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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL
CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA
PEDRO RENATO CARDOSO MEIRELLES
O QUE FAZ SER NORDESTINO NO FACEBOOK:
Escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais
Niterói
2017
1
PEDRO RENATO CARDOSO MEIRELLES
O QUE FAZ SER NORDESTINO NO FACEBOOK:
Escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais
Orientador Acadêmico
Prof. Dr. Marildo Nercolini
Niterói
2017/2
Trabalho de conclusão de curso apresentado em 19 de
dezembro de 2017, como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel em Estudos de Mídia
pela Universidade Federal Fluminense.
2
3
PEDRO RENATO CARDOSO MEIRELLES
O QUE FAZ SER NORDESTINO NO FACEBOOK:
Escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais
Trabalho de conclusão de curso apresentado em 19 de
dezembro de 2017, como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel em Estudos de Mídia
pela Universidade Federal Fluminense.
Trabalho aprovado em _____ de __________ de _____.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Marildo Nercolini (Orientador Acadêmico)
Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Ana Lúcia Enne (Avaliador)
Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Beatriz Polivanov (Avaliador)
Universidade Federal Fluminense
4
Dedico este trabalho a minha mãe, a baiana mais retada
e ao mesmo tempo doce que eu conheço. O melhor que
há em mim foi ela quem me deu.
5
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, Claudia de Souza Cardoso Meirelles, por ser o meu porto-seguro
durante toda essa caminhada, por ter me ensinado tudo de bom que eu sei, e
por ter me preparado para viver neste mundão cheio de problemas. A meu pai,
Renato José Abreu Meirelles, por ser sempre o meu maior fã, apoiando todas
as minhas empreitadas e mostrando-se presente sempre quando necessário.
Vocês dois são o motivo pelo qual não deixo de acreditar em mim. Obrigado
por estarem sempre ao meu lado e por nunca terem deixado faltar nada na
minha vida.
A toda minha família, minha madrinha Alessandra, minhas tias Goreti e Ana
Marta, meu tio Júnior, minha avó Romilda e meu irmão João Paulo, por me
nutrirem desde criança de lares repletos de amor e afeto. A meu afilhado, meu
primo, minhas primas, meu falecido avô José Carlos Meirelles, um dos homens
que mais admiro, sinto falta, e me arrependo de não ter a oportunidade de ter
conversado mais. A todos os meus familiares que, de alguma forma, fizeram-
se presente na minha formação como pessoa.
A meus amigos, Carol, Yune e Thomas, a melhor família carioca que eu pude
ter a oportunidade de fazer parte; Anna Carolina, por sempre torcer e acreditar
em mim; a todos os (poucos) amigos que fiz no Rio; a meus amigos de Aracaju,
principalmente Lara e Lorena; e, com a maior ênfase possível, a meu parceiro
e melhor amigo que encontrei nos últimos anos, Huri Paz. Obrigado por
segurar a minha mão enquanto eu tento evoluir.
Ao mestre Tarcízio Silva, por ter me dado a oportunidade de crescer ao seu
lado, ensinando-me muito do pouco que sei hoje sobre pesquisa e(m) mídias
sociais. E àqueles que colegas que me ajudaram nessa jornada, Roberta,
Tiago, Débora, Camila, Max e Jaque.
Ao curso de Estudos de Mídia, por ter mudado completamente quem um dia
eu já fui. A meu querido orientador, Marildo Nercolini, por todo o apoio e
companheirismo durante todos estes anos; à professora Ana Enne, por ser
também uma das principais responsáveis pelas mudanças drásticas de quem
um dia eu já fui; e todos as professoras e professores que fizeram parte desse
processo, principalmente profª. Beatriz Polivanov, profº. Antônio Júnior, profº.
Kléber Mendonça e profª. Júlia Silveira.
E, finalmente, a todos aqueles que ajudaram efetivamente na produção deste
trabalho: Anna Mello, Lumárya Souza, Simone Bispo, Fernanda Alves e Lucas
Amado – e todos os demais que tentaram de alguma forma, obrigado pela
ajuda na procura por pessoas aptas a responderem os questionamentos desta
pesquisa – estes também que merecem agradecimento.
6
RESUMO
MEIRELLES, Pedro. O que faz ser nordestino no Facebook: escolhas da
construção identitária nos sites de redes sociais. Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 2017. (Monografia de Graduação.)
A identidade nordestina, como qualquer categoria identitária da modernidade,
foi construída a partir de um contexto social e histórico desenvolvido para se
encaixar na narrativa da nação durante o século XX. A partir de um
levantamento bibliográfico dessa construção, este trabalho busca investigar,
no contexto da identidade na pós-modernidade, quais são os motivos para que
indivíduos acionem proativamente essa faceta identitária no complexo
ambiente de sociabilidade digital do mundo contemporâneo. Através da análise
de redes sociais, foram encontrados atores influentes na construção desse
movimento em torno da identidade nordestina no Facebook e, desta forma, foi
possível selecionar aqueles perfis que se enquadravam no recorte da
pesquisa. Analisando as respostas dos informantes, foi possível perceber que
essa identidade parte de uma alteridade cultural entre a tradição e o
orgulho/preconceito.
.
Palavras-chaves: Nordeste. Identidade nordestina. Sites de redes sociais.
Autoapresentação.
7
ABSTRACT
MEIRELLES, Pedro. O que faz ser nordestino no Facebook: escolhas da
construção identitária nos sites de redes sociais. Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 2017. (Monografia de Graduação.)
The northeast brazilian identity, as any other category of identity in modernity,
was built from a social and historical contexto developed to fit the narratives of
the nation throughout the 20th century. Relying on a literature review of this
construction, this paper aims to investigate, on the contexto of identity in post-
modernity, what are the motives so that individuals activate proactively this
identity presentation on the complex environment of the digital sociability for
the contemporary world. With social network analysis, we are able to find
influential players for the construction of this movement around the northeast
brazilian identity on Facebook and, from that, we were able to select profiles
that fit our research corpus. By analysing the answers from our repondents, we
found out that this identity comes from a cultural alterity between tradition e
pride/prejudice.
Keywords: Northeast. Northeast Brazilian Identity. Social networking sites. Self-
presentation.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Exemplo da aba “Páginas curtidas por esta página”. 61
Figura 2 – Grafo da rede gerada com o Gephi a partir de
páginas relacionadas ao Nordeste ou aos termos
“nordestino” e “nordestina”......................................... 62
Figura 3 – Fluxos migratórios: a distribuição da população de
cada estado pelo país................................................ 76
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Lista de páginas “nordestinas” com maior influência 64
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
CSA Ciências Sociais Aplicadas
IACS Instituto de Arte e Comunicação Social
ISO International Standards Organization
UFF
SRSs
Universidade Federal Fluminense
Sites de redes sociais
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................... 12
1 – DA INVENÇÃO DO NORDESTE À CONSTRUÇÃO DO
NORDESTINO ....................................................................... 17
1.1 – O surgimento do Nordeste .................................................... 18
1.2 – O surgimento do nordestino .................................................. 28
2 – A IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE .......................... 37
2.1 – Identidade nacional, identidade regional e as novas
identidades ............................................................................ 38
2.2 – A identidade nos sites de redes sociais ................................ 47
3 – O SER NORDESTINO NOS SITES DE REDES SOCIAIS ... 57
3.1 – As páginas nordestinas no Facebook .................................... 58
3.1.1 – Análise de redes sociais ........................................................ 60
3.2. – O que é ser nordestino? ........................................................ 66
3.3 – Por que ser nordestino no Facebook? .................................. 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................. 81
REFERÊNCIAS ..................................................................... 85
APÊNDICE A – PESQUISA: A IDENTIDADE NORDESTINA
NO FACEBOOK ........................................... 90
12
INTRODUÇÃO
Com uma área de 1.554.291.744 km² e uma população de mais de 56
milhões de habitantes (IBGE, 2015)1, o Nordeste é a região brasileira com o
maior número de estados, sendo nove no total: Alagoas, Bahia, Ceará,
Maranhão, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Embora os números demonstrem o que deveria refletir uma variedade intensa
entre e dentro de esses estados, o que se percebe no imaginário popular da
sociedade brasileira é uma tentativa constante de “delimitação cultural
regional” que não acontece em regiões menores (porém midiaticamente mais
poderosas), como no Sudeste ou no Sul.
Esse fenômeno, no entanto, não acontece apenas de fora para dentro,
mas também de dentro para fora. De alguma forma, alagoanos, baianos,
cearenses, maranhenses, paraibanos, piauienses, pernambucanos,
potiguares e sergipanos tomaram para si uma identidade nordestina imaginada
e criada na disputa midiática das culturas nacionais. Seja através das artes
(literatura, cinema, música, etc.) ou através dos meios de comunicação de
massa, essa identidade “fixa” de um “povo nordestino” se estabeleceu no
imaginário popular brasileiro tanto para aqueles que fazem parte dela quanto
para aqueles que veem de fora.
O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e
em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos
que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do
Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem
uma verdade que se impõe de tal forma, que oblitera a multiplicidade
das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de
imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nauseum, seja pelos
1 ESTIMATIVAS DA POPULAÇÃO RESIDENTE NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS COM
DATA DE REFERÊNCIA EM 1º DE JULHO DE 2015:
ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2015/estimativa_dou_2015_2015
0915.pdf
13
meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes
de outras áreas do país e da própria região. (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 1999, p. 307).
Há dois âmbitos de discussão importantes nesse contexto que dialogam
entre si: em primeiro lugar, a simples e óbvia constatação de que o Nordeste
não é único, são vários2 “Nordestes” – nove estados de tamanhos e
populações maiores do que muitos países europeus, por exemplo, apenas
para propor uma noção quantitativa e representativa de tamanho; em segundo
lugar, a construção da identidade nordestina através de símbolos unificantes,
projetados para pasteurizar a identidade de várias populações diferentes entre
si. É importante pensar nessas duas situações, mas separadamente, porque
elas partem de pressupostos diferentes. Precisamos compreender como (ou
por que), através de um trabalho exaustivo de representação, pessoas do
próprio Nordeste – que supostamente compreendem sua pluralidade –
tomaram para si essa identidade discursivamente institucionalizada de
maneira quase que totalmente vertical.
A identidade cultural, de maneira mais ampla, foi percebida durante
muito tempo como algo unificado, uma essência interna do sujeito. Mais
contemporaneamente, autores como Stuart Hall se dispuseram a romper com
essa argumentação demonstrando que as identidades não são blocos únicos,
mas plurais, complexas e relacionais. A identidade do sujeito pós-moderno, na
sua concepção, tornou-se uma celebração móvel: “formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 1992, p. 11-12).
Segundo o autor, nossas identificações são continuamente deslocadas de tal
maneira que não há como falar em uma unificação em torno de um “eu”
coerente. Ele argumenta que
2 E, ao mesmo tempo, nenhum. Como argumentaremos no Capítulo 1, o Nordeste não “existe”
– ao mesmo tempo em que existe na construção social da cultura brasileira.
14
Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o
nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda
história sobre nós mesmos ou uma confortadora ‘narrativa do ‘eu’’
(ver Hall, 1990). A identidade plenamente unificada, completa,
segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os
sistemas de significação e representação cultural se multiplicam,
somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com as quais poderíamos nos
identificar a cada uma delas - ao menos temporariamente (HALL,
1992, p. 12).
Essa linha de pensamento nos leva a questionar: frente a essa
multiplicidade de atuações e sentidos, o que leva uma pessoa a acionar com
mais frequência (ou com mais ênfase) uma face de sua complexa, contraditória
e flexível identidade? Qual é o contexto sociocultural que faz alguém estampar
de forma bem evidente (e expressiva) a sua identidade “nordestina”? A
resposta mais óbvia talvez seja que esse fenômeno, na verdade, seria uma
resposta discursiva a um tipo de imaginário social hegemônico que tem,
historicamente através da mídia, colocado o “nordestino”, de modo pejorativo,
sempre como “o outro”. Assim como acontece com outras instâncias não-
dominantes, como mulheres, negros, homossexuais, etc., obviamente em
diferentes proporções, a reafirmação da identidade se torna uma espécie de
manifesto de resistência e de re-existência na sociedade.
Na esfera midiática, onde essas disputas de sentido se intensificam,
surgiram nas últimas décadas, a partir da consolidação da internet, novos
atores responsáveis por tensionar os jogos de representação e as narrativas
do circuito cultural. Para a etnógrafa Christine Hine (2016, p. 16), a internet se
tornou um elemento incorporado, corporificado e cotidiano das nossas vidas –
nesse sentido, não mais ficaríamos on-line, mas viveríamos on-line,
incorporando a internet “em múltiplas estruturas de construção de significado”.
Na contemporaneidade, portanto, o ambiente online poderia ser visto como um
espaço ou lugar ideal: complexo, com relações múltiplas, lugar de encontros,
redes de relações e empreendimentos sociais – um local de disputa por
operadores e operantes de sentido.
15
O que se percebe, portanto, conforme argumentaremos no decorrer
deste trabalho, é uma movimentação de indivíduos/usuários em torno de uma
construção identitária que (re)configure as disputas simbólicas em torno do que
se compreende enquanto nordestino. Nesse contexto, este trabalho busca
compreender o que está por trás do fenômeno cultural, o qual tem levado
milhões de pessoas do Nordeste a reforçarem com veemência a identidade
que lhes foi atribuída e, em outra instância, também adotada por eles nos sites
de redes sociais. Para tanto, além da discussão em torno da construção do
Nordeste e da identidade nordestina, buscamos também referências que deem
suporte à discussão da construção identitária na internet.
A investigar esse cenário, o trabalho partiu de um ponto de referência
em comum: páginas do Facebook que trazem a identidade nordestina – ou
aspectos reconhecíveis dela – como fundamento da sua proposta no ambiente
online, com uma consequente produção de conteúdo em torno da mesma.
Utilizando a metodologia de análise de redes para mídias sociais (RECUERO
et al., 2015; SILVA e STABILE, 2016), identificamos, nesse ecossistema de
páginas descritas anteriormente, quais são os atores mais relevantes dentro
dessa temática. Essa descoberta serviu como recorte metodológico para
encontrarmos os usuários questionados que, já a partir do consumo midiático
desses canais, incorporam na construção de seus perfis a pauta da identidade
nordestina.
Para embasar essa discussão, o primeiro capítulo traz um levantamento
histórico de como surgiu “o Nordeste” e como surgiu “o nordestino”. Num
primeiro momento, destacamos como a região Nordeste, no contexto
institucional da República, aparece como pauta social, política e econômica –
antes referenciado apenas como “Norte” atrasado, em contraponto ao “Sul”
moderno. A partir desse contexto histórico, seguimos para evidenciar como a
representação do Nordeste e do nordestino aparece na narrativa da cultura
brasileira. Argumentamos que não há um momento exato no qual essas duas
figuras surgem, mas um período histórico de algumas décadas na qual as
16
produções principalmente jornalísticas e literárias ajudam a criar ambos os
personagens, já instigando várias disputas simbólicas e de relações de poder.
No segundo capítulo, colocamos em pauta a questão da identidade. A
partir de uma breve revisão bibliográfica acerca do tema, discutimos como este
vem sendo abordado na perspectiva da modernidade. Trazemos reflexões de
autores basilares no referente à identidade nacional, além de recorrer a Penna
(1992) para pensar a identidade nordestina enquanto construção social, para
enfim levantar as discussões que têm sido feitas sobre as novas identidades
na pós-modernidade. Nesse contexto, apresentamos como a identidade tem
sido abordada a partir da consolidação dos novos meios de comunicação
digital, na internet e com foco nos sites de redes sociais – tendo como base o
trabalho de Polivanov (2012).
Por fim, no terceiro capítulo, entramos finalmente na pesquisa que
motivou todo este trabalho, para refletir sobre as razões pelas quais os
usuários do Facebook veem a necessidade de acionar a identidade nordestina
no ambiente online – uma vez que este é, conforme argumentamos, apenas
um fragmento de toda a sua construção identitária. Apresentamos, então a
metodologia que nos guiou a encontrar os perfis apropriados ao recorte da
pesquisa, fundado também por uma breve argumentação do que significa
seguir essas páginas na plataforma. Com isso, trazemos enfim à discussão a
pesquisa aplicada com os informantes, a partir de duas perguntas: o que é ser
nordestino e por que ser nordestino no Facebook?
Com toda a discussão teórica que embasa este trabalho e a pesquisa
aplicada com os participantes, buscamos contribuir tanto para o debate acerca
da identidade nordestina no contexto da cultura brasileira como um todo,
quanto para as discussões mais específicas da construção identitária nos sites
de redes sociais, além das movimentações e motivações que pautam as ações
de contato e interação social nesses ambientes. Embora não sejam, de forma
alguma, proposições definitivas, esperamos que possa servir como
apontamentos iniciais para futuros debates sobre essas duas perspectivas.
17
1. DA INVENÇÃO DO NORDESTE À CONSTRUÇÃO DO NORDESTINO
Embora possa por vezes parecer eterna ou natural aos brasileiros, a
ideia de Nordeste é de pouco mais de um século, sua origem
remontando à reação política ao desmantelamento das economias
do açúcar e do algodão e à busca de uma solução para a crise
enfrentada conjuntamente pelas províncias brasileiras que delas
dependiam. É somente nesse momento que começa a ruir a
percepção provincial então vigente e que se elabora um discurso
regionalista e nordestino, o qual se define e se afirma não apenas
em oposição ao seu “outro” mais próximo – o ‘Sul’ cafeeiro –, mas
também em relação a um passado de suposto bem-estar e
harmonia. É através desse discurso e das ações oficiais dele
derivadas que se demarca o espaço do que é Nordeste e se
conforma uma identidade cultural nordestina, a qual legitima e
representa, simbolicamente, aquele espaço (ANJOS, 2000, pp. 47-
48).
Logo no primeiro capítulo do livro “O que faz ser nordestino: identidade
sociais, interesses e o ‘escândalo’ Erundina”, Maura Penna (1992) chama a
atenção para um ponto essencial da sua análise e que também se encaixa às
discussões a serem abordadas neste trabalho: ao trazer o Nordeste (e o
nordestino) como pilar(es) teórico(s) dos debates que seguirão, admite-se que
esses dois atores sociais interdependentes simplesmente existem. Ou seja,
são dois signos que, nos sistemas de representação (HALL, 2016) da cultura
brasileira, tornaram-se aptos à compreensão.
No entanto, assim como todos os signos de representação legitimados
enquanto linguagem inteligível para a comunicação de uma população com
valores de sentidos compartilhados, eles dão conta de uma formação social,
cultural e histórica, que é resultado de um processo contínuo de embates e
negociações em torno da atribuição de significados ao que eles representam.
Essa constatação, portanto, faz-se importante porque, para além de trazer
18
como consolidado o mapa conceitual (HALL, op. cit.) no qual nós, brasileiros,
já conseguimos identificar significados semelhantes em torno desses dois
representantes culturais, também levanta a questão de que se, atualmente,
existem, não necessariamente foram assim “desde sempre”.
Diversos autores, sob diferentes perspectivas, propostas e disciplinas,
já se propuseram a desenvolver esse apanhado sócio-histórico-cultural da
formação do Nordeste e do homem nordestino3; a perspectiva desenvolvida
por Durval Muniz de Albuquerque Jr. (1999) é, contemporaneamente, uma das
mais reconhecidas academicamente. Não é a intenção deste trabalho,
portanto, trazer à tona toda a discussão em torno dessas construções de
maneira exaustiva, todavia, pretende-se abordar os dois questionamentos que
fundamentam os debates que posteriormente serão desenvolvidos – o que
significa/representa o Nordeste e o que significa/representa o nordestino? – a
partir de um breve levantamento majoritariamente histórico-político com a
intenção de auxiliar na melhor compreensão das problemáticas e reflexões
apontadas nos capítulos seguintes.
1.1. O surgimento do Nordeste
Por mais que hoje o Nordeste exista para qualquer brasileiro que faça
parte da comunidade imaginada4 em torno da concepção da nação brasileira,
esse nem sempre foi o caso. A categoria “Nordeste” surge a partir de diversos
embates políticos, sociais e econômicos ao final do século XIX e se consolida
na primeira metade do século XX. Muito antes da imagem da região ser traçada
em todas as suas peculiaridades principalmente por obras literárias e,
posteriormente, pelos meios de comunicação de massa, a própria fundação
3 Além das obras já citadas, são outros exemplos de estudos e/ou trabalhos: Bernardes (1981),
Penna (1992), Oliveira (1993), Araújo (2000), Anjos (2000), Vasconcelos (2006), Oliveira
(2007), Bernardes (2007), Dantas (2012), dentre muitos outros.
4 No sentido desenvolvido por ANDERSON (1989, p.14), que define nação como sendo “uma
comunidade política imaginada — e imaginada como implicitamente limitada e soberana”.
19
histórica do Estado brasileiro se entrelaça à criação do regionalismo que se
instaurou gradativamente durante décadas.
Falar em processo histórico da formação do Nordeste significa ter
presente que a região não existiu desde sempre e as concepções
sobre suas características, ou mesmo, sua delimitação geográfica
sofreram mudanças ao longo do tempo. Isso significa, ainda, que a
região não é a expressão direta de uma realidade geográfica,
embora esta seja um importante determinante de sua existência. Em
outras palavras, apesar de uma base geográfica relativamente
imutável, durante um tempo bastante longo, não houve nenhuma
percepção da existência de uma territorialidade denominada Região
Nordeste. Isso não quer dizer que elementos de sua formação não
tivessem já uma existência espacial, mas significa que não eram
percebidos como parte de uma divisão institucional e geográfica
denominada Nordeste (BERNARDES, 2007, p. 43).
Em “Notas sobre a formação social do Nordeste”, o historiador Denis de
Mendonça Bernardes (id., ibid.) desenvolve, de forma didática, uma cronologia
do surgimento e da legitimação do Nordeste enquanto fato social da conjuntura
política brasileira em cinco momentos históricos. Embora as descrições sejam
extremamente pragmáticas (em função da própria disciplina em que o trabalho
foi aplicado), a apresentação principalmente de documentos oficiais – e/ou
institucionais – datados dos séculos passados ajudam a compreender como o
regionalismo “político” foi se desenvolvendo para a formação da categoria
Nordeste como conhecemos hoje. Além disso, por contrastar a história da
região com a história do Estado, torna-se ainda mais fácil compreender os
embates ocorridos.
