O documento resume algumas das obras arquitetônicas mais emblemáticas da última década em Portugal, incluindo o Estádio Municipal de Braga, projetado por Eduardo Souto de Moura e construído para a Eurocopa de 2004; o Metro do Porto, projetado por Eduardo Souto de Moura e outros, que transformou a rede de transportes da cidade; e a Casa da Música no Porto, projetada por Rem Koolhaas.
1. 10+ARQUITECTURA Estádio Municipal de Braga (2000-2003)
EDUARDO SOUTO DE MOURA
Edifícios 108 milhões de euros
de culto É uma das mais emblemáticas e extraordinárias obras da nossa arquitectura. Um
estádio escavado numa pedreira (1,7 milhões de metros cúbicos de granito e
saibro foram extraídos antes do início da construção), com apenas duas bancadas
(uma tipologia inovadora, já que a norma é quatro), que materializa o conceito de
Estas são as obras futebol-espectáculo (o palco relvado adquire uma força invulgar no contraste
com o cinzento da pedra e do betão), dotado de uma impressionante cobertura
arquitectónicas que com um vão de 202 metros (inspirada nas pontes incas do Peru, os cabos suge-
marcaram a última rem a continuidade da estrutura), que criou uma nova relação com a paisagem
década, símbolos (reenquadrando a montanha e o vale do rio Cávado) e com o território (servindo
de um Portugal de âncora à expansão da cidade a Norte). Obra-prima da arquitectura, o conceito
e o desenho são de Eduardo Souto de Moura, e da engenharia civil, desenvolvida
do século XXI por Rui Furtado, o Estádio Municipal de Braga, construído para o Euro-2004,
TEXTOS DE JOANA PINHEIRO revolucionou a concepção dos recintos desportivos.
O
s primeiros anos do novo
século viram erguer-se al-
gumas mais notáveis obras
da arquitectura contempo-
rânea nacional. O Estádio Municipal
de Braga, pela escala, pelo conceito
e pela inovação, a Casa da Música no
Porto, pela singularidade do volume
e pela relação com o contexto, e o
Metro do Porto, pela revolução que
operou na rede de transportes da ci-
dade e na requalificação dos seus es-
paços públicos, são casos incontor-
náveis. Noutro plano situam-se edifí-
cios com menor visibilidade pública,
mas de excelente qualidade arquitec-
tónica, quase todos premiados nacio-
nal ou internacionalmente, como o
Centro de Artes de Sines, a Igreja da
Santíssima Trindade, em Fátima, o
Centro de Artes da Calheta, na Ma-
deira, a Escola Superior de Tecnolo-
gia do Barreiro, a Biblioteca Munici-
pal de Viana do Castelo, o Fluviário
de Mora e a Torre de Controlo do
Porto de Lisboa. É uma escolha en-
tre outras possíveis. Elegemos obras
de carácter público, construídas de
raiz, em diversas regiões, com te-
mas, programas e linguagens dife-
rentes, assinadas por conceituados
arquitectos de várias gerações. n
Metro do Porto (1997-2005)
EDUARDO SOUTO DE MOURA
1.ª Fase: 4 linhas, 67 estações, 56 km; 2,4 mil milhões de euros
O megaprojecto do Metro do Porto transformou a cidade, dotando-a não apenas de uma rede de
transportes própria de uma metrópole, mas qualificando o espaço público. E o que parecia quase
impossível, compatibilizar as rigorosas regras técnicas do sistema do metropolitano com a aciden-
tada topografia do centro histórico, tornou-se viável, com o redesenho da cidade. Estação a esta-
ção, com pequenas alterações de cotas de ruas, recuperando ou criando jardins, praças, ilumina-
ção e mobiliário urbano, o Porto renasceu. Projectado por Eduardo Souto de Moura, nele colabora-
ram outros grandes nomes da nossa arquitectura. Herdeiro da estratégia de renovação urbana da
Capital Europeia da Cultura 2001, hoje transporta cerca de 51,5 milhões de passageiros por ano.
