1. EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
- CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO PÚBLICO
FEDERAL - CONDSEF, entidade sindical inscrita no CNPJ sob n. 26474510/0001-
94, com sede no Setor Comercial Sul, Quadra 2, Bloco C, nº 164, Edifício Wady
Cecílio II, Brasília/DF, CEP 70302-915, neste ato representada por seu Secretário-
Geral, Josemilton Maurício da Costa, brasileiro, servidor público federal, inscrito no
CPF sob nº 368.581.536-91, Carteira de Identidade nº 05303867-5, IFPRJ, por
seus advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no
SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913;
- CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM SEGURIDADE
SOCIAL – CNTSS/CUT, inscrita no CNPJ sob o n.
04.981.307/0001-71, com sede em São Paulo, na Rua Caetano Pinto, n. 575, e
sub-sede na SCS – Edifício Márcia, Bloco L, sala 408, CEP 70300-500, em
Brasília/DF, neste ato representada por sua Presidente, Maria Aparecida do Amaral
Godói de Faria, por seu advogado constituído, que recebe intimações na cidade de
Brasília/DF, no SHIS QI 26, Conjunto 02, Casa 02, Lago Sul;
- CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES - CUT, entidade de grau máximo de
representação sindical, regularmente inscrita no CNPJ sob o n° 60.563.731/0001-
77, com sede na Rua Caetano Pinto, nº 575, Brás, São Paulo/SP, CEP: 03041-000,
neste ato representada por seu Presidente, Vagner Freitas de Morais, brasileiro,
bancário, casado, Carteira de Identidade nº 167251831, SSP/DF, inscrito no CPF
sob nº 115.763.858-92, residente e domiciliado na Avenida Nossa Senhora
Assunção, nº 647, apto. 22-B, Butantã, São Paulo/SP, por seus advogados
constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no SBS, Quadra 1,
Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913;
- SINDICATO NACIONAL DOS FISCAIS FEDERAIS AGROPECUÁRIOS –
ANFFA SINDICAL, entidade sindical representativa dos integrantes da Carreira de
Fiscal Federal Agropecuários do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, ativos, aposentados e seus pensionistas, constituído regularmente
inscrito no CNPJ sob o nº 08.510.461/0001-16, com sede no Setor Comercial Sul,
Quadra 2, Lotes 5 a 7, Edifício Jockey Club, 4º Andar, Brasília/DF, CEP 70.302-
902, representado por seu Presidente Wilson Roberto de Sá, brasileiro, divorciado,
servidor público federal, inscrito no CPF sob nº 494.388.837-20, Carteira de
1
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2. Identidade nº 1334140, IPFRJ, residente e domiciliado nesta cidade, por seus
advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no
SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913, por seus
advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no
SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913, vêm, nos termos
do art. 102, inciso I, alínea “a”, e art. 103, inciso IX, da Constituição Federal, propor
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do Decreto n. 7.777, de
24 de julho de 2012, da Presidente da República, conforme fundamentos abaixo
expostos.
Preliminarmente: legitimação da parte autora
O art. 103, inciso IX, da Constituição Federal (assim
também o art. 2º, inciso IX, da Lei n. 9.868/99) confere às entidades associativas de
amplitude nacional legitimidade para a propositura de ação direta de
inconstitucionalidade.
As entidades autoras caracterizam-se como associações
cuja abrangência se estende a todo o território nacional, o que lhes confere,
nos exatos termos da disposição constitucional, legitimidade para mover esta ação.
No que se refere à CONDSEF, é importante salientar
que este Supremo Tribunal Federal promoveu uma revisão de seu entendimento
jurisprudencial anterior, no sentido de alargar a via de acesso ao controle
concentrado de constitucionalidade para as entidades estruturadas por meio de
associações estaduais, bastando a tanto que a parte autora tenha conotação de
entidade de classe e representatividade nacional.
Este foi o entendimento definido no Agravo Regimental
na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.153, Relator para o acórdão
Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 12 de agosto de 2004:
“Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa:
"entidade de classe de âmbito nacional": compreensão
da "associação de associações" de classe: revisão da
jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de
entidade de classe é dado pelo objetivo institucional
classista, pouco importando que a eles diretamente se
filiem os membros da respectiva categoria social ou
agremiações que os congreguem, com a mesma
finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É
entidade de classe de âmbito nacional - como tal
legitimada à propositura da ação direta de
inconstitucionalidade (CF, art 103, IX) - aquela na qual
2
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3. se congregam associações regionais correspondentes a
cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em
todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa
dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse
sentido, altera o Supremo Tribunal sua
jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das
"associações de associações de classe", de âmbito
nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade”
(o original não contém os grifos)1.
Na dicção do art. 1º do seu Estatuto, a CONDSEF
representa os interesses das entidades que congregam os trabalhadores públicos
vinculados à administração direta, indireta, fundacional e autárquica dos poderes da
União e das empresas públicas federais, tenham eles vínculo estatutário ou
contratual, ativos, aposentados e pensionistas, o que lhe autoriza, nos termos da
normatização constitucional e do atual posicionamento deste Tribunal, o
ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que não obstante a CONDSEF ter a
nomenclatura estatutária de confederação, na verdade, sua estrutura se aproxima
de uma associação de associações de classe que lhe são filiadas (no caso, as
entidades sindicais estaduais que fazem parte de sua base representativa), nos
exatos termos da decisão transcrita supra.
Ademais, a atuação sindical das entidades autoras,
considerados seus fins estatutários de defesa dos direitos e interesses dos
trabalhadores federais civis, revela a pertinência temática entre o ato normativo
impugnado (direcionado a regular os efeitos da greve dos servidores no âmbito da
administração federal e com infringência direta no exercício desse direito
constitucional) e seus objetivos institucionais.
Breve contextualização fática
As entidades autoras protagonizaram nos últimos meses
inúmeras tentativas de negociação com o Governo Federal, objetivando, dentre
outras postulações, a recomposição da remuneração recebida pelos servidores
federais civis (que, por força de norma constitucional, deve ser anual e refletir o real
índice inflacionário), o pagamento de valores reconhecidos há anos como devidos
pela Administração e relegados à sistemática temporalmente indefinida de
“exercícios anteriores”, assim como a falta de cumprimento de acordos firmados.
1
No mesmo sentido, confiram-se as decisões nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns.
2.797 e 2.860, ambas relatadas pelo Ministro Sepúlveda Pertence, julgadas em 15 de setembro de
2005.
