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A crise da produção científica no Brasil 2017
A CRISE DA PRODUÇÃO
CIENTÍFICA NO BRASIL
RILEY RODRIGUES DE OLIVEIRA, MSc
MC2R
INTELIGÊNCIA
ESTRATÉGICA
Telefone: 55.21.99607.3012
E-mail: mc2rinteligenciaestrategica@gmail.com
A crise da produção científica no Brasil 2017
A CRISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL
Riley Rodrigues de Oliveira, diretor-presidente da consultoria MC2R Inteligência Estratégica é
economista, diplomado em Gestão Estratégica pelo Instituto INSEAD (França), com mestrado
pela COPPE/UFRJ e especialização COPPEAD/UFRJ. É membro do Global Leader’s Panel –
Economist Intelligence Unit.
A crise da produção científica no Brasil 2017
crise econômica, que se agravou desde 2014, afetou duramente a produção científica no
Brasil. Como resultado direto da crise, que cortou recursos destinados à pesquisa e
inovação, assim como para bolsas de pós-graduação, em 2016, o Brasil registrou uma
queda de 28,6% na produção científica, conforme tabela 1.
Tabela 1. Produção científica total no Brasil
Fonte: Lattes.CNPq
Ciências Exatas e da Terra (Matemática, Probabilidade e Estatística, Ciência da Computação,
Astronomia, Física, Química, Geociências e Oceanografia) registrou queda de 30,2% na
produção científica entre 2014 e 2016, depois de registrar crescimento de 295% entre 2000 e
2014. A produção regrediu seis anos, voltando aos patamares de 2010. O mesmo
comportamento foi registrado em Ciências Agrárias (Agronomia, Recursos Florestais e
Engenharia Florestal, Engenharia Agrícola, Zootecnia, Medicina Veterinária, Recursos
Pesqueiros e Engenharia de Pesca, Ciência e Tecnologia de Alimentos) e Linguística, Letras e
Artes, que registraram recuo de 30,1%. Ciências Sociais Aplicadas (Direito, Administração,
Economia, Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Demografia, Ciência da
Informação, Museologia, Comunicação, Serviço Social, Economia Doméstica, Desenho
Industrial, Turismo) revê o menor recuo no período, com queda de 25,2% no volume de
produção científica.
Esse resultado deverá fazer o Brasil cair ainda mais no Índice Global de Inovação (GII, na sigla
em inglês), divulgado anualmente pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. No
último IGI (2017) o Brasil ocupa a posição número 69, a mesma da edição de 2016. Com o
agravamento da crise financeira em 2017 e a falta de perspectivas de melhoras significativas
nos próximos anos, a tendência é que o Brasil perca mais posições.
Apesar das dificuldades, as pesquisas em ciência e tecnologia & inovação (CT&I), muito
dependente dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FNDCT), são de alta qualidade, como no caso dos estudos sobre o Zika vírus, responsável por
uma grave epidemia que afetou todo o país em 2016. A relação entre a infecção por Zika e a
microcefalia foi identificada por pesquisadores brasileiros.
O problema é sistêmico, pois o Brasil não trata ciência e inovação como investimento, mas
como gasto, e por isso o setor, que deveria ser preservado dos cortes orçamentários, por sua
importância para o desenvolvimento do país, foi afetado pelo corte linear de 44% do
orçamento da União. Em 2011, o Orçamento da União reservou, do FNDCT, R$ 2,1 bilhões,
destinando para a pesquisa R$ 1,9 bilhão. Em 2013 foi orçado R$ 3,7 bilhões e disponibilizados
R$ 3 bilhões. Em 2016 o orçamento previu R$ 2,6 bilhões, mas apenas R$ 800 milhões foram
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 59.439 62.040 82.776 129.237 140.850 161.644 234.762 163.870 -30,2
Ciências Agrárias 58.733 69.263 96.126 146.326 158.981 194.043 276.678 193.467 -30,1
Ciências Biológicas 48.793 54.688 79.472 134.518 156.265 189.732 286.205 205.127 -28,3
Ciências da Saúde 50.060 64.226 100.339 184.361 216.119 256.996 392.149 278.158 -29,1
Ciências Humanas 38.515 47.675 78.244 153.313 192.319 247.160 374.976 265.429 -29,2
Engs. e Computação 77.923 82.054 119.157 195.441 212.484 245.620 344.217 244.668 -28,9
Ling., Letras e Artes 11.431 13.808 22.959 43.625 52.243 65.298 96.597 67.512 -30,1
Soc. Aplicadas 19.395 28.107 55.217 109.127 129.248 160.838 262.428 196.293 -25,2
Outras 0 0 0 0 0 0 0 4.270 -
Total 364.289 421.861 634.290 1.095.948 1.258.509 1.521.331 2.268.012 1.618.794 -28,6
Grande Área do Conhecimento
Número de Produções Δ%
2016-2014
Total
A
A crise da produção científica no Brasil 2017
disponibilizados, o que explica a queda na produção registrada no ano. A crise fica ainda mais
grave se considerarmos que o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2010,
atualizado pela inflação, equivaleria a R$ 10 bilhões.
Outro problema é que há pouco investimento privado em pesquisa científica e inovação. Nos
países que lideram os rankings de produção de conhecimento científico e de inovação, o setor
privado possui uma participação maior que o público na equação. Mas no Brasil não há
incentivos para investimento privado em pesquisa e desenvolvimento, em especial nas
universidades.
Os resultados podem ser vistos na queda generalizada da produção científica em todos os
segmento, conforme pode ser verificado nas tabelas de 2 a 9.
