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UMA PUBLICAÇÃO FECOMÉRCIO RJ
revista
CIDADE COMO TELAVideo mapping une arte e tecnologia
Ensino disruptivo
muda a educação
trending topics
DNA DE
FAZEDOR
Leonardo Azevedo &
a Baixada em movimento
ESTILO
NO FIO
DO BIGODE
Muito além de cama
e café da manhã
IDENTIDADE
O HOSTEL
É UMA FESTA
Ano 2 • Número 5 • Maio/Junho 2017
2 3
Empresas
doadoras
Voluntários
Instituições
sociais
Pessoas
atendidas
www.sescrio.org.br/banco-rio-de-alimentos
50 mil
PESSOAS
ATENDIDAS
16ANOS DE
SOLIDARIEDADE
+ DE
900TONELADAS
DE ALIMENTOS
DISTRIBUÍDOS
305INSTITUIÇÕES
ATENDIDAS EM
33 MUNICIPIOS
DO ESTADO
Númerosde2016.
Se você tem fome de ajudar,
faça parte da nossa
rede de solidariedade.
No Rio de Janeiro desde 2000, o Banco Rio de Alimentos atua no combate
à fome e ao desperdício utilizando uma receita de sucesso: recolhe produtos
alimentícios não comercializáveis nas empresas doadoras parceiras e entrega
em instituições sociais, que os utilizam no preparo de suas receitas.
Uma verdadeira rede de solidariedade unindo doadores, instituições
sociais, voluntários e apoiadores, que dividem o mesmo ideal para
multiplicar a esperança, a cidadania e o desenvolvimento social.
Para ser um voluntário ou doador do
Banco Rio de Alimentos, ligue 0800 022 2026.
Eu contribuo com minha ação voluntária e o Banco Rio de Alimentos
me proporciona a alegria e a satisfação por estender a mão ao meu próximo
com a oportunidade de doar algumas horas em prol daqueles que estão em
vulnerabilidade social. As instituições recebem também a minha dedicação,
o meu amor e respeito, impregnados nos alimentos que manipulo.
Anneti de Oliveira Cavalcanti, há 9 anos
voluntária do Banco Rio de Alimentos.
UM PROGRAMA
4 5
62.passaporte
TRUDEAU, O POLÍTICO
INFLUENCER
24.ferramentas
CONSUMO, LOGO SINTO
horizonte
CIDADE COMO TELA
18.
38.identidade
PASSA LÁ EM CASA
estilo
NO FIO DO BIGODE
30.
/armazemrevista
@revistaarmazem
@revistaarmazem
revistaarmazém
54.experiência
DINHEIRO NA MÃO
É FIDELIZAÇÃO
58.ferramentas
RESPEITÁVEL PÚBLICO
68.experiência
ARTESANATO GLOBAL
46.produto praça
preço promoção
O QUINTO ELEMENTO
.
.
galeria
TUDO VERMELHO
16.
8.trending topics
HACKEAR A EDUCAÇÃO
nesta edição
6 7
Construir
identidades
E
mpreender é transformar. Construir.
Pode ser um negócio, um evento,
uma imagem. Uma rua.
Quando alguém se arrisca e diz: vou fazer
algo diferente ali. Outra pessoa passa, gos-
ta, compra, senta. Mais outra pessoa pensa:
vou fazer a minha loja, empresa, bar, mer-
cado, festa. Ali, também.
De repente, gente!
Parece brincadeira; no entanto, bairros, ci-
dades e economias inteiras se recuperam
assim. Um efeito dominó que faz zonas
“fora do eixo” virarem polos de comércio,
cultura e desenvolvimento local.
Para tanto, é preciso combinar engenhosi-
dade, ousadia e, por que não, arte.
Nas páginas a seguir, você, leitor, verá
surgirem hologramas nos muros e palá-
cios do Centro do Rio, hostels com labi-
rintos de pedra e comida indiana, aplica-
tivos que pagam para você gastar, bares
que nasceram como movimentos sociais,
shows produzidos pelo próprio público.
Identidades. Porque só assim dá certo. Se
tiver a cara das pessoas.
Contudo, como nascem as identidades
hoje? Com informação por todos os lados?
Com crianças e adolescentes que apren-
dem a construir computadores na internet?
É preciso educação; mas qual? Vamos
conversar?
Ah,esperaaí.Temunsdetalhesainda.Umasdicas
legais. E uma novidade. Um artigo sobre o arte-
sanato global, contando a vida de uma empresa
inovadora.Começoemeio,porquefimnãotem.
Para completar, o nosso costumeiro passeio
entre passado e futuro. Andando de Rider,
que deu férias para seus pés nos anos 1990
e agora voltou, querendo, pelo contrário, que
os seus pés saiam por aí. Pelas ruas.
Vamos lá?
FECOMÉRCIO RJ
editorial
Cidade vista do The Maze, hostel na
comunidade Tavares Bastos, no Catete.
8 998
Thaisa Bianchi
trending topics
Hackear
a Educacao˜,
10 111110
trending topics trending topics
Noiníciodeabril,umcasonomínimo
curiosoganhouasmanchetesde
jornaisdomundotodo.
F
aminto por um hambúrguer, um
menino de apenas oito anos dirigiu a
van do pai, por 1 km, até o McDonald’s
mais próximo. Ao ser questionado
por policiais sobre onde tinha aprendido a
dirigir, a resposta foi simples: no YouTube.
No mesmo mês, em uma conversa
despretensiosa com meu primo, um
jovem músico de 24 anos, descobri que
ele tinha construído – sim, construído –
três câmeras de filmagem para a gravação
de um vídeo da sua banda, a 240dB. Tudo
isso usando alguns microcomputadores
(os famosos Raspberry Pi), silver tape e
tutoriais na internet.
A princípio, os dois casos parecem não ter
nada a ver. Entretanto, ambos são exemplos
de uma sociedade na qual a informação está
sempre à distância de um clique, na qual o
conhecimento está permanentemente dis-
ponível para ser compartilhado, executado,
aperfeiçoado. Jovens como meu primo não
são mais vistos como pontos fora da curva,
gênios incompreendidos que abrem sua em-
presa na garagem de casa, como na história
mítica de Steve Jobs.
Na verdade, eles são a curva. O sonho de
consumo do mercado de trabalho – muito
embora, ironicamente, cada vez mais prefi-
ram abrir suas próprias empresas e se dedi-
car aos projetos pessoais. Isso se reflete em
dados: o número de jovens empreendedores
entre 18 e 24 anos subiu de 16,2%, em 2014,
para 20,8%, em 2015, de acordo com o últi-
mo levantamento da Global Entrepreneur-
ship Monitor, instituição internacional volta-
da para o estudo do empreendedorismo.
Quando o aprender – e fazer – sozinho se tor-
na tendência, e parece não haver limites para o
que é ensinado na internet, uma questão pas-
sa a ser inevitável: qual o papel da escola?
Para esta edição, conversamos com educa-
dores, entusiastas da cultura maker e jovens
pais. O objetivo? Entender como essa gera-
ção de empreendedores pensa a formação
de seus filhos, quais são os principais de-
safios de aprendizado das crianças que já
nascem completamente integradas com as
novas tecnologias e como a escola pode se
preparar para um novo modelo de educação.
MAS O QUE É ISSO?
“A cultura maker, em sua origem, é uma cul-
tura da democratização e do compartilha-
mento do conhecimento. O termo surge no
universo da computação pessoal para falar
da aproximação dos artesãos clássicos aos
hackers de computador, em uma cena as-
sociada ao desenvolvimento de hardware”,
explica Gabriela Agustini, empreendedora à
frente do Olabi Makerspace. A organização
social trabalha para que a tecnologia seja
mais inclusiva, por meio de cursos e oficinas,
e também pensa em novas formas de inte-
grar essas ferramentas à educação.