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2. Casa da Música
(1999-2005),
Porto
REM KOOLHAAS
22.000m2; 111 milhões de euros
O volume de faces assimétricas
inclinadas, em betão branco e
vidro, converteu-se na imagem
de marca do novo Porto. Na
esteira de Serralves e de outras
grandes obras de Álvaro Siza ou
de Souto de Moura, a Casa da
Música, projecto do holandês
Rem Koolhaas e do ateliê OMA,
lançou a cidade no mapa mun-
dial do turismo de arquitectura.
A partir da entrada, com um
pé-direito de 30 metros, o edifí-
cio desdobra-se em dez pisos
geometricamente complexos,
três dos quais subterrâneos.
Todos os espaços merecem ser
apreciados, mas destacam-se o
grande auditório, com panos de
vidro ondulados que deixam
entrar a luz, e o terraço em
anfiteatro, com um tecto vidrado
que se abre à cidade. Para trás
ficaram as polémicas e as suces-
Igreja da Santíssima Trindade sivas derrapagens de prazos e
(2003-2007), Fátima orçamentos, recorde-se que o
ex-líbris da Capital Europeia da
Cultura 2001 só foi inaugurado
ALEXANDROS TOMBAZIS, colaboração de PAULA SANTOS em 2005 e registou um desvio
12.315m2; 80 milhões de euros de 228% face ao custo inicial.
Hoje a Casa da Música cumpre,
O corpo circular, com 125 metros de diâmetro, é suportado por duas proeminen- com qualidade e rigor, o desíg-
tes vigas centrais. Treze portas, 12 laterais, uma por cada apóstolo, e a do pórtico nio para que foi criada: ser uma
central, dedicada a Cristo, dão acesso ao templo. Lá dentro, os quase nove mil referência internacional na área
lugares distribuem-se em anfiteatro, aproveitando o declive do terreno, e a luz da música, promovendo o Porto
natural vem de cima, dos painéis em vidro da cobertura. A arquitectura monumen- como produto cultural.
tal e contemporânea é do grego Alexandros Tombazis, em colaboração com
Paula Santos, o projecto de engenharia civil, da equipa liderada por José Mota
Freitas. Os muitos milhões de euros investidos na Igreja da Santíssima Trindade
não foram pacíficos, mas invocou-se a necessidade de construir uma obra do
futuro para acolher os cerca de 4,2 milhões de peregrinos que anualmente se
deslocam a Fátima.
FOTOGRAFIAS DE FERNANDO GUERRA E SÉRGIO GUERRA
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3. 10+ARQUITECTURA
Centro de Coordenação
e Controlo do Tráfego
Marítimo do Porto de Lisboa
(1999-2001)
GONÇALO BYRNE
2280m2; 2,5 milhões de euros
Icónica e simbólica, marca a frente ribeirinha ocidental de
Lisboa e enobrece a entrada na cidade pelo Tejo. Pousada
na ponta de um molhe, em Algés, a torre sugere, em si
mesma, o tema do controlo marítimo e fluvial que a origi-
na. A inclinação do volume parece fazê-la deslizar no
suporte, o seu carácter híbrido é dado pelos materiais.
Nasce na solidez da pedra, reveste-se de cobre e culmina
na ligeireza e transparência do vidro, concluindo-se na Escola Superior
imaterialidade das ondas hertzianas captadas pelas ante-
nas. O arquitecto Gonçalo Byrne concebeu uma torre que
de Tecnologia
ousou representar o seu tempo e se tornou parte integran- do Barreiro
te da paisagem.
(2003-2007)
ARX PORTUGAL
10.500m2; 8,6 milhões de euros
O corpo que se ergue em altu-
ra, uma caixa rectangular magis-
tralmente recortada por abertu-
ras em vidro, é o elemento
mais marcante do projecto.