O primeiro momento sob o qual o autor se debruça é o período colonial,
que, embora não tenha, diretamente, contribuído para o surgimento da região,
foi relevante “para configurar [...] algo que podemos denominar de sentimento
diferenciado de pertencimento e que, em determinados casos, envolvia
pessoas de várias capitanias, recobrindo o que, bem mais tarde, viria a ser o
Nordeste” (BERNARDES, op. cit.). É nesse período que começa a se formar
uma elite com laços de parentescos ou interesses que ultrapassam as divisões
institucionais das capitanias, desenvolvendo gradativamente uma identidade
20
em comum (id., ibid.). Em paralelo, o autor aponta também a formação de um
território que tem como base “a implantação de estruturas administrativas, [...]
voltada para a exportação de produtos primários” (id., ibid.).
O segundo momento histórico que traz consigo fatores importantes para
uma futura formação do Nordeste é o período da pós-Independência (1822),
quando se criaram “condições inteiramente novas para a vida política,
impossíveis de existir durante a vigência do Antigo Regime e do Antigo Sistema
Colonial” (BERNARDES, 2007, p. 54). Sobre esse contexto sócio-político, o
autor chama a atenção para dois aspectos fundamentais no que se refere à
formação da região nordeste: a nova noção territorial do Estado, que dá início
a uma distinção institucional de duas grandes regiões – o Norte (da Bahia ao
Amazonas) e o Sul (de São Paulo até o Rio Grande do Sul); e as discussões
sobre o processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, visto
que a mão-de-obra de ambos cenários eram majoritariamente provenientes do
Norte (id., ibid.).
O terceiro momento na classificação de Bernardes, situado entre 1889
e 1930, pode ser considerado o mais significativo para invenção do Nordeste,
já que é neste período que há uma movimentação para além dos interesses
políticos e socioeconômicos da região, chegando também às demais frentes
culturais que se tornam fundamentais para a consolidação da imagem do
Nordeste e do “povo nordestino”. Na política, cujo poder institucionalizado
exerce uma influência de extrema importância para a legitimação da categoria
regional, a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), em 1909,
marca o primeiro momento em que o Estado admite questões de caráter
regionalista “exclusivos” dessa delimitação geográfica específica – Nordeste -
, admitindo assim a existência nela de realidades distintas em relação ao
Norte, mesmo que ainda não haja uma definição oficial dessa nova
territorialidade (id., ibid.).
Um dos mitos fundadores que marca a origem do Nordeste é a Guerra
de Canudos (1896-1897), na qual o registro histórico de Euclides da Cunha na
21
obra “Os Sertões” (1902) teve um papel essencial na legitimação de um
discurso que, mesmo reconfigurado, mantém-se até os dias de hoje no senso
comum: o Norte como representante do atraso econômico, social e político do
Brasil e o Sul como referência e ideal modernizador do lema positivista. No
centro dessa percepção, estava a questão da seca, outro tema recorrente na
construção discursiva da categoria Nordeste. A seca de 1877 já havia sido
responsável por jogar uma luz na problemática de caráter regionalista do
espaço geográfico, mas outra grande seca entre 1915 e 1919 trouxe, com
força, as discussões sobre o auxílio federal para a esfera política.
Bernardes (2007) destaca, nesse contexto, o discurso O secular
problema do Nordeste, proferido no dia 15 de outubro de 1917 pelo deputado
Ildefonso Albano no Congresso Nacional.
Sr. Presidente, quem, porventura, com olhar pesquizador e animo
imparcial lançar as vistas para as condições dos vários Estados da
União Brazileira, notará sem grande difficuldade que alguns
marcham desassombradamente na larga senda do progresso, no
meio da fartura e prosperidade de seus habitantes, em busca das
mais nobres conquistas da humanidade, emquanto outros,
retardatários do progresso, jazem em uma apathia desesperadora,
se debatendo na miséria e no atraso, com todas as suas fontes de
riqueza estioladas, em franca decomposição económica. Nestes
estão comprehendidos os Estados do nordeste brasileiro, sujeitos ao
flagello da secca, que periodicamente os assola, matando,
deslocando suas populações, dizimando seus rebanhos,
anniquilando sua lavoura e commercio e embaraçando sua
evolução5.
Na passagem talvez mais emblemática do texto (destacado no
documento oficial da União), o deputado reforça o binarismo entre Norte e Sul:
"Não é possível que esse problema economico-social, o mais grave e mais
relevante do Brasil, continue preterido por tantos outros de somenos
importância”, estes “considerados problemas de máxima urgência para a vida
da Nação, unicamente pelo valor que lhes emprestam saus advogados
5 O discurso completo tornou-se registro de arquivo nacional, reunindo, além do texto na
íntegra, as principais reações críticas da imprensa brasileira e cartas que o inspiraram. Está
disponível em: https://archive.org/details/osecularproblema1918ilde
22
influentes e poderosos”. O caráter e tom adotado por Albano, principalmente
ao se referir ao estado do Ceará, estado pelo qual era deputado na época, vai
ao encontro do que Ribeiro (2014, pp. 5-4) chama a atenção a partir de Chauí,
ao se referir como os políticos utilizam a ideologia da identidade regional: “ao
exporem ao povo como motivo de sua carreira política a defesa dos valores do
Brasil ou de sua região, alcançam a simpatia de muitos, que se sentem
identificados”, ao mesmo tempo em que “deslocam a discussão da consciência
de classe para a consciência nacional ou regional”.
Em resposta ao intenso apelo que tomou conta da esfera pública
institucional brasileira a partir da seca de 1915, intensificou-se também na
classe política uma disputa antagônica que sugeria duas soluções distintas
para o “problema do Nordeste”: de um lado, aqueles que suplicavam pela ajuda
federal com a disposição de orçamento para obras e políticas públicas que
viessem a ajudar amenizar os efeitos da seca; e, de outro lado, aqueles que
defendiam, principalmente em congressos acadêmicos, que a solução da
questão regional estava no processo migratório: “a transferência de milhões de
nordestinos para o Sul/Sudeste, onde encontrariam trabalho seguro e,
naturalmente, seriam integrados ao complexo produtivo da grande lavoura
cafeeira” (BERNARDES, 2007, p. 63).
A eleição do paraibano Epitácio da Silva Pessoa para a presidência da
República (1918-1922) também intensifica esse embate, já que “deu início ao
mais vasto programa governamental de intervenção na região” (id., ibid.). O
importante a se destacar desse período histórico, portanto, é a consolidação
de discursos antagônicos pautados em interesses políticos tanto do Norte
quanto do Sul. Tendo a seca como protagonista de ambas argumentações,
inicia-se um longo e intenso debate que age como critério diferenciador do
“atrasado Norte” e do “moderno Sul”. A questão agrária, também trazida por
Bernardes (op. cit.), colabora para o desenvolvimento de uma dinâmica
econômica diferenciada, com o cangaceirismo, coronelismo e a manifestação
23
de uma religiosidade popular de base se tornando peculiaridades específicas
para a diferenciação entre Norte e Nordeste.
O discurso regionalista surge na segunda metade do século XIX, à
medida que se dava a construção da nação e que a centralização
política do Império ia conseguindo se impor sobre a dispersão
anterior. Quando a idéia de pátria se impõe, há uma enorme reação
que parte de diferentes pontos do país. Esse regionalismo se
caracterizava, no entanto, pelo seu apego a questões provincianas
ou locais, já trazendo a semente do separatismo (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 1999, p. 47).
O resultado de todo esse processo que envolveu questões sociais,
políticas, econômicas e “naturais” foi registrado – literalmente – no quarto
momento histórico da fundação do Nordeste, situado entre 1930 e 1945. É a
partir da década de 30 "que o Estado nacional afirma uma ação sobre o
território, a qual se manifesta por uma nova territorialidade, a da sua
regionalização" (id., ibid.). A questão do combate às calamidades públicas,
entre elas a seca, enfim, torna-se uma obrigação da União, com uma verba
específica legitimada pela Constituição de 19346. Ainda no âmbito institucional,
o Estado também cria novas instâncias administrativas pautadas no recorte
regional (BERNARDES, 2007): Conselho Nacional do Café e Instituto do
Cacau da Bahia (1931); Departamento Nacional do Café e Instituto do Açúcar
e do Álcool (1933); Instituto Nacional do Sal (1940); Instituto Nacional do Pinho
(1941); Instituto Nacional do Mate (1938).
Por mais que nesse momento histórico a imagem do Nordeste já esteja
relativamente consolidada no imaginário popular (conforme discutiremos a
seguir), as criações desses órgãos públicos foram importantes para
institucionalizar o espaço e fornecer à região um foro de verdade
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999). Ao partir de instâncias políticas e de
conflitos, Silva (2009) explica que “as regiões podem ser pensadas como a
6 Ver íntegra da Constituição de 34 em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1930-
1939/constituicao-1934-16-julho-1934-365196-publicacaooriginal-1-pl.html
24
emergência de diferenças internas à nação, no tocante ao exercício do poder,
como resultantes de recortes espaciais que surgem dos enfrentamentos entre
os diferentes grupos sociais, no interior da nação”. A “institucionalização” do
Nordeste, portanto, permite que este ator se coloque, de maneira legítima –
ainda que num plano simbólico (PENNA, 1992) –, no jogo de disputas da
política do território nacional. Nas palavras de Albuquerque Jr. (1999, p. 49),
“o discurso regionalista não mascara a verdade da região, ele a institui”.
A região remete a uma visão estratégica do espaço, ao seu
esquadrinhamento, ao seu recorte e à sua análise, que produz saber.
Ela é uma noção que nos envia a um espaço sob domínio,
comandado. Ela remete, em última instância, a regio (rei). Ela nos
põe diante de uma política de saber, de um recorte espacial das
relações de poder. (ALBUQUERQUE JÚNIOR ,1999, p. 25).
O conceito de região, para além do seu caráter etimológico, também
aciona algumas questões interessantes para pensar o Nordeste enquanto
categoria cultural. Bourdieu (1989) associa à ideia de região uma metáfora
para qualquer delimitação espacial que envolva identidade, uma vez que
ambas partem da ação de definir, ou seja, criar categorias e classificações
simbólicas. Segundo o autor, a mesma regionalização que fazemos para o
espaço físico também acontece no nosso sistema de interpretação das
identidades – ou seja, o mesmo processo operacional que me permite dividir
um espaço físico em regiões também permite dividir um espaço social em
grupos. Nesse contexto, “a fronteira, esse produto de um acto jurídico de
delimitação, produz a diferença cultural do mesmo modo que é produto desta”
(BOURDIEU, 1989, p. 115).
Aliada a essa “oficialização” do Nordeste enquanto região delimitada do
território nacional, fruto de um processo histórico com diversos embates
políticos/econômicos/discursivos, é nesse período – a partir de 1930 – que se
consolida também um importante movimento literário de caráter regionalista
para legitimar, no âmbito da cultura, a figura do Nordeste no imaginário
popular. Uma das principais figuras responsáveis por essa mobilização,
25
Gilberto Freyre já agia por essa “causa” na década de 20, com a organização
d’O livro do Nordeste em 1925 e do Primeiro Congresso Regionalista do
Nordeste, em 1926. No entanto, são as obras Casa Grande & Senzala (1933)
e Nordeste (1937) que realmente aparecem com destaque na produção
bibliográfica do autor.
É nesse período que romancistas como Graciliano Ramos7 (Vidas
Secas, 1939), Rachel de Queiroz (O Quinze, 1930), José Américo de Almeida
(A bagaceira, 1928), José Lins do Rego (Menino de Engenho, 1932) dão
importante contribuição na construção imagética do já legitimado Nordeste. À
responsabilidade social das obras artísticas – e literárias – de uma sociedade,
Albuquerque Jr. diz que estas “[...] têm ressonância em todo o social. Elas são
máquinas de produção de sentido e de significados. Elas funcionam
proliferando o real [...]. São produtoras de uma dada sensibilidade e
instauradoras de uma dada forma de ver e dizer a realidade” (ALBUQUERQUE
JÚNIOR apud RIBEIRO, 2014, p. 4). É principalmente neste momento que se
inicia a construção de uma imagem do “nordestino”, a ser melhor explorado no
próximo item.
Destaca-se também a criação da Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene) em 1959, que, segundo Silva (2009, p. 27), “tinha como
objetivo principal corrigir as desigualdades espaciais que se ampliavam pelo
território nacional, à medida que avançava o processo de constituição do
mercado interno, em decorrência da industrialização do país”. Para Bernardes
(2007, p. 72), a importância de sua realização “é que ela ultrapassava os limites
de uma decisão política e administrativa”, tornando-se símbolo concreto de
“um longo processo histórico da ação do Estado na região, [...] aliando um
refinado diagnóstico da situação a exequíveis propostas de intervenção” (id.,
ibid.) a fim de mudar a realidade do Nordeste – e, principalmente, “fazer do
7 Ribeiro (2014) analisa como o trabalho de Graciliano Ramos, assim como o de Gilberto
Freyre, teve importante impacto na formação da região. Chama a atenção para a o papel de
Ramos no governo nacionalista de Getúlio Vargas, a partir principalmente da revista Cultura
política (1941-1944).
26
Brasil uma nação social e economicamente mais integrada, menos desigual e
mais justa” (id., ibid.).
Se a atuação da Sudene foi ou não bem-sucedida, não cabe a este
trabalho avaliar – nesse sentido, Silva (2009) é bastante crítico: “No decorrer
de 42 anos, [...] sua principal função, [...] dirimir os problemas trazidos pelas
secas e apoiar o desenvolvimento do Nordeste, nunca chegou ser
concretizada plenamente" – entretanto, para além da importância apontada
anteriormente sobre o que simbolizava (para o Nordeste e para o Brasil), sua
criação levanta novamente a discussão sobre "o que é", territorialmente, o
Nordeste: “mais uma vez a demarcação do Nordeste é alterada e o Maranhão
volta a ser incluído na região” (id., ibid.). Esse debate retoma o argumento de
Albuquerque Jr. (1999) e Bourdieu (1989) sobre Estado, relações de poder e
delimitações.
O quinto e último momento histórico pontuado por Denis de Mendonça
Bernardes, portanto, diz respeito ao período de tensão pré-golpe militar de
1964. Embora, neste momento, o Nordeste já “existisse” há algumas décadas,
o historiador chama a atenção para o protagonismo que a região toma nesse
período de crise da nação. Nas palavras do autor:
Como em outros momentos da história brasileira, agora, porém, com
uma amplitude que ultrapassava as fronteiras nacionais, parecia que
no Nordeste estava em jogo o futuro da nação. Para uns, pela via
revolucionária ou de um reformismo radical, que, finalmente,
significaria a libertação nacional e o fim da miséria para milhões de
brasileiros. Para outros, no entanto, este era o perigo que se deveria
evitar a todo o custo, pois significaria o alinhamento do Brasil ao
mundo socialista e a sua submissão à influência e aos interesses do
bloco político e econômico liderado pela União Soviética, a
destruição da propriedade privada e o fim do capitalismo
(BERNARDES, 2007, pp. 71-72).
Essa disputa político-ideológica é relevante também para escancarar
“que, em todo este largo período, a questão regional foi percebida, formulada
e enfrentada, sobretudo, em função dos interesses da elite” (id., ibid.). Uma
vez que esses grupos elitistas dos estados do Nordeste se sentem
27
ameaçados, trazem à tona o fantasma do comunismo para terem
embasamento no apoio à ditadura e se articulam para destruir experiências de
governos de esquerda e de organizações populares. Nesse contexto, as
figuras de Miguel Arraes e Francisco Julião são emblemáticas: o primeiro foi
eleito governador de Pernambuco em 1962 pelo Partido Social Trabalhista
(PST), quando derrotou o candidato das oligarquias canavieiras e instaurou
um governo de esquerda, a favor dos trabalhadores (rurais); e o segundo
fomentou a criação das ligas camponesas, inicialmente em Pernambuco e que,
posteriormente, se espalham por todo o Nordeste.
A repressão à mão de obra rural foi brutal, como traz Bernardes (2007,
p. 75) em citação de Ianni (2005, p. 40-41): “As vítimas escolhidas foram
trabalhadores rurais, membros de ligas camponesas e sindicatos rurais,
dirigentes dessas organizações”. Embora o maior peso da repressão, direta e
brutal, tenha sido descarregado sobre os trabalhadores, “também foram
atingidos pela repressão os políticos, membros de grupos e partidos políticos
que lutavam em defesa dos interesses desses trabalhadores rurais”. Arraes,
portanto, que havia decretado que usineiros e donos de engenho da Zona da
Mata de Pernambuco estendessem o pagamento do salário mínimo aos
trabalhadores e apoiou sindicatos e às próprias ligas camponesas, foi
perseguido preso e exilado – assim como Julião.
Todo esse relativamente breve levantamento histórico da construção
principalmente institucional do Nordeste na história política do Brasil não deve
ser interpretado como processo de legitimação “real” da região durante o
tempo, o que fecharia coercitivamente as discussões das práticas constitutivas
culturais onipresentes em todos os períodos mencionados. Serve, entretanto,
como uma narrativa descritiva que colabora para que tenhamos em mente a
construção gradativa da categoria Nordeste nos últimos séculos. Além disso,
reforça também o caráter constitutivo da região, fruto de diversos embates que
atravessaram diferentes âmbitos da conjuntura nacional a partir de interesses
específicos de cada época.
28
1.2. O surgimento do nordestino
Uma vez localizado na história do Brasil o “nascimento” do Nordeste, é
possível seguir na busca pelo “nascimento” do nordestino. Assim como o
surgimento do próprio Nordeste, o surgimento do nordestino – enquanto figura
simbólica constitutiva de uma cultura nacional – também foi fruto de diversas
disputas discursivas e históricas durante décadas dos séculos passados.
Entretanto, enquanto os primeiros indícios do nascimento do Nordeste podem
ser observados já no século XIX, é razoável associar as primeiras impressões
do nascimento do nordestino ao século XX, principalmente a partir da década
de 1920. É este período destacado por Albuquerque Jr. (1999) como
fundamental para a construção da ideia de Nordeste e dos nordestinos,
encabeçado pelo Movimento Regionalista e Tradicionalista (1926) de Gilberto
Freyre.
O autor foi responsável pela organização d'O livro do Nordeste, em
1925, para a comemoração dos cem anos do Diário de Pernambuco e, um ano
depois, em 1926, articulou o Primeiro Congresso Regionalista do Nordeste,
que buscava “organizar uma literatura comprometida com a problemática
nordestina: a seca, as instituições arcaicas, a corrupção, o coronelismo, o
latifúndio, a exploração de mão-de-obra, o misticismo fanatizante e os
contrastes sociais” (SILVA, 2009). E é ao lado de Freyre que outros escritores
como José Lins do Rêgo, Raquel de Queiroz e José Américo de Almeida
compõem o chamado "Romance de 30", que apresenta obras pautadas num
imaginário específico sobre a região, que "pensou o Nordeste a partir de uma
rejeição ao mundo moderno que se implantava, de uma repulsa à sociedade
burguesa, urbana e industrial" (id., ibid.).
Freyre delineia um Nordeste que, ultrapassando os limites territoriais
político- administrativos, ganha unidade enquanto uma sociedade
patriarcal e agrária, caracterizada por elementos idealizados (com
29
saudosismo) da economia açucareira em seus tempos áureos. Essa
imagem do Nordeste faustoso e de passado rico e glorioso, fruto da
saudade de intelectuais filhos destas elites rurais em processo de
declínio, conviverá com a formulação de uma outra imagem, uma
outra história do Nordeste, contada a partir da história do sertão das
secas, da pecuária, do algodão, dos coronéis, dos jagunços, dos
cangaceiros e dos profetas (SILVA, 2009, p. 25).
É também Freyre um dos pioneiros responsáveis por associar o
Nordeste – e, consequentemente, a cultura nordestina como um todo – à ideia
de raiz, berço, tradição: o livro de 1925 defende a região como embrião da
nacionalidade brasileira, em contraponto à tentativa de europeização do Brasil
sustentada pelo modernismo. Sob o mesmo tom romântico, José Lins do Rêgo
atribuiu ao Nordeste - também nessa linha tradicionalista - a ideia de saudade.
Suas obras, em sua maioria, trazem meninos como personagens principais,
têm alto teor autobiográfico, uma vez que, crescendo no universo da sociedade
açucareira, baseou seu trabalho em relatos da sua infância. Também construiu
as narrativas sob uma dualidade entre a velha sociedade açucareira
(romântica) e a nova civilização moderna (progressista), quase sempre em tom
de lamentação.
Na obra de José Lins, a cidade surge como o lugar do
desenraizamento; lugar a partir do qual projeta o espaço nostálgico
do engenho; lugar em que a miséria era maior e as injustiças mais
gritantes que no engenho; em que os códigos morais tradicionais
ruíam. Lugar traiçoeiro onde a lei e a disciplina vigiavam e puniam
aqueles homens acostumados com os códigos lábeis e informais da
sociedade patriarcal. Faltava ao pobre, na cidade, alguém que
velasse por ele, que o orientasse, que o controlasse de forma
paternal. A cidade era o lugar do conflito, do acirramento das
contradições entre patrões e empregados, protótipo das relações
capitalistas que se implantavam. José Lins atribui a este despreparo
das novas gerações uma boa parcela da responsabilidade pela
decadência da sociedade açucareira (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
1999, p. 135).
Já José Américo de Almeida, autor da obra A Bagaceira, de 1928,
corroborou para, através da sua narrativa localizada no sertão, reforçar a ideia
do Nordeste - e do povo nordestino - como um lugar e uma população
30
miserável. O livro é “praticamente a obra que inaugura a tradição literária do
romance social nordestino, que estabelece a denúncia da miséria como
regional e espacial, muitas vezes escondendo as responsabilidades dos
homens de poder” (SILVA, 2009, p. 45). Nesse contexto, entretanto, é Raquel
de Queiroz a escritora com maior popularidade quanto à temática da seca. Em
O Quinze, esta é a grande personagem principal que surge como resposta à
decadência das sociedades tradicionais nordestinas (Silva, 2009), reforçando
tanto a perspectiva de miséria atribuída à região quanto o sentimento
nostálgico.
