos, na Educação Infantil ser vistos como reveladores de suas hipóte-
apresentação das unidades que de muitos de nós, avaliava-se por meio
(denominada de pré-escola na época), ses de escrita.
de atividades que exigiam a leitura e a
24 unidade 01 unidade 01 25
14. Como abordado por Albuquerque e Morais (2006), diferentemente de uma prática tradi- semântico que no caso desta
Ana Cristina Bezerra da Silva, professora
cional de alfabetização e avaliação, na perspectiva construtivista e interacionista de ensino, turma escolhi nome de alguns
do 1º ano de uma escola da rede municipal
e também na perspectiva inclusivista, avaliam-se as conquistas e as possibilidades dos estu- animais (SAPO, CAVALO, MA-
de ensino do Recife, relata de forma breve
dantes ao longo do ano escolar, e não apenas os impedimentos e as condutas finais e acaba- como faz uso da avaliação diagnóstica para
CACO, CORUJA, VACA, GATO).
das. O erro, que antes precisava a todo custo ser evitado, já que era o principal sintoma de identificar os conhecimentos das crianças
Em outro momento fiz aplicação
exclusão escolar, passa a ser considerado como indicador da forma como os alunos pensam em relação ao Sistema de Escrita Alfabética
de uma avaliação elaborada pela
sobre determinado conhecimento. Os objetivos das avaliações não se relacionam mais à e poder planejar as atividades de forma a
coordenadora para aplicação nas
simples medição de conhecimentos para determinar se estão aptos a progredir nos estudos, possibilitar que elas avancem em suas hipó-
turmas do 1° ano, em seguida fo-
mas à identificação dos conhecimentos que os estudantes já desenvolveram, com o objetivo teses de escrita: ram tabulados os acertos de cada
de fazê-los avançar em suas aprendizagens. Além disso, nessa perspectiva, a avaliação aten- criança de acordo com os descri-
de a diferentes objetivos, como alguns apontados por Leal (2003, p. 20):
Nos primeiros dias de aula deste tores estabelecidos pela escola.
ano letivo foi estabelecido pela Com base nessa tabela, foi pos-
coordenação da escola, junta- sível fazer uma análise crítica de
a) Identificar os conhecimentos já construídos
pelos alunos, a fim de planejar as novas
retomar o ensino de certos itens já ensinados
ou de usar estratégias de ensino alternativas,
mente com todos os professores, como deveria ser a rotina e quais
atividades de ensino de forma ajustada, isto a partir da verificação do que os alunos um período de sondagem inicial atividades seriam contempladas
é, considerando as aprendizagens que eles aprenderam; (ou diagnóstico da turma), para para que cada criança avançasse
já desenvolveram, as dificuldades ou lacunas
que precisam superar;
c) Decidir sobre se os alunos estão em que pudéssemos descobrir o que do seu estágio inicial de escrita.
condições de progredir para um nível (série,
b) Decidir sobre a necessidade ou não de ciclo, etc.) escolar mais avançado. cada aluno sabia sobre o sistema Com o resultado desta sondagem
de escrita, bem como identificar organizei as primeiras atividades
quais hipóteses da língua escrita para que pudesse fazer as inter-
em que as crianças encontra- venções adequadas à diversidade
vam-se para que pudéssemos de saberes da turma. Como, no
Nessa perspectiva, avalia-se tanto os alu- Quanto ao registro dessas avaliações, pode- adequar o planejamento das au- grupo de dezessete alunos, doze
Na unidade 2 o
nos, para mapear seus percursos de apren- -se também propor diversificação quanto las de acordo com as necessida- estavam no nível pré-silábico,
planejamento do dizagem, como as práticas pedagógicas aos instrumentos: cadernos de registros des de aprendizagem do grupo. iniciei as atividades partindo do
ensino é discu-
tido, a partir do
com o objetivo de analisar as estratégias de dos estudantes; os portfólios com a cole- Essa avaliação inicial me permite nome das crianças, para que as
pressuposto de que ensino adotadas de modo a relacioná-las tânea de atividades/registros realizados acompanhar os avanços na apro- crianças entrassem em contato
é a avaliação que
fornece informa- às possibilidades dos educandos. Como pelas crianças ao longo de um determinado priação do Sistema de Escrita com a leitura e a escrita através
ções sobre quais
abordado por Ferreira e Leal (2006), “é período que permitem que tanto o professor do que lhe pertence, que é o seu
são as prioridades a Alfabética durante todo ano. A
serem consideradas papel de a escola ensinar, favorecendo, por como os próprios alunos acompanhem as nome. Elaborei também um
no planejamento e sondagem inicial foi realizada
meio de diferentes estratégias, oportuni- dificuldades e os avanços em uma determi- quadro, para que, no final de
sobre como agrupar
os estudantes em
através de uma atividade feita
dades de aprendizagem, e avaliar se tais nada matéria; a ficha de acompanhamento cada bimestre, pudesse manter
sala de aula. individualmente com a produ-
estratégias estão sendo de fato adequadas” individual (de cada aluno) e coletiva (da um registro criterioso do proces-
(p. 16). classe).
ção espontânea de uma lista de
palavras de um mesmo grupo so de evolução das hipóteses de
26 unidade 01 unidade 01 27