Tabela 2. Produção científica no Brasil – artigos de circulação nacional
Fonte: Lattes.CNPq
Tabela 3. Produção científica no Brasil – artigos de circulação internacional
Fonte: Lattes.CNPq
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 6.471 6.274 13.595 16.671 19.736 24.503 38.224 28.089 -26,5
Ciências Agrárias 19.094 21.612 34.244 50.936 57.488 69.166 84.078 54.940 -34,7
Ciências Biológicas 8.331 9.737 21.521 26.635 31.761 38.552 50.752 36.811 -27,5
Ciências da Saúde 15.773 19.681 35.669 57.141 65.441 78.027 102.309 67.978 -33,6
Ciências Humanas 10.494 12.701 19.899 35.855 43.031 56.469 95.433 72.210 -24,3
Engs. e Computação 5.484 5.763 11.610 16.759 20.215 25.569 42.864 33.607 -21,6
Ling., Letras e Artes 3.267 3.860 6.548 11.057 12.295 15.553 25.781 18.784 -27,1
Soc. Aplicadas 4.392 6.284 12.016 23.550 28.513 36.639 67.983 54.059 -20,5
Outras 0 0 0 0 0 0 0 1.083 -
Total 73.306 85.912 155.102 238.604 278.480 344.478 507.424 367.561 -27,6
Δ%
2016-2014
Número de Produções
Grande Área do Conhecimento
Artigos completos de circulação nacional
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 25.645 26.668 30.923 52.160 56.329 64.777 96.656 70.977 -26,6
Ciências Agrárias 6.885 7.881 9.442 21.263 27.221 39.073 79.116 66.321 -16,2
Ciências Biológicas 19.672 21.585 24.608 53.496 65.393 84.397 137.298 104.322 -24,0
Ciências da Saúde 10.236 13.803 18.798 47.665 65.458 88.441 158.234 121.948 -22,9
Ciências Humanas 1.900 2.250 3.363 5.698 6.916 9.582 21.711 18.293 -15,7
Engs. e Computação 10.645 11.779 14.512 27.176 30.970 39.559 66.226 53.506 -19,2
Ling., Letras e Artes 492 628 930 1.472 1.436 1.649 3.124 2.677 -14,3
Soc. Aplicadas 795 1.019 1.853 3.566 4.184 5.724 14.286 12.389 -13,3
Outras 0 0 0 0 0 0 0 859 -
Total 76.270 85.613 104.429 212.496 257.907 333.202 576.651 451.292 -21,7
Δ%
2016-2014
Grande Área do Conhecimento
Número de Produções
Artigos completos de circulação internacional
A crise da produção científica no Brasil 2017
Tabela 4. Produção científica no Brasil – artigos publicados em anais
Fonte: Lattes.CNPq
Tabela 5. Produção científica no Brasil – livros
Fonte: Lattes.CNPq
Tabela 6. Produção científica no Brasil – capítulos em livros
Fonte: Lattes.CNPq
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 15.854 17.033 23.070 35.856 37.596 39.188 44.199 25.184 -43,0
Ciências Agrárias 17.831 22.486 32.942 41.870 38.384 42.538 41.791 22.650 -45,8
Ciências Biológicas 7.411 8.364 13.029 19.147 18.082 18.360 19.022 10.846 -43,0
Ciências da Saúde 8.261 10.185 14.337 23.026 23.023 22.412 24.577 14.420 -41,3
Ciências Humanas 8.110 10.730 19.757 47.906 63.962 81.047 105.018 61.625 -41,3
Engs. e Computação 44.162 46.053 67.282 111.736 119.194 131.453 158.574 99.650 -37,2
Ling., Letras e Artes 2.268 2.811 4.709 10.500 13.295 17.048 22.306 12.266 -45,0
Soc. Aplicadas 6.450 9.380 19.177 42.666 50.300 60.804 83.834 54.478 -35,0
Outras 0 0 0 0 0 0 0 1.085 -
Total 110.347 127.042 194.303 332.707 363.836 412.850 499.321 302.204 -39,5
Δ%
2016-2014
Artigos completos publicados em anais
Grande Área do Conhecimento
Número de Produções
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 574 578 864 1.364 1.507 1.690 2.629 1.932 -26,5
Ciências Agrárias 1.104 1.117 1.491 2.212 2.254 2.329 2.853 2.327 -18,4
Ciências Biológicas 569 552 943 1.487 1.708 1.940 2.650 2.189 -17,4
Ciências da Saúde 1.084 1.197 1.754 2.897 3.055 3.219 4.812 3.743 -22,2
Ciências Humanas 2.209 2.588 3.689 6.308 7.244 9.126 13.568 9.873 -27,2
Engs. e Computação 660 676 949 1.562 1.700 2.092 3.478 3.044 -12,5
Ling., Letras e Artes 668 762 1.261 2.120 2.451 3.110 4.774 3.276 -31,4
Soc. Aplicadas 938 1.208 2.201 3.828 4.320 5.466 9.016 7.282 -19,2
Outras 0 0 0 0 0 0 0 93 -
Total 7.806 8.678 13.152 21.778 24.239 28.972 43.780 33.759 -22,9
Δ%
2016-2014
Livros
Grande Área do Conhecimento
Número de Produções
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 1.988 2.300 3.550 5.766 6.683 8.236 12.544 8.590 -31,5
Ciências Agrárias 3.479 4.507 6.095 10.448 12.636 15.178 18.655 12.778 -31,5
Ciências Biológicas 3.874 4.439 6.611 12.317 14.892 16.960 20.424 12.920 -36,7
Ciências da Saúde 6.114 8.384 13.409 26.425 29.233 29.639 40.268 27.373 -32,0
Ciências Humanas 6.641 8.375 14.512 28.633 37.303 49.970 79.057 58.531 -26,0
Engs. e Computação 2.280 2.772 4.062 6.601 8.478 10.875 16.762 11.972 -28,6
Ling., Letras e Artes 2.120 2.670 4.487 9.105 11.930 14.966 22.414 16.612 -25,9
Soc. Aplicadas 2.195 3.331 7.195 14.227 19.133 25.469 45.879 37.236 -18,8
Outras 0 0 0 0 0 0 0 605 -
Total 28.691 36.778 59.921 113.522 140.288 171.293 256.003 186.617 -27,1
Δ%
2016-2014
Capítulos em livros
Grande Área do Conhecimento
Número de Produções
A crise da produção científica no Brasil 2017
Tabela 7. Produção científica no Brasil – produção técnica
Fonte: Lattes.CNPq
Tabela 8. Produção científica no Brasil – teses
Fonte: Lattes.CNPq
Tabela 9. Produção científica no Brasil – dissertações
Fonte: Lattes.CNPq
Além da queda na produção científica, a crise econômica provoca o congelamento de
pesquisas em andamento e, por levara à mudança de pesquisadores para outros países, a
chamada evasão ou êxodo de cérebros, vai fazer com que o país acumule décadas de atraso
científico, de inovação e de desenvolvimento, se tornando cada vez mais importador de
conhecimento e inovação.