A autora também ajuda a criar a imagem do homem nordestino
idealizada pelo mito do sertanejo (Albuquerque Jr., 1999). Esse personagem é
posto frente às principais mudanças da sociedade naquele momento, com uma
narrativa que reage à expansão do capitalismo (e suas mudanças
subsequentes, como avanços tecnológicos, desenvolvimento urbano, etc.) de
forma crítica, denunciando essas transformações em detrimento de um
argumento por uma sociedade pura, comunitária e paternalista. Para além
desse discurso socialista, que colocava a região "como um território
antiburguês e com potencial de uma transformação social, como reação às
injustiças e misérias que ocorrem no país" (SILVA, 2009, p. 46), a figura do
nordestino também era destaque na narrativa:
O Quinze, romance antológico de Rachel de Queiroz, contém uma
representação imaginária desse homem telúrico nordestino que
pode ser dividida no que a autora chamou de “paisagem externa”
(natureza) e “paisagem interna” (o homem). A representação da
natureza, para ela, é tipicamente pré-moderna: envolve uma relação
de encantamento mágico, idílico, apaixonado. Não se observa
aquela fratura entre o homem e o seu meio. Característica produzida
pela modernidade (ZAIDAN FILHO, 2003, p. 20).
31
Todos esses autores e suas obras, além de artistas plásticos como
Cícero Dias e Lula Cardoso Ayres8, foram fundamentais para construir a
imagem do nordestino como compreendemos até os dias de hoje: este, a
começar pela composição da palavra, é homem; é “cabra-macho, sim, sinhô”
(responde a uma autoridade, é submisso); é batalhador, o que significa dizer
que a vida não lhe foi nem nunca é fácil, portanto, teve e tem que superar
diversos obstáculos enquanto nordestino; é humilde, afinal, vem de uma
realidade miserável, tanto na natureza que sua terra tem a lhe oferecer quanto
ao desenvolvimento econômico da sua região; sem desenvolvimento e
menosprezado pela pátria que lhe precede, o nordestino é iletrado, um homem
da roça, do campo, do trabalho; que, com tantas adversidades, tornou-se
“arretado”, embora alguns argumentem que ele ficou, na verdade, “retado” com
essa situação.
Essas são apenas algumas das características impingidas, atribuídas
ao nordestino que, assim como o próprio Nordeste em si, não surgiu do nada
– foram décadas e mais décadas na construção de uma narrativa que buscava
dar contar da história desse personagem social que faz parte da “cultura
brasileira” (VASCONCELOS, 2006). Nesse jogo complexo de cultura e
identidade(s), algumas estratégias são acionadas narrativamente para fixar os
sentidos no que compreendemos hoje, enquanto brasileiros, como
“nordestino”. O primeiro passo, portanto, é compreender como essa identidade
foi construída em consonância com todo o processo histórico e político que
também fundou, como descrito na seção anterior, na virada do século XIX para
o século XX, o próprio Nordeste enquanto região “oficial” da nação.
Além do jogo político-institucional e os artistas mencionados
anteriormente, há outro ator também muito “relevante” e que se tornou um dos
maiores símbolos do Nordeste e do nordestino na última década: Luiz
8 Para melhor compreensão da influência da representação do Nordeste sob a ótica dos
artistas plásticos, conferir o capítulo II, Espaços da Saudade, do livro A invenção do Nordeste
e outras artes, do historiador Durval Muniz de Albuquerque (1999).
32
Gonzaga. No Estado Novo, com a crise de 29, o governo federal favoreceu a
economia do Sul em detrimento das demais regiões, o que causou o início da
grande massa imigrante de retirantes que deixavam suas vidas nos estados e
cidades do Nordeste para buscar novas oportunidades no Brasil de baixo
(ANJOS, 2000). É nesse contexto que começa a tomar forma a figura de Luiz
Gonzaga, com seu intenso saudosismo (FERREIRA et al., 2010). Sucesso no
Rio de Janeiro, torna-se um dos primeiros “mitos fundadores” da narrativa
sobre o Nordeste para todo o Brasil9:
Tomando o sertão como espaço-temático e estando afastado dele,
a saudade se tornou, quase que inevitavelmente, assunto recorrente
nas músicas de Gonzaga. Saudade que se expande do lugar, da
terra, do roçado, até a família, aos amores, aos animais de
estimação. Um Nordeste sertão mítico, local para onde sempre se
pretende voltar, pois tudo parece (ou se deseja) estar mantido como
antes. Um espaço sem história, livre da modernidade e inimigo das
mudanças, mas – preferencialmente – preso ao tempo cíclico da
natureza, em sua alternância de secas e períodos chuvosos. A obra
de Luiz Gonzaga reforçou a idéia de um Nordeste como local à parte
do país, fortaleceu a percepção da região como uma
homogeneidade sempre imaginada em oposição às outras
(principalmente o Sudeste) (SILVA, 2009, p. 50).
É importante reforçar que são três pilares que fundamentam esse
fenômeno nordestino: 1) o êxodo de homens mais pobres e de áreas rurais em
direção ao Sudeste em busca de melhor qualidade de vida num mercado de
trabalho de uma região mais rica; 2) o desenvolvimento e a melhoria dos meios
de transporte e de comunicação, como jornais de circulação nacional e a
legitimação da rádio como principal veículo de comunicação de massa; e 3) a
propaganda política do governo federal por uma integração nacional-popular.
Albuquerque Jr. (1999, p. 152) explica que o rádio "será pensado como o
veículo capaz de produzir não só esta integração nacional, com o
encurtamento das distâncias e diferenças entre suas regiões, mas também
como capaz de produzir e divulgar esta cultura nacional".
9 Sobre Luiz Gonzaga e a relação com identidade nordestina, ver: BARROS (2009); CALLADO
(2013); ROCHA (2013); OLIVEIRA DE LIMA, ATANÁSIO DA HORA (2010).
33
Ainda assim, mesmo com essa busca ideal por um projeto de integração
nacional por parte do governo federal, a ascensão e o êxito de Luiz Gonzaga
não significou o sucesso dessa empreitada. Ao ter que buscar parceria com
programas de rádios do Rio de Janeiro e São Paulo que possuíam maior
difusão em território nacional, Gonzaga acabou tendo seu baião taxado como
"música regional", nunca sendo completamente associado ao que se
compreende como MPB. Sobre esse preconceito musical, Ferretti (1988, p. 54)
aponta que: “além de sua origem popular, o baião saíra do meio rural de uma
região marginalizada”, portanto, independente “de sua estilização e
urbanização, não deixou de ser nordestino, como também acentua sua
temática e a linguagem pela qual se expressa”. Mais uma vez, na história do
Brasil, o Nordeste é visto como “o outro”.
Com a popularização dos meios de comunicação de massa, além do
rádio, a chegada e popularização da televisão, desenvolvem-se outras
histórias sobre o Nordeste. Neste momento, vários dos atributos já estão
designados à região e à sua população. A importância aqui, portanto, está na
repetição das narrativas. Elas servem (e serviram) para fixar esses valores
associados à identidade nordestina. Daí em diante, todas as histórias da região
estão atreladas a um saudosismo de outrora. Até mesmo quando o Brasil
conhece outra “face” do Nordeste, com a ascensão dos músicos baianos na
década de 60 (com o Tropicalismo) e depois na década de 90 (na axé music),
os valores identitários destes não são diretamente relacionados com o que o
imaginário social já instituiu do Nordeste (SANTOS, 2012a).
A identidade nordestina, enquanto construção coesa que compartilha
dos mesmos valores pautados pela experiência regionalista do território que a
abriga, é criada principalmente através dos discursos que tinham como
propósito “narrar” a realidade daquele contexto social, político, econômico e
regional. O intuito dessa retomada histórica, portanto, é ratificar a relevância
das narrativas que começaram a ser formuladas no campo jornalístico, político,
literário e artístico, acerca da região. Se as obras literárias de Gilberto Freyre
34
e Rachel de Queiroz foram fundamentais ou não para reforçar uma linha
argumentativa que buscasse investimento federal na região, como argumenta
Silveira (1984), o que favorece a construção de uma identidade do Nordeste e
do nordestino, não são necessariamente os motivos por trás do jogo político,
mas o fato de essas narrativas simplesmente entrarem nesse jogo.
Essa simples exploração histórica da representação do Nordeste e dos
nordestinos no contexto brasileiro nos ajuda a pensar como sua identidade foi
construída gradativamente. No entanto, para além dessa reflexão, precisamos
discutir sobre o modo como essa identidade foi institucionalizada a ponto de
diferentes populações de cidades e estados nordestinos aceitarem e tomarem
para si esses aspectos e valores identitários. Aqui, a questão da representação
volta à tona no que Tomaz Tadeu da Silva (2003) argumenta sobre as relações
de poder que demarcam as diferenças e hierarquizam, a partir de quem tem o
privilégio de definir os sistemas de classificação. Nas palavras de Anjos (2000,
p. 48):
É somente nesse momento que começa a ruir a percepção provincial
então vigente e que se elabora um discurso regionalista e nordestino,
o qual se define e se afirma não apenas em oposição ao seu "outro"
mais próximo – o "Sul" cafeeiro –, mas também em relação a um
passado de suposto bem-estar e harmonia. É através desse discurso
e das ações oficiais dele derivadas que se demarca o espaço do que
é Nordeste e se conforma uma identidade cultural nordestina, a qual
legitima e representa, simbolicamente, aquele espaço.
No Brasil, para a construção da identidade nordestina, os meios de
comunicação tiveram um papel fundamental – justamente por seu caráter
massivo, que intensifica a repetição e consolida os discursos: no rádio, as
músicas e os cantores(as) nordestinos(as) foram imprescindíveis; na TV, o
exacerbado consumo de telenovelas foi essencial para desenvolver uma
narrativa do Nordeste e de sua população (sendo desde já generalizada como
única); e, no Cinema, essa prática foi continuada, com grandes clássicos
retratando (e, muitas vezes, reforçando) o estereótipo do Nordeste e do
nordestino. Há uma extensa produção acadêmica das últimas décadas
35
dedicada à análise minuciosa de várias dessas obras, além de estudos
específicos sobre representação em jornais e demais meios de comunicação.
Entretanto, o que praticamente todas as realidades desses objetos têm
em comum é o caráter vertical – imposto de fora para dentro – da produção de
conteúdo (e de sentido, significados, etc.) da imagem e do(s) povo(s) do
Nordeste. A exceção desse caso poderia ser a música, onde os intérpretes
nordestinos são e cantam as suas próprias realidades – sendo assim
produtores das suas próprias narrativas. Ainda assim, poderíamos discutir se
essas narrativas também não seguiam estratégias corporativistas da indústria
cultural que incorporavam os estereótipos para se tornar um produto mais
apropriado às vendas. Na TV (e no Cinema), com o desenvolvimento industrial
e tecnológico sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, as delimitações
identitárias sempre vinham de fora para dentro. As novas tecnologias da
comunicação, que tiveram sua popularização no princípio dos anos 2000,
entretanto, chegam (ou chegariam) para mudar essa realidade10.
A proposta deste capítulo foi contextualizar historicamente como se deu
o processo de construção do imaginário em torno do Nordeste e do nordestino.
Como mencionado ao início, a ideia não era exaurir essa discussão, mas
localizar no espaço e no tempo a figura do Nordeste e do nordestino no debate
sobre a cultura brasileira. Nas seções a seguir, pretendemos discutir como a
questão da identidade tem sido abordada no contexto da pós-modernidade, a
partir da perspectiva da identidade nacional, das novas identidades e das
identidades conforme estudadas no contexto dos sites de redes sociais. Com
uma imagem mais clara da formação do Nordeste e do nordestino, podermos
discutir, posteriormente, quais as motivações por trás dessa identificação
generalizante.
10 Esta questão será mais aprofundada nos capítulos seguintes, entretanto, pode-se utilizar
como argumenta básico aqui o conceito de descentralização do polo emissor da cibercultura
(LEMOS, 2003), no qual a internet surge oferecendo aos indivíduos uma capacidade única de
(re)produção de sentido através das novas mídias comunicacionais.
36
2. A IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE
O que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades
culturais nacionais, agora, no fim do século XX? A resposta é: um
complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência,
pode ser sintetizado sob o termo "globalização". [...] A globalização
implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica
clássica da "sociedade" como um sistema bem delimitado e sua
substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a
vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço" (Giddens,
1990, p. 64). Essas novas características temporais e espaciais, que
resultam na compressão de distâncias e de escalas temporais, estão
entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeito sobre
as identidades culturais (HALL, 2006, p. 19).
Em A identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall (2006) traz,
dentre outros assuntos, que o processo de globalização resultou - ou tem
resultado - em três consequências para as identidades culturais: a
desintegração das identidades nacionais (frente à ascensão da
homogeneização cultural e do "pós-moderno global"11; ao mesmo tempo, o
reforço das identidades nacionais e outras identidades "locais" ou
particularistas que resistem; e, também paralelamente, o declínio das
identidades nacionais, em detrimento da ascensão de “novas identidades”
(híbridas).
11 Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e
imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de
comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas —
desalojadas —de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem "flutuar
livremente". Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos
fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece
possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como
sonho, que contribuiu para esse efeito de "supermercado cultural". No interior do discurso do
consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a
identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global,
em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem
ser traduzidas. (HALL, 2006, p. 22)
37
Embora nenhuma dessas afirmações sejam totalizantes (até por serem,
em certa medida, contraditórias entre si), o que o autor pretende chamar a
atenção – e que nos cabe argumentar também neste trabalho – é que, no
processo mais recente de globalização, há mudanças importantíssimas quanto
a três aspectos: espaço, tempo e consumo. Nesse contexto, a identidade
nacional, que se tornou um importante marcador social da modernidade
imposto em estratégias de soberania dos estados-nação em busca de
autonomia, precisa lidar com outros apontamentos identitários que surgem
com a crise do sujeito moderno – e surgem novas pautas a serem discutidas.
Neste capítulo, portanto, buscamos levantar algumas discussões
fundamentais sobre a identidade na pós-modernidade a partir da identidade
nacional, porém já fazendo a ponte com as novas identidades, sobretudo a
considerada “regional”, a partir do levantamento de Penna (1992), e a que se
estabelece no ambiente digital, sobretudo na internet e nos sites de redes
sociais. Essas serão as bases teóricas que fundamentarão a pesquisa
realizada no capítulo três, na qual pretendemos entender o que usuários do
Facebook entendem enquanto “ser nordestino” e por que esse aspecto da sua
identidade merece destaque narrativo a ser acionado nesses ambientes.
2.1. Identidade nacional, identidade regional e as novas identidades
No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se
constituem em unia das principais fontes de identidade cultural. Ao
nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou
galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso
estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão
literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós
efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa
natureza essencial (HALL, 2006, p. 13).
A discussão sobre identidade é bastante complexa por se tratar de uma
categoria polissêmica, fruto do jogo de disputas e (re)significações que
fundamenta o que compreendemos enquanto cultura. Para ilustrar com mais
facilidade o que entendemos, atualmente, enquanto identidade, talvez seja
38
interessante trazermos à pauta o que é facilmente compreensível no
imaginário popular como um dos vetores identitários mais cristalizados desde
a modernidade: a ideia de nacionalidade. Retomamos, então, o próprio
conceito primordial de nação, um ideal positivista que “como um destino que
pairava sobre os indivíduos e ao qual estes não se poderiam subtrair sem
traição, [..] foi adquirindo importância fundamental para a modernidade e para
os rumos que esta pretendia implantar” (NERCOLINI, 2006, p. 102).
A ideia de pertencimento - que, aqui, poderia ser comparada ao
processo de identificação - esteve presente no pensamento de Jean-Jacques
Rousseau e de Georg W. F. Hegel, ambos estruturadores fundamentais da
concepção de nação no pensamento moderno. Enquanto o primeiro enxergava
a nação como instrumento de união e legitimação para o desenvolvimento da
sociedade, o segundo discutia a noção de espírito de um povo: “um todo
concreto que se desenvolve em todas as ações e em todas as direções de um
povo e se realiza quando este chega a fruir e a compreender a si como tal”
(NERCOLINI, 2006, p. 103). É Ernest Renan, entretanto, que costura esses
argumentos e nos oferece uma concepção de nação que aquece as
discussões deste trabalho:
Para Renan, a nação é constituída pela possessão de um rico legado
de memórias do passado, pelo consentimento sempre renovado,
pelo desejo de viver junto e pela vontade contínua de valorizar a
herança recebida. Ter glórias em comum no passado, uma vontade
comum no presente: eis a condição essencial para ser um povo [...].
Para ele é a vontade de nacionalidade que unifica a memória
histórica e assegura o consentimento de cada dia, articula o povo-
nação como um plebiscito diário e faz seus membros lembrarem
determinadas coisas e esquecerem outras (NERCOLINI, 2006, p.
105).
É importante ratificar que as culturas nacionais são também elementos
históricos relativamente recentes, uma vez que “numa época pré-moderna ou
em sociedades tradicionais, a lealdade e a identificação das pessoas eram
dadas à tribo, ao povoado, à religião e à região” (NERCOLINI, 2006, p. 107).
39
Esse processo de legitimação das nacionalidades ocorreu de forma gradativa
nas sociedades ocidentais, vindo a se tornar, para Homi Bhabha, “uma das
maiores estruturas ideológicas ambivalentes dentro das representações
ideológicas da modernidade” (NERCOLINI, 2006, p. 108). A nação, portanto,
extrapola sua condição de entidade política e atua – talvez principalmente – no
contexto da representação, atrelado a um intenso processo de produção de
sentidos que cria e legitima as identidades nacionais.
É nesse cenário que Hall (2006) retoma o conceito de Benedict
Anderson sobre as nações como comunidades imaginadas: para ele, a cultura
nacional “é um discurso — um modo de construir sentidos que influencia e
organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos”
(HALL, 2006, p. 14). É, portanto, essa narrativa idealmente uníssona que
amarra os sentimentos de identificação através da produção de sentidos
evocadas nas histórias sobre a nação, com um esforço contínuo de conexão
entre passado e presente. Para explicar como é contada a narrativa da cultura
nacional, Hall (2006) aponta cinco elementos principais: a narrativa da nação,
a ênfase nas origens, a invenção da tradição, o mito fundacional, e a ideia de
um povo puro (original).
O primeiro se alinha com o que já apontamos na ideia de comunidade
imaginada, na qual a nação é narrada culturalmente através de histórias,
imagens, panoramas, cenários, eventos históricos “que simbolizam ou
representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres
que dão sentido à nação” (HALL, 2006, p. 15). Esse vetor fortalece a ideia de
que se trata de um fenômeno primordial que antecede a nossa própria
existência, uma vez que se ancora no segundo elemento, a sua
atemporalidade. O sentimento de ser brasileiro, por exemplo, representa no
imaginário popular uma condição histórica que permanece, ao longo do tempo,
sob o mesmo véu: “está lá desde o nascimento, unificado e contínuo, ‘imutável’
ao longo de todas as mudanças, eterno’” (id., ibid.).
40
Também com essa ênfase no passado, a invenção da tradição é o
terceiro elemento que ajuda a configurar a narrativa nacional – conforme
apontado por Hall (2006) a partir de Hobsbawm e Ranger: trata-se de um
conjunto de práticas rituais ou simbólicas que, através da repetição, pretende
inculcar valores e normas comportamentais a fim de reforçar uma coesão
histórica entre o passado e o presente. Seu papel é tornar “as confusões e os
desastres da história inteligíveis, transformando a desordem em ‘comunidade’”
(HALL, 2006, p. 16). Da mesma forma, o quarto elemento é uma história “que
localiza a origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado
tão distante que eles se perdem nas brumas do tempo” (HALL, 2006, p. 15).
O último elemento é o que recebe menos atenção do autor, mas que na
onda de conservadorismo que prolifera no Brasil nos últimos anos, explica
esse sentimento de superioridade: Hall aponta que “a identidade nacional é
também muitas vezes simbolicamente baseada na ideia de um povo ou folk
puro, original”, ainda que “nas realidades do desenvolvimento nacional, é
raramente esse povo (folk) primordial que persiste ou que exercita o poder”
(id., ibid.). É esse sentimento que legitima, também atravessado por todos os
outros elementos, uma crença cega no progresso nacionalista, onde o
patriotismo é o principal combustível para o sentimento de superioridade frente
à diferença. Podemos, enfim, resumir que o discurso da cultura nacional
constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre o
passado e o futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar a
glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à
modernidade. As culturas nacionais são tentadas, algumas vezes, a
se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele
"tempo perdido", quando a nação era "grande"; são tentadas a
restaurar as identidades passadas. Este constitui o elemento
regressivo, anacrônico, da estória da cultura nacional. Mas
freqüentemente esse mesmo retorno ao passado oculta urna luta
para mobilizar as "pessoas" para que purifiquem suas fileiras, para
que expulsem os "outros" que ameaçam sua identidade e para que
se preparem para uma nova marcha para a frente (HALL, 2006, p.
16).
41
Uma vez que argumentamos que a nação enquanto sentido comunitário
é uma narrativa cultural e política, é importante apontar também que são nos
produtos culturais – literatura, música, cinema, teatro, etc. – que essas
histórias são contadas. Por serem intrincados nesse processo de construção
das diferenças nacionais, tanto criam e modificam como também são
modificados por esse mesmo contexto. Nesse sentido, vale retomar o
argumento de Hall (2006) sobre identificação, em detrimento de identidade, por
se tratar de um processo contínuo. Para ele, é um jogo que envolve
diretamente a visão do outro, uma “falta de inteireza que é ‘preenchida’ a partir
de nosso exterior” (HALL, 2006, p. 39). Caberia, portanto, já que esse
fenômeno é “vivo”, o que seria, de fato, “ser brasileiro”? Ou, para o contexto
deste trabalho, o que seria tipicamente nordestino?