“Nesse sentido, o movimento maker contri-
bui com dois aspectos essenciais: o ensino
de habilidades ligadas ao design e às fer-
ramentas computacionais. São caracterís-
ticas decisivas em um cenário que aponta
para automatização de mão de obra e de-
mais avanços tecnológicos. Por outro lado,
desenvolve-se também o modo de pensar
não linear, baseado em testes e melhoria
de sistema após o ‘feedback de usuário’”,
aponta ela. Ou seja, esqueça a ideia de certo
e errado. Na educação maker, estimula-se
um processo contínuo de tentativa, erro e
nova tentativa. Sempre de forma colabora-
tiva e horizontal.
“Desde a nossa abertura, fomos surpreen-
didos pela procura de pais, crianças e ado-
Alunos aprendem fazendo, em curso no Olabi Makerspace.
Foto:DivulgaçãoOlabiMakerspaceFoto:DivulgaçãoOlabiMakerspace
12 131312
trending topicstrending topics
lescentes. Tem de tudo: pais estimulando
filhos, filhos estimulando pais, pais e filhos
criando projetos em conjunto etc. A oferta
de serviços com essas características ainda
é pequena, por isso, atrai muita gente”, re-
conhece Gabriela.
MAKERS QUE EDUCAM
A opinião é compartilhada por Vinícius Ma-
chado. Aos 36 anos, ele é sócio da Carioteca,
startup que fomenta o comportamento co-
laborativo, e cofundador da Goma, associa-
ção interdisciplinar de empreendedorismo
em rede, com foco em inovação social, eco-
nomia criativa e design sustentável. Multi-
plicidade na veia.
Pai de Thomaz, de dez anos, ele admite que
educar uma criança em um mundo em tran-
sição, “no qual o modelo educacional ainda
não consegue acompanhar o ritmo das mu-
danças que ocorrem na sociedade”, é um
processo que beira a frustração.
“Você sente que todos esses avanços tec-
nológicos que vivenciamos não serão ne-
cessariamente contemplados no ensino dos
nossos filhos, independentemente se eles
estão em um colégio de ponta ou em uma
situação mais vulnerável. E, por não con-
seguirmos alcançar essa expectativa ideal,
surge a necessidade de recorrer a uma edu-
cação suplementar”, desabafa.
Para enfrentar esse desafio, Vinícius deci-
diu pôr a mão na massa. Ao perceber o fi-
lho muitas vezes desestimulado na escola,
recorreu ao Khan Academy. A plataforma
on-line nada mais é que uma ONG educacio-
nal que oferece, gratuitamente, cursos, aulas
e exercícios sobre os mais diversos temas,
como matemática, biologia e programação.
“Quando vejo que o Thomaz não está res-
pondendo bem a um material didático for-
mal, gosto de sentar com ele para assistir a
algumas dessas aulas e resolver exercícios,
que são personalizados e superinterativos.
Só para se ter uma ideia, o narrador de vários
deles é o cara que dubla o Goku [persona-
gem do desenho Dragon Ball Z], o que já des-
perta na criança um outro tipo de interesse”,
cita como exemplo.
O aprendizado colaborativo passou a estar
presente no convívio entre pai e filho, em
conversas, filmes e, até mesmo, em parti-
das de videogame disputadas entre os dois.
“Outro dia estávamos jogando, e um dos
personagens do game batia em uma das
vilãs. Achei que seria uma boa oportunida-
de para conversar com ele sobre a violência
contra a mulher e por que aquilo era errado”,
explica Vinícius.
O FIM DA ESCOLA TRADICIONAL?
A dificuldade dos pais reflete um desafio
central da Pedagogia hoje: como atingir
crianças que já nascem impactadas pe-
las novas tecnologias? “A escola é tradi-
cionalmente lenta na sua evolução, isso é
inegável”, afirma Andrea Ramal, doutora
em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e di-
retora da holding GEN | Educação. “Outra
questão é a teoria. Não te chama aten-
ção que nossas principais referências de
ensino contemporâneo, como Piaget e
Vygotsky, tenham escrito suas obras an-
tes mesmo da invenção do computador?
São autores que se mantêm fundamentais,
mas, é claro, haverá aí um gap de mentali-
dade”, ressalta a especialista.
Nesse contexto, as escolas, como as co-
nhecemos, precisam correr atrás do tempo
perdido se quiserem se manter relevantes
nas próximas décadas. Não é que a ideia de
ensino e de transmissão do conhecimento
tenha se enfraquecido. Pelo contrário. Mas
é possível que o atual modelo educacional
perca espaço para – ou até mesmo seja
substituído por – outras estruturas, com
maior flexibilidade.
Nos Estados Unidos, a prática do home
schooling, ou ensino em casa, vem ganhan-
do cada vez mais adeptos. Já são cerca de
2 milhões de crianças estudando com seus
tutores ou professores particulares, de
acordo com dados do Centro Nacional de
Estatísticas da Educação norte-americano,
o que significa 3,4% das crianças em idade
escolar no país. O dado em si pode até não
parecer impressionante, contudo, trata-se
de um crescimento de 100% nos últimos
Pai e filho em momento
de educação compartilhada.
14 151514
dez anos. No Brasil, detecta-se tendência
similar, ainda que em proporção bem infe-
rior. Por aqui, a legalidade do método é as-
sunto recorrente entre educadores e pais.
Mesmo assim, um levantamento feito pela
Associação Nacional de Educação Domiciliar
(Aned) indica que o número de famílias que
adotaram o sistema passou de menos de 2
mil para mais de 3,2 mil entre 2015 e 2016.
Conclusão? A opção pode ser controversa e
amplamente criticada por especialistas, mas
deixa clara uma busca por novas experiências
pedagógicas.
“Não é só o homeschooling. Já vemos hoje
uma série de iniciativas, como o ensino a
distância e, até mesmo, plataformas como
o Khan Academy, que oferecem alternati-
vas para educação pela internet. A verdade
é que o modelo está sendo posto em xeque:
se ele não se adequar a essas mudanças,
pode ser substituído por outras ferramen-
tas”, cogita Andrea.
No entanto, estamos longe de decretar um co-
lapso da escola tradicional. “A mudança está
acontecendo nela também, mas ainda é uma
fase de transição. Vale destacar algumas ini-
ciativas, que começam a sair da lógica habitual,
como a prática da sala de aula invertida”, reco-
nhece ela. Nessa metodologia, o aluno estuda
previamente os conteúdos em casa, com ví-
deos, textos, games e outros recursos. Na sala
de aula, o professor aprofunda o aprendizado
com exercícios, estudos de caso e conteúdos
complementares, fortalecendo o intercâmbio
entre a turma. “Assim como o ensino da progra-
mação, que estimula uma outra forma de racio-
cínio lógico, mais abstrata, a sala de aula inverti-
da é um exemplo de como é possível ressignifi-
car o tempo na própria escola. Agora, é preciso
enfatizar uma questão: tudo isso passa pelo
papel do professor”, acrescenta a educadora.
CONHECIMENTO COMPARTILHADO
Sobre esse tema, nossos entrevistados são
unânimes: em uma sociedade na qual a in-
formação é cada vez mais onipresente e
descentralizada, o professor deixa de ser
detentor do conhecimento para se tornar
um orientador do aprendizado.