3
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4. Em 12 de junho de 2012, cumprindo os requisitos
previstos na Lei n. 7.783/89, fixada por esta Corte Suprema como matriz normativa
do exercício do direito de greve no serviço público, conforme decidido nos
Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712, a CONDSEF enviou ofício (cópia em
anexo) ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão nos seguintes termos:
“A CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL - CONDSEF, entidade
sindical legalmente constituída, inscrita sob CNPJ nº
26.474.510/0001-94, sediada no SCS, Quadra 2, Bloco
C, nº 164, Ed. Wady Cecílio II, em Brasília DF, neste ato
representada por seu Secretário Geral, vem,
respeitosamente, perante V. Excelência informar o que
segue:
Inicialmente cumpre destacar que a CONDSEF é
entidade sindical de grau superior e representa os
interesses das Entidades de Classes que congregam
todos os servidores públicos, empregados e
trabalhadores vinculados à Administração direta, indireta,
fundacional e autárquica dos poderes da União e das
empresas públicas federais, sejam eles regidos pelo
RJU, pela CLT ou por qualquer outro vínculo jurídico que
venha a ser criado no âmbito da Administração Pública
Federal, ativos, aposentados e pensionistas, inclusive
aqueles provenientes de convênios que têm o objetivo
de implementar ações da Administração e do Serviço
Público e prestadores de serviço que percebam
remuneração de forma direta ou indireta da União
Federal.
Ocorre que na Plenária Nacional da CONDSEF no último
dia 04 de junho deste ano foi deliberado pela deflagração
de greve geral por tempo indeterminado, no âmbito do
serviço público federal, a ser realizada a partir do dia
18 de junho de 2012, tendo em vista a negativa do
Governo Federal em atender as justas reivindicações
salariais que constam da Pauta de Reivindicações da
Campanha Salarial Unificada de 2012, não cumprimento
de Termos de Acordo, tudo conforme demonstra a
documentação anexa que segue. Além disso, não
cumprimento da revisão geral e anual prevista no artigo
37, inciso X, da Constituição Federal, bem como não
pagamento de valores de exercícios anteriores de
natureza vencimental, reconhecidos
administrativamente, que são considerados salários
atrasados.
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5. A presente comunicação visa o cumprimento dos
requisitos formais que regem o movimento paredista,
na forma da lei.
Ainda, informa que serão mantidos os serviços
essenciais em 30%” (sem grifos no original).
As demais entidades envolvidas no movimento grevista
agiram de forma semelhante, cumprindo também as formalidades legais.
Não obstante o esforço para alcançar uma solução
através do processo negocial, mediante um justo equacionamento das postulações
dos servidores, não houve avanço concreto, em vista do completo descaso com
que a Administração Pública Federal vem tratando as reivindicações da categoria.
Frustrada a negociação, a única alternativa que restou
aos servidores foi a paralisação de suas atividades, com a cautela de manter um
contingente de trabalhadores para atender as demandas essenciais da população,
tal como antes comunicado ao mencionado do órgão ministerial.
No entanto, desde o início da greve, a Administração
Federal vem tentando fragilizar e até mesmo inviabilizar o exercício desse direito
pelos trabalhadores.
Nesse sentido, a Secretaria de Relações de Trabalho no
Serviço Público, pelas Mensagens 552047, 552048 e 552416, emitiu orientação aos
dirigentes locais dos entes federais, para que seja feito o “lançamento dos
descontos remuneratórios referentes aos dias de paralisação e/ou greve” dos
servidores grevistas, antes da homologação da folha de pagamento do mês de
julho de 2012, deduções essas que terão o efeito de falta injustificada ao serviço.
Além disso, nesse contexto de retaliação à greve dos
servidores, a Presidência da República expediu o Decreto n. 7.777, de 24 de julho
de 2012, que dispõe sobre as medidas que devem ser adotadas, durante a
paralisação dos trabalhadores, para a continuidade de atividades e serviços
públicos dos órgãos e entidades da administração pública federal.
E é na inconstitucionalidade desse decreto presidencial
que se situa a fundamentação jurídica desta ação de controle concentrado de
constitucionalidade, conforme considerações que abaixo seguem.
Conceitualização e evolução histórica do direito de greve
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6. É de superior valia, na oportunidade, exortar o histórico
de conquistas e lutas da classe trabalhadora a fim de que se trace, como efeito, o
perfil cerceador do direito de greve provocado pelo Decreto 7.777/12, seu caráter
mitigador e como, de maneira implícita, se traduz num instrumento jurídico capaz
de desnaturar dispositivo constitucional que legitima a organização dos
trabalhadores para reivindicar seus direitos.
No Brasil, houve uma inversão da ordem de evolução
acerca do direito de greve em relação ao resto do mundo, haja vista que não houve
a transição cronológica de delito para liberdade e, posteriormente, para direito. O
direito de greve aqui foi visto, inicialmente, como liberdade, passando,
posteriormente, a ser interpretado como delito por um longo período de tempo, até
ser encarado como um direito pelo ordenamento jurídico pátrio. A Constituição de
1937 repudiava a greve e o lockout, considerando-os institutos nocivos aos
interesses da nação, principalmente por prejudicar o desenvolvimento social e
produtivo do Brasil.
A partir daí foram editadas inúmeras normas restritivas
ao direito de greve, prevendo punições das mais variadas aos trabalhadores que se
associassem a fim de pressionar os empregadores por meio de paralisação da
produção. A própria Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1943, previa
diversas penalizações aos obreiros que paralisassem os serviços sem autorização
dos tribunais trabalhistas.
A referida fase restritiva ao direito de greve durou até a
promulgação da Constituição de 1946, momento em que tal instituto foi
reconhecido como lícito e legítimo, sendo prevista a necessidade de posterior
regulamentação por meio da edição de legislação ordinária.
A Constituição Federal de 1988 insere a greve no elenco
dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores. Prevê que a lei definirá os
serviços e atividades essenciais e disporá sobre o atendimento às necessidades
inadiáveis da comunidade. A Constituição reconhece, ainda, no art. 37, inciso VII, o
direito de greve dos servidores públicos.
Certo se torna, portanto, que a conquista do direito
social fundamental de greve pelos trabalhadores travou-se a partir de uma árdua
e espinhosa batalha ao longo de décadas. O que não pode se admitir é que
hodiernamente uma norma de patamar hierárquico inferior (na forma de decreto)
venha à lume, com propósitos desbaratados, e desmantele a honradez da histórica
conquista dos trabalhadores.
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7. É cediço que a greve utiliza-se de seus mecanismos
para a defesa de interesses profissionais econômicos e sociais comuns aos
trabalhadores, sendo relevante para tal mister a interrupção do trabalho, sua
paralisação parcial para que os efeitos possam pressionar o Estado a discutir os
anseios dos trabalhadores.