Esta é uma pergunta importante para a pesquisa e é também uma das
indagações centrais de Penna (1992), que tenta entender quais são as
manifestações culturais reconhecidas enquanto práticas culturais elementares
à atribuição da identidade nordestina. Para tal, recorre ao que que chama de
reconhecimento social: “formas de reconhecimento que envolvem disputas em
torno de critérios de delimitação e qualificação de grupos ou da pertinência de
um indivíduo a ele” (SILVA, 2009, p. 42), que se articulam tanto de dentro para
fora – ou seja, a partir do interior do grupo ou do indivíduo – quanto de fora
para dentro – a partir da sociedade que o abarca.
Os esquemas culturalmente disponíveis fornecem, como base para
a atribuição de uma identidade regional, os elementos reconhecidos
como típicos. [...] O típico, no caso, é um elemento que reúne em si
os caracteres distintivos do Nordeste e dos nordestinos, servindo de
modelo: um elemento isolado, uma parte, representando o todo, o
conjunto. Aquilo que é usualmente reconhecido como “tipicamente
nordestino”, compondo o estereótipo, relaciona-se com a
representação do Nordeste gerada pelo discurso regionalista ou com
a imagem criada pelo Sul/Sudeste, ao curso das relações de força
(materiais e simbólicas) que configuram as regiões brasileiras
(PENNA, 1992, p. 75).
42
A prática de identificar o que seria considerado nordestino, portanto,
passa por duas considerações quase paradoxais: ao mesmo tempo em que
sua delimitação “expressa as diferenciações sociais e históricas da região”,
também “homogeneíza diferenças internas sob a marca do típico, com o risco
de se cair numa abstração que mascare a multiplicidade de relações em que
se situam as diversas práticas culturais” (PENNA, 1992, p. 76). Em O que faz
ser nordestino: identidades sociais interesses e o “escândalo” Erundina, Penna
(1992) enfrenta essa difícil missão de enquadrar a identidade social desse
contexto regional. Considerando que a condição de nordestino está no
processo de apreensão e organização simbólica do ser – no imaginário popular
de atribuição a esses atores –, ela propõe quatro hipóteses: cultura,
naturalidade, vivência e auto atribuição.
O primeiro elemento utilizado para a atribuição da identidade nordestina
é justamente o que tratamos anteriormente, as práticas culturais – que trazem,
essencialmente, a dificuldade de delimitação já apresentada. Ainda assim – e
poderíamos argumentar que, para este trabalho, esse é um elemento que será
acionado explicitamente pelos atores – “as características presentes na cultura
popular nordestina formam sua identidade cultural, criando um sentimento de
pertencimento e de valorização da história de seu povo” (SILVA, 2009, p. 40).
Ao tentarmos debater a “identidade nordestina”, portanto, precisamos observar
de maneira holística questões não apenas localizadas no indivíduo, mas – e,
talvez, principalmente – nas “representações coletivas como as matrizes de
práticas construtoras do próprio mundo social” (CHARTIER, 1991, p. 183).
Hall (2016, p. 25) explica que representação “está intimamente ligada a
identidade e conhecimento”, logo, “sem esses sistemas de 'significação',
seríamos incapazes de adotar tais identidades (ou mesmo de rejeitá-las) e
consequentemente incapazes de fomentar ou manter essa realidade
existencial que chamamos de cultura". Roger Chartier (1991, p. 183), numa
proposta de atualização da compreensão da História às “novas identidades
sociais”, sugere uma superação em que consideremos “os esquemas
43
geradores dos sistemas de classificação e de percepção como verdadeiras
‘instituições sociais’, incorporando sob a forma de representações coletivas as
divisões da organização social”, considerando também “estas representações
coletivas como as matrizes de práticas construtoras do próprio mundo social”.
Retomando às hipóteses de Penna, o segundo elemento do senso
comum atribuído à identidade nordestina é a naturalidade, ou seja, o local de
nascimento de um indivíduo. Para a autora, este é o referencial instituído,
precede a existência da população e, semelhante aos mitos fundadores da
nação e as invenções das tradições, tende a naturalizar o processo social e
histórico que simboliza a categoria nordestino. Por isso “é um dos quesitos que
classifica/qualifica os indivíduos em seus documentos de identificação” ao
mesmo tempo que “se baseia na organização político-administrativa, que
hierarquiza diversas delimitações do espaço – da localidade ao município,
deste ao estado e à região, e enfim, à nação” (PENNA, 1992, p. 51-52). Há,
portanto, já neste elemento que se articula veementemente de forma
naturalizante, relações de poder dentro da própria cultura nacional.
O terceiro e quarto elementos, ainda mais do que os outros dois,
possuem uma relação muito intrínseca: são eles, a vivência e a auto atribuição.
Esse legitima a identidade nordestina àquele que, por um período de tempo
indeterminado, vivenciou de alguma forma a cultura nordestina no espaço
territorial delimitado enquanto Nordeste. A auto atribuição, diferente dos
demais, parte de uma concepção individual à identidade: é nordestino quem
se reconhece como tal. A autora, entretanto, também admite que neste
elemento há um jogo de alter-atribuição, ou seja, o modo como aquele
indivíduo é reconhecido “de fora para dentro”, localizado na caixinha de
nordestino. Sobre isso, explica que
[...] nesta direção de reconhecimento que “vem de fora”, ganham
grande importância as práticas sociais e culturais, enquanto
manifestações que podem ser interpretadas e valoradas
diferentemente pelo próprio grupo e pelos vários setores com que
entra em contato, pois tais signos são apreendidos pelos outros
44
conforme os esquemas de percepção e apreciação de que dispõem.
E os esquemas culturalmente disponíveis fornecem, como base para
a atribuição de uma identidade regional, os elementos reconhecidos
como típicos (PENNA, 1992, p. 75).
A conclusão que ela chega, enfim, é que a identidade nordestina não
está diretamente ligada a uma condição ou qualidade intrínseca ao objeto, mas
que se trata de uma figura abstrata localizada contextualmente. Para a
pesquisadora, “o que pode ser observado e estudado é o modo como as
atribuições de identidades são construídas e aplicadas” (SILVA, 2009, p. 42).
Analisando o caso da eleição de Luiza Erundina à prefeitura de São Paulo, ela
admite que não é a origem nem tampouco as condições de classe ou de
gênero “o que faz ser nordestino”, mas a maneira como as condições são
apreendidas e organizadas simbolicamente. Há, portanto, um enfoque muito
grande no processo constitutivo da identidade nordestina: ela precisa ser
narrada, representada, adotada, identificada e reproduzida. No contexto da
cultura nacional, o que isso significa?
Stuart Hall (1999) argumenta que uma mudança estrutural diferente
transformou as sociedades modernas no final do século XX. Para o autor, a
passagem para a modernidade tardia – ou pós-modernidade – gerou um
processo de descentramento dos sujeitos, “fragmentando as paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no
passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais”
(HALL, 1999, p. 2). As transformações dessas posições culturais de identidade
também estariam influenciando diretamente o que Hall chama de crise de
identidade, num nível supostamente mais pessoal e subjetivo – “abalando a
ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados” (id., ibid.). A crise
de identidade, portanto, opera tanto no mundo social e cultural quanto
individual, de si mesmos, ou seja, tanto a partir de uma perspectiva interior,
quanto exterior. Nesse contexto
45
A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada
transformada continuamente em relação às formas pelas quais
somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos
rodeiam (Hall, 1987). E definida historicamente, e não
biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em
diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor
de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias,
empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente deslocadas (HALL, 1999,
p. 4).
Esse movimento acontece atrelado fortemente às transformações
constantes na tecnologia, nas telecomunicações, na forma de trocas e na
produção de bens culturais e econômicos (NERCOLINI, 2006), ancorado
também no deslocamento de estruturas e dos processos centrais das
sociedades modernas cujos quadros de referências são abalados. A partir da
“disseminação” proposta por Homi Bhabha, Nercolini (2006, p. 116) explica
que “os intensos fluxos migratórios, os meios de comunicação [...], as infovias,
a internet e tantos outros processos correlatos, acabam por propiciar trocas
culturais intensas”. Deste modo, a cultura nacional é marcada pela alteridade
radical, através de uma disseminação de significados, tempos, povos,
fronteiras culturais e tradições históricas capazes de reconfigurar a narrativa
da nação.
A identidade, portanto, na contemporaneidade, caracteriza-se
idealmente na diferença, ou seja, no deslocamento das identidades mestras
em ramificações identitárias do sujeito, sempre em conflito. Nesse contexto,
destaca-se a ideia de performance, na qual os indivíduos agem conforme as
condições sociais que são estabelecidas em cada situação. Afinal, “a
identidade é teatro e é política, é representação e ação” e “estudar o modo
como estão sendo produzidas as relações de continuidade, ruptura e
hibridação entre sistemas locais e globais, tradicionais e ultramodernos, do
desenvolvimento cultural é, hoje, um dos maiores desafios para se repensar
identidade e a cidadania” (CANCLINI apud NERCOLINI, 2006, p. 127).
46
2.2. A identidade nos sites de redes sociais
Com a Internet, os processos de construção identitária vêm
ganhando uma nova forma. Ao disponibilizar um lugar no
ciberespaço, a rede possibilita a um número maior de pessoas a
oportunidade de se relatar, garante maior liberdade de mostrar ou
construir a própria identidade. (MATUCK E MEUCCI, 2005, p. 160).
Tendo discutido sobre a invenção do Nordeste, a construção do
nordestino e as questões relacionadas às identidades nacionais e regionais
nos capítulos anteriores, podemos enfim nos debruçar sobre um dos pilares
principais deste trabalho: como a identidade tem sido pensada a partir das
novas tecnologias, da internet e, mais especificamente, dos sites de redes
sociais. Para embasar a discussão sobre esse tema, recorremos à tese de
Beatriz Polivanov (2012), “Dinâmicas de autoapresentação em sites de redes
sociais: performance, autorreflexividade e sociabilidade em cenas de música
eletrônica”12 – sobretudo os capítulos 1, 2 e 6 –, na qual a pesquisadora buscou
entender como as pessoas constroem os seus perfis no Facebook.
Antes de entrarmos nessa investigação mais a fundo, é importante
passarmos por algumas questões basilares para a autora que fundamentam
as novas dinâmicas sociais da contemporaneidade e dialogam também com
alguns argumentos do capítulo anterior. A começar pelo caráter fragmentado
da identidade na pós-modernidade (HALL, 2006), fruto de um processo
complexo que envolve a globalização, o modelo econômico-político do
neoliberalismo, a redução do papel do Estado e o aumento do papel do
mercado, a crise da família patriarcal, o encurtamento do tempo e das
distâncias com as novas tecnologias, para citar alguns aspectos. Esse
fenômeno é importante para a ênfase argumentada sobre a ideia de “crise” do
sujeito moderno, diante de um número cada vez maior de possibilidades em
12 Além de toda a fundamentação teórica, o trabalho também se destaca pelo título que
recebeu o livro em 2014, Dinâmicas identitárias em sites de redes sociais: estudo com
participantes de cenas de música eletrônica no Facebook, evidenciando ainda mais o debate
sobre identidade nos sites de redes sociais.
47
vários aspectos da vida em sociedade, apontada tanto por Stuart Hall quanto
por Anthony Giddens.
A identidade, portanto, na contemporaneidade, passa por uma demanda
intensa de auto reflexividade, conceito central para autora que associa também
essa autoidentidade enquanto empreendimento reflexivamente organizado de
Giddens com a ideia de projeto do indivíduo moderno, conceito de Georg
Simmel. Nesse contexto de “projeto reflexivo do eu”, portanto, destacar-se-iam
três características básicas: em primeira instância, a continuidade dessa
prática, ou seja, é um exercício interminável (mesmo que inconsciente) dos
sujeitos modernos; tem característica de projeto, no sentido de que tratam-se
de escolhas (estilos de vida) que são feitas – importante lembrar – dentro das
estruturas; e, por fim, baseado tanto na ilusão biográfica de Pierre Bourdieu,
quanto na performance de Erving Goffman, é uma narrativa de vida que exige
uma “coerência expressiva” (SÁ e POLIVANOV, 2012).
Este cenário condiciona e é condicionado (por) as novas dinâmicas de
sociabilidade que surgiram na contemporaneidade através do uso das
tecnologias digitais e demais ferramentas de comunicação mediada. A
sociedade em rede (CASTELLS, 2000), onde a conexão se tornou o elemento-
chave, alterou profundamente as relações interpessoais, fazendo com que
outras questões ligadas à discussão sobre identidade fossem colocadas à
mesa, como explica Polivanov (2012, p. 16): “a própria lógica da relação
identidade/alteridade (que sempre vai demandar o olhar do outro) e a própria
lógica dos lugares virtuais nos quais os indivíduos não podem contar com a
materialidade dos seus corpos” alteram as construções identitárias (narrativas)
do mundo moderno, levantando também a outros debates sobre privacidade,
intimidade e segurança13. A autora (2012, p. 23) argumenta que:
13 Um resumo sobre alguns dos principais estudos que abordam essas temáticas pode ser
visto no capítulo 2 de Polivanov (2012), SITES DE REDES SOCIAIS VISTOS SOB A ÉGIDE
DA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO E DA CIBERCULTURA, sobretudo a seção “Os discursos
sobre a superexposição do eu e a era da vigilância”.
48
[...] o ciberespaço tornou-se um lugar essencial para os atores
sociais performatizarem suas identidades, construindo e mantendo
relações sociais (que podem estar presentes ou não também no
mundo off-line). Nas palavras de Barbero, “a tecnologia é, hoje, uma
das metáforas mais potentes para compreender o tecido – redes e
interfaces – de construção da subjetividade” (2008, p. 20).
Nesse universo da cibercultura (LEMOS, 2003), os sites de redes
sociais destacam-se “enquanto fenômeno comunicativo que diz respeito [...] a
supostos ‘novos’ modos de os atores sociais se relacionarem entre si na
internet e a ‘novos’ modos de eles apresentarem e presentificarem na
contemporaneidade” (POLIVANOV, 2012, p. 14). A centralidade dos perfis
individuais, a facilidade de se encontrar e conectar a outros usuários, a
proliferação de discursos próprios e outros elementos, marcam o impacto
dessa ferramenta nas novas dinâmicas de sociabilidade que reconhecemos
atualmente. Pensando identidade, essa ferramenta se tornou “o principal tipo
de site na internet que permita aos atores uma apresentação mais ‘completa’
de si” (2012, p. 23), por estar centrado na relação com outras pessoas, através
das conexões com uma rede de amigos, das publicações e de fotos e vídeos,
das trocas de mensagens contínuas...
Mas o que seriam, enfim, esses sites de redes sociais? São um
fenômeno central da cibercultura que datam do início da década de 90 e tomam
forma a partir de 2003, com a consolidação de sites como MySpace, LastFm e
LinkedIn, afetando, como já reforçado anteriormente, “as práticas sócio-
comunicativas cotidianas dos atores em escala mundial” (POLIVANOV, 2012,
p. 28). Sua definição acadêmica foi proposta pela primeira vez no trabalho
‘Social Network Sites: Definition, History and Scholarship’, das pesquisadoras
norte-americanas danah boyd e Nicole Ellison, que definiram os sites de redes
sociais a partir de três condições básicas para essas plataformas
(POLIVANOV, 2012, p. 31):
serviços baseados na web que permitem aos indivíduos (1)
construírem um perfil público ou semipúblico dentro de um sistema
restrito, (2) articularem uma lista de outros usuários com quem eles
49
compartilham uma conexão e (3) olharem e cruzarem sua lista de
conexões e aquelas feitas por outros dentro do sistema. (BOYD E
ELLISON, 2007, online).
Em publicação mais recente, boyd (2011) revisita esse conceito sem
propor outra definição “fechada” como esta primeira, já reconhecendo que
essas plataformas estão e estarão sempre em constante mudança, o que
dificulta uma delimitação de significando no que corresponde a elas. No
entanto, chama a atenção para os aspectos estruturais dos sites de redes
sociais – classificados em quatro: perfis, lista de amigos, ferramentas de
comentário/publicação e stream based updates – que ratificam, de certa forma,
a questão da alteridade nesses ambientes online. Para a autora, "levar em
consideração os elementos estruturais dos públicos em rede ao analisar o que
acontece [nesses ambientes] pode fornecer um framework valioso de
interpretação"14 (2011, p. 55).
É importante pontuar também a terminologia do objeto devido à
costumeira confusão que acontece no senso comum quanto à discussão dos
sites de redes sociais (SRSs). Estes são, muitas vezes, atribuídos somente a
nomenclatura de “redes sociais”, o que não indica necessariamente um erro
terminológico, mas expande semanticamente o caráter específico dessas
plataformas. Polivanov (2012, p. 32), resgatando Recuero (2009), chama a
atenção dessa questão para retificar que os sites de redes sociais são “meros
suportes, ferramentas, sistemas, softwares que permitem a interação social
entre os atores, ao passo em que as redes [sociais] seriam justamente essas
interações, que podem ocorrer on ou off-line”. Também reforça que outro
sinônimo comum, “mídias sociais”, são mais amplos do que o objeto
identificado como sites de redes sociais15.
14 “Thus, taking the structural elements of networked publics into account when analyzing what
unfolds can provide a valuable interpretive framework.” (tradução nossa)
15 Segundo Kaplan e Haenlein, mídias sociais seriam “um grupo de aplicações baseados na
internet que se baseiam nos alicerces ideológicos e tecnológicos da web 2.0 e que permitem
a criação e troca de conteúdo gerado pelos usuários”27 (2010, online). [...] dessa forma,
50
Feita essa breve consideração, podemos retornar à definição de boyd e
Ellison para discutir três elementos-chave dos SRSs de acordo com Polivanov:
visibilidade, aparência e rede de contatos. O primeiro diz respeito à ideia de
“publicização”, ou seja, de tornar público e visível quaisquer informações
relacionadas aos atores sociais de forma direta ou indireta; o segundo está
relacionado “à aparência física em si, à concretude da visibilidade” (2012, p.
36), ou seja, as imagens selecionadas para exibição (ou representação)
nessas plataformas – um aspecto “fundamental para [que] se possa conhecer
melhor os indivíduos ainda mais, como defendemos, em um lugar no qual não
se pode contar com a presença do corpo físico” (2012, p. 72); e o terceiro, tão
importante quanto os outros dois, chama a atenção para o aspecto
prioritariamente mais sociável, ou seja, a conexão entre os indivíduos nestes
ambientes.
Esses eixos indissociáveis apontam para uma questão central neste
trabalho: a relação de si com o outro – fator também de extrema importância
para autores que pensam a identidade, como o próprio Stuart Hall e Tomaz
Tadeu da Silva, a ser explorado mais a diante. Sobre esse aspecto, é Erving
Goffman que fundamenta a maior parte das discussões em torno dos SRSs,
pensando o caráter “expositivo” da identidade, a partir da ideia de que “os
atores sociais estão sempre em face de um público, uma audiência, para a
qual performatizam seus selves” (POLIVANOV, p. 182). Nesse contexto, é
relevante também diferenciar o “eu” do self, conforme reiterado a partir de
autores como Mead (1967) e Livingstone (2012), onde a noção de “eu” advém
de uma fase do self, mais psicológica e interna, enquanto o self está
relacionado a uma compreensão de si que também envolve a compreensão
dos outros. Ou seja,
as redes sociais são sobre “mim”, no sentido de que revelam o self
embutido no grupo de “pares”, como conhecido e representado por
podemos afirmar que todo site de rede social é uma mídia social, mas nem toda mídia social
se restringe somente ao universo dos SRSs. (POLIVANOV, 2012, p. 33)
51
outros, e não o “eu” particular mais conhecido pela própria pessoa
(LIVINGSTONE, 2012, p. 102).
Nesse contexto de audiência planejada e percepção de si enquanto
parte de um todo, a perspectiva dramatúrgica de Goffman ajuda na
compreensão da performance desses atores sociais, “no sentido que suas
atividades e ações individuais no Facebook são feitas (virtualmente em) face
a um grupo [...], e que, assim, eles vão optar por mostrar facetas suas”
(POLIVANOV, 2012, p. 17). Ao entendermos que “todos performatizamos
aspectos das nossas identidades, atuando de modos diversos em diferentes
meios sociais e para diferentes públicos” (2012, p. 30), concordamos que essa
entidade social performatizada “não pode ser tomada como algo ‘dado’, mas
sim que se constitui na relação com o outro e que está em constante processo
de transformação”, ou seja, tratam-se de “categorias discursivas que buscam
nomear uma entidade social e conceitos complexos, frequentemente
contraditórios e necessariamente fragmentados e relacionais” (id. Ibid).
Os trabalhos que pensam a construção identitária nos sites de redes
sociais a partir de Goffman, portanto, apontam para dois elementos principais:
o gerenciamento de impressão16, ou seja, “a busca dos sujeitos por tentarem
controlar e administrar a impressão que os outros terão dele” (POLIVANOV,
2012, p. 52); e os múltiplos papeis exercidos, uma vez que os públicos
esperados variam de acordo com as plataformas, “entendendo o self como
uma construção múltipla e flexível, que joga com seus interesses para
presentificar de modos distintos (dentro do mesmo e) em variados lugares” (id.;
ibid., p. 52-53). Esses dois aspectos são quebrados em três para pensar o
processo de construção de uma “representação do eu” fundamentada nas
16 A ideia de que os indivíduos se empenham, negociando nas interações sociais com seus
pares, em construir (ou ao menos projetar) uma determinada impressão de si desejada
(usualmente tida pelo grupo social como favorável), e eles o fazem buscando seguir
comportamentos coerentes com essa impressão construída / desejada (POLIVANOV, 2012,
p. 73)
52
interações sociais dos ambientes online conforme apontado na descrição a
seguir de Polivanov (2012, p. 74):
As autoras defendem que esses três conceitos – gerenciamento da
impressão, autoapresentação e performance (ou desempenho) da
amizade – nos sites de redes sociais estão intrinsecamente
relacionados uns aos outros, uma vez que os “amigos” (rede de
contatos) acabam exercendo o papel de “público imaginado” que
“guia as normas de comportamento” (BOYD E HEER, 2006), os
modos como os atores sociais vão tentar manipular a impressão que
os outros têm dele e, portanto, como ele deseja se autoapresentar
para a sua rede.