É justamente aí que está o ponto cru-
cial: não basta que a tecnologia seja usada
como ferramenta. É preciso que ela seja, de
fato, integrada ao ensino, o que passa pela
compreensão dos processos cognitivos que
envolvem a sua utilização, e pelo desenvol-
vimento do senso crítico por parte do aluno.
Os jovens de hoje fazem diferente, é verdade,
só que, antes disso, eles pensam diferente.
Nesse processo, o papel do professor é
imprescindível. “Em um mundo com tanta
informação circulando, como você defi-
ne o que importa e o que não importa se
ninguém te orientar e te der contexto?”,
questiona a maker Gabriela. “Isso sem
mencionar as habilidades socioemocio-
nais, que também precisam ser ensinadas
e trabalhadas”, completa.
Na visão dela, a discussão não é sobre
máquinas, é sobre pessoas e processos
de criação. “As máquinas são transitórias.
O que faz sentido hoje não vai mais fazer
em três anos. Por isso, não podemos nos
prender a ensinar determinadas técnicas
e usos de softwares. É preciso estimular
o espírito crítico e fazer crianças e jovens
entenderem a lógica por trás dessas fer-
ramentas, além das possibilidades de apli-
cação prática”, explica.
Diana Fingal, diretora de conteúdo da Inter-
national Society for Technology in Educa-
tion (ISTE), organização norte-americana
que reúne interessados em aprimorar o
uso da tecnologia na educação, vai além:
“Os alunos de hoje não precisam de mais
palestras ou aulas expositivas. Eles têm
de ser ensinados a usar essa informação,
como aplicá-la em sua aprendizagem e
como transmiti-la de forma responsável,
ética e significativa.”
Em março, a ISTE lançou uma pesquisa com
as principais tendências mundiais de tec-
nologia na educação [ver box ao lado]. “O
fio condutor que passa por todas elas é o
empoderamento do aluno. Essas iniciativas
permitem que o estudante tenha mais con-
trole do que, como e onde aprende, além de
mudar a forma como demonstra seu conhe-
cimento”, conclui.
trending topics
16 1716 17
galeria galeria
Uma coluna de tendências reveladas em imagens.
A cada número, uma nova temática, com o que
ARMAZÉM encontrou de legal por aí.
18 19
Cidade
como telaCarolina Farias
Com arte aliada a tecnologia, video mapping
cria ilusão de ótica em todo tipo de superfície
e pode ser ferramenta de ocupação de
espaços públicos
horizonte
18
horizonte
Prédio do Instituto de
Resseguros do Brasil (IRB)
recebe projeção.
Evento de video mapping
atrai público e ilumina
a Zona Portuária.
19
20 21
B
olas gigantes vermelhas e brancas
caíram da sacada do Palácio Pedro
Ernesto, na Cinelândia, Centro do
Rio, um pouco antes de duas imen-
sas janelas do prédio, construído na década de
1920, girarem em seu próprio eixo. Ali perto, no
prédio do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB),
corujasazuistomaramolugardafachada,arrega-
landoosolhosemdireçãoaopúblico.Asimagens,
que parecem fruto de um delírio, são o resultado
dajunçãodearteetecnologia:ovideomapping.
A técnica, também chamada de projeção ma-
peada, é uma das linguagens mais contempo-
râneas de mídia e tem o Rio de Janeiro como
destaque internacional, em razão de seus pro-
fissionais e estúdios.
Prédios, estruturas planas, fotografias, obras de
arte: tudo pode ser “tela” para essas imagens
que reconstroem os espaços com luzes, cores
e movimento.
O nome vem do trabalho de mapeamento da
superfície que recebe a projeção, feita com soft-
wares específicos e projetores cuja potência é de-
terminadapelotamanhodoponto-alvo.
O mapping é muito usado como recurso cênico
e ferramenta de publicidade, mas também pode
seruminstrumentodevalorizaçãoeocupaçãoda
cidade. As projeções citadas no início deste texto,
por exemplo, ocorreram durante a terceira edição
doRioMappingFestival,realizadoaolongodoúlti-
momêsdeabril.Oeventojáéconsideradoomaior
da América Latina, tanto por sua duração quanto
pelaabrangênciadosterritóriosmobilizados.
Oficinas e participantes internacionais, como o
coletivo espanhol Telenoika (fez as projeções no
prédio da Câmara Municipal junto com os cura-
dores do festival) e a VJ e artista plástica holan-
desaFrouketenVelden(crioucubosdeferrofor-
radoscomespelhosetecidos,queforamalvodo
mappingemumafesta),ocuparamoGalpãoNau
(Núcleo de Ativação Urbana), na Zona Portuária
doRio,durantetodoomês.AnaChagas,diretora-
-assistente do Rio Mapping Festival, destaca que
oeventocresceacadaedição.
“Começamos com sete dias, em 2014; em 2015,
já fomos para 15 dias e, este ano, foi o mês todo.
Em2016,nãoconseguimosapoioeagorasaiuem
cimadahora.NóstrabalhamoscomaLeiRouanet
eaPrefeituranãoentrou”,explicaela.
Após a primeira edição, em 2014, membros do
festival participaram, em Lion, na França, da
Fête des Lumières (Festival de Luzes), que
começou na cidade no século XIX, com tochas
e velas, e hoje é um dos principais eventos de
mapping do mundo.
“Em quatro dias, eles recebem oito milhões de
pessoas. Imagine se a gente conseguisse esse
tipo de visibilidade! Aqui ainda estamos perce-
bendo o potencial do mapping”, afirma a dire-
tora-assistente sobre os poucos festivais do
tipo no Brasil – além do Rio, eles ocorrem so-
mente em Manaus e Salvador.
“Para além do entretenimento, o objetivo é des-
pertar o interesse na preservação do patrimônio”,
salienta, por sua vez, o idealizador e diretor-geral
doRioMapping,PauloSacramento.
“É uma nova vertente do entendimento da rua, de
perceber a cidade. Sair um pouco da sala fecha-
da. Você mapeia um espaço, as pessoas passam
e olham. Isso é positivo. Estamos alertando que
aquele lugar está vivo”, afirma ele, que durante a
Rio2016fezprojeçõesnoBoulevardOlímpico.
Sacramento é também proprietário da Ogum
Filmes, residente da NAU, que abriga empreen-
dedores de diversos setores e abriu os braços
para o festival, como destaca Daniel Kraichete,
diretor criativo do espaço:
“Nossapropostaéfocadaemempreendedorismo,
inovação e economia colaborativa. Fomos procu-
rados para sediar o evento e acabaram levando a
produtora (Ogum) para lá. A NAU trouxe caracte-
rísticas diferentes. Nesse processo de convivên-
cia,váriosparceirosacabaramseinserindo.”
Depois do Rio, os idealizadores do festival carioca
partiram para Lima, no Peru, e Nova York, nos Es-
tadosUnidos,eemdezembrovãoparaLion,onde
participamdemostrasefestivais.
LUZNASIDEIAS
Lembrando ainda dos Jogos Olímpicos Rio 2016, fi-
caria difícil pensar na abertura do megaevento sem
destacar as projeções no gramado do Maracanã.
horizonte horizonte
Câmara de Vereadores do Rio
reinventada durante evento
do Rio Mapping.
22 23
Comovideomappingfoipossívelpôrempráticaas
ideias dos diretores-criativos da cerimônia: Daniela
Thomas, Andrucha Waddington e Fernando Meirel-
les. O design visual do espetáculo foi realizado pelo
Radiográfico,estúdiocariocaqueexistedesde2004.