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 954 1.042 1.646 2.623 2.544 3.135 4.319 2.993 -30,7
Ciências Agrárias 1.313 1.438 1.829 2.898 2.892 3.298 4.140 2.463 -40,5
Ciências Biológicas 588 751 1.450 2.323 2.374 2.968 5.468 3.468 -36,6
Ciências da Saúde 560 762 1.561 2.587 2.589 3.255 5.516 3.765 -31,7
Ciências Humanas 409 590 892 1.793 1.952 2.562 2.607 1.904 -27,0
Engs. e Computação 2.451 2.496 3.615 5.681 5.661 6.698 6.874 6.131 -10,8
Ling., Letras e Artes 125 148 323 746 593 794 794 588 -25,9
Soc. Aplicadas 274 359 698 1.210 1.148 1.492 2.497 2.043 -18,2
Outras 0 0 0 0 0 0 0 63 -
Total 6.674 7.586 12.014 19.861 19.753 24.202 32.215 23.418 -27,3
Δ%
2016-2014
Produção técnica
Grande Área do Conhecimento
Número de Produções
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 2.519 2.571 2.726 4.250 4.419 5.294 9.730 7.499 -22,9
Ciências Agrárias 2.096 2.482 2.728 4.697 4.929 5.801 12.569 9.518 -24,3
Ciências Biológicas 2.430 2.678 3.421 5.811 6.432 7.399 14.544 11.233 -22,8
Ciências da Saúde 2.135 2.727 3.854 6.471 7.197 8.127 14.762 11.122 -24,7
Ciências Humanas 1.640 1.918 2.771 5.080 5.899 7.276 12.006 9.753 -18,8
Engs. e Computação 2.559 2.569 3.247 5.167 5.268 5.941 10.827 8.718 -19,5
Ling., Letras e Artes 490 578 887 1.658 2.101 2.501 3.782 3.053 -19,3
Soc. Aplicadas 662 855 1.514 2.619 2.955 3.389 6.417 5.306 -17,3
Outras 0 0 0 0 0 0 0 94 -
Total 14.531 16.378 21.148 35.753 39.200 45.728 84.637 66.296 -21,7
Δ%
2016-2014
Grande Área do Conhecimento
Número de Produções
Teses
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016
C. Exatas e da Terra 5.434 5.574 6.402 10.547 12.036 14.821 26.461 18.606 -29,7
Ciências Agrárias 6.931 7.740 7.355 12.002 13.177 16.660 33.476 22.470 -32,9
Ciências Biológicas 5.918 6.582 7.889 13.302 15.623 19.156 36.047 23.338 -35,3
Ciências da Saúde 5.897 7.487 10.957 18.149 20.123 23.876 41.671 27.809 -33,3
Ciências Humanas 7.112 8.523 13.361 22.040 26.012 31.128 45.576 33.240 -27,1
Engs. e Computação 9.682 9.946 13.880 20.759 20.998 23.433 38.612 28.040 -27,4
Ling., Letras e Artes 2.001 2.351 3.814 6.967 8.142 9.677 13.622 10.256 -24,7
Soc. Aplicadas 3.689 5.671 10.563 17.461 18.695 21.855 32.516 23.500 -27,7
Outras 0 0 0 0 0 0 0 388 -
Total 46.664 53.874 74.221 121.227 134.806 160.606 267.981 187.647 -30,0
Δ%
2016-2014
Dissertações
Grande Área do Conhecimento
Número de Produções
A crise da produção científica no Brasil 2017
Segundo a Academia Brasileira de Ciências (ABC), laboratórios estão sendo forçados a
interromper pesquisas por falta de recursos, o que tem feito com que muitos pesquisadores
decidam deixar o país para continuar seu trabalho em universidades ou centros de pesquisa de
outros países, especialmente Estados Unidos e Europa. Os pesquisadores são atraídos pela
estabilidade e condições de manter suas pesquisas, com o incentivo de medidas de política
pública adotadas pelos governos.
Na União Europeia os países membros firmaram um acordo pelo qual pretendem aplicar, até
2020, um percentual de 3% do PIB europeu em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Nos EUA a
média de investimentos fica em 2,7% do PIB. No caso brasileiro a crise que afeta as principais
economias estaduais (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais) impacta
diretamente a área de pesquisa e inovação, com os órgãos estaduais de fomento perdendo
recursos e, além de não fazerem novos investimentos, cortam o repasse de pesquisas em
andamento, provocando a paralisação.
De acordo com um alerta da Academia Brasileira da Ciências, o Brasil corre o sério risco de
gerar um gap na formação de cientistas que pode afetar o país pelos próximos 15 ou 20 anos.
Os dois exemplos mais claros são a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), centros de excelência na formação de
pesquisadores1
. No caso de pesquisadores que, para manter seu trabalho, decidem deixar o
país, esse processo tem se acelerado desde o primeiro semestre de 2017. A principal causa da
tomada de decisão é a falta de recursos para a compra de insumos básicos para manter a
pesquisa.
Outro problema grave no Brasil é que, mesmo as pesquisas que conseguem chegar ao final e
geram um produto, um medicamento ou outro resultado patenteável, enfrentam a via crucis
do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O órgão possui mais de 231 mil pedidos
de patentes aguardando registro. O INPI, que analisa 19,6 mil pedidos por ano, recebe 34 mil
no mesmo período, ou seja, a fila cresce mais de 14 mil pedidos por ano. A raiz do problema
está na estrutura, que faz com que a alta produtividade dos avaliadores não seja suficiente
para atender à demanda. Enquanto o Brasil conta com 357 examinadores, o escritório de
patentes dos EUA possui 7 mil e a União Europeia 4 mil.
Além da falta de pessoal, o INPI recebe do governo o mesmo tratamento que recebem os
pesquisadores: falta de prioridade e de uma política pública. O órgão tinha um orçamento para
2017 de R$ 135 milhões, mas, após os cortes por conta da crise fiscal, este foi reduzido a R$
63,9 milhões, que podem sofrer novos contingenciamentos até dezembro. Esse valor não é
suficiente para que o INPI contrate pessoal para acelerar as análises e reduzir o chamado
backloc. Para tentar reduzir essa fila o INPI pretende adotar o procedimento de aprovação
automática, com o objetivo de eliminar o backloc em um prazo de três anos. Mas nem mesmo
essa medida pode surtir efeito, uma vez que seriam necessários aportes adicionais de R$ 28
milhões para a contratação de servidores extras para cumprir o prazo proposto.
Essa medida também não seria universal, uma vez que os pedidos de registro de patentes de
produtos do setor farmacêutico dependem de aprovação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Outro agravante é que o procedimento pode gerar problemas em relação a
patentes aprovadas, como repetição de uma mesma tecnologia. Nesse caso o custo de
regularização será transferido para o solicitante da patente que se sentir prejudicado, que terá
prazo de 90 dias para recorrer ao órgão com um processo de nulidade do registro. O
procedimento encontra resistências de pesquisadores, em especial de centros acadêmicos,
que apontam riscos de judicialização do processo de patenteamento, que podem tornar o
1
Pesquisas que relacionaram o Zika vírus com a microcefalia foram realizadas por uma equipe da UFRJ, por exemplo.
A crise da produção científica no Brasil 2017
procedimento ainda mais lento e causar graves danos colaterais à pesquisa e desenvolvimento
no Brasil, até pela insegurança jurídica que o mecanismo pode gerar.
Em relação ao processo de evasão de cérebros, que é a mudança de pesquisadores e de
trabalhadores com alta qualificação acadêmica ou técnica para outros países, observa-se uma
aceleração no número de brasileiros deixando o país nos últimos anos. No primeiro semestre
de 2017 o número de brasileiros que deixaram o país definitivamente, de forma oficial
(declarando na Receita Federal), foi de 20,5 mil. Esse número ultrapassa o total de 2016, que
foi de 20,4 mil pessoas. Caso seja mantida a média de declarações de saída definitiva, 2017
fechará com 41 mil pessoas deixando o país definitivamente, um aumento de 101%. Esses
dados são ainda mais impressionantes se comparados com os anos anteriores: em 2015 o total
de saídas definitivas declaradas foi de 18 mil, ante 17 mil em 2014. Dessa forma, o avanço
entre 2014 e 2017 poderá chegar a 140%.
