Caros colegas operadores do direito, vejam Sentença de rejeição da denuncia, proferida pelo ilustre professor e magistrado, Rogério Montai, a quem somos imensamente gratos pelos conhecimentos alcançados.
Trata-se de denuncia, furto de um aligate de corte, furto de bagatela.
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CONCLUSÃO
Aos 30 dias do mês de março de 2011, faço estes autos conclusos ao Juiz de Direito Rogério Montai de Lima.
Eu, _________ Rosimar Oliveira Melocra - Escrivã(o) Judicial, escrevi conclusos.
Vara: 3ª Vara Criminal
Processo: 0003177-52.2011.8.22.0501
Classe: Inquérito Policial (Réu Preso)
Autor: Ministério Público do Estado de Rondônia
Indiciado: Wilson da Silva Bento
V i s t o s,
Informa a denúncia oferecida que no dia 11/3/2011, por volta das
20h00min, no estabelecimento comercial denominado Supermercado Gonçalves,
localizado nesta cidade, o denunciado tentou subtrair um alicate de corte, cor
vermelha, marca Facazil, pertencente a vítima, e que somente não consumou seu
intento por circunstancias alheias a sua vontade, consistente na intervenção dos
funcionários do estabelecimento comercial.
Narra a peça acusatória que o denunciado entrou no
supermercado, subtraiu o alicate e o escondeu dentro de suas vestes, conduta
delituosa percebida pelo funcionário/testemunha por meio das câmeras de
segurança. Complementa a Denúncia que o acusado, após sair do supermercado
sem efetuar o pagamento, foi abordado pelo respectivo funcionário que o convidou a
dirigir-se até o interior do supermercado a fim de ser revistado quando então se
constatou que a res estava dentro da cueca do denunciado. Aduz que foi acionada a
Polícia Militar, que compareceu no local e deu voz de prisão em flagrante delito ao
denunciado.
Por esta razão, o acusado foi denunciado como incurso no art.
155, c.c art. 14, inciso II do Código Penal Brasileiro.
Relatados. Decido.
Verifica-se que estamos diante de uma acusação de Furto
Tentado de um Alicate de Corte, avaliado em R$19,68 (conforme declaração do
fiscal da loja), cuja vítima é um Supermercado de grande porte local.
O fato ocorreu em 11/3/11 e o acusado encontra-se preso até a
presente data por este mesmo motivo. São vinte dias de prisão até hoje. Vinte dias
da realidade carcerária dos presídios brasileiros.
Confesso que pensei em decidir em poucas linhas a presente
questão. Procurei por certo não me indignar com o “sistema” processual e penal
brasileiro.
Que motivos ou fundamentos eu poderia me utilizar para, primeiro
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determinar a imediata soltura do denunciado, e/ou não receber a presente
denúncia?
Obviamente que motivações jurídicas para não receber a
presente denúncia não faltam.
A começar pelo início dos fatos, noto que toda conseqüência
poderia ter sido evitada se o operador das câmeras de segurança da empresa
“vítima” acionasse um funcionário para, imediatamente, questionar o acusado sobre
os motivos que este teria guardado o tal alicate em suas vestes. Preferiu-se
aguardar a saída do Supermercado para só depois, abordar o acusado. Há crime
(im)possível nesse caso?
Poderia parar por aí a fundamentação se não fossem outras
questões periféricas também importantes que prefiro enfrentar.
Nos últimos tempos, temos notado uma avalanche de situações
que preocupam o Brasil e o mundo.
Saindo da esfera jurídica e adentrando no campo social e político,
algumas trágicas notícias nos assolam e mais dia menos dia, também serão
levadas de algum modo ao crivo do Poder Judiciário aqui ou em qualquer canto
do Mundo.
Em escala global importa mencionar os massacres e a ditadura
na Líbia; os milhares de mortos na tragédia dos nossos irmãos japoneses em seu
maior terremoto da história, 900 vezes mais intenso do que o que devastou o Haiti,
onde especialistas já começam avaliar os impactos sobre a economia mundial; o
problema das ditaduras vizinhas e o reflexo em nosso País. Em terras brasileiras,
não menos graves, a exorbitante carga tributária nos imposta sem uma
contraprestação razoável (arrecada-se no Brasil 35% do PIB); a precária saúde
pública; o frágil sistema de segurança pública; o número de casos de dengue no
Brasil triplicou em comparação a 2009; o engajamento do governo para a volta da
CPMF; os escândalos da política e da vida pública de nossos representantes; a
devastação das drogas; o reajuste no Bolsa Família que tendeu a se concentrar nas
crianças e nos jovens, diminuindo repasses para adultos e pessoas mais idosas; o
fato de nenhuma universidade brasileira ter sido incluída no ranking das 100
melhores do mundo da Times Higher Education; estudos apontam que os
homicídios cresceram em quatro das cinco regiões brasileiras; os problemas de
compatibilização entre desenvolvimento e preservação ambiental.