“Eles optaram por trabalhar com projeção no solo,
onde se consegue ter mais resultado com custo
um pouco menor. Uma equipe francesa fez o ma-
peamentodogramado;outratransformouasartes
para o tamanho necessário e nós criamos a nar-
rativa visual”, explica Olívia Pereira, diretora de arte
doestúdio,que,alémdecriarasprojeçõesnochão,
idealizouasgrandescaixasquesetransformaram
emcidade,favelaerostosaolongodacerimônia.
Pedro Garavaglia, também diretor de arte do Ra-
diográfico, diz que o mapping é um recurso cada
vez mais usado por desenvolvedores de platafor-
masmultimídia.
“Atualmente,pelaspossibilidades,peloefeito,pelo
encanto e com mais recursos disponíveis, as pes-
soas, em todas as áreas, utilizam o mapping. Ha-
viaumestigmadequeeraalgodistante,mascom
conhecimentodesoftwareeprojetores,temmais
gente sabendo fazer. Não tem um evento de que
participemos em que a gente não faça mapping,
dos complexos ao mais simples. É uma tecno-
logia dominada”, afirma ele, que, no ano passa-
do, foi responsável pelo cenário da peça “Céus”,
de Aderbal Freire-Filho, e assina as projeções do
novoprogramadaRedeGlobo,ConversacomBial,
queestreouemmaio.
PedroeOlíviacorroboramaideiadequeatécnica
podeserusadanapreservaçãoeocupaçãodaci-
dade. Eles tiveram experiências de projeções em
espaços públicos no Marco Zero, em Recife, em
um evento publicitário, e, em 2015, no Edifício
A Noite, na Praça Mauá, Centro do Rio, durante
um festival de visualismo. “Usamos a fachada,
e foi legal porque as pessoas lançaram um olhar
diferente, novo, para o edifício, que tem um sig-
nificado histórico”, lembra Pedro.
DEZANOSDEINOVAÇÃO
Outro experiente estúdio de design gráfico
carioca é o Super Uber – e o nome não tem
qualquer ligação com o aplicativo de transporte.
Nascido no Rio em 2002, a empresa hoje tem
escritórios em São Paulo e São Francisco, nos
horizonte
Estados Unidos, com cerca de 250 projetos para
museus, marcas e eventos, entre eles a cerimô-
niadeencerramentodaRio2016.
Um dos trabalhos do estúdio foi realizado no
prédio da Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), em 2013, no lançamento
dacampanhadoDiadeAçãoComunitária–uma
homenagem ao brasileiro Sérgio Vieira de Mello,
representante especial do secretário-geral da
ONU para o Iraque, morto em um atentado terro-
ristaemBagdá,em2003.
“ProjetamosaAssembleianelamesma.Foidifícil
porque era uma curva composta, tipo um aba-
jur”, explica Liana Brazil, diretora de criação e
fundadora da empresa, que já tem dez anos de
experiência na área.
“Fomos crescendo organicamente. Por volta
de 2007, quando não se sabia se o nome seria
mapping ou projeção 4D, fizemos o primeiro in-
vestimento, que foi mapear uma escultura. De-
pois partimos para as fachadas. Já são dez anos
de grandes e pequenas iniciativas”, relata Liana.
Para ter mais liberdade e chegar mais perto do
desejado, ela salienta que a empresa desenvol-
veuoprópriosoftwaredemapeamento:
“Existem dois softwares no mercado, que também
usamos, mas com o nosso temos poder de custo-
mização,podemosmudá-lodeacordocomanossa
conveniência. Somos muito puristas com tecnolo-
gia, sempre desenvolvemos nossas ferramentas. E
buscamosformarnovosprofissionaisaquimesmo.”
Com uso de algoritmos, o Super Uber criou
um mapping “vivo” para o Phillip and Patricia
Frost Museum of Science, em Miami. Por meio
dele, é possível simular evoluções socioeco-
nômicas, redes sociais humanas e até siste-
mas biométricos da natureza, como o voo dos
pássaros. Na instalação, intitulada Flight Wall o
público acompanha a influência do movimento
de objetos e animais sobre o ar.
“É uma animação dinâmica na qual o software vai
se ajustando. Você pode passar horas ali e não vai
serigual.Oalgoritmomontaovisualcombaseem
dados (dentro das regras estéticas estabelecidas
pelo artista), com uma compreensão orgânica da
superfície. Transformamos o invisível em visível.
Uma segunda possibilidade é gerar interatividade,
querdizer,aprojeçãosealteradeacordocomaação
das pessoas, como em um jogo”, explica Liana, ao
apontar ambas as tecnologias como as mais inova-
dorasnoqueserefereaovideomapping.Elaindica,
ainda,umoutroelementoessencial:
“Emdezanos,muitacoisamelhorouemtermosde
técnica, mas fora isso a grande inovação vem das
ideias.Seoconteúdonãoébom,nãoadianta”,diza
diretoradaempresa,quetambémjárealizouproje-
çõesemespaçospúblicos.
“Algumas são especiais para nós, como uma pro-
jeção na Igreja de Santa Rita, no Centro do Rio, em
2011. Era a fase pré-Olimpíada, o objetivo era cha-
maratençãoparaprédiosantigosevaliosos.Atraiu
gente de fora para ver, teve uma interação com a
paróquia. Isso mobiliza o engajamento público; le-
galparaarevitalização”,afirmaLiana.
PUBLICIDADEEFUTURO
Como parte da comemoração de seus 150 anos,
a revista norte-americana Harper’s Bazaar usou
a face norte do Empire State Building, edifício
icônicode102andares,emNovaYork,paraprojetar
em video mapping algumas das fotos mais
emblemáticas da História recente da publicação –
adabrasileiraGiseleBündchenestavaentreelas.
No mercado publicitário, o mapping é um recur-
so adotado com frequência em grandes eventos
e campanhas. De 2011 até hoje, esteve presente
em ações de gigantes de setores tão diversos
como os de Eletroeletrônicos (Samsung), Ves-
tuário (New Balance), Automobilístico (Toyota) e
Audiovisual (Vimeo).
As possibilidades, no entanto, também se esten-
dem para soluções do cotidiano. Um exemplo
inesperado são os estandes imobiliários. Ambien-
tes internos, como a sala de um apartamento, já
são projetadas para os clientes com a utilização da
técnica,oquepermitequesevisualizeadecoração
eadivisãodoespaço.
De uma forma ou de outra, seja na ocupação da
cidade, na arte, nos serviços, ou como ferramenta
publicitária e de marca, o video mapping provoca
surpresa e fascínio. O desafio? A constante rein-
venção tecnológica e criativa, essencial para qual-
quertipodemídia,nosdiasatuais.
Música e cores em festa no
Núcleo de Ativação Urbana (Nau).
24 25
ferramentasferramentas
A
sensação pode até ser de que
o ano acabou de começar, mas
tem gente que já está pensando
em 2019. É o caso da WGSN, líder
mundial em previsão de tendências de com-
portamento e consumo, que recentemente abriu
seu primeiro espaço no Rio de Janeiro. O local es-
colhidofoiogalpãodaMalha,emSãoCristóvão.
Conversamos com Luiz Arruda, consultor sê-
nior da empresa, para entender melhor como as
mudanças sociais pelas quais passamos hoje in-
fluenciarãoospadrõesdeconsumonospróximos
dois anos. O resultado desse bate-papo você
confereaseguir.
ARMAZÉM: Vocês usam o recorte
2017-2019 para projetar as tendências
de consumo, o que é muito interessan-
te, porque gera um horizonte palpável,
sem aquele ar de ficção científica. Como
será a cara do mundo daqui até lá?