O problema não está apenas na aceleração do número de brasileiros deixando o país
definitivamente, mas na mudança do perfil daqueles de deixam o país. Nos últimos anos o
número de pessoas com formação superior e pós-graduação tem registrado forte aceleração,
em especial para países como Canadá, que possui uma política de atração de mão de obra
qualificada. Os Estados Unidos ainda são o principal destino, em especial para cientistas, que
encontram nas instituições de pesquisa públicas e privadas do país condições de manter suas
pesquisas.
Os Estados Unidos, que lideram o ranking global de investimentos em pesquisa e
desenvolvimento, está em uma disputa direta com a China, país que tem feito os maiores
avanços em investimentos no setor. Em 2016 os Estados Unidos responderam por 26,4% dos
investimentos globais em pesquisa e desenvolvimento. A China respondeu por 21.4% (dois
anos antes respondia por 19,1%). A União Europeia respondeu por 21%.
Chama a atenção o fato de que, no grupo de 10 países que mais investem em Pesquisa e
Desenvolvimento, apenas o Brasil (0,0%) e a Rússia (-4,8%) não aumentaram o investimento
no período. A Coréia do Sul aumentou 20%, a Índia 15,6%, a China 15,3%, estados Unidos e
Alemanha aumentaram 5,9%. Todos já investem muito acima do Brasil em Pesquisa e
Desenvolvimento. Embora apesar da crise o Brasil tenha se mantido na 10ª posição entre 2014
e 2016, o país perderá essa posição em 2017 devido aos contingenciamentos dos recursos da
área, não apenas no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, mas
também em áreas como o Ministério da Defesa e recursos das Universidades, fundações
estaduais de amparo à pesquisa e mesmo rela redução dos investimentos do setor privado por
causa da crise econômica.
Tabela 10. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento
PIB PPP
US$ bilhões
P&D
% PIB
DIBPD³ PPP
US$ milhões
PIB PPP
US$ bilhões
P&D
% PIB
DIBPD³ PPP
US$ milhões
PIB PPP
US$ bilhões
P&D
% PIB
DIBPD³ PPP
US$ milhões
Estados Unidos 17.460,0 2,78% 485,4 18.001,30 2,76% 496,8 18.559,3 2,77% 514,0
China 17.630,0 1,95% 343,8 18.828,80 1,98% 372,8 20.015,0 1,98% 396,3
Japão 4.807,0 3,40% 163,4 4.855,10 3,39% 164,6 4.913,4 3,39% 166,6
Alemanha 3.621,0 2,85% 103,2 3.678,90 2,92% 107,4 3.741,4 2,92% 109,3
Coréia do Sul 1.786,0 3,60% 64,3 1.844,90 4,04% 74,5 1.909,5 4,04% 77,1
Índia 7.277,0 0,85% 61,9 7.822,80 0,85% 66,5 8.409,5 0,85% 71,5
França 2.587,0 2,25% 58,2 2.618,00 2,26% 59,2 2.657,3 2,26% 60,1
Rússia 3.568,0 1,50% 53,5 3.432,40 1,50% 51,5 3.396,6 1,50% 51,0
Reino Unido 2.435,0 1,81% 44,1 2.500,70 1,78% 44,5 2.558,2 1,78% 45,5
Brasil 3.073,0 1,21% 37,2 3.042,30 1,21% 36,8 3.072,7 1,21% 37,2
Top 10 64.244,0 2,22% 1.414,9 66.625,2 2,27% 1.474,7 69.232,9 2,27% 1.528,5
Resto do Mundo 41.513,0 0,39% 388,2 41.179,2 0,40% 408,0 42.815,1 0,39% 419,3
P&D Global 105.757,0 1,70% 1.803,1 107.804,4 1,75% 1.882,7 112.048,0 1,74% 1.947,8
1. Estimativa, 2. Previsão, 3. Despesa Interna Bruta em Pesquisa e Desenvolvimento
Fonte: 2016 GLOBAL R&D FUNDING FORECAST
2014 2015¹ 2016²
País
A crise da produção científica no Brasil 2017
CONCLUSÃO
O Brasil está caminhando rapidamente para cristalizar um dos maiores atrasos científicos de
sua história, com a falta de uma política voltada ao desenvolvimento da pesquisa e inovação.
No sentido contrário das principais economias globais e da maioria dos países que buscam o
desenvolvimento, o Brasil tem reduzido drasticamente seus investimentos em pesquisa e
inovação em 2017. A perspectiva é de que o setor receba, este ano, menos do que o recebido
em 2013. O Brasil, junto com a Rússia, é o único entre os 10 líderes do ranking de investimento
em pesquisa e inovação que, nos últimos três anos, não ampliou os recursos destinados ao
setor.
Para complicar a situação do país, a produção científica registrou forte redução nos últimos
seis anos, tendo retornado, na maioria dos indicadores, a 2010, ou antes. O número de
produções caiu em todas as grandes áreas do conhecimento. Concomitante a esse movimento,
o registro de novas patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial pode demorar,
em média, 10 anos e 9 meses. Para reduzir o backloc de 231 mil pedidos de registro e o
crescimento anual de 14 mil pedidos que não são avaliados, estuda-se a aprovação
automática, o que pode judicializar o processo e tornar ainda mais demorado o registro de
uma patente.
Além disso, a crise pesquisas estão sendo interrompidas por falta de insumos básicos e
equipamentos de alto valor e estratégicos estão sendo desligados nos laboratórios. Para
manter seu trabalho, cada vez mais pesquisadores estão deixando o Brasil, que se tornou
exportador de cérebros. Com a evasão de cérebros se acelerando nos últimos meses, a
Academia Brasileira de Ciências alertou que o Brasil corre o sério risco de gerar um gap na
formação de cientistas que pode afetar o país pelos próximos 15 ou 20 anos.
No primeiro semestre de 2017 o número de brasileiros que deixaram o país definitivamente,
de forma oficial foi de 20,5 mil. Esse número poderá chegar a com 41 mil até dezembro, um
aumento de 101% em relação a 2016 e de 140% em relação a 2014. Esse problema é agravado
pela mudança do perfil daqueles de deixam o país. Cada vez mais pessoas com formação
superior e pós-graduação têm deixado o Brasil com destino a países como Estados Unidos e
Canadá, que possui uma política de atração de mão de obra qualificada.
O abandono da pesquisa, desenvolvimento e inovação cobrará um alto preço para o Brasil,
comprometendo sua capacidade de crescimento econômico e as futuras gerações. Atualmente
a decisão a ser tomada não é mais acelerar o setor, mas reduzir o tamanho do prejuízo, que já
se estima em duas décadas.