Ao tentar suplantar o trabalho paralisado, com ônus
orçamentário, a Administração Federal desvirtua o direito adquirido de patamar
constitucional, de modo enviesado e essencialmente político.
A greve é um direito de coerção que visa à solução de
um conflito coletivo. Pode ser, sem dúvida alguma, considerada um direito
potestativo dos empregados. Assim, a parte contrária deve submeter-se à situação.
A greve, em sua essência, tem um único objetivo: fazer a parte contrária ceder
sob um determinado ponto da negociação.
Nesse sentido, cabe, por fim, ressaltar a necessidade de
se resguardar, frente à problemática aqui em discussão, o princípio da vedação
ao retrocesso social.
O constitucionalista português José Joaquim Gomes
2
Canotilho assim define o referido princípio:
“O princípio da democracia econômica e social aponta
para a proibição de retrocesso social. A ideia aqui
expressa também tem sido designada como proibição de
‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’.
Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e
econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à
assistência, direito à educação), uma vez obtido um
determinado grau de realização, passam a constituir,
simultaneamente, uma garantia institucional e um direito
subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode
fazer contra as recessões e crises econômicas
(reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita
a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança
social, subsídio de desemprego, prestações de saúde),
em clara violação do princípio da protecção da confiança
e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico,
social e cultural, e do núcleo essencial da existência
mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa
humana. O reconhecimento desta proteção de direitos
prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos,
constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo
2
Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 320-321.
7
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8. tempo, uma obrigação de prossecução de uma política
congruente com os direitos concretos e as expectativas
subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo
essencial efectivado justificará a sanção de
inconstitucionalidade relativamente aniquiladora da
chamada justiça social”.
Qualquer medida normativa que venha obstaculizar ou
restringir, direta ou indiretamente, o pleno exercício de greve, direito historicamente
conquistado pelos trabalhadores, caracteriza um recuo no processo de evolução
social, uma injustificável volta a um cenário jurídico ultrapassado, ao recompor um
estado histórico que se considerava definitivamente superado pela atual ordem
constitucional.
O Decreto n. 7.777/12: finalidade e autonomia normativa
O Decreto n. 7.777/12, como mencionado, dispõe sobre
as medidas para a continuidade das atividades e dos serviços dos órgãos e
entidades da administração pública federal durante a greve protagonizada pelos
servidores públicos federais.
Este o inteiro teor das disposições que integram o ato
normativo presidencial:
Art. 1o Compete aos Ministros de Estado supervisores
dos órgãos ou entidades em que ocorrer greve,
paralisação ou retardamento de atividades e serviços
públicos:
I - promover, mediante convênio, o compartilhamento da
execução da atividade ou serviço com Estados, Distrito
Federal ou Municípios; e
II - adotar, mediante ato próprio, procedimentos
simplificados necessários à manutenção ou realização
da atividade ou serviço.
§1o As atividades de liberação de veículos e cargas no
comércio exterior serão executadas em prazo máximo a
ser definido pelo respectivo Ministro de Estado
supervisor dos órgãos ou entidades intervenientes.
§2o Compete à chefia de cada unidade a observância do
prazo máximo estabelecido no § 1o.
§3o A responsabilidade funcional pelo descumprimento
do disposto nos §§ 1o e 2o será apurada em
procedimento disciplinar específico.
Art. 2o O Ministro de Estado competente aprovará o
convênio e determinará os procedimentos necessários
que garantam o funcionamento regular das atividades ou
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9. serviços públicos durante a greve, paralisação ou
operação de retardamento.
Art. 3o As medidas adotadas nos termos deste Decreto
serão encerradas com o término da greve, paralisação
ou operação de retardamento e a regularização das
atividades ou serviços públicos.
Art. 4o Este Decreto entra em vigor na data de sua
publicação.
Pelo que se depreende de seus termos, tendo em vista
disposição legal específica, a intenção aparente do decreto seria fazer as
adequações necessárias às peculiaridades do serviço público federal, considerando
o disposto no parágrafo único do art. 9º da Lei n. 7.783/89:
Art. 9º. Durante a greve, o sindicato ou a comissão de
negociação, mediante acordo com a entidade patronal
ou diretamente com o empregador, manterá em
atividade equipes de empregados com o propósito de
assegurar os serviços cuja paralisação resultem em
prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de
bens, máquinas e equipamentos, bem como a
manutenção daqueles essenciais à retomada das
atividades da empresa quando da cessação do
movimento.
Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao
empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de
contratar diretamente os serviços necessários a que se
refere este artigo.
É importante considerar, no entanto, que o decreto não
se restringe a regulamentar a Lei n. 7.783/89, mas produz inovação no campo
normativo, situando-se no mesmo nível das leis (em sentido estrito), o que lhe
confere, via de consequência, autonomia normativa. O Decreto n. 7.777/12
extrapola os limites de sua configuração jurídica, porque estabelece comandos
gerais, autônomos e abstratos, regulamentando diretamente o art. 37, inciso VII,
da Constituição Federal, no que se refere aos atos administrativos a serem
praticados no curso da atual greve dos servidores federais civis.
Os atributos da generalidade e da abstração do
Decreto n. 7.777/12 ressaltam da extensão de seus efeitos, que alcançarão toda a
comunidade de administrados, não se dirigindo a normatizar um fato concreto e
específico. A autonomia se revela pela sua desvinculação da lei que, em tese,
objetiva regulamentar, pois essa lei permite ao empregador contratar diretamente
os serviços necessários à manutenção de atividades essenciais ou cuja paralisação
possa resultar prejuízo, ao passo que o decreto presidencial autoriza, de forma
ampla e muito além da literalidade da Lei n. 7.783/89, a efetivação de convênios e
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10. procedimentos administrativos simplificados como forma de garantir o
funcionamento das atividades ou serviços públicos durante a greve, sejam estes
essenciais ou não, e estejam ou não sendo atendidos, pelos próprios grevistas, os
considerados essenciais.
No âmbito das greves dos trabalhadores da iniciativa
privada, a Lei n. 7.783/89 não exige qualquer regulamentação, pois caracteriza-se
como um diploma normativo suficiente a regrar as relações entre as partes e os
demais interesses no curso da paralisação. Na esfera pública, de igual forma, a
referida lei também não requer regulamentação, mas apenas algumas adaptações,
já devidamente fixadas por este Tribunal quando julgou os Mandados de Injunção
ns. 670, 708 e 712.