Luiz: É preciso entender o ano de 2019 como
o fechamento de um ciclo. Estamos passan-
do por mudanças na maneira como a gente se
comporta. E aí há três transformações que va-
mos ver com força. A primeira delas podemos
chamarde“AEraZettabyte”,oque,naverdade,
é só um nome para o tamanho da internet. Em
2016, uma pesquisa da Scientometrics (respei-
tada publicação científica internacional) revelou
que já existem 4,66 milhões de páginas na web,
eessenúmerovaicrescerdeformavertiginosa
até 2019. O tráfego global vai ser gigante. Está
planejado para bater mais de dois zettabytes
por ano, o que é extremamente rápido, com
capacidade de armazenamento e transferência
brutais. Isso vai mudar a velocidade e, assim, a
maneira como a gente consome informação.
A segunda grande transformação para 2019
será “O Mundo Pós-Palavra”. O que é isso?
Estamos falando aqui de linguagem, basica-
mente. Os memes são um exemplo – batido
até – de como as imagens já substituem a
escrita. Isso tende a se aprofundar. Ao mes-
mo tempo, o mercado de voz vive um mo-
mento decisivo. É uma tecnologia simples
e direta. Pensa na Siri, da Apple, ou no Ok
Google , e eleva à enésima potência. Imagi-
na tudo o que você pode fazer com outros
devices – aparelhos eletrodomésticos, car-
ros, qualquer coisa – ativados simplesmente
pela tecnologia de voz?
Aterceiragrandetransformaçãoaté2019,agente
chamade“TempodoAtivismo”,e,paramim,essa
é a que já sentimos mais hoje. Vimos as mani-
festações capitaneadas por jovens no Brasil e no
mundo, ante o caos político, principalmente. Em
2019, a Geração Z, que está chegando aos seus
20 anos, vai capitanear esse movimento de bus-
carcausasedoarseutempo,nãosóseudinheiro
–aliás,muitomenosodinheiro–esimasuaaten-
ção,seusamigosesuaredeparaisso.
ARMAZÉM: Tem uma questão muito re-
lacionada com essa explosão do mercado
de voz, que é o chamado comércio con-
versacional. Como isso funciona?
Luiz: O comércio conversacional é principal-
mente como empresas se conectam com
seus consumidores usando canais que, até
então, eram pouco tradicionais para esta-
belecer esse diálogo. São basicamente os
communicators, ou aplicativos de mensagem.
WhatsApp, Facebook Messenger. Lá na grin-
ga, na China, há vários outros – Line, WeChat,
por aí vai... E até mesmo o chat do Instagram.
Trata-se de ir aonde o consumidor está e prover
uma experiência que é mais gostosa para ele, so-
bretudo, para os mais jovens, em vez de se criar o
próprioaplicativo,comoumSACdavida.Émaisfá-
cil,populareconsistenteusaroquejáexisteeestá
integradonocotidiano.Vocêestáfalandocompes-
soas que não querem passar por milhões de sets,
queremqueaempresaestejaalidolado.
ARMAZÉM: E as redes sociais ou fer-
ramentas de conversação tendem a se
consolidar também como mecanismos
de venda?
Luiz: As plataformas sociais, como o Instagram,
por exemplo, já se tornaram ferramentas de
conversão e de consumo. Desde o fim de 2015,
algumasempresas,comoaUrbanDecay,marca
norte-americana de cosméticos, fizeram uma
parceria com o Instagram para vender produtos
em seus perfis. Tem um iconezinho de shopping
bag no canto da imagem, onde você clica e pode
comprar aquele item diretamente; tem o preço,
a descrição etc. Dali você é redirecionado para o
João Estrella de Bettencourt e Thaisa Bianchi
26 27
ferramentasferramentas
pagamento, sem precisar sair daquele ambiente.
NoFacebookMessengeréamesmacoisa.
ARMAZÉM: Você destacaria outros
exemplos?
Luiz: Existem vários. Um que eu acho muito legal,
relativamente recente, é a Whole Food. Vocês co-
nhecemaWholeFood?
ARMAZÉM: Sim, a cadeia de supermer-
cados de produtos saudáveis.
Luiz: Isso. Eles fizeram um bot no Facebook
Messenger. É um mecanismo que interage com
o consumidor basicamente digitando emojis.
Vocêpõeoemojizinhodemacarrão,vamosdizer,
e eles te mandam uma série de receitas usan-
do massa. Todos têm a ver com o site do Whole
Foods, com os ingredientes disponíveis lá. Já em
termos de voz, acho muito legal o Amazon Echo.
ÉparecidocomaSiri,sóquevocêpodecontrolar
outros aparelhos smart, como geladeira e tele-
visão. No ano passado, ele já chegou a 4% dos
lares dos norte-americanos. Quer dizer, a gen-
te percebe um crescimento exponencial nesse
tipodetecnologia,embora,emtermosabsolutos,
sejaumprocessogradual.
ARMAZÉM: Há uma tendência forte aí,
de personalização do atendimento, do
pós-venda, principalmente. As empre-
sas tentam criar experiências de consu-
mo cada vez mais feitas sob medida para
um tipo de consumidor. Seria mais ou
menos nessa linha?
Luiz:Sim,eessaestratégiavemnãopelofatode
as marcas serem superinteligentes... Tipo, “Nos-
sa, olha o que a gente pensou”. Na verdade, elas
passaram a ouvir o consumidor. Tem algumas
palavras importantes, como customização e
personalização, só que eu acho que é mais que
isso.Écocriação.Euquero,sim,algumacoisaque
sejafeitapormim.Comigo.Essaéachave.Enão
sóoprodutoemsi,mastambémumanarrativa.
ARMAZÉM: Você vê a continuação des-
se processo com as próximas gerações?
Luiz: Com certeza. Já não é mais possível você
involuirnessesentido,voltaratrásequereruma
padronização. Agora, é claro que há diferenças.
Todas as rupturas que a Geração Y criou – de
abertura, de pluralidade, de flexibilidade, de bus-
ca por experiência – são intensificadas, de uma
forma ou de outra, pela Geração Z.
ARMAZÉM: Quais diferenças você apon-
taria entre as duas gerações, em termos
de padrões de consumo?
Luiz: Os millennials são filhos de um período eco-
nômico,globalmentefalando,maisvirtuoso.E,por
isso, eles são mais relaxados ou otimistas em re-
laçãoaoconsumo,naformacomolidamcomodi-
nheiro. Os “Z” não, eles passaram a adolescência
ou a infância vendo a crise europeia, a crise nor-
te-americana em 2008 ou 2009, e mesmo aqui
no Brasil, o que a gente está vivendo agora. Não
é que eles não gastem, mas eles pensam muito
antes de desembolsar. Valorizam muito mais as
escolhas. Tem uma questão que não é mudança,
só que está sendo fortemente intensificada na
GeraçãoZ:oconsumoconsciente.Elessãomuito
maiscuidadososacercadoimpactoqueexercem
nomundo,comoconsumidores.
ARMAZÉM: A gente falou bastante da
esfera virtual e da tecnologia, mas quan-
do você vai para o varejo, no físico, quais
as principais mudanças que devem ocor-
rer nestes dois próximos anos?
Luiz: O espaço físico em si, o ponto de venda, ain-
da é importante. O que não dá é para ficar parado.