Assinalando a entrada principal,
acolhe o espaço dos docentes.
O complexo programa estrutu-
ra-se em blocos horizontais
paralelos, conectados entre si,
Centro de Artes que ora se fundem com a topo-
grafia ora se demarcam da
de Sines envolvente. Concilia o natural e
(2002-2006) o artificial, combina o cinzento
do betão aparente com o bran-
co do reboco pintado. Exemplo
MANUEL e FRANCISCO notável no campo dos equipa-
AIRES MATEUS mentos universitários, a Escola
8065m2; 8,2 milhões de euros Superior de Tecnologia do
Barreiro, do ateliê ARX Portu-
Revestidos a pedra lioz, os gal, de José Mateus e Nuno
volumes monumentais são Mateus, configura um novo
rasgados por vazios geométri- sinal urbano, revitalizando os
cos, evocando a arquitectura das subúrbios da cidade.
muralhas do castelo de Sines.
Concebido como porta do nú-
FOTOGRAFIAS DE FERNANDO GUERRA E SÉRGIO GUERRA
cleo histórico, o Centro de Artes,
dos arquitectos Manuel e Francis-
co Aires Mateus, marca o início
da rua principal de ligação ao
mar. O programa, que inclui
áreas expositivas, auditório,
biblioteca e arquivo municipal,
desenrola-se numa cota inferior,
sendo os interiores iluminados
através de faixas em vidro aber-
tas ao nível da rua. O modo
como se trabalha a luz em espa-
ços com escalas muito díspares
é verdadeiramente excepcional.
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4. Centro de Artes da Calheta — Casa
das Mudas (2001-2004), Madeira
PAULO DAVID
12.000m2; 15 milhões de euros
Esculpindo o cume de um monte, que acaba abruptamente sobre o
mar, o Centro de Artes da Calheta, na Madeira, desenvolve-se, orgâni-
ca e geometricamente, numa cota inferior à da antiga Casa das Mudas.
A partir do topo, desce-se uma escadaria e descobrem-se diferentes
percursos, pátios e miradouros. Revestido a basalto, para se fundir
com o entorno, é rasgado aqui e ali por panos de vidro. No interior, os
espaços brancos são magistralmente traçados para acolher mostras
variadas e funções diversas. Da autoria de Paulo David, esta é uma das
mais sublimes obras arquitectónicas da última década.
Fluviário de Mora (2004-2007)
PROMONTÓRIO ARQUITECTOS
3000m2; 6 milhões de euros
Isolado num campo de oliveiras e sobreiros, o edifício, envolto por finos pórticos
em betão branco, evoca a presença de um monte alentejano. O lago exterior
afirma-se como um dos mais importantes habitats em exposição. No interior, um
conjunto de caixas acolhe o programa, que inclui aquários com centenas de
exemplares dos rios ibéricos e de cursos de água exóticos. Projecto pioneiro na
Europa, o Fluviário de Mora, projectado pelo Promontório Arquitectos, que já se
converteu no novo local de romaria do Alto Alentejo, testemunha como um Biblioteca Municipal
pequeno concelho pode reinventar-se através de um equipamento singular.
de Viana do Castelo
(2005-2008)
ÁLVARO SIZA VIEIRA
3130m2; 4,5 milhões de euros
Com aberturas panorâmicas para o rio Lima
e o centro histórico de Viana do Castelo, o
volume suspenso, de 45x32 metros, dese-
nha um amplo vazio central que reenquadra
a paisagem ribeirinha. Prolonga-se em
rés-do-chão para leste, através de um piso
em forma de L. É em betão branco aparente,
com embasamento em granito. O programa
reparte-se por dois pisos, com salas ilumina-
dos por originais lanternins. Da autoria de
Álvaro Siza Vieira, a nova biblioteca veio
colocar a cidade no mapa referencial da
arquitectura contemporânea.
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