Através da pesquisa com indivíduos da cena de música eletrônica do
Rio de Janeiro e São Paulo, Polivanov (2012), enfim, no que tange à
construção dos perfis – e autoapresentação – dos usuários nos sites de redes
sociais, propõe três eixos para discussão: 1) sociabilidade e dinâmicas
comunicacionais; 2) estratégias de publicização e ocultamento; e 3) persona
no Facebook. Simplificando, o primeiro “diz respeito a como os atores se
relacionam e sociabilizam com suas redes de contato no site e quais são as
dinâmicas comunicacionais que se configuram nessas relações”; o segundo
“busca [...] entender quais são as estratégias de publicização e ocultamento
de conteúdos no site, ou seja, que tipos de materiais são deixados à mostra
por eles e que tipos de materiais são ocultados ou parcialmente mostrados?”;
e o terceiro discute a elaboração e administração de “uma (ou mais)
persona(s), que frequentemente está(ão) vinculada(s) a uma construção
imaginada e socialmente desejada de si” (id., ibid., pp. 182-184).
O foco deste trabalho está na análise e discussão principalmente dos
elementos levantados no segundo eixo, sobretudo em relação às páginas e às
estratégias de publicização que, como defendemos, são os marcadores
identitários fundamentais para o que se compreende enquanto identidade
nordestina. Isso não quer dizer, no entanto, que haja uma separação estanque
entre esses três eixos, mas tal distinção foi uma escolha didática da autora
para dar conta de algumas discussões específicas relacionadas às
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA PEDRO RENATO CARDOSO MEIRELLES O QUE FAZ SER NORDESTINO NO FACEBOOK: Escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais Niterói 2017
  • 2. 1 PEDRO RENATO CARDOSO MEIRELLES O QUE FAZ SER NORDESTINO NO FACEBOOK: Escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais Orientador Acadêmico Prof. Dr. Marildo Nercolini Niterói 2017/2 Trabalho de conclusão de curso apresentado em 19 de dezembro de 2017, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense.
  • 3. 2
  • 4. 3 PEDRO RENATO CARDOSO MEIRELLES O QUE FAZ SER NORDESTINO NO FACEBOOK: Escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais Trabalho de conclusão de curso apresentado em 19 de dezembro de 2017, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense. Trabalho aprovado em _____ de __________ de _____. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Marildo Nercolini (Orientador Acadêmico) Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Ana Lúcia Enne (Avaliador) Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Beatriz Polivanov (Avaliador) Universidade Federal Fluminense
  • 5. 4 Dedico este trabalho a minha mãe, a baiana mais retada e ao mesmo tempo doce que eu conheço. O melhor que há em mim foi ela quem me deu.
  • 6. 5 AGRADECIMENTOS A minha mãe, Claudia de Souza Cardoso Meirelles, por ser o meu porto-seguro durante toda essa caminhada, por ter me ensinado tudo de bom que eu sei, e por ter me preparado para viver neste mundão cheio de problemas. A meu pai, Renato José Abreu Meirelles, por ser sempre o meu maior fã, apoiando todas as minhas empreitadas e mostrando-se presente sempre quando necessário. Vocês dois são o motivo pelo qual não deixo de acreditar em mim. Obrigado por estarem sempre ao meu lado e por nunca terem deixado faltar nada na minha vida. A toda minha família, minha madrinha Alessandra, minhas tias Goreti e Ana Marta, meu tio Júnior, minha avó Romilda e meu irmão João Paulo, por me nutrirem desde criança de lares repletos de amor e afeto. A meu afilhado, meu primo, minhas primas, meu falecido avô José Carlos Meirelles, um dos homens que mais admiro, sinto falta, e me arrependo de não ter a oportunidade de ter conversado mais. A todos os meus familiares que, de alguma forma, fizeram- se presente na minha formação como pessoa. A meus amigos, Carol, Yune e Thomas, a melhor família carioca que eu pude ter a oportunidade de fazer parte; Anna Carolina, por sempre torcer e acreditar em mim; a todos os (poucos) amigos que fiz no Rio; a meus amigos de Aracaju, principalmente Lara e Lorena; e, com a maior ênfase possível, a meu parceiro e melhor amigo que encontrei nos últimos anos, Huri Paz. Obrigado por segurar a minha mão enquanto eu tento evoluir. Ao mestre Tarcízio Silva, por ter me dado a oportunidade de crescer ao seu lado, ensinando-me muito do pouco que sei hoje sobre pesquisa e(m) mídias sociais. E àqueles que colegas que me ajudaram nessa jornada, Roberta, Tiago, Débora, Camila, Max e Jaque. Ao curso de Estudos de Mídia, por ter mudado completamente quem um dia eu já fui. A meu querido orientador, Marildo Nercolini, por todo o apoio e companheirismo durante todos estes anos; à professora Ana Enne, por ser também uma das principais responsáveis pelas mudanças drásticas de quem um dia eu já fui; e todos as professoras e professores que fizeram parte desse processo, principalmente profª. Beatriz Polivanov, profº. Antônio Júnior, profº. Kléber Mendonça e profª. Júlia Silveira. E, finalmente, a todos aqueles que ajudaram efetivamente na produção deste trabalho: Anna Mello, Lumárya Souza, Simone Bispo, Fernanda Alves e Lucas Amado – e todos os demais que tentaram de alguma forma, obrigado pela ajuda na procura por pessoas aptas a responderem os questionamentos desta pesquisa – estes também que merecem agradecimento.
  • 7. 6 RESUMO MEIRELLES, Pedro. O que faz ser nordestino no Facebook: escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2017. (Monografia de Graduação.) A identidade nordestina, como qualquer categoria identitária da modernidade, foi construída a partir de um contexto social e histórico desenvolvido para se encaixar na narrativa da nação durante o século XX. A partir de um levantamento bibliográfico dessa construção, este trabalho busca investigar, no contexto da identidade na pós-modernidade, quais são os motivos para que indivíduos acionem proativamente essa faceta identitária no complexo ambiente de sociabilidade digital do mundo contemporâneo. Através da análise de redes sociais, foram encontrados atores influentes na construção desse movimento em torno da identidade nordestina no Facebook e, desta forma, foi possível selecionar aqueles perfis que se enquadravam no recorte da pesquisa. Analisando as respostas dos informantes, foi possível perceber que essa identidade parte de uma alteridade cultural entre a tradição e o orgulho/preconceito. . Palavras-chaves: Nordeste. Identidade nordestina. Sites de redes sociais. Autoapresentação.
  • 8. 7 ABSTRACT MEIRELLES, Pedro. O que faz ser nordestino no Facebook: escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2017. (Monografia de Graduação.) The northeast brazilian identity, as any other category of identity in modernity, was built from a social and historical contexto developed to fit the narratives of the nation throughout the 20th century. Relying on a literature review of this construction, this paper aims to investigate, on the contexto of identity in post- modernity, what are the motives so that individuals activate proactively this identity presentation on the complex environment of the digital sociability for the contemporary world. With social network analysis, we are able to find influential players for the construction of this movement around the northeast brazilian identity on Facebook and, from that, we were able to select profiles that fit our research corpus. By analysing the answers from our repondents, we found out that this identity comes from a cultural alterity between tradition e pride/prejudice. Keywords: Northeast. Northeast Brazilian Identity. Social networking sites. Self- presentation.
  • 9. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Exemplo da aba “Páginas curtidas por esta página”. 61 Figura 2 – Grafo da rede gerada com o Gephi a partir de páginas relacionadas ao Nordeste ou aos termos “nordestino” e “nordestina”......................................... 62 Figura 3 – Fluxos migratórios: a distribuição da população de cada estado pelo país................................................ 76
  • 10. 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Lista de páginas “nordestinas” com maior influência 64
  • 11. 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas CSA Ciências Sociais Aplicadas IACS Instituto de Arte e Comunicação Social ISO International Standards Organization UFF SRSs Universidade Federal Fluminense Sites de redes sociais
  • 12. 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................... 12 1 – DA INVENÇÃO DO NORDESTE À CONSTRUÇÃO DO NORDESTINO ....................................................................... 17 1.1 – O surgimento do Nordeste .................................................... 18 1.2 – O surgimento do nordestino .................................................. 28 2 – A IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE .......................... 37 2.1 – Identidade nacional, identidade regional e as novas identidades ............................................................................ 38 2.2 – A identidade nos sites de redes sociais ................................ 47 3 – O SER NORDESTINO NOS SITES DE REDES SOCIAIS ... 57 3.1 – As páginas nordestinas no Facebook .................................... 58 3.1.1 – Análise de redes sociais ........................................................ 60 3.2. – O que é ser nordestino? ........................................................ 66 3.3 – Por que ser nordestino no Facebook? .................................. 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................. 81 REFERÊNCIAS ..................................................................... 85 APÊNDICE A – PESQUISA: A IDENTIDADE NORDESTINA NO FACEBOOK ........................................... 90
  • 13. 12 INTRODUÇÃO Com uma área de 1.554.291.744 km² e uma população de mais de 56 milhões de habitantes (IBGE, 2015)1, o Nordeste é a região brasileira com o maior número de estados, sendo nove no total: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Embora os números demonstrem o que deveria refletir uma variedade intensa entre e dentro de esses estados, o que se percebe no imaginário popular da sociedade brasileira é uma tentativa constante de “delimitação cultural regional” que não acontece em regiões menores (porém midiaticamente mais poderosas), como no Sudeste ou no Sul. Esse fenômeno, no entanto, não acontece apenas de fora para dentro, mas também de dentro para fora. De alguma forma, alagoanos, baianos, cearenses, maranhenses, paraibanos, piauienses, pernambucanos, potiguares e sergipanos tomaram para si uma identidade nordestina imaginada e criada na disputa midiática das culturas nacionais. Seja através das artes (literatura, cinema, música, etc.) ou através dos meios de comunicação de massa, essa identidade “fixa” de um “povo nordestino” se estabeleceu no imaginário popular brasileiro tanto para aqueles que fazem parte dela quanto para aqueles que veem de fora. O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõe de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nauseum, seja pelos 1 ESTIMATIVAS DA POPULAÇÃO RESIDENTE NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS COM DATA DE REFERÊNCIA EM 1º DE JULHO DE 2015: ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2015/estimativa_dou_2015_2015 0915.pdf
  • 14. 13 meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 307). Há dois âmbitos de discussão importantes nesse contexto que dialogam entre si: em primeiro lugar, a simples e óbvia constatação de que o Nordeste não é único, são vários2 “Nordestes” – nove estados de tamanhos e populações maiores do que muitos países europeus, por exemplo, apenas para propor uma noção quantitativa e representativa de tamanho; em segundo lugar, a construção da identidade nordestina através de símbolos unificantes, projetados para pasteurizar a identidade de várias populações diferentes entre si. É importante pensar nessas duas situações, mas separadamente, porque elas partem de pressupostos diferentes. Precisamos compreender como (ou por que), através de um trabalho exaustivo de representação, pessoas do próprio Nordeste – que supostamente compreendem sua pluralidade – tomaram para si essa identidade discursivamente institucionalizada de maneira quase que totalmente vertical. A identidade cultural, de maneira mais ampla, foi percebida durante muito tempo como algo unificado, uma essência interna do sujeito. Mais contemporaneamente, autores como Stuart Hall se dispuseram a romper com essa argumentação demonstrando que as identidades não são blocos únicos, mas plurais, complexas e relacionais. A identidade do sujeito pós-moderno, na sua concepção, tornou-se uma celebração móvel: “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 1992, p. 11-12). Segundo o autor, nossas identificações são continuamente deslocadas de tal maneira que não há como falar em uma unificação em torno de um “eu” coerente. Ele argumenta que 2 E, ao mesmo tempo, nenhum. Como argumentaremos no Capítulo 1, o Nordeste não “existe” – ao mesmo tempo em que existe na construção social da cultura brasileira.
  • 15. 14 Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda história sobre nós mesmos ou uma confortadora ‘narrativa do ‘eu’’ (ver Hall, 1990). A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com as quais poderíamos nos identificar a cada uma delas - ao menos temporariamente (HALL, 1992, p. 12). Essa linha de pensamento nos leva a questionar: frente a essa multiplicidade de atuações e sentidos, o que leva uma pessoa a acionar com mais frequência (ou com mais ênfase) uma face de sua complexa, contraditória e flexível identidade? Qual é o contexto sociocultural que faz alguém estampar de forma bem evidente (e expressiva) a sua identidade “nordestina”? A resposta mais óbvia talvez seja que esse fenômeno, na verdade, seria uma resposta discursiva a um tipo de imaginário social hegemônico que tem, historicamente através da mídia, colocado o “nordestino”, de modo pejorativo, sempre como “o outro”. Assim como acontece com outras instâncias não- dominantes, como mulheres, negros, homossexuais, etc., obviamente em diferentes proporções, a reafirmação da identidade se torna uma espécie de manifesto de resistência e de re-existência na sociedade. Na esfera midiática, onde essas disputas de sentido se intensificam, surgiram nas últimas décadas, a partir da consolidação da internet, novos atores responsáveis por tensionar os jogos de representação e as narrativas do circuito cultural. Para a etnógrafa Christine Hine (2016, p. 16), a internet se tornou um elemento incorporado, corporificado e cotidiano das nossas vidas – nesse sentido, não mais ficaríamos on-line, mas viveríamos on-line, incorporando a internet “em múltiplas estruturas de construção de significado”. Na contemporaneidade, portanto, o ambiente online poderia ser visto como um espaço ou lugar ideal: complexo, com relações múltiplas, lugar de encontros, redes de relações e empreendimentos sociais – um local de disputa por operadores e operantes de sentido.
  • 16. 15 O que se percebe, portanto, conforme argumentaremos no decorrer deste trabalho, é uma movimentação de indivíduos/usuários em torno de uma construção identitária que (re)configure as disputas simbólicas em torno do que se compreende enquanto nordestino. Nesse contexto, este trabalho busca compreender o que está por trás do fenômeno cultural, o qual tem levado milhões de pessoas do Nordeste a reforçarem com veemência a identidade que lhes foi atribuída e, em outra instância, também adotada por eles nos sites de redes sociais. Para tanto, além da discussão em torno da construção do Nordeste e da identidade nordestina, buscamos também referências que deem suporte à discussão da construção identitária na internet. A investigar esse cenário, o trabalho partiu de um ponto de referência em comum: páginas do Facebook que trazem a identidade nordestina – ou aspectos reconhecíveis dela – como fundamento da sua proposta no ambiente online, com uma consequente produção de conteúdo em torno da mesma. Utilizando a metodologia de análise de redes para mídias sociais (RECUERO et al., 2015; SILVA e STABILE, 2016), identificamos, nesse ecossistema de páginas descritas anteriormente, quais são os atores mais relevantes dentro dessa temática. Essa descoberta serviu como recorte metodológico para encontrarmos os usuários questionados que, já a partir do consumo midiático desses canais, incorporam na construção de seus perfis a pauta da identidade nordestina. Para embasar essa discussão, o primeiro capítulo traz um levantamento histórico de como surgiu “o Nordeste” e como surgiu “o nordestino”. Num primeiro momento, destacamos como a região Nordeste, no contexto institucional da República, aparece como pauta social, política e econômica – antes referenciado apenas como “Norte” atrasado, em contraponto ao “Sul” moderno. A partir desse contexto histórico, seguimos para evidenciar como a representação do Nordeste e do nordestino aparece na narrativa da cultura brasileira. Argumentamos que não há um momento exato no qual essas duas figuras surgem, mas um período histórico de algumas décadas na qual as
  • 17. 16 produções principalmente jornalísticas e literárias ajudam a criar ambos os personagens, já instigando várias disputas simbólicas e de relações de poder. No segundo capítulo, colocamos em pauta a questão da identidade. A partir de uma breve revisão bibliográfica acerca do tema, discutimos como este vem sendo abordado na perspectiva da modernidade. Trazemos reflexões de autores basilares no referente à identidade nacional, além de recorrer a Penna (1992) para pensar a identidade nordestina enquanto construção social, para enfim levantar as discussões que têm sido feitas sobre as novas identidades na pós-modernidade. Nesse contexto, apresentamos como a identidade tem sido abordada a partir da consolidação dos novos meios de comunicação digital, na internet e com foco nos sites de redes sociais – tendo como base o trabalho de Polivanov (2012). Por fim, no terceiro capítulo, entramos finalmente na pesquisa que motivou todo este trabalho, para refletir sobre as razões pelas quais os usuários do Facebook veem a necessidade de acionar a identidade nordestina no ambiente online – uma vez que este é, conforme argumentamos, apenas um fragmento de toda a sua construção identitária. Apresentamos, então a metodologia que nos guiou a encontrar os perfis apropriados ao recorte da pesquisa, fundado também por uma breve argumentação do que significa seguir essas páginas na plataforma. Com isso, trazemos enfim à discussão a pesquisa aplicada com os informantes, a partir de duas perguntas: o que é ser nordestino e por que ser nordestino no Facebook? Com toda a discussão teórica que embasa este trabalho e a pesquisa aplicada com os participantes, buscamos contribuir tanto para o debate acerca da identidade nordestina no contexto da cultura brasileira como um todo, quanto para as discussões mais específicas da construção identitária nos sites de redes sociais, além das movimentações e motivações que pautam as ações de contato e interação social nesses ambientes. Embora não sejam, de forma alguma, proposições definitivas, esperamos que possa servir como apontamentos iniciais para futuros debates sobre essas duas perspectivas.
  • 18. 17 1. DA INVENÇÃO DO NORDESTE À CONSTRUÇÃO DO NORDESTINO Embora possa por vezes parecer eterna ou natural aos brasileiros, a ideia de Nordeste é de pouco mais de um século, sua origem remontando à reação política ao desmantelamento das economias do açúcar e do algodão e à busca de uma solução para a crise enfrentada conjuntamente pelas províncias brasileiras que delas dependiam. É somente nesse momento que começa a ruir a percepção provincial então vigente e que se elabora um discurso regionalista e nordestino, o qual se define e se afirma não apenas em oposição ao seu “outro” mais próximo – o ‘Sul’ cafeeiro –, mas também em relação a um passado de suposto bem-estar e harmonia. É através desse discurso e das ações oficiais dele derivadas que se demarca o espaço do que é Nordeste e se conforma uma identidade cultural nordestina, a qual legitima e representa, simbolicamente, aquele espaço (ANJOS, 2000, pp. 47- 48). Logo no primeiro capítulo do livro “O que faz ser nordestino: identidade sociais, interesses e o ‘escândalo’ Erundina”, Maura Penna (1992) chama a atenção para um ponto essencial da sua análise e que também se encaixa às discussões a serem abordadas neste trabalho: ao trazer o Nordeste (e o nordestino) como pilar(es) teórico(s) dos debates que seguirão, admite-se que esses dois atores sociais interdependentes simplesmente existem. Ou seja, são dois signos que, nos sistemas de representação (HALL, 2016) da cultura brasileira, tornaram-se aptos à compreensão. No entanto, assim como todos os signos de representação legitimados enquanto linguagem inteligível para a comunicação de uma população com valores de sentidos compartilhados, eles dão conta de uma formação social, cultural e histórica, que é resultado de um processo contínuo de embates e negociações em torno da atribuição de significados ao que eles representam. Essa constatação, portanto, faz-se importante porque, para além de trazer
  • 19. 18 como consolidado o mapa conceitual (HALL, op. cit.) no qual nós, brasileiros, já conseguimos identificar significados semelhantes em torno desses dois representantes culturais, também levanta a questão de que se, atualmente, existem, não necessariamente foram assim “desde sempre”. Diversos autores, sob diferentes perspectivas, propostas e disciplinas, já se propuseram a desenvolver esse apanhado sócio-histórico-cultural da formação do Nordeste e do homem nordestino3; a perspectiva desenvolvida por Durval Muniz de Albuquerque Jr. (1999) é, contemporaneamente, uma das mais reconhecidas academicamente. Não é a intenção deste trabalho, portanto, trazer à tona toda a discussão em torno dessas construções de maneira exaustiva, todavia, pretende-se abordar os dois questionamentos que fundamentam os debates que posteriormente serão desenvolvidos – o que significa/representa o Nordeste e o que significa/representa o nordestino? – a partir de um breve levantamento majoritariamente histórico-político com a intenção de auxiliar na melhor compreensão das problemáticas e reflexões apontadas nos capítulos seguintes. 1.1. O surgimento do Nordeste Por mais que hoje o Nordeste exista para qualquer brasileiro que faça parte da comunidade imaginada4 em torno da concepção da nação brasileira, esse nem sempre foi o caso. A categoria “Nordeste” surge a partir de diversos embates políticos, sociais e econômicos ao final do século XIX e se consolida na primeira metade do século XX. Muito antes da imagem da região ser traçada em todas as suas peculiaridades principalmente por obras literárias e, posteriormente, pelos meios de comunicação de massa, a própria fundação 3 Além das obras já citadas, são outros exemplos de estudos e/ou trabalhos: Bernardes (1981), Penna (1992), Oliveira (1993), Araújo (2000), Anjos (2000), Vasconcelos (2006), Oliveira (2007), Bernardes (2007), Dantas (2012), dentre muitos outros. 4 No sentido desenvolvido por ANDERSON (1989, p.14), que define nação como sendo “uma comunidade política imaginada — e imaginada como implicitamente limitada e soberana”.