Os aspectos da greve no serviço público já se
encontram, portanto, regulamentados – ainda que temporariamente, até o momento
em que o Poder Legislativo produzir a lei específica prevista no texto da
Constituição. O Decreto n. 7.777/12, à vista disso, promove verdadeira inovação na
ordem jurídica, mas sob o alto custo de uma série de inconstitucionalidades, como
adiante será demonstrado.
Decisões recentes deste Supremo Tribunal Federal
admitem que decretos sejam submetidos a controle concentrado de
constitucionalidade quando revestidos de autonomia normativa, e não meramente
regulamentar. Nesse sentido, o seguinte julgado, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3.664, Relator Ministro Cezar Peluso, de 1º de junho de
2011:
“1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto.
Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que
institui benefícios fiscais. Caráter não meramente
regulamentar. Introdução de novidade normativa.
Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se
limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal
ou introduza outra novidade normativa, reputa-se
autônomo e, como tal, é suscetível de controle
concentrado de constitucionalidade. 2.
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº
27.427/00, do Estado do Rio de Janeiro. Tributo. Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.
Benefícios fiscais. Redução de alíquota e concessão de
crédito presumido, por Estado-membro, mediante
decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado
no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75.
Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade.
Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra
“g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não
pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou
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11. benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral,
mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia
celebração de convênio intergovernamental no âmbito do
CONFAZ”3 (os grifos não são originais).
Fundamentos jurídicos: inconstitucionalidade do Decreto n. 7.777/12
Contrariedade ao art. 61, §1º, inciso II, alíneas “a” e “c”, e ao art. 48, inciso X,
da Constituição Federal
A contrariedade do Decreto n. 7.777/12 ao texto da
Constituição Federal, neste tópico, situa-se no vício de competência que dele
resulta, porque cabe somente ao Poder Legislativo, após iniciativa do Presidente da
República, deliberar sobre emissão de lei que institua cargos, funções ou empregos
públicos na administração direta e autárquica ou promova aumento de sua
remuneração e, ainda, dispor sobre servidores públicos da União, seu regime
jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria, na exata dicção do
art. 61, §1º, inciso II, alíneas “a” e “c”, e do art. 48, inciso X, da Constituição
Federal.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.232,
Relator Ministro Cezar Peluso, julgada em 14 de agosto de 2008, o Supremo
Tribunal Federal decidiu nos seguintes termos:
"Ação direta de inconstitucionalidade. Condição. Objeto.
Decreto que cria cargos públicos remunerados e
estabelece as respectivas denominações, competências
e remunerações. Execução de lei inconstitucional.
Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade
jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle
concentrado de constitucionalidade de decreto que,
dando execução à lei inconstitucional, crie cargos
públicos remunerados e estabeleça as respectivas
denominações, competências, atribuições e
remunerações. Inconstitucionalidade. Ação direta. Art.
5° da Lei 1.124/2000, do Estado do Tocantins.
Administração pública. Criação de cargos e funções.
Fixação de atribuições e remuneração dos servidores.
Efeitos jurídicos delegados a decretos do chefe do
Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade.
Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa
privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1° II, a , e 84,
,
3
No mesmo sentido: Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.152, Relator Ministro Cezar
Peluso, julgada em 1º de junho de 2011; Agravo Regimental na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 2.950, Relator Ministro Eros Grau, julgado em 06 de outubro de 2004.
11
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12. VI, a, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes.
São inconstitucionais a lei que autorize o chefe do Poder
Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de
cargos públicos remunerados, bem como os decretos
que lhe dêem execução" (sem os grifos no original).
Na dinâmica prevista na Constituição, no que se refere à
temática incluída no decreto, cumpre ao Chefe do Poder Executivo federal apenas
o ato de iniciar o processo legislativo, desenvolvendo-se os atos seguintes no
âmbito do Congresso Nacional, para fins de deliberar sobre a emissão de ato
normativo acerca do assunto.
Repare-se bem: o Decreto n. 7.777/12 não dispõe
expressa e especificamente a respeito de criação ou provimento de cargos, funções
ou empregos públicos federais. Nesse sentido, aparentemente não haveria
configuração de ofensa ao texto constitucional. Entretanto, ao autorizar que a
execução do serviço, no curso da greve dos trabalhadores federais, seja mantida
por convênios com outras entidades públicas e por prestadores de serviço
selecionados através de “procedimentos simplificados”, o decreto, através de seu
art. 1º, incisos I e II - e os demais dispositivos que lhe são consectários -,
estabelece um artifício prático apto a contornar a rigidez normativa das disposições
constitucionais acima mencionadas.
Ainda que efetivamente não configure instituição e
provimento formal de cargos e funções públicas, é inegável, por outro lado, que, na
realidade dos fatos, o decreto presidencial permite que pessoas sejam “investidas”
temporariamente no exercício das atividades inerentes aos cargos e funções dos
trabalhadores em greve.
O Decreto n. 7.777/12, à vista do exposto, invade
competência atribuída pela Constituição Federal ao Poder Legislativo, órgão ao
qual incumbe a produção de lei, em sentido estrito, sobre a matéria versada no
decreto presidencial.
Contrariedade ao art. 84, inciso VI, alínea “a”, e ao art. 167, incisos I, II, V e VI,
da Constituição Federal
O art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição
Federal faculta à Presidência da República expedir decreto regulamentando a
organização e o funcionamento da administração federal, desde que o ato
normativo não implique aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos
públicos.
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13. Para bem entender a ressalva: o Poder Executivo
Federal não pode expedir decreto do qual resulte acréscimo nas despesas
públicas.
A vedação prevista no texto constitucional representa um
maior acautelamento do legislador constituinte no que diz respeito ao trato das
verbas públicas. A exceção sobre a qual não pode o Chefe do Executivo Federal
expedir decreto exige que a hipótese seja submetida ao processo deliberativo do
Poder Legislativo, órgão ao qual incumbe a prévia fixação das despesas públicas,
como está a indicar o art. 48, inciso II, da Constituição Federal, e onde a proposta
receberá o exame ponderado dos seus integrantes.
A ofensa do Decreto n. 7.777/12 à norma constitucional
acima indicada se dá especificamente porque a “promoção de convênio” e a
adoção de “procedimentos simplificados necessários à manutenção ou realização
da atividade ou serviço” público, como já referido, induz à possibilidade de
contratação de serviços de terceiros, alheios à função pública federal, com a
necessária contraprestação financeira e a consequente oneração do orçamento
público, expressamente vedada pela Constituição.