A crise da produção científica no Brasil 2017
FONTES
 Academia Brasileira de Ciências (ABC)
 Centro de Gestão de Estudos estratégicos (CGEE)
 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
 Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)
 Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC)
 Ministério da Educação (MEC)
 Receita Federal do Brasil (RFB)
 2016 Global R&D Funding Forecast, Industrial Research Institute (IRI) and Research-
Technology Management (RTM), 2017

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A crise da produção científica no brasil

  • 1. A crise da produção científica no Brasil 2017 A CRISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL RILEY RODRIGUES DE OLIVEIRA, MSc MC2R INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA Telefone: 55.21.99607.3012 E-mail: mc2rinteligenciaestrategica@gmail.com
  • 2. A crise da produção científica no Brasil 2017 A CRISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL Riley Rodrigues de Oliveira, diretor-presidente da consultoria MC2R Inteligência Estratégica é economista, diplomado em Gestão Estratégica pelo Instituto INSEAD (França), com mestrado pela COPPE/UFRJ e especialização COPPEAD/UFRJ. É membro do Global Leader’s Panel – Economist Intelligence Unit.
  • 3. A crise da produção científica no Brasil 2017 crise econômica, que se agravou desde 2014, afetou duramente a produção científica no Brasil. Como resultado direto da crise, que cortou recursos destinados à pesquisa e inovação, assim como para bolsas de pós-graduação, em 2016, o Brasil registrou uma queda de 28,6% na produção científica, conforme tabela 1. Tabela 1. Produção científica total no Brasil Fonte: Lattes.CNPq Ciências Exatas e da Terra (Matemática, Probabilidade e Estatística, Ciência da Computação, Astronomia, Física, Química, Geociências e Oceanografia) registrou queda de 30,2% na produção científica entre 2014 e 2016, depois de registrar crescimento de 295% entre 2000 e 2014. A produção regrediu seis anos, voltando aos patamares de 2010. O mesmo comportamento foi registrado em Ciências Agrárias (Agronomia, Recursos Florestais e Engenharia Florestal, Engenharia Agrícola, Zootecnia, Medicina Veterinária, Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca, Ciência e Tecnologia de Alimentos) e Linguística, Letras e Artes, que registraram recuo de 30,1%. Ciências Sociais Aplicadas (Direito, Administração, Economia, Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Demografia, Ciência da Informação, Museologia, Comunicação, Serviço Social, Economia Doméstica, Desenho Industrial, Turismo) revê o menor recuo no período, com queda de 25,2% no volume de produção científica. Esse resultado deverá fazer o Brasil cair ainda mais no Índice Global de Inovação (GII, na sigla em inglês), divulgado anualmente pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. No último IGI (2017) o Brasil ocupa a posição número 69, a mesma da edição de 2016. Com o agravamento da crise financeira em 2017 e a falta de perspectivas de melhoras significativas nos próximos anos, a tendência é que o Brasil perca mais posições. Apesar das dificuldades, as pesquisas em ciência e tecnologia & inovação (CT&I), muito dependente dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), são de alta qualidade, como no caso dos estudos sobre o Zika vírus, responsável por uma grave epidemia que afetou todo o país em 2016. A relação entre a infecção por Zika e a microcefalia foi identificada por pesquisadores brasileiros. O problema é sistêmico, pois o Brasil não trata ciência e inovação como investimento, mas como gasto, e por isso o setor, que deveria ser preservado dos cortes orçamentários, por sua importância para o desenvolvimento do país, foi afetado pelo corte linear de 44% do orçamento da União. Em 2011, o Orçamento da União reservou, do FNDCT, R$ 2,1 bilhões, destinando para a pesquisa R$ 1,9 bilhão. Em 2013 foi orçado R$ 3,7 bilhões e disponibilizados R$ 3 bilhões. Em 2016 o orçamento previu R$ 2,6 bilhões, mas apenas R$ 800 milhões foram 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 59.439 62.040 82.776 129.237 140.850 161.644 234.762 163.870 -30,2 Ciências Agrárias 58.733 69.263 96.126 146.326 158.981 194.043 276.678 193.467 -30,1 Ciências Biológicas 48.793 54.688 79.472 134.518 156.265 189.732 286.205 205.127 -28,3 Ciências da Saúde 50.060 64.226 100.339 184.361 216.119 256.996 392.149 278.158 -29,1 Ciências Humanas 38.515 47.675 78.244 153.313 192.319 247.160 374.976 265.429 -29,2 Engs. e Computação 77.923 82.054 119.157 195.441 212.484 245.620 344.217 244.668 -28,9 Ling., Letras e Artes 11.431 13.808 22.959 43.625 52.243 65.298 96.597 67.512 -30,1 Soc. Aplicadas 19.395 28.107 55.217 109.127 129.248 160.838 262.428 196.293 -25,2 Outras 0 0 0 0 0 0 0 4.270 - Total 364.289 421.861 634.290 1.095.948 1.258.509 1.521.331 2.268.012 1.618.794 -28,6 Grande Área do Conhecimento Número de Produções Δ% 2016-2014 Total A