  • 20. 19 histórica do Estado brasileiro se entrelaça à criação do regionalismo que se instaurou gradativamente durante décadas. Falar em processo histórico da formação do Nordeste significa ter presente que a região não existiu desde sempre e as concepções sobre suas características, ou mesmo, sua delimitação geográfica sofreram mudanças ao longo do tempo. Isso significa, ainda, que a região não é a expressão direta de uma realidade geográfica, embora esta seja um importante determinante de sua existência. Em outras palavras, apesar de uma base geográfica relativamente imutável, durante um tempo bastante longo, não houve nenhuma percepção da existência de uma territorialidade denominada Região Nordeste. Isso não quer dizer que elementos de sua formação não tivessem já uma existência espacial, mas significa que não eram percebidos como parte de uma divisão institucional e geográfica denominada Nordeste (BERNARDES, 2007, p. 43). Em “Notas sobre a formação social do Nordeste”, o historiador Denis de Mendonça Bernardes (id., ibid.) desenvolve, de forma didática, uma cronologia do surgimento e da legitimação do Nordeste enquanto fato social da conjuntura política brasileira em cinco momentos históricos. Embora as descrições sejam extremamente pragmáticas (em função da própria disciplina em que o trabalho foi aplicado), a apresentação principalmente de documentos oficiais – e/ou institucionais – datados dos séculos passados ajudam a compreender como o regionalismo “político” foi se desenvolvendo para a formação da categoria Nordeste como conhecemos hoje. Além disso, por contrastar a história da região com a história do Estado, torna-se ainda mais fácil compreender os embates ocorridos. O primeiro momento sob o qual o autor se debruça é o período colonial, que, embora não tenha, diretamente, contribuído para o surgimento da região, foi relevante “para configurar [...] algo que podemos denominar de sentimento diferenciado de pertencimento e que, em determinados casos, envolvia pessoas de várias capitanias, recobrindo o que, bem mais tarde, viria a ser o Nordeste” (BERNARDES, op. cit.). É nesse período que começa a se formar uma elite com laços de parentescos ou interesses que ultrapassam as divisões institucionais das capitanias, desenvolvendo gradativamente uma identidade
  • 21. 20 em comum (id., ibid.). Em paralelo, o autor aponta também a formação de um território que tem como base “a implantação de estruturas administrativas, [...] voltada para a exportação de produtos primários” (id., ibid.). O segundo momento histórico que traz consigo fatores importantes para uma futura formação do Nordeste é o período da pós-Independência (1822), quando se criaram “condições inteiramente novas para a vida política, impossíveis de existir durante a vigência do Antigo Regime e do Antigo Sistema Colonial” (BERNARDES, 2007, p. 54). Sobre esse contexto sócio-político, o autor chama a atenção para dois aspectos fundamentais no que se refere à formação da região nordeste: a nova noção territorial do Estado, que dá início a uma distinção institucional de duas grandes regiões – o Norte (da Bahia ao Amazonas) e o Sul (de São Paulo até o Rio Grande do Sul); e as discussões sobre o processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, visto que a mão-de-obra de ambos cenários eram majoritariamente provenientes do Norte (id., ibid.). O terceiro momento na classificação de Bernardes, situado entre 1889 e 1930, pode ser considerado o mais significativo para invenção do Nordeste, já que é neste período que há uma movimentação para além dos interesses políticos e socioeconômicos da região, chegando também às demais frentes culturais que se tornam fundamentais para a consolidação da imagem do Nordeste e do “povo nordestino”. Na política, cujo poder institucionalizado exerce uma influência de extrema importância para a legitimação da categoria regional, a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), em 1909, marca o primeiro momento em que o Estado admite questões de caráter regionalista “exclusivos” dessa delimitação geográfica específica – Nordeste - , admitindo assim a existência nela de realidades distintas em relação ao Norte, mesmo que ainda não haja uma definição oficial dessa nova territorialidade (id., ibid.). Um dos mitos fundadores que marca a origem do Nordeste é a Guerra de Canudos (1896-1897), na qual o registro histórico de Euclides da Cunha na
  • 22. 21 obra “Os Sertões” (1902) teve um papel essencial na legitimação de um discurso que, mesmo reconfigurado, mantém-se até os dias de hoje no senso comum: o Norte como representante do atraso econômico, social e político do Brasil e o Sul como referência e ideal modernizador do lema positivista. No centro dessa percepção, estava a questão da seca, outro tema recorrente na construção discursiva da categoria Nordeste. A seca de 1877 já havia sido responsável por jogar uma luz na problemática de caráter regionalista do espaço geográfico, mas outra grande seca entre 1915 e 1919 trouxe, com força, as discussões sobre o auxílio federal para a esfera política. Bernardes (2007) destaca, nesse contexto, o discurso O secular problema do Nordeste, proferido no dia 15 de outubro de 1917 pelo deputado Ildefonso Albano no Congresso Nacional. Sr. Presidente, quem, porventura, com olhar pesquizador e animo imparcial lançar as vistas para as condições dos vários Estados da União Brazileira, notará sem grande difficuldade que alguns marcham desassombradamente na larga senda do progresso, no meio da fartura e prosperidade de seus habitantes, em busca das mais nobres conquistas da humanidade, emquanto outros, retardatários do progresso, jazem em uma apathia desesperadora, se debatendo na miséria e no atraso, com todas as suas fontes de riqueza estioladas, em franca decomposição económica. Nestes estão comprehendidos os Estados do nordeste brasileiro, sujeitos ao flagello da secca, que periodicamente os assola, matando, deslocando suas populações, dizimando seus rebanhos, anniquilando sua lavoura e commercio e embaraçando sua evolução5. Na passagem talvez mais emblemática do texto (destacado no documento oficial da União), o deputado reforça o binarismo entre Norte e Sul: "Não é possível que esse problema economico-social, o mais grave e mais relevante do Brasil, continue preterido por tantos outros de somenos importância”, estes “considerados problemas de máxima urgência para a vida da Nação, unicamente pelo valor que lhes emprestam saus advogados 5 O discurso completo tornou-se registro de arquivo nacional, reunindo, além do texto na íntegra, as principais reações críticas da imprensa brasileira e cartas que o inspiraram. Está disponível em: https://archive.org/details/osecularproblema1918ilde
  • 23. 22 influentes e poderosos”. O caráter e tom adotado por Albano, principalmente ao se referir ao estado do Ceará, estado pelo qual era deputado na época, vai ao encontro do que Ribeiro (2014, pp. 5-4) chama a atenção a partir de Chauí, ao se referir como os políticos utilizam a ideologia da identidade regional: “ao exporem ao povo como motivo de sua carreira política a defesa dos valores do Brasil ou de sua região, alcançam a simpatia de muitos, que se sentem identificados”, ao mesmo tempo em que “deslocam a discussão da consciência de classe para a consciência nacional ou regional”. Em resposta ao intenso apelo que tomou conta da esfera pública institucional brasileira a partir da seca de 1915, intensificou-se também na classe política uma disputa antagônica que sugeria duas soluções distintas para o “problema do Nordeste”: de um lado, aqueles que suplicavam pela ajuda federal com a disposição de orçamento para obras e políticas públicas que viessem a ajudar amenizar os efeitos da seca; e, de outro lado, aqueles que defendiam, principalmente em congressos acadêmicos, que a solução da questão regional estava no processo migratório: “a transferência de milhões de nordestinos para o Sul/Sudeste, onde encontrariam trabalho seguro e, naturalmente, seriam integrados ao complexo produtivo da grande lavoura cafeeira” (BERNARDES, 2007, p. 63). A eleição do paraibano Epitácio da Silva Pessoa para a presidência da República (1918-1922) também intensifica esse embate, já que “deu início ao mais vasto programa governamental de intervenção na região” (id., ibid.). O importante a se destacar desse período histórico, portanto, é a consolidação de discursos antagônicos pautados em interesses políticos tanto do Norte quanto do Sul. Tendo a seca como protagonista de ambas argumentações, inicia-se um longo e intenso debate que age como critério diferenciador do “atrasado Norte” e do “moderno Sul”. A questão agrária, também trazida por Bernardes (op. cit.), colabora para o desenvolvimento de uma dinâmica econômica diferenciada, com o cangaceirismo, coronelismo e a manifestação
  • 24. 23 de uma religiosidade popular de base se tornando peculiaridades específicas para a diferenciação entre Norte e Nordeste. O discurso regionalista surge na segunda metade do século XIX, à medida que se dava a construção da nação e que a centralização política do Império ia conseguindo se impor sobre a dispersão anterior. Quando a idéia de pátria se impõe, há uma enorme reação que parte de diferentes pontos do país. Esse regionalismo se caracterizava, no entanto, pelo seu apego a questões provincianas ou locais, já trazendo a semente do separatismo (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 47). O resultado de todo esse processo que envolveu questões sociais, políticas, econômicas e “naturais” foi registrado – literalmente – no quarto momento histórico da fundação do Nordeste, situado entre 1930 e 1945. É a partir da década de 30 "que o Estado nacional afirma uma ação sobre o território, a qual se manifesta por uma nova territorialidade, a da sua regionalização" (id., ibid.). A questão do combate às calamidades públicas, entre elas a seca, enfim, torna-se uma obrigação da União, com uma verba específica legitimada pela Constituição de 19346. Ainda no âmbito institucional, o Estado também cria novas instâncias administrativas pautadas no recorte regional (BERNARDES, 2007): Conselho Nacional do Café e Instituto do Cacau da Bahia (1931); Departamento Nacional do Café e Instituto do Açúcar e do Álcool (1933); Instituto Nacional do Sal (1940); Instituto Nacional do Pinho (1941); Instituto Nacional do Mate (1938). Por mais que nesse momento histórico a imagem do Nordeste já esteja relativamente consolidada no imaginário popular (conforme discutiremos a seguir), as criações desses órgãos públicos foram importantes para institucionalizar o espaço e fornecer à região um foro de verdade (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999). Ao partir de instâncias políticas e de conflitos, Silva (2009) explica que “as regiões podem ser pensadas como a 6 Ver íntegra da Constituição de 34 em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1930- 1939/constituicao-1934-16-julho-1934-365196-publicacaooriginal-1-pl.html
  • 25. 24 emergência de diferenças internas à nação, no tocante ao exercício do poder, como resultantes de recortes espaciais que surgem dos enfrentamentos entre os diferentes grupos sociais, no interior da nação”. A “institucionalização” do Nordeste, portanto, permite que este ator se coloque, de maneira legítima – ainda que num plano simbólico (PENNA, 1992) –, no jogo de disputas da política do território nacional. Nas palavras de Albuquerque Jr. (1999, p. 49), “o discurso regionalista não mascara a verdade da região, ele a institui”. A região remete a uma visão estratégica do espaço, ao seu esquadrinhamento, ao seu recorte e à sua análise, que produz saber. Ela é uma noção que nos envia a um espaço sob domínio, comandado. Ela remete, em última instância, a regio (rei). Ela nos põe diante de uma política de saber, de um recorte espacial das relações de poder. (ALBUQUERQUE JÚNIOR ,1999, p. 25). O conceito de região, para além do seu caráter etimológico, também aciona algumas questões interessantes para pensar o Nordeste enquanto categoria cultural. Bourdieu (1989) associa à ideia de região uma metáfora para qualquer delimitação espacial que envolva identidade, uma vez que ambas partem da ação de definir, ou seja, criar categorias e classificações simbólicas. Segundo o autor, a mesma regionalização que fazemos para o espaço físico também acontece no nosso sistema de interpretação das identidades – ou seja, o mesmo processo operacional que me permite dividir um espaço físico em regiões também permite dividir um espaço social em grupos. Nesse contexto, “a fronteira, esse produto de um acto jurídico de delimitação, produz a diferença cultural do mesmo modo que é produto desta” (BOURDIEU, 1989, p. 115). Aliada a essa “oficialização” do Nordeste enquanto região delimitada do território nacional, fruto de um processo histórico com diversos embates políticos/econômicos/discursivos, é nesse período – a partir de 1930 – que se consolida também um importante movimento literário de caráter regionalista para legitimar, no âmbito da cultura, a figura do Nordeste no imaginário popular. Uma das principais figuras responsáveis por essa mobilização,
  • 26. 25 Gilberto Freyre já agia por essa “causa” na década de 20, com a organização d’O livro do Nordeste em 1925 e do Primeiro Congresso Regionalista do Nordeste, em 1926. No entanto, são as obras Casa Grande & Senzala (1933) e Nordeste (1937) que realmente aparecem com destaque na produção bibliográfica do autor. É nesse período que romancistas como Graciliano Ramos7 (Vidas Secas, 1939), Rachel de Queiroz (O Quinze, 1930), José Américo de Almeida (A bagaceira, 1928), José Lins do Rego (Menino de Engenho, 1932) dão importante contribuição na construção imagética do já legitimado Nordeste. À responsabilidade social das obras artísticas – e literárias – de uma sociedade, Albuquerque Jr. diz que estas “[...] têm ressonância em todo o social. Elas são máquinas de produção de sentido e de significados. Elas funcionam proliferando o real [...]. São produtoras de uma dada sensibilidade e instauradoras de uma dada forma de ver e dizer a realidade” (ALBUQUERQUE JÚNIOR apud RIBEIRO, 2014, p. 4). É principalmente neste momento que se inicia a construção de uma imagem do “nordestino”, a ser melhor explorado no próximo item. Destaca-se também a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 1959, que, segundo Silva (2009, p. 27), “tinha como objetivo principal corrigir as desigualdades espaciais que se ampliavam pelo território nacional, à medida que avançava o processo de constituição do mercado interno, em decorrência da industrialização do país”. Para Bernardes (2007, p. 72), a importância de sua realização “é que ela ultrapassava os limites de uma decisão política e administrativa”, tornando-se símbolo concreto de “um longo processo histórico da ação do Estado na região, [...] aliando um refinado diagnóstico da situação a exequíveis propostas de intervenção” (id., ibid.) a fim de mudar a realidade do Nordeste – e, principalmente, “fazer do 7 Ribeiro (2014) analisa como o trabalho de Graciliano Ramos, assim como o de Gilberto Freyre, teve importante impacto na formação da região. Chama a atenção para a o papel de Ramos no governo nacionalista de Getúlio Vargas, a partir principalmente da revista Cultura política (1941-1944).
  • 27. 26 Brasil uma nação social e economicamente mais integrada, menos desigual e mais justa” (id., ibid.). Se a atuação da Sudene foi ou não bem-sucedida, não cabe a este trabalho avaliar – nesse sentido, Silva (2009) é bastante crítico: “No decorrer de 42 anos, [...] sua principal função, [...] dirimir os problemas trazidos pelas secas e apoiar o desenvolvimento do Nordeste, nunca chegou ser concretizada plenamente" – entretanto, para além da importância apontada anteriormente sobre o que simbolizava (para o Nordeste e para o Brasil), sua criação levanta novamente a discussão sobre "o que é", territorialmente, o Nordeste: “mais uma vez a demarcação do Nordeste é alterada e o Maranhão volta a ser incluído na região” (id., ibid.). Esse debate retoma o argumento de Albuquerque Jr. (1999) e Bourdieu (1989) sobre Estado, relações de poder e delimitações. O quinto e último momento histórico pontuado por Denis de Mendonça Bernardes, portanto, diz respeito ao período de tensão pré-golpe militar de 1964. Embora, neste momento, o Nordeste já “existisse” há algumas décadas, o historiador chama a atenção para o protagonismo que a região toma nesse período de crise da nação. Nas palavras do autor: Como em outros momentos da história brasileira, agora, porém, com uma amplitude que ultrapassava as fronteiras nacionais, parecia que no Nordeste estava em jogo o futuro da nação. Para uns, pela via revolucionária ou de um reformismo radical, que, finalmente, significaria a libertação nacional e o fim da miséria para milhões de brasileiros. Para outros, no entanto, este era o perigo que se deveria evitar a todo o custo, pois significaria o alinhamento do Brasil ao mundo socialista e a sua submissão à influência e aos interesses do bloco político e econômico liderado pela União Soviética, a destruição da propriedade privada e o fim do capitalismo (BERNARDES, 2007, pp. 71-72). Essa disputa político-ideológica é relevante também para escancarar “que, em todo este largo período, a questão regional foi percebida, formulada e enfrentada, sobretudo, em função dos interesses da elite” (id., ibid.). Uma vez que esses grupos elitistas dos estados do Nordeste se sentem
  • 28. 27 ameaçados, trazem à tona o fantasma do comunismo para terem embasamento no apoio à ditadura e se articulam para destruir experiências de governos de esquerda e de organizações populares. Nesse contexto, as figuras de Miguel Arraes e Francisco Julião são emblemáticas: o primeiro foi eleito governador de Pernambuco em 1962 pelo Partido Social Trabalhista (PST), quando derrotou o candidato das oligarquias canavieiras e instaurou um governo de esquerda, a favor dos trabalhadores (rurais); e o segundo fomentou a criação das ligas camponesas, inicialmente em Pernambuco e que, posteriormente, se espalham por todo o Nordeste. A repressão à mão de obra rural foi brutal, como traz Bernardes (2007, p. 75) em citação de Ianni (2005, p. 40-41): “As vítimas escolhidas foram trabalhadores rurais, membros de ligas camponesas e sindicatos rurais, dirigentes dessas organizações”. Embora o maior peso da repressão, direta e brutal, tenha sido descarregado sobre os trabalhadores, “também foram atingidos pela repressão os políticos, membros de grupos e partidos políticos que lutavam em defesa dos interesses desses trabalhadores rurais”. Arraes, portanto, que havia decretado que usineiros e donos de engenho da Zona da Mata de Pernambuco estendessem o pagamento do salário mínimo aos trabalhadores e apoiou sindicatos e às próprias ligas camponesas, foi perseguido preso e exilado – assim como Julião. Todo esse relativamente breve levantamento histórico da construção principalmente institucional do Nordeste na história política do Brasil não deve ser interpretado como processo de legitimação “real” da região durante o tempo, o que fecharia coercitivamente as discussões das práticas constitutivas culturais onipresentes em todos os períodos mencionados. Serve, entretanto, como uma narrativa descritiva que colabora para que tenhamos em mente a construção gradativa da categoria Nordeste nos últimos séculos. Além disso, reforça também o caráter constitutivo da região, fruto de diversos embates que atravessaram diferentes âmbitos da conjuntura nacional a partir de interesses específicos de cada época.
  • 29. 28 1.2. O surgimento do nordestino Uma vez localizado na história do Brasil o “nascimento” do Nordeste, é possível seguir na busca pelo “nascimento” do nordestino. Assim como o surgimento do próprio Nordeste, o surgimento do nordestino – enquanto figura simbólica constitutiva de uma cultura nacional – também foi fruto de diversas disputas discursivas e históricas durante décadas dos séculos passados. Entretanto, enquanto os primeiros indícios do nascimento do Nordeste podem ser observados já no século XIX, é razoável associar as primeiras impressões do nascimento do nordestino ao século XX, principalmente a partir da década de 1920. É este período destacado por Albuquerque Jr. (1999) como fundamental para a construção da ideia de Nordeste e dos nordestinos, encabeçado pelo Movimento Regionalista e Tradicionalista (1926) de Gilberto Freyre. O autor foi responsável pela organização d'O livro do Nordeste, em 1925, para a comemoração dos cem anos do Diário de Pernambuco e, um ano depois, em 1926, articulou o Primeiro Congresso Regionalista do Nordeste, que buscava “organizar uma literatura comprometida com a problemática nordestina: a seca, as instituições arcaicas, a corrupção, o coronelismo, o latifúndio, a exploração de mão-de-obra, o misticismo fanatizante e os contrastes sociais” (SILVA, 2009). E é ao lado de Freyre que outros escritores como José Lins do Rêgo, Raquel de Queiroz e José Américo de Almeida compõem o chamado "Romance de 30", que apresenta obras pautadas num imaginário específico sobre a região, que "pensou o Nordeste a partir de uma rejeição ao mundo moderno que se implantava, de uma repulsa à sociedade burguesa, urbana e industrial" (id., ibid.). Freyre delineia um Nordeste que, ultrapassando os limites territoriais político- administrativos, ganha unidade enquanto uma sociedade patriarcal e agrária, caracterizada por elementos idealizados (com
  • 30. 29 saudosismo) da economia açucareira em seus tempos áureos. Essa imagem do Nordeste faustoso e de passado rico e glorioso, fruto da saudade de intelectuais filhos destas elites rurais em processo de declínio, conviverá com a formulação de uma outra imagem, uma outra história do Nordeste, contada a partir da história do sertão das secas, da pecuária, do algodão, dos coronéis, dos jagunços, dos cangaceiros e dos profetas (SILVA, 2009, p. 25). É também Freyre um dos pioneiros responsáveis por associar o Nordeste – e, consequentemente, a cultura nordestina como um todo – à ideia de raiz, berço, tradição: o livro de 1925 defende a região como embrião da nacionalidade brasileira, em contraponto à tentativa de europeização do Brasil sustentada pelo modernismo. Sob o mesmo tom romântico, José Lins do Rêgo atribuiu ao Nordeste - também nessa linha tradicionalista - a ideia de saudade. Suas obras, em sua maioria, trazem meninos como personagens principais, têm alto teor autobiográfico, uma vez que, crescendo no universo da sociedade açucareira, baseou seu trabalho em relatos da sua infância. Também construiu as narrativas sob uma dualidade entre a velha sociedade açucareira (romântica) e a nova civilização moderna (progressista), quase sempre em tom de lamentação. Na obra de José Lins, a cidade surge como o lugar do desenraizamento; lugar a partir do qual projeta o espaço nostálgico do engenho; lugar em que a miséria era maior e as injustiças mais gritantes que no engenho; em que os códigos morais tradicionais ruíam. Lugar traiçoeiro onde a lei e a disciplina vigiavam e puniam aqueles homens acostumados com os códigos lábeis e informais da sociedade patriarcal. Faltava ao pobre, na cidade, alguém que velasse por ele, que o orientasse, que o controlasse de forma paternal. A cidade era o lugar do conflito, do acirramento das contradições entre patrões e empregados, protótipo das relações capitalistas que se implantavam. José Lins atribui a este despreparo das novas gerações uma boa parcela da responsabilidade pela decadência da sociedade açucareira (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 135). Já José Américo de Almeida, autor da obra A Bagaceira, de 1928, corroborou para, através da sua narrativa localizada no sertão, reforçar a ideia do Nordeste - e do povo nordestino - como um lugar e uma população
  • 31. 30 miserável. O livro é “praticamente a obra que inaugura a tradição literária do romance social nordestino, que estabelece a denúncia da miséria como regional e espacial, muitas vezes escondendo as responsabilidades dos homens de poder” (SILVA, 2009, p. 45). Nesse contexto, entretanto, é Raquel de Queiroz a escritora com maior popularidade quanto à temática da seca. Em O Quinze, esta é a grande personagem principal que surge como resposta à decadência das sociedades tradicionais nordestinas (Silva, 2009), reforçando tanto a perspectiva de miséria atribuída à região quanto o sentimento nostálgico. A autora também ajuda a criar a imagem do homem nordestino idealizada pelo mito do sertanejo (Albuquerque Jr., 1999). Esse personagem é posto frente às principais mudanças da sociedade naquele momento, com uma narrativa que reage à expansão do capitalismo (e suas mudanças subsequentes, como avanços tecnológicos, desenvolvimento urbano, etc.) de forma crítica, denunciando essas transformações em detrimento de um argumento por uma sociedade pura, comunitária e paternalista. Para além desse discurso socialista, que colocava a região "como um território antiburguês e com potencial de uma transformação social, como reação às injustiças e misérias que ocorrem no país" (SILVA, 2009, p. 46), a figura do nordestino também era destaque na narrativa: O Quinze, romance antológico de Rachel de Queiroz, contém uma representação imaginária desse homem telúrico nordestino que pode ser dividida no que a autora chamou de “paisagem externa” (natureza) e “paisagem interna” (o homem). A representação da natureza, para ela, é tipicamente pré-moderna: envolve uma relação de encantamento mágico, idílico, apaixonado. Não se observa aquela fratura entre o homem e o seu meio. Característica produzida pela modernidade (ZAIDAN FILHO, 2003, p. 20).