Além do mais, a realização de despesas, em caráter
excepcional, abrangendo situações não contempladas nos créditos orçamentários -
é o que se supõe no caso concreto, pois o decreto tem por finalidade fazer frente a
uma situação fática excepcional, não prevista quando foi aprovada a lei
orçamentária anual, e que exigirá dispêndio financeiro - implica, por outro lado,
afronta ao disposto no art. 167 da Constituição Federal, que veda a consecução
de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual (inciso I), obsta a
realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os
créditos orçamentários ou adicionais (inciso II), impede a abertura de crédito
suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos
respectivos recursos (inciso V) e, por fim, não permite o redirecionamento de
verbas orçamentárias de uma categoria para outra sem previsão legal (inciso VI).
Na Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 352, Relator Ministro Celso de Mello, julgada em 29 de
agosto de 1990, este Tribunal suspendeu o ato impugnado, porque a
potencialidade danosa e a irreparabilidade dos prejuízos não podem ser causados
por normas emitidas por agentes políticos que desatendam as diretrizes
orçamentárias:
“[...] Reveste-se de plausibilidade jurídica, no entanto, a
tese, sustentada em ação direta, de que o legislador
estadual, condicionado em sua ação normativa por
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14. princípios superiores enunciados na CF, não pode, ao
fixar a despesa pública, autorizar gastos que excedam
os créditos orçamentários ou adicionais, ou omitir-lhes a
correspondente fonte de custeio, com a necessária
indicação dos recursos existentes [...]”.
Contrariedade ao art. 241 da Constituição Federal
O Decreto n. 7.777/12 confere poderes aos Ministros de
Estado supervisores dos órgãos e entidades, no âmbito das quais ocorre a greve
dos trabalhadores federais, para firmar convênios de colaboração com Estados,
Distrito Federal e Municípios para execução de atividades e serviços federais
atingidos pela paralisação, podendo inclusive adotar procedimentos simplificados
que considerarem necessários de modo a alcançar tal finalidade.
Neste aspecto, a normatização veiculada pelo decreto
presidencial, notadamente seus arts. 1º, incisos I e II, 2º e 3º, afronta o art. 241 da
Constituição Federal, redigido nestes termos:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios
públicos e os convênios de cooperação entre os entes
federados, autorizando a gestão associada de serviços
públicos, bem como a transferência total ou parcial de
encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos.
Como ressalta do texto constitucional, aqui também o
Decreto n. 7.777/12 invade campo temático que cabe somente à lei disciplinar.
Repare-se bem na evidência da inconstitucionalidade a
merecer a intervenção deste Supremo Tribunal. Nos termos do art. 241 a lei é o
instrumento pelo qual os entes federados devem firmar convênios de gestão
associada ou transferência total ou parcial de serviços públicos. O decreto
presidencial, contudo, literalmente desconsidera o comando constitucional, e, como
se fosse lei, autoriza, no curso da greve dos servidores federais, a formalização e
efetivação de convênios de compartilhamento de serviços públicos federais.
Convênios de cooperação (os quais a Constituição
Federal reserva o respectivo disciplinamento à lei) e convênios de
compartilhamento (objeto do Decreto n. 7.777/12) de serviços públicos são
expressões semanticamente idênticas, que levam o intérprete de sua literalidade ao
mesmo resultado significativo.
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15. Igualmente sob este fundamento, portanto, cumpre que
seja restabelecida a ordem constitucional.
Contrariedade ao art. 37, caput e inciso II, da Constituição Federal
O Decreto n. 7.777/12 igualmente não se ajusta ao art.
37, caput, da Constituição Federal, especificamente porque a administração
pública deve obedecer, entre outros, aos princípios da legalidade e da eficiência
e também viola o inciso II do mesmo dispositivo constitucional, visto que permite o
exercício de atribuições inerentes a cargos públicos sem prévio concurso.
Como a norma presidencial autoriza o compartilhamento
da execução das atividades e serviços federais com as demais entidades
federativas (Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como admite a adoção de
procedimentos simplificados voltados à contratação de serviços privados, é
evidente que haverá infringência aos princípios constitucionais acima nominados,
porque a função pública não pode ser submetida a medidas e soluções
apressadas, sujeitas a designações de pessoal sem o devido preparo e
qualificação exigida na lei e sem anterior processo seletivo.
É importante considerar, neste ponto, um aspecto fático
relevante para bem avaliar a contextualização em que foi emitido o Decreto n.
7.777/12.
Como antes mencionado, os trabalhadores em greve,
organizados pelos seus sindicatos de base e pela sua entidade confederativa, não
paralisaram completamente suas atividades funcionais, pois mantêm um
quantitativo razoável no atendimento das atividades essenciais, e o ofício enviado
pela Confederação dos Trabalhadores no serviço Público Federal (acima transcrito)
ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão bem comprova tal afirmação.
Esse fato revela a desnecessidade do decreto presidencial, que assume, por isso,
uma clara intenção de apenas fragilizar a legítima paralisação dos trabalhadores.
À vista da legalidade e da eficiência, que compõem a
pauta axiológica que orienta e ordena todos os atos do Poder Público, os serviços
que a Constituição reserva à administração, fiscalização e execução da União
Federal não podem ser delegados, ainda que diante de situação transitória e
excepcional, a outras entidades federativas e a particulares.
O art. 23 da Constituição Federal arrola as atividades
submetidas à competência comum entre as entidades federativas:
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16. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das
instituições democráticas e conservar o patrimônio
público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e
garantia das pessoas portadoras de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de
valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as
paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a
descaracterização de obras de arte e de outros bens de
valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à
educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o
abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento
básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos
setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de
direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e
minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a
segurança do trânsito.
Somente no que se refere a tais atividades poderia haver
um “compartilhamento”, conforme expressão utilizada na redação do art. 1º, inciso
I, do Decreto n. 7.777/12. No entanto, o decreto deliberadamente sequer elenca
quais atividades serão submetidas aos atos sobre os quais dispõe, o que impede a
verificação, nesse aspecto, da sua consonância com o art. 23 da Constituição.
Ademais, como antes assinalado, o decreto permite, por
uma via absolutamente desvirtuada da previsão constitucional, que pessoas alheias
ao quadro funcional federal e terceirizadas sejam “investidas” de fato no exercício
de atribuições correspondentes aos cargos e funções dos servidores que aderiram
à paralisação.