  • 4. A crise da produção científica no Brasil 2017 disponibilizados, o que explica a queda na produção registrada no ano. A crise fica ainda mais grave se considerarmos que o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2010, atualizado pela inflação, equivaleria a R$ 10 bilhões. Outro problema é que há pouco investimento privado em pesquisa científica e inovação. Nos países que lideram os rankings de produção de conhecimento científico e de inovação, o setor privado possui uma participação maior que o público na equação. Mas no Brasil não há incentivos para investimento privado em pesquisa e desenvolvimento, em especial nas universidades. Os resultados podem ser vistos na queda generalizada da produção científica em todos os segmento, conforme pode ser verificado nas tabelas de 2 a 9. Tabela 2. Produção científica no Brasil – artigos de circulação nacional Fonte: Lattes.CNPq Tabela 3. Produção científica no Brasil – artigos de circulação internacional Fonte: Lattes.CNPq 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 6.471 6.274 13.595 16.671 19.736 24.503 38.224 28.089 -26,5 Ciências Agrárias 19.094 21.612 34.244 50.936 57.488 69.166 84.078 54.940 -34,7 Ciências Biológicas 8.331 9.737 21.521 26.635 31.761 38.552 50.752 36.811 -27,5 Ciências da Saúde 15.773 19.681 35.669 57.141 65.441 78.027 102.309 67.978 -33,6 Ciências Humanas 10.494 12.701 19.899 35.855 43.031 56.469 95.433 72.210 -24,3 Engs. e Computação 5.484 5.763 11.610 16.759 20.215 25.569 42.864 33.607 -21,6 Ling., Letras e Artes 3.267 3.860 6.548 11.057 12.295 15.553 25.781 18.784 -27,1 Soc. Aplicadas 4.392 6.284 12.016 23.550 28.513 36.639 67.983 54.059 -20,5 Outras 0 0 0 0 0 0 0 1.083 - Total 73.306 85.912 155.102 238.604 278.480 344.478 507.424 367.561 -27,6 Δ% 2016-2014 Número de Produções Grande Área do Conhecimento Artigos completos de circulação nacional 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 25.645 26.668 30.923 52.160 56.329 64.777 96.656 70.977 -26,6 Ciências Agrárias 6.885 7.881 9.442 21.263 27.221 39.073 79.116 66.321 -16,2 Ciências Biológicas 19.672 21.585 24.608 53.496 65.393 84.397 137.298 104.322 -24,0 Ciências da Saúde 10.236 13.803 18.798 47.665 65.458 88.441 158.234 121.948 -22,9 Ciências Humanas 1.900 2.250 3.363 5.698 6.916 9.582 21.711 18.293 -15,7 Engs. e Computação 10.645 11.779 14.512 27.176 30.970 39.559 66.226 53.506 -19,2 Ling., Letras e Artes 492 628 930 1.472 1.436 1.649 3.124 2.677 -14,3 Soc. Aplicadas 795 1.019 1.853 3.566 4.184 5.724 14.286 12.389 -13,3 Outras 0 0 0 0 0 0 0 859 - Total 76.270 85.613 104.429 212.496 257.907 333.202 576.651 451.292 -21,7 Δ% 2016-2014 Grande Área do Conhecimento Número de Produções Artigos completos de circulação internacional
  • 5. A crise da produção científica no Brasil 2017 Tabela 4. Produção científica no Brasil – artigos publicados em anais Fonte: Lattes.CNPq Tabela 5. Produção científica no Brasil – livros Fonte: Lattes.CNPq Tabela 6. Produção científica no Brasil – capítulos em livros Fonte: Lattes.CNPq 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 15.854 17.033 23.070 35.856 37.596 39.188 44.199 25.184 -43,0 Ciências Agrárias 17.831 22.486 32.942 41.870 38.384 42.538 41.791 22.650 -45,8 Ciências Biológicas 7.411 8.364 13.029 19.147 18.082 18.360 19.022 10.846 -43,0 Ciências da Saúde 8.261 10.185 14.337 23.026 23.023 22.412 24.577 14.420 -41,3 Ciências Humanas 8.110 10.730 19.757 47.906 63.962 81.047 105.018 61.625 -41,3 Engs. e Computação 44.162 46.053 67.282 111.736 119.194 131.453 158.574 99.650 -37,2 Ling., Letras e Artes 2.268 2.811 4.709 10.500 13.295 17.048 22.306 12.266 -45,0 Soc. Aplicadas 6.450 9.380 19.177 42.666 50.300 60.804 83.834 54.478 -35,0 Outras 0 0 0 0 0 0 0 1.085 - Total 110.347 127.042 194.303 332.707 363.836 412.850 499.321 302.204 -39,5 Δ% 2016-2014 Artigos completos publicados em anais Grande Área do Conhecimento Número de Produções 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 574 578 864 1.364 1.507 1.690 2.629 1.932 -26,5 Ciências Agrárias 1.104 1.117 1.491 2.212 2.254 2.329 2.853 2.327 -18,4 Ciências Biológicas 569 552 943 1.487 1.708 1.940 2.650 2.189 -17,4 Ciências da Saúde 1.084 1.197 1.754 2.897 3.055 3.219 4.812 3.743 -22,2 Ciências Humanas 2.209 2.588 3.689 6.308 7.244 9.126 13.568 9.873 -27,2 Engs. e Computação 660 676 949 1.562 1.700 2.092 3.478 3.044 -12,5 Ling., Letras e Artes 668 762 1.261 2.120 2.451 3.110 4.774 3.276 -31,4 Soc. Aplicadas 938 1.208 2.201 3.828 4.320 5.466 9.016 7.282 -19,2 Outras 0 0 0 0 0 0 0 93 - Total 7.806 8.678 13.152 21.778 24.239 28.972 43.780 33.759 -22,9 Δ% 2016-2014 Livros Grande Área do Conhecimento Número de Produções 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 1.988 2.300 3.550 5.766 6.683 8.236 12.544 8.590 -31,5 Ciências Agrárias 3.479 4.507 6.095 10.448 12.636 15.178 18.655 12.778 -31,5 Ciências Biológicas 3.874 4.439 6.611 12.317 14.892 16.960 20.424 12.920 -36,7 Ciências da Saúde 6.114 8.384 13.409 26.425 29.233 29.639 40.268 27.373 -32,0 Ciências Humanas 6.641 8.375 14.512 28.633 37.303 49.970 79.057 58.531 -26,0 Engs. e Computação 2.280 2.772 4.062 6.601 8.478 10.875 16.762 11.972 -28,6 Ling., Letras e Artes 2.120 2.670 4.487 9.105 11.930 14.966 22.414 16.612 -25,9 Soc. Aplicadas 2.195 3.331 7.195 14.227 19.133 25.469 45.879 37.236 -18,8 Outras 0 0 0 0 0 0 0 605 - Total 28.691 36.778 59.921 113.522 140.288 171.293 256.003 186.617 -27,1 Δ% 2016-2014 Capítulos em livros Grande Área do Conhecimento Número de Produções
  • 6. A crise da produção científica no Brasil 2017 Tabela 7. Produção científica no Brasil – produção técnica Fonte: Lattes.CNPq Tabela 8. Produção científica no Brasil – teses Fonte: Lattes.CNPq Tabela 9. Produção científica no Brasil – dissertações Fonte: Lattes.CNPq Além da queda na produção científica, a crise econômica provoca o congelamento de pesquisas em andamento e, por levara à mudança de pesquisadores para outros países, a chamada evasão ou êxodo de cérebros, vai fazer com que o país acumule décadas de atraso científico, de inovação e de desenvolvimento, se tornando cada vez mais importador de conhecimento e inovação. 