Essa é a questão. Estamos vendo agora um va-
rejo físico que precisa se reinventar, e isso passa
por uma conexão com o ambiente digital. É uma
demanda básica que você tenha extensões do
ponto de venda físico. Seja para fazer uma pes-
quisa anterior, seja para falar do pós-venda, seja
para tirar dúvidas ou mesmo ter uma experiên-
cia imersiva com os produtos. Já em matéria de
tecnologia, existem, por exemplo, os provadores
digitais e espelhos touch, que podem ser usados
nas lojas. Há diversas possibilidades no varejo fí-
sico, que tiram o atrito do processo de compra ou,
simplesmente, tornam a experiência mais inte-
ressanteeengajadora.
ARMAZÉM: Você incluiria realidade
virtual e realidade aumentada entre es-
sas ferramentas?
Luiz: São duas tecnologias que estão cada
vez mais presentes. No comércio, trata-se
28 29
justamente de tornar o processo mais imersi-
vo, mais interativo, mais completo. E, de novo,
tanto dentro do ponto de venda quanto fora
dele. Já existe o projeto de um shopping onde
você pode comprar por meio de realidade vir-
tual, 24h por dia. O Facebook lançou agora o
Facebook Space, que é meio que um reboot
do Second Life. Lembram do Second Life? Ob-
viamente, não é a mesma coisa; mas é um es-
paço de realidade virtual onde você pode inte-
ragir com seus amigos. Eu reitero, não é sobre a
transação. Acho que muitas varejistas já enten-
deram isso; daí, vermos tantas lojas e marcas
investindo em experiência in store, experiência
na loja. O consumo vai ser necessariamen-
te uma consequência dessa história. E há um
outro ponto: para que essas tecnologias serão
usadas? O mercado da moda é um bom exem-
plo, mas também valeria destacar a decoração.
Com a realidade aumentada, você escolhe um
item e encaixa em um espaço para ver como
fica. Você não está vendo mais só uma foto, é o
móvel em um espaço dimensional.
ARMAZÉM: Não precisa nem medir
para saber se cabe.
Luiz: Exatamente. A realidade virtual é a mesma
coisa: você pode criar um espaço novo e se ver
lá dentro. A Ikea, que é uma gigante internacio-
nal no setor de móveis, lançou um aplicativo de
design de cozinha no ano passado, justamente
paraquevocêexperimenteasopçõesparaasua
casa.Sãosoluçõesquejáfazempartedarealida-
de e que tendem a ficar cada vez mais baratas e
acessíveis.SegundodadosdaBusinessInsider,o
portal de notícias norte-americano sobre negó-
cios,emaproximadamentecincoanososnossos
smartphones serão óculos, de fato. E a gente vai
poder ter tudo comandado por voz e pelo olho
mesmo.Cincoanosédaquiapouco.
ARMAZÉM: Parece paradoxal um cres-
cimento tão grande da tecnologia, por
um lado, e, por outro, essa tendência a se
repensar o espaço público e o consumo,
até com uma visão nostálgica? Há, tam-
bém,umabuscapelolocal,otradicional?
Luiz: Aí eu vou conectar com uma macroten-
dência que a gente mapeou. Esses espaços
estão sendo ocupados menos porque são tra-
dicionais e mais por serem “fora do eixo”. É um
movimento global, de valorização daquilo que
nãoécentral,nosentidodemainstream.Porque
não estão fazendo no Leblon, e estão fazendo
em Madureira? Por que, em São Paulo, não são
bairros como Jardins ou Pinheiros que estão
bombando,esimSantaCecília?
Internacionalmente, percebemos isso na valori-
zação da cultura fora do circuito Estados Unidos-
-Europa. Cada vez mais a gente tem visto influên-
cias asiáticas, africanas, e até latino-americanas,
namúsica,namoda,nodesign,naarquitetura...
Hoje em dia, o boom populacional do mundo,
pelos próximos 50 anos, não virá mais dos Es-
tadosUnidosedaEuropa,queestãocomataxa
de natalidade caindo, quase negativa, com a
população envelhecendo. Então a força criativa
virá desses outros polos. É um tsunami jovem
de crescimento. Regionalmente, ou localmen-
te, tem um outro motivo para essa valorização
do fora do eixo, que é o fenômeno da gentrifi-
cação. Há uma migração, uma expansão dessa
classe jovem criativa, que é justamente quem
tem menos grana, quem menos vai pagar um
aluguel no Leblon, nos Jardins ou no Centro de
Londres. E esses caras começam a estar nes-
ses entornos da cidade. Lugares como Madu-
reira,DuquedeCaxiasetc.entramnorepertório.
ARMAZÉM: Que conselho você daria
para esse empreendedor criativo que
está montando um negócio?
Luiz:Avantagemdeumempreendedoremrela-
ção a uma grande empresa é que ele está perto
de tudo. São os amigos, a tecnologia que ele já
usa. Não precisa fazer uma pesquisa para en-
tender como o consumidor pensa. Talvez o en-
tornojádiga.Então,achoqueoconselhoé:“Olhe
para o lado.” É necessário, claro, investimento;
mas, hoje em dia, dá para fazer muito com muito
pouco. Os próprios canais sociais oferecem uma
amplificação gigante das consequências do seu
trabalho. Você consegue se conectar com muita
gente, fazer parcerias, estabelecer redes. Essa
noção de rede é fundamental. Não tem que cor-
rer atrás de um escritório, uma fábrica, um me-
gacapitalparasebackupearnocomeço.Aforma
de fazer negócio e vender é muito distinta. Você
pode estar em um coworking, pode ter amigos
que ajudam nesse processo. Pense nessas par-
ceriasmenosortodoxas...
ferramentasferramentas
30 31
ouafantásticahistória
deLeonardoAzevedo
No fio
do bigode
João Estrella de Bettencourt
Dentro do Soma Hub, quatro ou cinco jovens faziam
coreografias que desafiavam as leis da Física, cercados
por uma galera que os acompanhava mais discretamente,
ao som de um DJ. Do lado de fora, uma arquibancada
de madeira, uma larga calçada de concreto e a rua.
Completamentetomadas.Numaboa,semnenhumaperto.
Leonardo Azevedo, ou melhor, Léo Bigode, passa para
nos dar um abraço. “Agora tô indo mesmo, valeu pelo dia,
pela conversa. Depois a gente continua.” Era madrugada
de sexta para sábado, quando rolam os bailes do Soma.
Ah, e o que é o Soma? Aí, fica difícil explicar. Um polo de
economia criativa, uma escola, um centro de cultura e
colaborativismo,umpalcoparamarcaseempreendedores
da Baixada Fluminense, um bar, uma loja, um evento. Fica
em Duque de Caxias. E foi inventado, de ponta a ponta, por
Léo Bigode. Sabe quem ele é? Peraí. Rewind.
EStilo
Léo Bigode no Soma, em noite de baile.
32 33
EStilo EStilo
EXTA-FEIRA, 14H: O INÍCIO DE TUDO
Léo abre a porta do seu apartamento no Centro
deCaxias.Sorrisoescancarado.“Nãoreparanão,
acasavivecheia”,justifica,emreferênciaaosseis
ou sete pares de sapatos e sandálias alinhados
no hall. Após certificar-se de que não queríamos
mesmo almoçar, ele nos leva apressadamente
pelasala,ondevemosderelancequadros,livros
– empilhados em mesinhas e até no chão –, e
uma prancha de surfe, pendurada na parede. O
objetivo de Léo é a varanda, onde nos apresen-
ta a alguns amigos e parceiros de negócios. “A
gente pensa muita coisa aqui”, explica.
De volta à sala, paramos em frente a um enorme
sofácinza,daquelesemqueduasoutrêspessoas
podem deitar numa boa, mas engatamos a con-
versaempémesmo.