Contrariedade ao art. 37, inciso VII, ao art. 9º e ao art. 5º, §2º, da Constituição
Federal
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17. O decreto presidencial impugnado, como se depreende
de sua oculta motivação, revela uma clara intenção do Executivo Federal de
fragilizar o exercício de um direito constitucionalmente assegurado aos
trabalhadores do serviço público, previsto no art. 37, inciso VII, da Constituição
Federal (que, aliás, mantém simetria com o art. 9º do texto constitucional).
No Mandado de Injunção n. 712, Relator Ministro Eros
Grau, julgado em 25 de outubro de 2007, esta Corte deixou assentada a
importância que a ordem jurídica constitucional confere ao direito de greve:
“[...] 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da
CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua
eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do
preceito, atuação legislativa que dê concreção ao
comando positivado no texto da Constituição. 4.
Reconhecimento, por esta Corte, em diversas
oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no
que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar
concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5.
Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal
Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa
ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da
apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões
desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a
arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores
visando à conquista de melhores condições de vida.
Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de
direito fundamental de caráter instrumental. 7. A
Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em
geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles
compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e
sobre os interesses que devam por meio dela
defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão
protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis
todos os tipos de greve [...]” (os grifos não são
originais).
No contexto dos fatos antes descrito, foi mencionado
que, em 12 de junho de 2012, a Confederação dos Trabalhadores no Serviço
Público Federal, cumprindo requisitos previstos na legislação e manifestando
preocupação com a manutenção das atividades essenciais do serviço público,
enviou ofício ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Na ocasião,
convém reiterar, assegurou que trinta por cento dos trabalhadores respectivos
continuariam a exercer suas atividades nos serviços essenciais à população.
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18. Portanto, consideradas essas premissas fáticas para
bem avaliar a questão, antes de resguardar a continuidade do serviço público,
constata-se que o decreto presidencial, em oposição ao dispositivo constitucional,
revela-se como um instrumento formal de pressão aos trabalhadores em greve,
pois não há paralisação total das atividades essenciais, hipótese que exigiria
medidas excepcionais por parte dos gestores administrativos.
Ressalte-se, ainda, considerando a definição, por esta
Corte Suprema, de aplicação da Lei n. 7.783/89 como diploma normativo apto
regrar, observadas as devidas adequações, as greves no âmbito do serviço público,
que a paralisação dos servidores federais civis, que deu ensejo à expedição do
Decreto n. 7.777/12, em nenhum momento foi considerada fora dos parâmetros
legais. Não há, até este momento, decisão judicial que tenha declarado a
ilegalidade da greve movida pelos trabalhadores. Não pode o Poder Executivo
Federal, à vista disso, adotar meios orientados, mesmo que indiretamente, a
impedir ou a constranger o pleno exercício de greve pelos servidores.
Note-se que o parágrafo único do art. 9º da Lei n.
7.783/89 prevê que é assegurado ao empregador, no curso da greve, o direito de
contratar diretamente os serviços inadiáveis e essenciais, mas o decreto não
observa esta restrição, visto que autoriza a prática de atos administrativos
necessários à manutenção e realização de qualquer serviço público federal.
Como decorrência lógica desses fatos, por outro lado, o
ato normativo presidencial também mostra-se em colisão com o art. 5º, §2º, da
Constituição Federal, que dispõe o seguinte:
Art. 5º [...]
§2º - Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte.
Embora o direito à negociação coletiva, no âmbito do
serviço público, não esteja expresso no texto constitucional, está
indissociavelmente relacionado com o direito de greve, preceituado no art. 37,
inciso VII. Greve e negociação coletiva são instrumentos essencialmente inerentes
às relações de trabalho coletivizadas. Na contemporaneidade, é indispensável
considerar a paralisação dos trabalhadores como um fenômeno social
reivindicatório que requer, na busca de seu equilibrado equacionamento, um amplo
processo negocial entre os atores sociais envolvidos. E esse processo, em
qualquer momento do seu desenvolvimento, deve ser pautado no diálogo
18
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19. exaustivo, na verdadeira e sincera colaboração e na boa-fé recíproca entre as
partes que protagonizam as tentativas de entendimento.
Esses preceitos morais que orientam a tensão
decorrente dos dissídios de natureza coletiva impedem a legitimidade de
procedimentos que atentam contra os direitos e interesses em colisão. Nesse
sentido, às partes representativas não é permitido promover atos ou condutas
contrárias ao dever de diálogo negocial. Apenas ilustrativamente, tendo em vista a
experiência de casos concretos, aos trabalhadores não é dado utilizar meios
violentos ou constrangedores para convencer os demais a aderirem à greve, ao
passo que as autoridades administrativas devem se abster de cometerem as
chamadas condutas anti-sindicais, caracterizadas por iniciativas tendentes a
dificultar ou a impedir o livre fluxo da organização coletivizada dos trabalhadores.
Portanto, é forçoso reconhecer que o direito à
negociação coletiva está contemplado, embora não expressamente, no dispositivo
constitucional que assegura aos trabalhadores o direito à greve, forma legítima de
expressão de seu programa reivindicatório, porque aquele direito decorre do regime
e de princípios adotados pela normatização constitucional (art. 5º, §2º).
Como a greve, na contextualização dos fatos, é um
instrumento voltado a induzir o empregador (no caso, a Administração Federal) a
negociar, o Decreto n. 7.777/12 embaraça a sua plena eficácia, na medida em que
permite que a problemática dela decorrente, que é a não prestação de serviço (fato
que concretiza a força reivindicatória dos trabalhadores), seja, em tese,
solucionada. Não há dúvida, à vista dessa afirmativa, que o decreto presidencial
caracteriza-se como conduta anti-sindical, pois inviabiliza não apenas a plena
fruição de um direito literalmente resguardado pela normatização constitucional,
mas também o que nela integra o seu núcleo essencial, que é o necessário
processo de negociação coletiva.
É importante enfatizar, nessa temática, a vigência da
Convenção n. 151, da Organização Internacional do Trabalho, aprovada pelo
Decreto Legislativo n. 206, de 17 de abril de 2010 e ratificada pelo Brasil no dia 15
de junho do mesmo ano. Nos termos do item 3 do art. 11 da Convenção, suas
disposições já se encontram em vigor no Brasil, cujo prazo iniciou doze meses após
a data do registro da respectiva ratificação.
A Convenção n. 151, ao dispor sobre a proteção do
direito de sindicalização no seu art. 4º, refere, na fórmula de uma cláusula genérica
(portanto, com ampla extensão interpretativa e com abrangente aplicabilidade), que
os trabalhadores públicos devem gozar de adequada proteção contra atos de
discriminação anti-sindical que tenham referência com seu trabalho (item 1),
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20. especificando, ademais, que a proteção alcança os atos destinados a prejudicar de
qualquer outro modo o trabalhador público por sua participação nas atividades
normais da organização que representa sua categoria (item 2, alínea ‘b’). Por
“atividades normais” entenda-se, sem dúvida, entre outras, a participação em
greves e em paralisações, que se incluem entre os atos essenciais das
organizações sindicais.