Se estes fatos são importantes e nos chamam atenção (deveriam
chamar), inclusive, certamente em virtude de seus reflexos e, num futuro não
distante, acabarão batendo às portas do Judiciário, ao contrário, a conduta
perpetrada pelo denunciado não pode ser considerada relevante, especialmente
para o direito penal.
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A caracterização da atipicidade, que permite o sobrestamento da
persecução penal, em face da aplicação do princípio da insignificância, tem lugar
quando se puder verificar, em relação à conduta perpetrada pelo agente, uma
ofensividade mínima, em que a ação, apesar de encontrar tipificação no
ordenamento pátrio, além de não representar periculosidade social, também conte
com grau de reprovabilidade irrisório, mercê de o ataque ou a omissão levados a
efeito pelo investigado não implicarem lesão expressiva ao bem jurídico penalmente
tutelado, o que permite, como nos caso, o reconhecimento do chamado crime de
bagatela que se caracteriza por não deter caráter penal relevante.
Ainda assim, sem levar em conta os limites da pretensão punitiva,
estamos discutindo aqui uma acusação de furto tentado (crime impossível) de um
alicate contra um grande supermercado que tudo acompanhou pelas câmeras de
vigilância.
Temos no momento nesta Vara Criminal 1121 processos e uma
média de 4 audiências todos os dias. O sistema carcerário estadual é superlotado
(como em todo Brasil) e mundialmente conhecido pelo seu lado negro (existe
outro?) e precário.
O judiciário não pode (e nem vai conseguir) ser considerado, em
todos os casos, como o salvador de todos os males, o “chancelador” de todas as
pretensões.
O caso do denunciado não é de polícia ou de justiça, é de política
social é de inclusão (sim, ela existe e pode ser implantada, basta boa vontade). O
acusado, quando interrogado, disse que é viciado em crack há nove anos e que,
confessando a prática, disse que gostaria de ser submetido a tratamento de
desintoxicação. Não pode, receber em troca, um processo, sobretudo, quando tudo
aconteceu da forma como narrado na denúncia.
Farei outra duas perguntas:
O presente caso é de tratamento policial e judicial? Justifica-se
movimentar toda máquina estatal para (não) “solucionar” questão?
Observe-se que o caso iniciou movimentando a polícia militar.
Posteriormente, dias e dias foram dedicadas pela estrutural policial civil para
concluir o inquérito. Após remessa, mais dias dedicados pelo Ministério Público que
entendeu ser o caso de apresentar denúncia. E cá está a função jurisdicional
debruçada sobre o tal furto tentado do alicate.
Processo e prisão resolvem o presente caso? Quem espera (e
acredita) isso?
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Hei de fundamentar o quê? Não sei se já começo com o princípio
da insignificância ou primeiro alego a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Não sei se argumento sob o prisma do furto de bagatela ou sobre valores
constitucionais, princípio da não culpabilidade, intervenção mínima, falência do
sistema carcerário. Talvez seja interessante fundamentar que prisão cautelar no
Brasil é completa exceção e que a mesma exceção tem virado regra.
Se o papel aceita tudo (deveria recusar as vezes), só tenho me
policiado para não me tornar insensível aos fatos que tenho julgado.
Sei perfeitamente que o princípio da insignificância, a ensejar o
conseqüente reconhecimento da atipicidade de conduta ilícita, não pode se limitar à
verificação do valor econômico do bem jurídico protegido. Por isso nem estou a
mencionar por vezes os irrisórios R$ 19,68 aos olhos da vítima Supermercado. Tem-
se, a par do valor do objeto, considerar, também, outros elementos a retratarem a
insignificância jurídica da conduta do agente.
A conduta do acusado é materialmente típica? Há justa causa
para deflagração de uma ação penal?
Sinceramente, entendo que não.