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 954 1.042 1.646 2.623 2.544 3.135 4.319 2.993 -30,7 Ciências Agrárias 1.313 1.438 1.829 2.898 2.892 3.298 4.140 2.463 -40,5 Ciências Biológicas 588 751 1.450 2.323 2.374 2.968 5.468 3.468 -36,6 Ciências da Saúde 560 762 1.561 2.587 2.589 3.255 5.516 3.765 -31,7 Ciências Humanas 409 590 892 1.793 1.952 2.562 2.607 1.904 -27,0 Engs. e Computação 2.451 2.496 3.615 5.681 5.661 6.698 6.874 6.131 -10,8 Ling., Letras e Artes 125 148 323 746 593 794 794 588 -25,9 Soc. Aplicadas 274 359 698 1.210 1.148 1.492 2.497 2.043 -18,2 Outras 0 0 0 0 0 0 0 63 - Total 6.674 7.586 12.014 19.861 19.753 24.202 32.215 23.418 -27,3 Δ% 2016-2014 Produção técnica Grande Área do Conhecimento Número de Produções 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 2.519 2.571 2.726 4.250 4.419 5.294 9.730 7.499 -22,9 Ciências Agrárias 2.096 2.482 2.728 4.697 4.929 5.801 12.569 9.518 -24,3 Ciências Biológicas 2.430 2.678 3.421 5.811 6.432 7.399 14.544 11.233 -22,8 Ciências da Saúde 2.135 2.727 3.854 6.471 7.197 8.127 14.762 11.122 -24,7 Ciências Humanas 1.640 1.918 2.771 5.080 5.899 7.276 12.006 9.753 -18,8 Engs. e Computação 2.559 2.569 3.247 5.167 5.268 5.941 10.827 8.718 -19,5 Ling., Letras e Artes 490 578 887 1.658 2.101 2.501 3.782 3.053 -19,3 Soc. Aplicadas 662 855 1.514 2.619 2.955 3.389 6.417 5.306 -17,3 Outras 0 0 0 0 0 0 0 94 - Total 14.531 16.378 21.148 35.753 39.200 45.728 84.637 66.296 -21,7 Δ% 2016-2014 Grande Área do Conhecimento Número de Produções Teses 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016 C. Exatas e da Terra 5.434 5.574 6.402 10.547 12.036 14.821 26.461 18.606 -29,7 Ciências Agrárias 6.931 7.740 7.355 12.002 13.177 16.660 33.476 22.470 -32,9 Ciências Biológicas 5.918 6.582 7.889 13.302 15.623 19.156 36.047 23.338 -35,3 Ciências da Saúde 5.897 7.487 10.957 18.149 20.123 23.876 41.671 27.809 -33,3 Ciências Humanas 7.112 8.523 13.361 22.040 26.012 31.128 45.576 33.240 -27,1 Engs. e Computação 9.682 9.946 13.880 20.759 20.998 23.433 38.612 28.040 -27,4 Ling., Letras e Artes 2.001 2.351 3.814 6.967 8.142 9.677 13.622 10.256 -24,7 Soc. Aplicadas 3.689 5.671 10.563 17.461 18.695 21.855 32.516 23.500 -27,7 Outras 0 0 0 0 0 0 0 388 - Total 46.664 53.874 74.221 121.227 134.806 160.606 267.981 187.647 -30,0 Δ% 2016-2014 Dissertações Grande Área do Conhecimento Número de Produções
  • 7. A crise da produção científica no Brasil 2017 Segundo a Academia Brasileira de Ciências (ABC), laboratórios estão sendo forçados a interromper pesquisas por falta de recursos, o que tem feito com que muitos pesquisadores decidam deixar o país para continuar seu trabalho em universidades ou centros de pesquisa de outros países, especialmente Estados Unidos e Europa. Os pesquisadores são atraídos pela estabilidade e condições de manter suas pesquisas, com o incentivo de medidas de política pública adotadas pelos governos. Na União Europeia os países membros firmaram um acordo pelo qual pretendem aplicar, até 2020, um percentual de 3% do PIB europeu em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Nos EUA a média de investimentos fica em 2,7% do PIB. No caso brasileiro a crise que afeta as principais economias estaduais (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais) impacta diretamente a área de pesquisa e inovação, com os órgãos estaduais de fomento perdendo recursos e, além de não fazerem novos investimentos, cortam o repasse de pesquisas em andamento, provocando a paralisação. De acordo com um alerta da Academia Brasileira da Ciências, o Brasil corre o sério risco de gerar um gap na formação de cientistas que pode afetar o país pelos próximos 15 ou 20 anos. Os dois exemplos mais claros são a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), centros de excelência na formação de pesquisadores1 . No caso de pesquisadores que, para manter seu trabalho, decidem deixar o país, esse processo tem se acelerado desde o primeiro semestre de 2017. A principal causa da tomada de decisão é a falta de recursos para a compra de insumos básicos para manter a pesquisa. Outro problema grave no Brasil é que, mesmo as pesquisas que conseguem chegar ao final e geram um produto, um medicamento ou outro resultado patenteável, enfrentam a via crucis do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O órgão possui mais de 231 mil pedidos de patentes aguardando registro. O INPI, que analisa 19,6 mil pedidos por ano, recebe 34 mil no mesmo período, ou seja, a fila cresce mais de 14 mil pedidos por ano. A raiz do problema está na estrutura, que faz com que a alta produtividade dos avaliadores não seja suficiente para atender à demanda. Enquanto o Brasil conta com 357 examinadores, o escritório de patentes dos EUA possui 7 mil e a União Europeia 4 mil. Além da falta de pessoal, o INPI recebe do governo o mesmo tratamento que recebem os pesquisadores: falta de prioridade e de uma política pública. O órgão tinha um orçamento para 2017 de R$ 135 milhões, mas, após os cortes por conta da crise fiscal, este foi reduzido a R$ 63,9 milhões, que podem sofrer novos contingenciamentos até dezembro. Esse valor não é suficiente para que o INPI contrate pessoal para acelerar as análises e reduzir o chamado backloc. Para tentar reduzir essa fila o INPI pretende adotar o procedimento de aprovação automática, com o objetivo de eliminar o backloc em um prazo de três anos. Mas nem mesmo essa medida pode surtir efeito, uma vez que seriam necessários aportes adicionais de R$ 28 milhões para a contratação de servidores extras para cumprir o prazo proposto. Essa medida também não seria universal, uma vez que os pedidos de registro de patentes de produtos do setor farmacêutico dependem de aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Outro agravante é que o procedimento pode gerar problemas em relação a patentes aprovadas, como repetição de uma mesma tecnologia. Nesse caso o custo de regularização será transferido para o solicitante da patente que se sentir prejudicado, que terá prazo de 90 dias para recorrer ao órgão com um processo de nulidade do registro. O procedimento encontra resistências de pesquisadores, em especial de centros acadêmicos, que apontam riscos de judicialização do processo de patenteamento, que podem tornar o 1 Pesquisas que relacionaram o Zika vírus com a microcefalia foram realizadas por uma equipe da UFRJ, por exemplo.