  • 32. 31 Todos esses autores e suas obras, além de artistas plásticos como Cícero Dias e Lula Cardoso Ayres8, foram fundamentais para construir a imagem do nordestino como compreendemos até os dias de hoje: este, a começar pela composição da palavra, é homem; é “cabra-macho, sim, sinhô” (responde a uma autoridade, é submisso); é batalhador, o que significa dizer que a vida não lhe foi nem nunca é fácil, portanto, teve e tem que superar diversos obstáculos enquanto nordestino; é humilde, afinal, vem de uma realidade miserável, tanto na natureza que sua terra tem a lhe oferecer quanto ao desenvolvimento econômico da sua região; sem desenvolvimento e menosprezado pela pátria que lhe precede, o nordestino é iletrado, um homem da roça, do campo, do trabalho; que, com tantas adversidades, tornou-se “arretado”, embora alguns argumentem que ele ficou, na verdade, “retado” com essa situação. Essas são apenas algumas das características impingidas, atribuídas ao nordestino que, assim como o próprio Nordeste em si, não surgiu do nada – foram décadas e mais décadas na construção de uma narrativa que buscava dar contar da história desse personagem social que faz parte da “cultura brasileira” (VASCONCELOS, 2006). Nesse jogo complexo de cultura e identidade(s), algumas estratégias são acionadas narrativamente para fixar os sentidos no que compreendemos hoje, enquanto brasileiros, como “nordestino”. O primeiro passo, portanto, é compreender como essa identidade foi construída em consonância com todo o processo histórico e político que também fundou, como descrito na seção anterior, na virada do século XIX para o século XX, o próprio Nordeste enquanto região “oficial” da nação. Além do jogo político-institucional e os artistas mencionados anteriormente, há outro ator também muito “relevante” e que se tornou um dos maiores símbolos do Nordeste e do nordestino na última década: Luiz 8 Para melhor compreensão da influência da representação do Nordeste sob a ótica dos artistas plásticos, conferir o capítulo II, Espaços da Saudade, do livro A invenção do Nordeste e outras artes, do historiador Durval Muniz de Albuquerque (1999).
  • 33. 32 Gonzaga. No Estado Novo, com a crise de 29, o governo federal favoreceu a economia do Sul em detrimento das demais regiões, o que causou o início da grande massa imigrante de retirantes que deixavam suas vidas nos estados e cidades do Nordeste para buscar novas oportunidades no Brasil de baixo (ANJOS, 2000). É nesse contexto que começa a tomar forma a figura de Luiz Gonzaga, com seu intenso saudosismo (FERREIRA et al., 2010). Sucesso no Rio de Janeiro, torna-se um dos primeiros “mitos fundadores” da narrativa sobre o Nordeste para todo o Brasil9: Tomando o sertão como espaço-temático e estando afastado dele, a saudade se tornou, quase que inevitavelmente, assunto recorrente nas músicas de Gonzaga. Saudade que se expande do lugar, da terra, do roçado, até a família, aos amores, aos animais de estimação. Um Nordeste sertão mítico, local para onde sempre se pretende voltar, pois tudo parece (ou se deseja) estar mantido como antes. Um espaço sem história, livre da modernidade e inimigo das mudanças, mas – preferencialmente – preso ao tempo cíclico da natureza, em sua alternância de secas e períodos chuvosos. A obra de Luiz Gonzaga reforçou a idéia de um Nordeste como local à parte do país, fortaleceu a percepção da região como uma homogeneidade sempre imaginada em oposição às outras (principalmente o Sudeste) (SILVA, 2009, p. 50). É importante reforçar que são três pilares que fundamentam esse fenômeno nordestino: 1) o êxodo de homens mais pobres e de áreas rurais em direção ao Sudeste em busca de melhor qualidade de vida num mercado de trabalho de uma região mais rica; 2) o desenvolvimento e a melhoria dos meios de transporte e de comunicação, como jornais de circulação nacional e a legitimação da rádio como principal veículo de comunicação de massa; e 3) a propaganda política do governo federal por uma integração nacional-popular. Albuquerque Jr. (1999, p. 152) explica que o rádio "será pensado como o veículo capaz de produzir não só esta integração nacional, com o encurtamento das distâncias e diferenças entre suas regiões, mas também como capaz de produzir e divulgar esta cultura nacional". 9 Sobre Luiz Gonzaga e a relação com identidade nordestina, ver: BARROS (2009); CALLADO (2013); ROCHA (2013); OLIVEIRA DE LIMA, ATANÁSIO DA HORA (2010).
  • 34. 33 Ainda assim, mesmo com essa busca ideal por um projeto de integração nacional por parte do governo federal, a ascensão e o êxito de Luiz Gonzaga não significou o sucesso dessa empreitada. Ao ter que buscar parceria com programas de rádios do Rio de Janeiro e São Paulo que possuíam maior difusão em território nacional, Gonzaga acabou tendo seu baião taxado como "música regional", nunca sendo completamente associado ao que se compreende como MPB. Sobre esse preconceito musical, Ferretti (1988, p. 54) aponta que: “além de sua origem popular, o baião saíra do meio rural de uma região marginalizada”, portanto, independente “de sua estilização e urbanização, não deixou de ser nordestino, como também acentua sua temática e a linguagem pela qual se expressa”. Mais uma vez, na história do Brasil, o Nordeste é visto como “o outro”. Com a popularização dos meios de comunicação de massa, além do rádio, a chegada e popularização da televisão, desenvolvem-se outras histórias sobre o Nordeste. Neste momento, vários dos atributos já estão designados à região e à sua população. A importância aqui, portanto, está na repetição das narrativas. Elas servem (e serviram) para fixar esses valores associados à identidade nordestina. Daí em diante, todas as histórias da região estão atreladas a um saudosismo de outrora. Até mesmo quando o Brasil conhece outra “face” do Nordeste, com a ascensão dos músicos baianos na década de 60 (com o Tropicalismo) e depois na década de 90 (na axé music), os valores identitários destes não são diretamente relacionados com o que o imaginário social já instituiu do Nordeste (SANTOS, 2012a). A identidade nordestina, enquanto construção coesa que compartilha dos mesmos valores pautados pela experiência regionalista do território que a abriga, é criada principalmente através dos discursos que tinham como propósito “narrar” a realidade daquele contexto social, político, econômico e regional. O intuito dessa retomada histórica, portanto, é ratificar a relevância das narrativas que começaram a ser formuladas no campo jornalístico, político, literário e artístico, acerca da região. Se as obras literárias de Gilberto Freyre
  • 35. 34 e Rachel de Queiroz foram fundamentais ou não para reforçar uma linha argumentativa que buscasse investimento federal na região, como argumenta Silveira (1984), o que favorece a construção de uma identidade do Nordeste e do nordestino, não são necessariamente os motivos por trás do jogo político, mas o fato de essas narrativas simplesmente entrarem nesse jogo. Essa simples exploração histórica da representação do Nordeste e dos nordestinos no contexto brasileiro nos ajuda a pensar como sua identidade foi construída gradativamente. No entanto, para além dessa reflexão, precisamos discutir sobre o modo como essa identidade foi institucionalizada a ponto de diferentes populações de cidades e estados nordestinos aceitarem e tomarem para si esses aspectos e valores identitários. Aqui, a questão da representação volta à tona no que Tomaz Tadeu da Silva (2003) argumenta sobre as relações de poder que demarcam as diferenças e hierarquizam, a partir de quem tem o privilégio de definir os sistemas de classificação. Nas palavras de Anjos (2000, p. 48): É somente nesse momento que começa a ruir a percepção provincial então vigente e que se elabora um discurso regionalista e nordestino, o qual se define e se afirma não apenas em oposição ao seu "outro" mais próximo – o "Sul" cafeeiro –, mas também em relação a um passado de suposto bem-estar e harmonia. É através desse discurso e das ações oficiais dele derivadas que se demarca o espaço do que é Nordeste e se conforma uma identidade cultural nordestina, a qual legitima e representa, simbolicamente, aquele espaço. No Brasil, para a construção da identidade nordestina, os meios de comunicação tiveram um papel fundamental – justamente por seu caráter massivo, que intensifica a repetição e consolida os discursos: no rádio, as músicas e os cantores(as) nordestinos(as) foram imprescindíveis; na TV, o exacerbado consumo de telenovelas foi essencial para desenvolver uma narrativa do Nordeste e de sua população (sendo desde já generalizada como única); e, no Cinema, essa prática foi continuada, com grandes clássicos retratando (e, muitas vezes, reforçando) o estereótipo do Nordeste e do nordestino. Há uma extensa produção acadêmica das últimas décadas
  • 36. 35 dedicada à análise minuciosa de várias dessas obras, além de estudos específicos sobre representação em jornais e demais meios de comunicação. Entretanto, o que praticamente todas as realidades desses objetos têm em comum é o caráter vertical – imposto de fora para dentro – da produção de conteúdo (e de sentido, significados, etc.) da imagem e do(s) povo(s) do Nordeste. A exceção desse caso poderia ser a música, onde os intérpretes nordestinos são e cantam as suas próprias realidades – sendo assim produtores das suas próprias narrativas. Ainda assim, poderíamos discutir se essas narrativas também não seguiam estratégias corporativistas da indústria cultural que incorporavam os estereótipos para se tornar um produto mais apropriado às vendas. Na TV (e no Cinema), com o desenvolvimento industrial e tecnológico sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, as delimitações identitárias sempre vinham de fora para dentro. As novas tecnologias da comunicação, que tiveram sua popularização no princípio dos anos 2000, entretanto, chegam (ou chegariam) para mudar essa realidade10. A proposta deste capítulo foi contextualizar historicamente como se deu o processo de construção do imaginário em torno do Nordeste e do nordestino. Como mencionado ao início, a ideia não era exaurir essa discussão, mas localizar no espaço e no tempo a figura do Nordeste e do nordestino no debate sobre a cultura brasileira. Nas seções a seguir, pretendemos discutir como a questão da identidade tem sido abordada no contexto da pós-modernidade, a partir da perspectiva da identidade nacional, das novas identidades e das identidades conforme estudadas no contexto dos sites de redes sociais. Com uma imagem mais clara da formação do Nordeste e do nordestino, podermos discutir, posteriormente, quais as motivações por trás dessa identificação generalizante. 10 Esta questão será mais aprofundada nos capítulos seguintes, entretanto, pode-se utilizar como argumenta básico aqui o conceito de descentralização do polo emissor da cibercultura (LEMOS, 2003), no qual a internet surge oferecendo aos indivíduos uma capacidade única de (re)produção de sentido através das novas mídias comunicacionais.
  • 37. 36 2. A IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE O que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no fim do século XX? A resposta é: um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo "globalização". [...] A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da "sociedade" como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço" (Giddens, 1990, p. 64). Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na compressão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeito sobre as identidades culturais (HALL, 2006, p. 19). Em A identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall (2006) traz, dentre outros assuntos, que o processo de globalização resultou - ou tem resultado - em três consequências para as identidades culturais: a desintegração das identidades nacionais (frente à ascensão da homogeneização cultural e do "pós-moderno global"11; ao mesmo tempo, o reforço das identidades nacionais e outras identidades "locais" ou particularistas que resistem; e, também paralelamente, o declínio das identidades nacionais, em detrimento da ascensão de “novas identidades” (híbridas). 11 Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas — desalojadas —de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem "flutuar livremente". Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de "supermercado cultural". No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas. (HALL, 2006, p. 22)
  • 38. 37 Embora nenhuma dessas afirmações sejam totalizantes (até por serem, em certa medida, contraditórias entre si), o que o autor pretende chamar a atenção – e que nos cabe argumentar também neste trabalho – é que, no processo mais recente de globalização, há mudanças importantíssimas quanto a três aspectos: espaço, tempo e consumo. Nesse contexto, a identidade nacional, que se tornou um importante marcador social da modernidade imposto em estratégias de soberania dos estados-nação em busca de autonomia, precisa lidar com outros apontamentos identitários que surgem com a crise do sujeito moderno – e surgem novas pautas a serem discutidas. Neste capítulo, portanto, buscamos levantar algumas discussões fundamentais sobre a identidade na pós-modernidade a partir da identidade nacional, porém já fazendo a ponte com as novas identidades, sobretudo a considerada “regional”, a partir do levantamento de Penna (1992), e a que se estabelece no ambiente digital, sobretudo na internet e nos sites de redes sociais. Essas serão as bases teóricas que fundamentarão a pesquisa realizada no capítulo três, na qual pretendemos entender o que usuários do Facebook entendem enquanto “ser nordestino” e por que esse aspecto da sua identidade merece destaque narrativo a ser acionado nesses ambientes. 2.1. Identidade nacional, identidade regional e as novas identidades No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em unia das principais fontes de identidade cultural. Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial (HALL, 2006, p. 13). A discussão sobre identidade é bastante complexa por se tratar de uma categoria polissêmica, fruto do jogo de disputas e (re)significações que fundamenta o que compreendemos enquanto cultura. Para ilustrar com mais facilidade o que entendemos, atualmente, enquanto identidade, talvez seja
  • 39. 38 interessante trazermos à pauta o que é facilmente compreensível no imaginário popular como um dos vetores identitários mais cristalizados desde a modernidade: a ideia de nacionalidade. Retomamos, então, o próprio conceito primordial de nação, um ideal positivista que “como um destino que pairava sobre os indivíduos e ao qual estes não se poderiam subtrair sem traição, [..] foi adquirindo importância fundamental para a modernidade e para os rumos que esta pretendia implantar” (NERCOLINI, 2006, p. 102). A ideia de pertencimento - que, aqui, poderia ser comparada ao processo de identificação - esteve presente no pensamento de Jean-Jacques Rousseau e de Georg W. F. Hegel, ambos estruturadores fundamentais da concepção de nação no pensamento moderno. Enquanto o primeiro enxergava a nação como instrumento de união e legitimação para o desenvolvimento da sociedade, o segundo discutia a noção de espírito de um povo: “um todo concreto que se desenvolve em todas as ações e em todas as direções de um povo e se realiza quando este chega a fruir e a compreender a si como tal” (NERCOLINI, 2006, p. 103). É Ernest Renan, entretanto, que costura esses argumentos e nos oferece uma concepção de nação que aquece as discussões deste trabalho: Para Renan, a nação é constituída pela possessão de um rico legado de memórias do passado, pelo consentimento sempre renovado, pelo desejo de viver junto e pela vontade contínua de valorizar a herança recebida. Ter glórias em comum no passado, uma vontade comum no presente: eis a condição essencial para ser um povo [...]. Para ele é a vontade de nacionalidade que unifica a memória histórica e assegura o consentimento de cada dia, articula o povo- nação como um plebiscito diário e faz seus membros lembrarem determinadas coisas e esquecerem outras (NERCOLINI, 2006, p. 105). É importante ratificar que as culturas nacionais são também elementos históricos relativamente recentes, uma vez que “numa época pré-moderna ou em sociedades tradicionais, a lealdade e a identificação das pessoas eram dadas à tribo, ao povoado, à religião e à região” (NERCOLINI, 2006, p. 107).
  • 40. 39 Esse processo de legitimação das nacionalidades ocorreu de forma gradativa nas sociedades ocidentais, vindo a se tornar, para Homi Bhabha, “uma das maiores estruturas ideológicas ambivalentes dentro das representações ideológicas da modernidade” (NERCOLINI, 2006, p. 108). A nação, portanto, extrapola sua condição de entidade política e atua – talvez principalmente – no contexto da representação, atrelado a um intenso processo de produção de sentidos que cria e legitima as identidades nacionais. É nesse cenário que Hall (2006) retoma o conceito de Benedict Anderson sobre as nações como comunidades imaginadas: para ele, a cultura nacional “é um discurso — um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 2006, p. 14). É, portanto, essa narrativa idealmente uníssona que amarra os sentimentos de identificação através da produção de sentidos evocadas nas histórias sobre a nação, com um esforço contínuo de conexão entre passado e presente. Para explicar como é contada a narrativa da cultura nacional, Hall (2006) aponta cinco elementos principais: a narrativa da nação, a ênfase nas origens, a invenção da tradição, o mito fundacional, e a ideia de um povo puro (original). O primeiro se alinha com o que já apontamos na ideia de comunidade imaginada, na qual a nação é narrada culturalmente através de histórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos “que simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação” (HALL, 2006, p. 15). Esse vetor fortalece a ideia de que se trata de um fenômeno primordial que antecede a nossa própria existência, uma vez que se ancora no segundo elemento, a sua atemporalidade. O sentimento de ser brasileiro, por exemplo, representa no imaginário popular uma condição histórica que permanece, ao longo do tempo, sob o mesmo véu: “está lá desde o nascimento, unificado e contínuo, ‘imutável’ ao longo de todas as mudanças, eterno’” (id., ibid.).
  • 41. 40 Também com essa ênfase no passado, a invenção da tradição é o terceiro elemento que ajuda a configurar a narrativa nacional – conforme apontado por Hall (2006) a partir de Hobsbawm e Ranger: trata-se de um conjunto de práticas rituais ou simbólicas que, através da repetição, pretende inculcar valores e normas comportamentais a fim de reforçar uma coesão histórica entre o passado e o presente. Seu papel é tornar “as confusões e os desastres da história inteligíveis, transformando a desordem em ‘comunidade’” (HALL, 2006, p. 16). Da mesma forma, o quarto elemento é uma história “que localiza a origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles se perdem nas brumas do tempo” (HALL, 2006, p. 15). O último elemento é o que recebe menos atenção do autor, mas que na onda de conservadorismo que prolifera no Brasil nos últimos anos, explica esse sentimento de superioridade: Hall aponta que “a identidade nacional é também muitas vezes simbolicamente baseada na ideia de um povo ou folk puro, original”, ainda que “nas realidades do desenvolvimento nacional, é raramente esse povo (folk) primordial que persiste ou que exercita o poder” (id., ibid.). É esse sentimento que legitima, também atravessado por todos os outros elementos, uma crença cega no progresso nacionalista, onde o patriotismo é o principal combustível para o sentimento de superioridade frente à diferença. Podemos, enfim, resumir que o discurso da cultura nacional constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e o futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade. As culturas nacionais são tentadas, algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele "tempo perdido", quando a nação era "grande"; são tentadas a restaurar as identidades passadas. Este constitui o elemento regressivo, anacrônico, da estória da cultura nacional. Mas freqüentemente esse mesmo retorno ao passado oculta urna luta para mobilizar as "pessoas" para que purifiquem suas fileiras, para que expulsem os "outros" que ameaçam sua identidade e para que se preparem para uma nova marcha para a frente (HALL, 2006, p. 16).
  • 42. 41 Uma vez que argumentamos que a nação enquanto sentido comunitário é uma narrativa cultural e política, é importante apontar também que são nos produtos culturais – literatura, música, cinema, teatro, etc. – que essas histórias são contadas. Por serem intrincados nesse processo de construção das diferenças nacionais, tanto criam e modificam como também são modificados por esse mesmo contexto. Nesse sentido, vale retomar o argumento de Hall (2006) sobre identificação, em detrimento de identidade, por se tratar de um processo contínuo. Para ele, é um jogo que envolve diretamente a visão do outro, uma “falta de inteireza que é ‘preenchida’ a partir de nosso exterior” (HALL, 2006, p. 39). Caberia, portanto, já que esse fenômeno é “vivo”, o que seria, de fato, “ser brasileiro”? Ou, para o contexto deste trabalho, o que seria tipicamente nordestino? Esta é uma pergunta importante para a pesquisa e é também uma das indagações centrais de Penna (1992), que tenta entender quais são as manifestações culturais reconhecidas enquanto práticas culturais elementares à atribuição da identidade nordestina. Para tal, recorre ao que que chama de reconhecimento social: “formas de reconhecimento que envolvem disputas em torno de critérios de delimitação e qualificação de grupos ou da pertinência de um indivíduo a ele” (SILVA, 2009, p. 42), que se articulam tanto de dentro para fora – ou seja, a partir do interior do grupo ou do indivíduo – quanto de fora para dentro – a partir da sociedade que o abarca. Os esquemas culturalmente disponíveis fornecem, como base para a atribuição de uma identidade regional, os elementos reconhecidos como típicos. [...] O típico, no caso, é um elemento que reúne em si os caracteres distintivos do Nordeste e dos nordestinos, servindo de modelo: um elemento isolado, uma parte, representando o todo, o conjunto. Aquilo que é usualmente reconhecido como “tipicamente nordestino”, compondo o estereótipo, relaciona-se com a representação do Nordeste gerada pelo discurso regionalista ou com a imagem criada pelo Sul/Sudeste, ao curso das relações de força (materiais e simbólicas) que configuram as regiões brasileiras (PENNA, 1992, p. 75).