Esta a íntegra redacional do referido dispositivo4:
Artigo 4º
1. Os empregados públicos gozarão de proteção
adequada contra todo ato de discriminação sindical em
relação com seu emprego.
2. A referida proteção será exercida especialmente
contra todo ato que tenha por objetivo:
a) subordinar o emprego de funcionário público à
condição de que não se filie a uma organização de
empregados públicos ou a que deixe de ser membro
dela;
b) despedir um empregado público, ou prejudicá-lo de
qualquer outra forma, devido a sua filiação a uma
organização de empregados públicos ou de sua
participação nas atividades normais de tal organização.
É no título destinado à solução dos conflitos coletivos de
trabalho que a Convenção n. 151, pelo seu art. 8º, é inequívoca no que diz respeito
à necessidade de se priorizar, sob qualquer condição, uma equação dialógica entre
as partes:
Artigo 8º
A solução dos conflitos que se apresentem por motivo da
determinação das condições de emprego tratar-se-á de
conseguir, de maneira apropriada às condições
nacionais, por meio da negociação entre as partes ou
mediante procedimentos independentes e imparciais,
tais como a mediação, a conciliação e a arbitragem,
estabelecidos de modo que inspirem a confiança dos
interessados.
A Convenção n. 151, pela sua própria natureza de
documento jurídico internacional, possui alta densidade normativa. Em vista disso,
em razão de sua plena vigência no âmbito da ordem jurídica nacional e
considerando, acima de tudo, a disposição contida no art. 5º, §2º, da Constituição
Federal, independentemente da falta de sua regulamentação no Brasil, impõe-se
4
Disponível em http://www.oit.org.br/node/501. Acesso em 08 de agosto de 2012.
20
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21. sua imediata aplicação no contexto da aferição das inconstitucionalidades que
anulam a legitimidade do Decreto n. 7.777/12.
Inexistindo os pressupostos fático-jurídicos para a
expedição do Decreto n. 7.777/12, a conclusão que se impõe, no ponto aqui
considerado, é pela sua integral inconstitucionalidade.
Contrariedade ao art. 37, inciso IX, da Constituição Federal
A Constituição Federal, tal como expressa a norma
contida no dispositivo acima destacado, autoriza as autoridades administrativas a
promoverem a contratação, por tempo determinado, de prestadores de serviço para
atendimento de necessidades temporárias nos casos em que houver excepcional
interesse público.
As hipóteses em que essa contratação é permitida, na
dicção literal do art. 37, inciso IX, devem ser fixadas somente por lei em sentido
estrito (e essa lei já existe, conforme logo abaixo será mencionado), não por
decreto, como está a fazer o ato presidencial impugnado.
Foi nesse sentido a decisão na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3.430, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, em
julgamento realizado no dia 12 de agosto de 2009, ocasião em que este Supremo
Tribunal deixou expresso o entendimento de que a contratação por prazo
determinado exige lei específica do ente federativo:
“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE
DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE
SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE.
POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO
ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE.
ADI JULGADA PROCEDENTE. I - A contratação
temporária de servidores sem concurso público é
exceção, e não regra na Administração Pública, e há
de ser regulamentada por lei do ente federativo que
assim disponha. II - Para que se efetue a contratação
temporária, é necessário que não apenas seja estipulado
o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que
o serviço a ser prestado revista-se do caráter da
temporariedade. III - O serviço público de saúde é
essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário,
razão pela qual não assiste razão à Administração
estadual capixaba ao contratar temporariamente
servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de
contratação prorrogado por nova lei complementar:
inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência
21
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22. desta Corte no sentido de não permitir contratação
temporária de servidores para a execução de serviços
meramente burocráticos. Ausência de relevância e
interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga
procedente” (os grifos não são originais)5.
A propósito, a violação que o Decreto n. 7.777/12, pelos
seus arts. 1º, inciso II, 2º e 3º, promove ao texto da Constituição, no sentido aqui
exposto, reforça a sua autonomia normativa, porque se nivela à lei e regula matéria
destinada especificamente à deliberação do Poder Legislativo.
E é a Lei n. 8.745/93 o diploma juridicamente legítimo
que estabelece os casos de contratação temporária, e o seu art. 2º não elenca a
greve dos trabalhadores públicos entre as hipóteses que autorizam a contratação
por tempo determinado; exige-se, ainda, de qualquer forma, que as contratações
somente poderão ser feitas com observância de dotação orçamentária específica
(art. 5º), o que igualmente não se confirma no que se refere ao decreto impugnado.
São inconstitucionais, portanto, as disposições do
decreto presidencial, pois estão direcionadas a regrar matéria que a Constituição
Federal reserva tão-somente à lei disciplinar.
Interpretação conforme à Constituição
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.274,
julgada em 23 de novembro de 2011, o voto do Ministro Ayres Britto bem esclarece
a finalidade e as balizas da interpretação conforme a Constituição:
“Cuida-se, pois, de técnica de fiscalização de
constitucionalidade que se marca por um mais reduzido
teor de interferência judicial no dispositivo-objeto, pois
sua real serventia não está na possibilidade de recusar
eficácia a tal dispositivo-alvo, nem mesmo em sede
cautelar; ou seja, a ‘interpretação conforme’ nem se
destina a suspender, nem a cassar a eficácia do texto-
normativo sobre que se debruça. Ela serve tão-
somente para descartar a incidência de uma dada
compreensão – ou mais de uma - que se possa
5
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.987, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgada
em 19 de fevereiro de 2004, também restou delineado o campo restrito da contratação temporária
para o exercício da função pública: “Servidor público: contratação temporária excepcional (CF, art.
37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções
burocráticas ordinárias e permanentes”.
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23. extrair do dispositivo infraconstitucional tido por
insurgente à Constituição. Que significação? Aquela
– ou aquelas – em demonstrada rota de colisão com
a Magna Carta” (grifos originais).
A interpretação conforme, como se nota, caracteriza-se
como uma técnica interpretativa do texto legal, que se perfectibiliza na adaptação
do significado de uma disposição normativa ao significado de outra disposição
situada em nível hierárquico superior. A conformidade de uma determinada linha
interpretativa de uma norma também pode ser declarada em relação a um princípio
jurídico geral.