  • 8. A crise da produção científica no Brasil 2017 procedimento ainda mais lento e causar graves danos colaterais à pesquisa e desenvolvimento no Brasil, até pela insegurança jurídica que o mecanismo pode gerar. Em relação ao processo de evasão de cérebros, que é a mudança de pesquisadores e de trabalhadores com alta qualificação acadêmica ou técnica para outros países, observa-se uma aceleração no número de brasileiros deixando o país nos últimos anos. No primeiro semestre de 2017 o número de brasileiros que deixaram o país definitivamente, de forma oficial (declarando na Receita Federal), foi de 20,5 mil. Esse número ultrapassa o total de 2016, que foi de 20,4 mil pessoas. Caso seja mantida a média de declarações de saída definitiva, 2017 fechará com 41 mil pessoas deixando o país definitivamente, um aumento de 101%. Esses dados são ainda mais impressionantes se comparados com os anos anteriores: em 2015 o total de saídas definitivas declaradas foi de 18 mil, ante 17 mil em 2014. Dessa forma, o avanço entre 2014 e 2017 poderá chegar a 140%. O problema não está apenas na aceleração do número de brasileiros deixando o país definitivamente, mas na mudança do perfil daqueles de deixam o país. Nos últimos anos o número de pessoas com formação superior e pós-graduação tem registrado forte aceleração, em especial para países como Canadá, que possui uma política de atração de mão de obra qualificada. Os Estados Unidos ainda são o principal destino, em especial para cientistas, que encontram nas instituições de pesquisa públicas e privadas do país condições de manter suas pesquisas. Os Estados Unidos, que lideram o ranking global de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, está em uma disputa direta com a China, país que tem feito os maiores avanços em investimentos no setor. Em 2016 os Estados Unidos responderam por 26,4% dos investimentos globais em pesquisa e desenvolvimento. A China respondeu por 21.4% (dois anos antes respondia por 19,1%). A União Europeia respondeu por 21%. Chama a atenção o fato de que, no grupo de 10 países que mais investem em Pesquisa e Desenvolvimento, apenas o Brasil (0,0%) e a Rússia (-4,8%) não aumentaram o investimento no período. A Coréia do Sul aumentou 20%, a Índia 15,6%, a China 15,3%, estados Unidos e Alemanha aumentaram 5,9%. Todos já investem muito acima do Brasil em Pesquisa e Desenvolvimento. Embora apesar da crise o Brasil tenha se mantido na 10ª posição entre 2014 e 2016, o país perderá essa posição em 2017 devido aos contingenciamentos dos recursos da área, não apenas no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, mas também em áreas como o Ministério da Defesa e recursos das Universidades, fundações estaduais de amparo à pesquisa e mesmo rela redução dos investimentos do setor privado por causa da crise econômica. Tabela 10. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento PIB PPP US$ bilhões P&D % PIB DIBPD³ PPP US$ milhões PIB PPP US$ bilhões P&D % PIB DIBPD³ PPP US$ milhões PIB PPP US$ bilhões P&D % PIB DIBPD³ PPP US$ milhões Estados Unidos 17.460,0 2,78% 485,4 18.001,30 2,76% 496,8 18.559,3 2,77% 514,0 China 17.630,0 1,95% 343,8 18.828,80 1,98% 372,8 20.015,0 1,98% 396,3 Japão 4.807,0 3,40% 163,4 4.855,10 3,39% 164,6 4.913,4 3,39% 166,6 Alemanha 3.621,0 2,85% 103,2 3.678,90 2,92% 107,4 3.741,4 2,92% 109,3 Coréia do Sul 1.786,0 3,60% 64,3 1.844,90 4,04% 74,5 1.909,5 4,04% 77,1 Índia 7.277,0 0,85% 61,9 7.822,80 0,85% 66,5 8.409,5 0,85% 71,5 França 2.587,0 2,25% 58,2 2.618,00 2,26% 59,2 2.657,3 2,26% 60,1 Rússia 3.568,0 1,50% 53,5 3.432,40 1,50% 51,5 3.396,6 1,50% 51,0 Reino Unido 2.435,0 1,81% 44,1 2.500,70 1,78% 44,5 2.558,2 1,78% 45,5 Brasil 3.073,0 1,21% 37,2 3.042,30 1,21% 36,8 3.072,7 1,21% 37,2 Top 10 64.244,0 2,22% 1.414,9 66.625,2 2,27% 1.474,7 69.232,9 2,27% 1.528,5 Resto do Mundo 41.513,0 0,39% 388,2 41.179,2 0,40% 408,0 42.815,1 0,39% 419,3 P&D Global 105.757,0 1,70% 1.803,1 107.804,4 1,75% 1.882,7 112.048,0 1,74% 1.947,8 1. Estimativa, 2. Previsão, 3. Despesa Interna Bruta em Pesquisa e Desenvolvimento Fonte: 2016 GLOBAL R&D FUNDING FORECAST 2014 2015¹ 2016² País
  • 9. A crise da produção científica no Brasil 2017 CONCLUSÃO O Brasil está caminhando rapidamente para cristalizar um dos maiores atrasos científicos de sua história, com a falta de uma política voltada ao desenvolvimento da pesquisa e inovação. No sentido contrário das principais economias globais e da maioria dos países que buscam o desenvolvimento, o Brasil tem reduzido drasticamente seus investimentos em pesquisa e inovação em 2017. A perspectiva é de que o setor receba, este ano, menos do que o recebido em 2013. O Brasil, junto com a Rússia, é o único entre os 10 líderes do ranking de investimento em pesquisa e inovação que, nos últimos três anos, não ampliou os recursos destinados ao setor. Para complicar a situação do país, a produção científica registrou forte redução nos últimos seis anos, tendo retornado, na maioria dos indicadores, a 2010, ou antes. O número de produções caiu em todas as grandes áreas do conhecimento. Concomitante a esse movimento, o registro de novas patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial pode demorar, em média, 10 anos e 9 meses. Para reduzir o backloc de 231 mil pedidos de registro e o crescimento anual de 14 mil pedidos que não são avaliados, estuda-se a aprovação automática, o que pode judicializar o processo e tornar ainda mais demorado o registro de uma patente. Além disso, a crise pesquisas estão sendo interrompidas por falta de insumos básicos e equipamentos de alto valor e estratégicos estão sendo desligados nos laboratórios. Para manter seu trabalho, cada vez mais pesquisadores estão deixando o Brasil, que se tornou exportador de cérebros. Com a evasão de cérebros se acelerando nos últimos meses, a Academia Brasileira de Ciências alertou que o Brasil corre o sério risco de gerar um gap na formação de cientistas que pode afetar o país pelos próximos 15 ou 20 anos. No primeiro semestre de 2017 o número de brasileiros que deixaram o país definitivamente, de forma oficial foi de 20,5 mil. Esse número poderá chegar a com 41 mil até dezembro, um aumento de 101% em relação a 2016 e de 140% em relação a 2014. Esse problema é agravado pela mudança do perfil daqueles de deixam o país. Cada vez mais pessoas com formação superior e pós-graduação têm deixado o Brasil com destino a países como Estados Unidos e Canadá, que possui uma política de atração de mão de obra qualificada. O abandono da pesquisa, desenvolvimento e inovação cobrará um alto preço para o Brasil, comprometendo sua capacidade de crescimento econômico e as futuras gerações. Atualmente a decisão a ser tomada não é mais acelerar o setor, mas reduzir o tamanho do prejuízo, que já se estima em duas décadas.
  • 10. A crise da produção científica no Brasil 2017 FONTES  Academia Brasileira de Ciências (ABC)  Centro de Gestão de Estudos estratégicos (CGEE)  Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)  Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)  Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC)  Ministério da Educação (MEC)  Receita Federal do Brasil (RFB)  2016 Global R&D Funding Forecast, Industrial Research Institute (IRI) and Research- Technology Management (RTM), 2017