  • 43. 42 A prática de identificar o que seria considerado nordestino, portanto, passa por duas considerações quase paradoxais: ao mesmo tempo em que sua delimitação “expressa as diferenciações sociais e históricas da região”, também “homogeneíza diferenças internas sob a marca do típico, com o risco de se cair numa abstração que mascare a multiplicidade de relações em que se situam as diversas práticas culturais” (PENNA, 1992, p. 76). Em O que faz ser nordestino: identidades sociais interesses e o “escândalo” Erundina, Penna (1992) enfrenta essa difícil missão de enquadrar a identidade social desse contexto regional. Considerando que a condição de nordestino está no processo de apreensão e organização simbólica do ser – no imaginário popular de atribuição a esses atores –, ela propõe quatro hipóteses: cultura, naturalidade, vivência e auto atribuição. O primeiro elemento utilizado para a atribuição da identidade nordestina é justamente o que tratamos anteriormente, as práticas culturais – que trazem, essencialmente, a dificuldade de delimitação já apresentada. Ainda assim – e poderíamos argumentar que, para este trabalho, esse é um elemento que será acionado explicitamente pelos atores – “as características presentes na cultura popular nordestina formam sua identidade cultural, criando um sentimento de pertencimento e de valorização da história de seu povo” (SILVA, 2009, p. 40). Ao tentarmos debater a “identidade nordestina”, portanto, precisamos observar de maneira holística questões não apenas localizadas no indivíduo, mas – e, talvez, principalmente – nas “representações coletivas como as matrizes de práticas construtoras do próprio mundo social” (CHARTIER, 1991, p. 183). Hall (2016, p. 25) explica que representação “está intimamente ligada a identidade e conhecimento”, logo, “sem esses sistemas de 'significação', seríamos incapazes de adotar tais identidades (ou mesmo de rejeitá-las) e consequentemente incapazes de fomentar ou manter essa realidade existencial que chamamos de cultura". Roger Chartier (1991, p. 183), numa proposta de atualização da compreensão da História às “novas identidades sociais”, sugere uma superação em que consideremos “os esquemas
  • 44. 43 geradores dos sistemas de classificação e de percepção como verdadeiras ‘instituições sociais’, incorporando sob a forma de representações coletivas as divisões da organização social”, considerando também “estas representações coletivas como as matrizes de práticas construtoras do próprio mundo social”. Retomando às hipóteses de Penna, o segundo elemento do senso comum atribuído à identidade nordestina é a naturalidade, ou seja, o local de nascimento de um indivíduo. Para a autora, este é o referencial instituído, precede a existência da população e, semelhante aos mitos fundadores da nação e as invenções das tradições, tende a naturalizar o processo social e histórico que simboliza a categoria nordestino. Por isso “é um dos quesitos que classifica/qualifica os indivíduos em seus documentos de identificação” ao mesmo tempo que “se baseia na organização político-administrativa, que hierarquiza diversas delimitações do espaço – da localidade ao município, deste ao estado e à região, e enfim, à nação” (PENNA, 1992, p. 51-52). Há, portanto, já neste elemento que se articula veementemente de forma naturalizante, relações de poder dentro da própria cultura nacional. O terceiro e quarto elementos, ainda mais do que os outros dois, possuem uma relação muito intrínseca: são eles, a vivência e a auto atribuição. Esse legitima a identidade nordestina àquele que, por um período de tempo indeterminado, vivenciou de alguma forma a cultura nordestina no espaço territorial delimitado enquanto Nordeste. A auto atribuição, diferente dos demais, parte de uma concepção individual à identidade: é nordestino quem se reconhece como tal. A autora, entretanto, também admite que neste elemento há um jogo de alter-atribuição, ou seja, o modo como aquele indivíduo é reconhecido “de fora para dentro”, localizado na caixinha de nordestino. Sobre isso, explica que [...] nesta direção de reconhecimento que “vem de fora”, ganham grande importância as práticas sociais e culturais, enquanto manifestações que podem ser interpretadas e valoradas diferentemente pelo próprio grupo e pelos vários setores com que entra em contato, pois tais signos são apreendidos pelos outros
  • 45. 44 conforme os esquemas de percepção e apreciação de que dispõem. E os esquemas culturalmente disponíveis fornecem, como base para a atribuição de uma identidade regional, os elementos reconhecidos como típicos (PENNA, 1992, p. 75). A conclusão que ela chega, enfim, é que a identidade nordestina não está diretamente ligada a uma condição ou qualidade intrínseca ao objeto, mas que se trata de uma figura abstrata localizada contextualmente. Para a pesquisadora, “o que pode ser observado e estudado é o modo como as atribuições de identidades são construídas e aplicadas” (SILVA, 2009, p. 42). Analisando o caso da eleição de Luiza Erundina à prefeitura de São Paulo, ela admite que não é a origem nem tampouco as condições de classe ou de gênero “o que faz ser nordestino”, mas a maneira como as condições são apreendidas e organizadas simbolicamente. Há, portanto, um enfoque muito grande no processo constitutivo da identidade nordestina: ela precisa ser narrada, representada, adotada, identificada e reproduzida. No contexto da cultura nacional, o que isso significa? Stuart Hall (1999) argumenta que uma mudança estrutural diferente transformou as sociedades modernas no final do século XX. Para o autor, a passagem para a modernidade tardia – ou pós-modernidade – gerou um processo de descentramento dos sujeitos, “fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais” (HALL, 1999, p. 2). As transformações dessas posições culturais de identidade também estariam influenciando diretamente o que Hall chama de crise de identidade, num nível supostamente mais pessoal e subjetivo – “abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados” (id., ibid.). A crise de identidade, portanto, opera tanto no mundo social e cultural quanto individual, de si mesmos, ou seja, tanto a partir de uma perspectiva interior, quanto exterior. Nesse contexto
  • 46. 45 A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). E definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas (HALL, 1999, p. 4). Esse movimento acontece atrelado fortemente às transformações constantes na tecnologia, nas telecomunicações, na forma de trocas e na produção de bens culturais e econômicos (NERCOLINI, 2006), ancorado também no deslocamento de estruturas e dos processos centrais das sociedades modernas cujos quadros de referências são abalados. A partir da “disseminação” proposta por Homi Bhabha, Nercolini (2006, p. 116) explica que “os intensos fluxos migratórios, os meios de comunicação [...], as infovias, a internet e tantos outros processos correlatos, acabam por propiciar trocas culturais intensas”. Deste modo, a cultura nacional é marcada pela alteridade radical, através de uma disseminação de significados, tempos, povos, fronteiras culturais e tradições históricas capazes de reconfigurar a narrativa da nação. A identidade, portanto, na contemporaneidade, caracteriza-se idealmente na diferença, ou seja, no deslocamento das identidades mestras em ramificações identitárias do sujeito, sempre em conflito. Nesse contexto, destaca-se a ideia de performance, na qual os indivíduos agem conforme as condições sociais que são estabelecidas em cada situação. Afinal, “a identidade é teatro e é política, é representação e ação” e “estudar o modo como estão sendo produzidas as relações de continuidade, ruptura e hibridação entre sistemas locais e globais, tradicionais e ultramodernos, do desenvolvimento cultural é, hoje, um dos maiores desafios para se repensar identidade e a cidadania” (CANCLINI apud NERCOLINI, 2006, p. 127).
  • 47. 46 2.2. A identidade nos sites de redes sociais Com a Internet, os processos de construção identitária vêm ganhando uma nova forma. Ao disponibilizar um lugar no ciberespaço, a rede possibilita a um número maior de pessoas a oportunidade de se relatar, garante maior liberdade de mostrar ou construir a própria identidade. (MATUCK E MEUCCI, 2005, p. 160). Tendo discutido sobre a invenção do Nordeste, a construção do nordestino e as questões relacionadas às identidades nacionais e regionais nos capítulos anteriores, podemos enfim nos debruçar sobre um dos pilares principais deste trabalho: como a identidade tem sido pensada a partir das novas tecnologias, da internet e, mais especificamente, dos sites de redes sociais. Para embasar a discussão sobre esse tema, recorremos à tese de Beatriz Polivanov (2012), “Dinâmicas de autoapresentação em sites de redes sociais: performance, autorreflexividade e sociabilidade em cenas de música eletrônica”12 – sobretudo os capítulos 1, 2 e 6 –, na qual a pesquisadora buscou entender como as pessoas constroem os seus perfis no Facebook. Antes de entrarmos nessa investigação mais a fundo, é importante passarmos por algumas questões basilares para a autora que fundamentam as novas dinâmicas sociais da contemporaneidade e dialogam também com alguns argumentos do capítulo anterior. A começar pelo caráter fragmentado da identidade na pós-modernidade (HALL, 2006), fruto de um processo complexo que envolve a globalização, o modelo econômico-político do neoliberalismo, a redução do papel do Estado e o aumento do papel do mercado, a crise da família patriarcal, o encurtamento do tempo e das distâncias com as novas tecnologias, para citar alguns aspectos. Esse fenômeno é importante para a ênfase argumentada sobre a ideia de “crise” do sujeito moderno, diante de um número cada vez maior de possibilidades em 12 Além de toda a fundamentação teórica, o trabalho também se destaca pelo título que recebeu o livro em 2014, Dinâmicas identitárias em sites de redes sociais: estudo com participantes de cenas de música eletrônica no Facebook, evidenciando ainda mais o debate sobre identidade nos sites de redes sociais.
  • 48. 47 vários aspectos da vida em sociedade, apontada tanto por Stuart Hall quanto por Anthony Giddens. A identidade, portanto, na contemporaneidade, passa por uma demanda intensa de auto reflexividade, conceito central para autora que associa também essa autoidentidade enquanto empreendimento reflexivamente organizado de Giddens com a ideia de projeto do indivíduo moderno, conceito de Georg Simmel. Nesse contexto de “projeto reflexivo do eu”, portanto, destacar-se-iam três características básicas: em primeira instância, a continuidade dessa prática, ou seja, é um exercício interminável (mesmo que inconsciente) dos sujeitos modernos; tem característica de projeto, no sentido de que tratam-se de escolhas (estilos de vida) que são feitas – importante lembrar – dentro das estruturas; e, por fim, baseado tanto na ilusão biográfica de Pierre Bourdieu, quanto na performance de Erving Goffman, é uma narrativa de vida que exige uma “coerência expressiva” (SÁ e POLIVANOV, 2012). Este cenário condiciona e é condicionado (por) as novas dinâmicas de sociabilidade que surgiram na contemporaneidade através do uso das tecnologias digitais e demais ferramentas de comunicação mediada. A sociedade em rede (CASTELLS, 2000), onde a conexão se tornou o elemento- chave, alterou profundamente as relações interpessoais, fazendo com que outras questões ligadas à discussão sobre identidade fossem colocadas à mesa, como explica Polivanov (2012, p. 16): “a própria lógica da relação identidade/alteridade (que sempre vai demandar o olhar do outro) e a própria lógica dos lugares virtuais nos quais os indivíduos não podem contar com a materialidade dos seus corpos” alteram as construções identitárias (narrativas) do mundo moderno, levantando também a outros debates sobre privacidade, intimidade e segurança13. A autora (2012, p. 23) argumenta que: 13 Um resumo sobre alguns dos principais estudos que abordam essas temáticas pode ser visto no capítulo 2 de Polivanov (2012), SITES DE REDES SOCIAIS VISTOS SOB A ÉGIDE DA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO E DA CIBERCULTURA, sobretudo a seção “Os discursos sobre a superexposição do eu e a era da vigilância”.
  • 49. 48 [...] o ciberespaço tornou-se um lugar essencial para os atores sociais performatizarem suas identidades, construindo e mantendo relações sociais (que podem estar presentes ou não também no mundo off-line). Nas palavras de Barbero, “a tecnologia é, hoje, uma das metáforas mais potentes para compreender o tecido – redes e interfaces – de construção da subjetividade” (2008, p. 20). Nesse universo da cibercultura (LEMOS, 2003), os sites de redes sociais destacam-se “enquanto fenômeno comunicativo que diz respeito [...] a supostos ‘novos’ modos de os atores sociais se relacionarem entre si na internet e a ‘novos’ modos de eles apresentarem e presentificarem na contemporaneidade” (POLIVANOV, 2012, p. 14). A centralidade dos perfis individuais, a facilidade de se encontrar e conectar a outros usuários, a proliferação de discursos próprios e outros elementos, marcam o impacto dessa ferramenta nas novas dinâmicas de sociabilidade que reconhecemos atualmente. Pensando identidade, essa ferramenta se tornou “o principal tipo de site na internet que permita aos atores uma apresentação mais ‘completa’ de si” (2012, p. 23), por estar centrado na relação com outras pessoas, através das conexões com uma rede de amigos, das publicações e de fotos e vídeos, das trocas de mensagens contínuas... Mas o que seriam, enfim, esses sites de redes sociais? São um fenômeno central da cibercultura que datam do início da década de 90 e tomam forma a partir de 2003, com a consolidação de sites como MySpace, LastFm e LinkedIn, afetando, como já reforçado anteriormente, “as práticas sócio- comunicativas cotidianas dos atores em escala mundial” (POLIVANOV, 2012, p. 28). Sua definição acadêmica foi proposta pela primeira vez no trabalho ‘Social Network Sites: Definition, History and Scholarship’, das pesquisadoras norte-americanas danah boyd e Nicole Ellison, que definiram os sites de redes sociais a partir de três condições básicas para essas plataformas (POLIVANOV, 2012, p. 31): serviços baseados na web que permitem aos indivíduos (1) construírem um perfil público ou semipúblico dentro de um sistema restrito, (2) articularem uma lista de outros usuários com quem eles
  • 50. 49 compartilham uma conexão e (3) olharem e cruzarem sua lista de conexões e aquelas feitas por outros dentro do sistema. (BOYD E ELLISON, 2007, online). Em publicação mais recente, boyd (2011) revisita esse conceito sem propor outra definição “fechada” como esta primeira, já reconhecendo que essas plataformas estão e estarão sempre em constante mudança, o que dificulta uma delimitação de significando no que corresponde a elas. No entanto, chama a atenção para os aspectos estruturais dos sites de redes sociais – classificados em quatro: perfis, lista de amigos, ferramentas de comentário/publicação e stream based updates – que ratificam, de certa forma, a questão da alteridade nesses ambientes online. Para a autora, "levar em consideração os elementos estruturais dos públicos em rede ao analisar o que acontece [nesses ambientes] pode fornecer um framework valioso de interpretação"14 (2011, p. 55). É importante pontuar também a terminologia do objeto devido à costumeira confusão que acontece no senso comum quanto à discussão dos sites de redes sociais (SRSs). Estes são, muitas vezes, atribuídos somente a nomenclatura de “redes sociais”, o que não indica necessariamente um erro terminológico, mas expande semanticamente o caráter específico dessas plataformas. Polivanov (2012, p. 32), resgatando Recuero (2009), chama a atenção dessa questão para retificar que os sites de redes sociais são “meros suportes, ferramentas, sistemas, softwares que permitem a interação social entre os atores, ao passo em que as redes [sociais] seriam justamente essas interações, que podem ocorrer on ou off-line”. Também reforça que outro sinônimo comum, “mídias sociais”, são mais amplos do que o objeto identificado como sites de redes sociais15. 14 “Thus, taking the structural elements of networked publics into account when analyzing what unfolds can provide a valuable interpretive framework.” (tradução nossa) 15 Segundo Kaplan e Haenlein, mídias sociais seriam “um grupo de aplicações baseados na internet que se baseiam nos alicerces ideológicos e tecnológicos da web 2.0 e que permitem a criação e troca de conteúdo gerado pelos usuários”27 (2010, online). [...] dessa forma,
  • 51. 50 Feita essa breve consideração, podemos retornar à definição de boyd e Ellison para discutir três elementos-chave dos SRSs de acordo com Polivanov: visibilidade, aparência e rede de contatos. O primeiro diz respeito à ideia de “publicização”, ou seja, de tornar público e visível quaisquer informações relacionadas aos atores sociais de forma direta ou indireta; o segundo está relacionado “à aparência física em si, à concretude da visibilidade” (2012, p. 36), ou seja, as imagens selecionadas para exibição (ou representação) nessas plataformas – um aspecto “fundamental para [que] se possa conhecer melhor os indivíduos ainda mais, como defendemos, em um lugar no qual não se pode contar com a presença do corpo físico” (2012, p. 72); e o terceiro, tão importante quanto os outros dois, chama a atenção para o aspecto prioritariamente mais sociável, ou seja, a conexão entre os indivíduos nestes ambientes. Esses eixos indissociáveis apontam para uma questão central neste trabalho: a relação de si com o outro – fator também de extrema importância para autores que pensam a identidade, como o próprio Stuart Hall e Tomaz Tadeu da Silva, a ser explorado mais a diante. Sobre esse aspecto, é Erving Goffman que fundamenta a maior parte das discussões em torno dos SRSs, pensando o caráter “expositivo” da identidade, a partir da ideia de que “os atores sociais estão sempre em face de um público, uma audiência, para a qual performatizam seus selves” (POLIVANOV, p. 182). Nesse contexto, é relevante também diferenciar o “eu” do self, conforme reiterado a partir de autores como Mead (1967) e Livingstone (2012), onde a noção de “eu” advém de uma fase do self, mais psicológica e interna, enquanto o self está relacionado a uma compreensão de si que também envolve a compreensão dos outros. Ou seja, as redes sociais são sobre “mim”, no sentido de que revelam o self embutido no grupo de “pares”, como conhecido e representado por podemos afirmar que todo site de rede social é uma mídia social, mas nem toda mídia social se restringe somente ao universo dos SRSs. (POLIVANOV, 2012, p. 33)
  • 52. 51 outros, e não o “eu” particular mais conhecido pela própria pessoa (LIVINGSTONE, 2012, p. 102). Nesse contexto de audiência planejada e percepção de si enquanto parte de um todo, a perspectiva dramatúrgica de Goffman ajuda na compreensão da performance desses atores sociais, “no sentido que suas atividades e ações individuais no Facebook são feitas (virtualmente em) face a um grupo [...], e que, assim, eles vão optar por mostrar facetas suas” (POLIVANOV, 2012, p. 17). Ao entendermos que “todos performatizamos aspectos das nossas identidades, atuando de modos diversos em diferentes meios sociais e para diferentes públicos” (2012, p. 30), concordamos que essa entidade social performatizada “não pode ser tomada como algo ‘dado’, mas sim que se constitui na relação com o outro e que está em constante processo de transformação”, ou seja, tratam-se de “categorias discursivas que buscam nomear uma entidade social e conceitos complexos, frequentemente contraditórios e necessariamente fragmentados e relacionais” (id. Ibid). Os trabalhos que pensam a construção identitária nos sites de redes sociais a partir de Goffman, portanto, apontam para dois elementos principais: o gerenciamento de impressão16, ou seja, “a busca dos sujeitos por tentarem controlar e administrar a impressão que os outros terão dele” (POLIVANOV, 2012, p. 52); e os múltiplos papeis exercidos, uma vez que os públicos esperados variam de acordo com as plataformas, “entendendo o self como uma construção múltipla e flexível, que joga com seus interesses para presentificar de modos distintos (dentro do mesmo e) em variados lugares” (id.; ibid., p. 52-53). Esses dois aspectos são quebrados em três para pensar o processo de construção de uma “representação do eu” fundamentada nas 16 A ideia de que os indivíduos se empenham, negociando nas interações sociais com seus pares, em construir (ou ao menos projetar) uma determinada impressão de si desejada (usualmente tida pelo grupo social como favorável), e eles o fazem buscando seguir comportamentos coerentes com essa impressão construída / desejada (POLIVANOV, 2012, p. 73)
  • 53. 52 interações sociais dos ambientes online conforme apontado na descrição a seguir de Polivanov (2012, p. 74): As autoras defendem que esses três conceitos – gerenciamento da impressão, autoapresentação e performance (ou desempenho) da amizade – nos sites de redes sociais estão intrinsecamente relacionados uns aos outros, uma vez que os “amigos” (rede de contatos) acabam exercendo o papel de “público imaginado” que “guia as normas de comportamento” (BOYD E HEER, 2006), os modos como os atores sociais vão tentar manipular a impressão que os outros têm dele e, portanto, como ele deseja se autoapresentar para a sua rede. Através da pesquisa com indivíduos da cena de música eletrônica do Rio de Janeiro e São Paulo, Polivanov (2012), enfim, no que tange à construção dos perfis – e autoapresentação – dos usuários nos sites de redes sociais, propõe três eixos para discussão: 1) sociabilidade e dinâmicas comunicacionais; 2) estratégias de publicização e ocultamento; e 3) persona no Facebook. Simplificando, o primeiro “diz respeito a como os atores se relacionam e sociabilizam com suas redes de contato no site e quais são as dinâmicas comunicacionais que se configuram nessas relações”; o segundo “busca [...] entender quais são as estratégias de publicização e ocultamento de conteúdos no site, ou seja, que tipos de materiais são deixados à mostra por eles e que tipos de materiais são ocultados ou parcialmente mostrados?”; e o terceiro discute a elaboração e administração de “uma (ou mais) persona(s), que frequentemente está(ão) vinculada(s) a uma construção imaginada e socialmente desejada de si” (id., ibid., pp. 182-184). O foco deste trabalho está na análise e discussão principalmente dos elementos levantados no segundo eixo, sobretudo em relação às páginas e às estratégias de publicização que, como defendemos, são os marcadores identitários fundamentais para o que se compreende enquanto identidade nordestina. Isso não quer dizer, no entanto, que haja uma separação estanque entre esses três eixos, mas tal distinção foi uma escolha didática da autora para dar conta de algumas discussões específicas relacionadas às