O valor dos bens furtados é irrisório, uma ninharia para uma
pessoa jurídica do porte da vítima, e, além disso, o “crime” sequer chegou a ser
consumado.
É caso de atipia material ou conglobante, dada a insignificância
da lesão ao bem jurídico penalmente protegido.
Orientam doutrina e jurisprudência que ficando evidenciado que o
ofendido não sofreu dano relevante ao seu patrimônio é de se aplicar o princípio da
insignificância evitando-se, com isso, a banalização do litígio.
Anote-se que não caminho sozinho na tese, estando em sintonia
com a Corte Superior de uniformização. Confira-se a orientação da 6ª Turma do E.
STJ:
PROCESSO PENAL. PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. REINCIDÊNCIA
NÃO CONFIGURADA. VALOR IRRISÓRIO. MATERIAL. AUSÊNCIA.
APLICAÇÃO DO ABSOLVIÇÃO. ART. 386, INCISO III, DO CPP. ORDEM
CONCEDIDA. A material - que faz parte do conceito de - consiste em
averiguar se uma conduta formalmente típica causou ofensa intolerável ao
objeto jurídico penalmente protegido; A conduta de subtrair um carregador e
uma capa de celular do Supermercado Carrefour, no valor total de R$
56,40, não constitui crime de furto, pois inexistente a material; Na aplicação
do leva-se em conta, tão só, o valor coisa subtraída e nunca a utilidade que
propicia ao proprietário ou possuidor, à vista do bem jurídico que se tutela, o
patrimônio; Ordem CONCEDIDA para ABSOLVER o Paciente com base no
art. 386, III, do Código de Processo Penal (HC41638/MS; Hábeas Corpus
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2005/0019248-7, Rel Paulo Medina, 6ª Turma, DJ 17.04.2006 p. 209).
Furto (pequeno valor). (inexistência). 1. A melhor compreensões penais
recomenda não seja mesmo o ordenamento jurídico penal destinado a
questões pequenas coisas quase sem préstimo ou valor. 2. Antes, falou-
se, a propósito, do adequação social; hoje, fala-se, a propósito, do Já foi
escrito: Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito
penal deve retirar-se. 3. É insignificante, dúvida não há, a lesão ao
patrimônio de um clube em decorrência subtração de vinte quilos de fios de
cobre. 4. A é claro, mexe com a donde a conclusão de que fatos dessa
natureza evidentemente não constituem crime. 5. Recurso especial
conhecido e provido. REsp 663912/MG;Recurso Especial 2004/0078383-7;
Rel Nilson Naves, 6ª Turma, DJ 05.06.2006 p. 325).
Também na via local, o mesmo pensamento foi o da Câmara
Criminal do E. Tribunal de Justiça deste Estado:
Tentativa de furto. Valor ínfimo. Princípio da insignificância. Aplicação.
Antecedentes. Indiferença. O sistema judiciário deve se preocupar com as
infrações de potencialidade lesiva relevante, portando o réu acusado da
tentativa de furto de três CDs, de valor ínfimo, deve ser absolvido dessa
imputação, em atenção ao princípio da insignificância, não obstante registrar
antecedentes, pois deve se levar em consideração apenas os aspectos
objetivos do delito (Ap. Crim. Nº 100.007. Rel. Des. Cássio. Julgado em
09/11/05).
Todavia nem são estes os fundamentos (jurídicos) que prefiro
invocar. Para o presente caso, fico com as considerações iniciais e no sonho da
razoável e verdadeira justiça.
Nessas condições, melhor reconhecer, desde logo, a
insignificância da lesão ao patrimônio da vítima e, por conseqüência, a atipicidade
material dos fatos, rejeitando-se a inicial.
PELO EXPOSTO, com fundamento no artigo 395, inciso III, do
Código de Processo Penal, rejeito a denuncia e ordeno o arquivamento destes
autos, com as anotações e baixas pertinentes.
Expeça-se IMEDIATAMENTE Alvará de Soltura em favor do
acusado, de por outro motivo não estiver preso.
Porto Velho-RO, quinta-feira, 31 de março de 2011.
Rogério Montai de Lima
Juiz de Direito Substituto
RECEBIMENTO
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Aos ____ dias do mês de março de 2011. Eu, _________ Rosimar Oliveira Melocra - Escrivã(o) Judicial, recebi
estes autos.
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