Léo é nascido e criado em Duque de Caxias. Pas-
sou a infância soltando pipa e jogando bola no
bairroJardim25deAgosto,ounoscampinhosque
seofereciamàturma.Omaismarcanteeraaolado
da Favela do Inferninho. “Ainda encontro com o
pessoal dessa época”, lembra ele. Na adolescên-
cia, curtia os cineclubes e as festas da Baixada: “A
genteficavadiscotecandocomosvinisdaZiziDis-
cos, tinha uma cultura de funk muito forte. Por ou-
tro lado, o nosso olhar era para os estilos da Zona
Sul.”Atéqueospaissesepararameamãesemu-
douparaoRecreiodosBandeirantes.
Léo ficou arrasado. Teve briga, choro, tudo. Aca-
bou indo, a contragosto – não queria deixá-la
sozinha. Levou um pouco da sua experiência – o
skate e os amigos, que encontravam com ele nos
fins de semana – e, em troca, recebeu outras. O
mar, o surfe e o reggae. Demorou para tomar co-
ragem,mas,hoje,éfiguraassíduanaPraiadaMa-
cumba, prancha a tiracolo. Criou até um grupo de
surfistasdeCaxias.ORecreiocontinuanoseudia
a dia, embora tenha voltado definitivamente para
aterranatal,depoisdafaculdade.
Seguindo os passos do pai, cursou Direito na Uni-
granRio, pertinho de onde, atualmente, funciona
o Soma: “Foi pressão social, não tem como ne-
gar. Aquela ideia de segurança, estabilidade. Só
que aprendi a gostar. Há três meses entreguei
meuTCCdepós-graduaçãonaPUC.Otematem
tudo a ver com o que eu faço hoje – a influência
do empreendedorismo como ferramenta de va-
lorização imobiliária.” A aparente contradição é a
cara de Léo Bigode, sobretudo, porque de contra-
diçãonãotemnada.Onegóciodeleécriarpontes,
expandir fronteiras. De toda experiência, de todo
conhecimento, surge algo a ser aproveitado, fun-
dido,reinventado.Nãoàtoa,seufilmepreferidoé
“Na natureza selvagem” e, entre os autores que o
fascinam, figuram o filósofo norte-americano Ja-
mesThoreaueoescritorrussoLeonTolstoi.
O filme e o filósofo inspiraram tatuagens que car-
rega no pescoço e no braço. De comum entre os
três, ideias e histórias profundamente libertárias,
que ele resume em uma frase: “Seja coerente
comoquevocêacredita,enãocomoqueteéim-
posto.Atônicadomeunegócioedaminhavidaé
essa,umlifestylebusiness.”
Não se enganem, Léo é bom de papo, mas ban-
ca suas palavras. Ao terminar a faculdade, pôs
R$ 1 mil no bolso e passou três meses viajan-
do pela América do Sul. Queria reproduzir a
rota seguida pelo jovem Che Guevara. Foi para
a Bolívia, Chile, onde enfrentou um terremoto, e
Peru, passando pelo Deserto do Atacama.
Navolta,dividiu-seentreoexercíciodaadvocacia,
no escritório do pai, e estadas prolongadas em
uma comunidade alternativa, em Vargem Gran-
de, na Zona Oeste do Rio. De lá, trouxe uma lição
importante: “A vontade de criar redes, de acre-
ditar nas pessoas como valor. Isso eu tirei muito
da cultura hippie. Só que, depois de um tempo,
eu percebi que podia – e queria – aplicar isso no
mundo onde eu cresci, com o qual eu me identifi-
co,queéDuquedeCaxias,queéaBaixada.”
O HOMEM MÍDIA
Surge um imprevisto. O filho acordou e Tássia, a
mulher do Léo, precisa de uma força. Ele pede
desculpas e pergunta se a música – um reggae
dabandaGroundation–estáatrapalhandoagra-
vação. Não está. Resolvida a emergência, apare-
cedemãosdadascomomenino:
“Cara, meu casamento é um exemplo engra-
çado dessa busca por conexões. A Tássia é
de Irajá e nos conhecemos na Lapa, em um
show.” Os dois estão juntos há dois anos e, há
um, nasceu o Kael. Sim, o nome é uma home-
nagem ao Super-Homem. Léo ri. “Acho bonito,
vai ser o nosso homem de aço.”
O Soma, por incrível que pareça, é mais novo.
Tem cinco meses. A lógica do negócio, ele dei-
xa claro, combina ousadia com gestão pro-
fissional, bem planejada. “O Jones, meu sócio
e principal investidor, tinha uma visão muito
concreta nesse sentido. E acreditou no concei-
to. Para você ter uma ideia, a gente iria ocupar
uma área bem menor, no canto da rua. Só que
ele viu essa esquina e bancou ampliar. Não
estava nem para alugar aqui, funcionava uma
gráfica. Hoje é a cara do Soma.”
Escolhido o local, Léo assumiu a reforma, que,
no total, custou R$ 300 mil. Antes de mais
S
Tatuagem de intelectual, trabalho
e diversão: as diferentes faces
do empreendedor.
nada, fechou duas parcerias essenciais, que
já vinha costurando, pacientemente: com a TD
Arquitetura, de João Duayer, responsável por
projetos de Void, Hocus Pocus e Zee Dog; e
com o estúdio de design Hardcuore, de Breno
Pineschi, que tem entre seus clientes Adidas,
Do Bem e Leite de Rosas.
Queria aproveitar o ar de “galpão em ruínas”,
com estruturas aparentes, metais e muita
fluidez: “Era fundamental a gente se abrir
para a rua, criar um espaço que alimentasse
essa relação, de uma forma contemporânea.”
Já a logo, criada por Pineschi, enfatizava os
encontros e as construções coletivas, que
marcaram Léo desde a infância. Sinais de
adição, entrelaçados, como em um quebra-
-cabeça tridimensional.
34 3534 35
A esquina que virou
a cara do Soma.
EStilo
36 37
EStilo EStilo
Faltava o público. Quem fizesse – ou buscasse
–algooriginal,comraízeslocais,estavanoradar.
Skate, hip-hop, moda, artes plásticas, audiovi-
sual, coworkings. Para atrair essa galera, contou
com a ajuda do Coletivo Cena BXD, criado em
meados de 2016:
“Eles eram bem atuantes na fotografia, tinham
essa linha de retratar toda a Baixada. Era o que
eu queria. Porque a pessoa que se interessasse
pelo Soma, na minha cabeça, não seria um fre-
quentador, e sim um cocriador. Não é demago-
gia, é uma questão prática até. Comprar um pro-
duto,tomarumacerveja,vocêtomaemqualquer
lugar. Agora, se você compra uma proposta, se
identificacomela,éalgoquesetornaseu.”
Essa percepção é o que há de mais novo no
negócio, em termos comerciais e de marketing.
Para Léo, o Soma funciona como um “agrega-
dor de conteúdo”, ao expor marcas que têm
interesse naquela cena. Desde empreendedo-
res da Baixada, como a Antco, ou do subúrbio
do Rio, como a Save Me, até gigantes, como Do
Bem,Heineken,Rider,Nikee,embreve,RedBull,
passando por produtores da periferia de São
Paulo, entre eles, o Laboratório Fantasma.
Está dando certo. O faturamento já atingiu R$
150 mil por mês – o que significa em torno de
R$ 2 milhões até o fim deste ano.
O segredo? Ele crava de bate-pronto: “O foco
no branding. A gente abre um mercado para
quem está fora dele, mas, para entrarem com
o pé direito, dialogando e deixando um legado
para a rua. E, quando ganhamos essa dimen-
são, levamos junto quem cria e produz aqui. No
fundo, somos uma plataforma de diálogo entre
as marcas e a Baixada Fluminense, que é um
território gigantesco, com quase 4 milhões de
pessoas e 15% do PIB do Estado.”