A compatibilidade do texto legal com as diretrizes
constitucionais é uma exigência impositiva frente ao princípio da máxima hierarquia
das normas constitucionais. Cabe ao intérprete, dentro dos limites
plurissignificativos da norma, deduzir o sentido textual mais consentâneo com a
Constituição Federal, desde que essa opção seja possível e razoável.
Acerca da multiplicidade de significados possíveis de
certas normas, pressuposto da interpretação conforme, o Ministro Ayres Britto, em
outra ocasião, assim pronunciou-se:
“E o fato é que tal plurissignificatividade ou polissemia
desse ou daquele texto normativo é pressuposto do
emprego dessa técnica especial de controle de
constitucionalidade que atende pelo nome, justamente,
de “interpretação conforme à Constituição”, quando uma
das vertentes hermenêuticas se põe em rota de colisão
com o Texto Magno Federal”6.
À vista dessas considerações, alternativamente, tendo
em vista a hipótese deste Supremo Tribunal Federal entender possível
compatibilizar o Decreto n. 7.777/12 com o texto da Constituição, cumpre, então,
que a intelecção das disposições do ato normativo presidencial seja fixada no
sentido de que sua incidência não pode resultar em qualquer aumento de
despesas públicas, assim como sua aplicação seja condicionada à
declaração de ilegalidade da greve dos servidores federais, por decisão
judicial.
Como antes salientado, o Decreto n. 7.777/12 determina
aos gestores federais a promoção de convênios e a adoção de procedimentos
necessários à manutenção do serviço público, no curso da greve dos servidores, o
6
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, julgada em 05 de maio de
2011.
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24. que possibilita a interpretação de que está autorizada a oneração do orçamento
público, vedada, contudo, pela Constituição Federal.
Além do mais, através do Decreto n. 7.777/12 o Poder
Executivo Federal intenciona, direta ou indiretamente, impedir ou constranger o
pleno exercício de grave pelos servidores federais civis, muito embora inexistente,
até este momento, decisão judicial que tenha declarado que a greve movida pelos
trabalhadores contraria as disposições da Lei n. 7.783/89, diploma legal que regra
as greves no âmbito do serviço público, nos termos definidos por este Supremo
Tribunal.
Essa via interpretativa, com a exclusão de outras
possibilidades de compreensão em sentido contrário, admissíveis frente à
significação variada dos termos e expressões contidas nos dispositivos do Decreto
n. 7.777/12, é a única alternativa para se admitir que tais disposições, sem redução
textual, tenham consonância com os art. 84, inciso VI, alínea “a”, ao art. 167,
incisos I, II, V e VI, e ao art. 37, inciso VII, e da Constituição Federal.
Necessidade de concessão de medida cautelar
O provimento jurisdicional acautelatório, na via estreita
do controle concentrado de constitucionalidade, está direcionado a evitar, em
caráter antecipatório e provisório, que se concretize dano decorrente dos efeitos
jurídicos de normas que, em cognição sumária, se mostrem contrárias ao texto da
Constituição Federal.
Nesse sentido, a concessão de medida liminar
pressupõe a plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade e o fundado receio
de prejuízo resultante do ato normativo impugnado, caso não afastados
imediatamente seus efeitos jurídicos.
É o que sucede com o Decreto n. 7.777/12.
Desde o início da vigência do decreto impugnado os
gestores federais têm a incumbência de promover os atos necessários aos fins nele
especificados, mediante realização de convênios com demais entidades federativas
e adoção de procedimentos administrativos simplificados, não obstante o ato
normativo presidencial revele, como acima explicitado, múltiplas incompatibilidades
com o texto da Constituição Federal.
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25. Em vista disso, cumpre a este Supremo Tribunal Federal
a suspensão, liminarmente, com eficácia ex tunc (art. 11, §1º, in fine, da Lei n.
9.868/99), dos efeitos jurídicos do Decreto n. 7.777/12.
Alternativamente, pela técnica da interpretação
conforme, em sede cautelar, que a intelecção das disposições do ato normativo
presidencial, com exclusão de qualquer outra possibilidade interpretativa em
sentido contrário, seja fixada no sentido de que sua incidência não pode resultar em
qualquer aumento de despesas públicas, assim como sua aplicação seja
condicionada à declaração de ilegalidade da greve dos servidores federais, por
decisão judicial.
Pedido e suas especificações
Em face do exposto, requer a parte autora:
a) a concessão de medida cautelar, para que sejam
suspensos liminarmente os efeitos jurídicos do Decreto n. 7.777, de 24 de julho de
2012, com eficácia retroativa a partir de sua vigência, em razão da manifesta
inconstitucionalidade de suas disposições; ou, pela técnica da interpretação
conforme, que a intelecção das disposições do ato normativo presidencial, seja
fixada no sentido de que sua incidência, não pode resultar em qualquer aumento de
despesas públicas, assim como sua aplicação seja condicionada à declaração, por
decisão judicial, de ilegalidade da greve dos servidores federais;
b) que seja ouvida a Presidente da República, para que
preste as informações que entender necessárias acerca do ato normativo
impugnado;
c) que sejam ouvidos o Advogado-Geral da União e o
Procurador-Geral da República;
d) ao final, que seja julgada procedente a presente ação
e seja declarada a inconstitucionalidade integral do Decreto n. 7.777, de 24 de
julho de 2012, com eficácia retroativa desde o início de sua vigência, por violar o
art. 61, §1º, inciso II, alíneas “a” e “c”; art. 48, inciso X; art. 84, inciso VI, alínea
“a”; art. 167, incisos I, II, V e VI; art. 37, caput e inciso II; art. 37, inciso VII; art.
9º; art. 5º, §2º; art. 37, inciso IX; e art. 241, todos da Constituição Federal7;
7
Dispositivos elencados na ordem sequencial da fundamentação.
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26. e) alternativamente, pela técnica da interpretação
conforme, que a intelecção das disposições do ato normativo presidencial, com
exclusão de qualquer outra possibilidade interpretativa adversa, seja fixada no
sentido de que sua incidência não pode resultar em qualquer aumento de despesas
públicas, assim como sua aplicação seja condicionada à declaração de ilegalidade
da greve dos servidores federais, por decisão judicial.
Valor da causa: R$ 5.000,00
Brasília, 09 de agosto de 2012.
José Luis Wagner Antonio Rodrigo Machado
OAB/DF n. 17.183 OAB/DF n. 34.921
Marcelo Garcia da Cunha Valmir Floriano Vieira de Andrade
OAB/RS 43.016 OAB/DF 26.778
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