PERCORRENDOA(S)CIDADE(S)
Na varanda, a galera se movimenta. Calça o
tênis, confere o celular. Está na hora de partir
para o Centro do Rio, onde, naquele dia, rolava
manifestação. Algo comum no Brasil dos últi-
mos anos. Pegamos um EcoSport vermelho
com Léo e dois amigos – um deles ao volante.
Chove, mas a cidade parece agitada, ao con-
trário da Avenida Brasil, sem trânsito. No carro,
o reggae é substituído por rock e MPB, com
destaque para Zé Ramalho.
“A gente trabalha com a rua, com o movimento
das pessoas. Eu tenho que estar antenado com
isso,ouvir,entender.”ApolíticadeLéoé,sempre,
de construção. Defende com unhas e dentes as
parcerias público-privadas, desde que sejam de-
finidas realmente em conjunto por governos, so-
ciedadecivileempreendedores:
“Vou dar um exemplo. Estamos levando para a
Prefeitura um projeto desenhado pelo Rodrigo
Costa, do Coletivo BXD. Queremos montar um
‘QG’ no Centro de Caxias, nos moldes do que a
Malha fez em São Cristóvão. Com capacidade de
produzir moda, design, inovação. A iniciativa pri-
vadavaiinvestirparaequipareconduziragestão.
A sociedade civil tem que comprar a ideia. Fre-
quentar,agitar,transformaremumpolocultural.”
E o Governo? Para Léo, não adianta levar apenas
demandas.“Seeupropuseralgoquedependado
Estado, aí, como empreendedor, não chego com
uma solução, e sim com um problema. Agora, o
PoderPúblicopodeajudar,emuito.Levarinfraes-
trutura, apoio logístico e de imagem, organização.
Isso é diálogo. O custo vai ser baixo e o resultado
enorme,comforteimplicaçãoeconômica.”
O trajeto dura menos de meia hora. Saltamos em
um estacionamento nas costas dos Arcos da
Lapa e atravessamos a Praça Cardeal Câmara.
Léo aborda um ou outro manifestante, observa,
questiona. A noite cai e, de repente, nos perde-
mos. Sem problemas. O cara, já ficou óbvio, é da-
quelesquenãodeixamninguémparatrás.
A mensagem no WhatsApp aparece por volta
das 19h. Às 20h, ele tem que estar no Soma para
dar o start da noite. Por causa do baile, sexta é o
dia mais cheio – e mais complicado de adminis-
trar. Além de ter se tornado um ponto de encon-
tro de diversos empreendedores da Baixada, o
queexigepresençaeatenção.
Na Lapa, centenas de pessoas andam de um lado
para o outro. Calçadas e bares começam a encher.
Mas o estacionamento está tranquilo, e pegamos
aestradasemdificuldades.Choveforte,oquenão
preocupaLéo.“Cara,noinícioeuficavadesespera-
do, uma ansiedade enorme. Hoje, não. Já recebe-
mos 3 mil pessoas, lotou a rua da frente e a trans-
versal, e estava caindo uma tempestade. Tivemos
quedistribuircapasdechuva.Foimemorável.
O baile é organizado pelo próprio Soma; no en-
tanto, a aposta é na multiplicação de eventos
externos. Entre as grandes empresas parceiras
e os movimentos locais, o espaço já foi palco
de festivais de música e street art, seminários,
talk shows, workshops – “pirei quando a Capa
Comics, um grupo de quadrinhos aqui da Baixa-
da, trouxe o Ota, um dos criadores da Mad Bra-
sil”–eentrounocalendáriointernacionalcomo
Fashion Revolution Day, movimento capitanea-
dopornomesglobaisdosetor.Emmaio,sediou,
ainda,oNikeRunning,umamegacorridaurbana,
e o Beco Festival, que reúne coletivos de… Nova
Iguaçu: “tem cineclube, feira de moda, bandas
de vários estilos. É um caldeirão.”
No horizonte, ampliar o alcance e o efeito social
da marca. O Soma já se associa ou está à fren-
te de parte do calendário cultural da cidade, em
parceria com o Poder Público, e atua em toda a
Baixada, com a realização de festas, feiras e de-
bates. Dentro de casa, Léo dá a partida em uma
escolacriativa–“estamosmontandoagradeea
estrutura”–eplanejaumaexpansãofísica:“Tem
queserpassoapasso,masestamosdeolhoem
NovaIguaçueSãoJoãodeMeriti.”
ADESPEDIDA
São 23h e, antes de encerrarmos, precisamos
pegar mochilas e afins, que havíamos deixado
Objetos pessoais se misturam
a produtos na decoração do
espaço. O surfe é onipresente.
na casa do Léo, a algumas quadras dali. Ele nos
acompanha, impondo uma condição: “A gen-
te vai, mas volta. Vocês têm que ficar, pelo me-
nos, até meia-noite. Aí é que começa a bombar.”
Aceitamos, claro. Tudo corre sem contratempos
e, surpreendentemente, em se tratando de Léo
Bigode, em silêncio. Até que passamos por uma
pracinha.Tãosimpáticaquantodespretensiosa.A
empolgaçãodelereaparece:
“Cara, acabei não falando de uma coisa legal. Es-
tamos conversando com alguns setores, públi-
cos e privados, para integrar as praças munici-
pais, que são, por excelência, lugares de diálogo
e criação. Só que, por inúmeras razões, elas se
tornaram obsoletas. Precisamos de dinamismo,
tecnologia. Temos que organizar cursos, apre-
sentaçõesdecinema.Cultura.”
Chegamos. Léo nos apresenta ao Yuri, um mú-
sico fã de Mano Chao, e ao Carlos, fotógrafo do
BXD, antes de ir circular entre a galera, parando
aqui e ali para uma conversa e para conferir o an-
damento da cozinha. Pedimos uma cerveja e um
cheeseburguer com queijo coalho e pão de açaí.
Como previsto, a rua encheu. Dentro do Soma,
os jovens do início da reportagem dançam como
se não houvesse amanhã, o que dá origem a um
storiesgeniale,infelizmente,fugaz.
Já na madrugada de sábado, Léo se despede.
Resta-nos acabar a cerveja e ir embora, com
uma certeza: ainda ouviremos falar muito do
rapaz – e da Baixada Fluminense.
38 393938
Passalá
emcasaAydanoAndréMotta
identidade
Fachada labiríntica do The Maze,
hostel na comunidade
Tavares Bastos, no Catete.
40 414140
identidade identidade
A
simpatia despojada do “passa
lá em casa”, tatuada nas almas
cariocas, marca um novo estilo
de hospedagem que se espalha
pelo Rio. O sortido circuito de hostels da cida-
de cria um jeito único de receber, conjugando
criatividade e alegria em eventos, encontros
e serviços, para produzir identidade exclusiva,
que encanta hóspedes e transforma morado-
res locais em frequentadores de um espaço
criado, em teoria, para visitantes.
Feiras, festivais, celebrações em torno de cerve-
ja e comida artesanal e festas atreladas a even-
tos da cidade – jogos de futebol, por exemplo
– ajudam na diversificação do negócio e alavan-
cam o empreendedorismo. De uma estrutura
enxuta e interação com parceiros, nascem as
condições para o modelo de proximidade que
dá olé na rigidez dos hotéis tradicionais.
A diferença está até nos endereços. Mesmo os
hostels que usufruem da moldura cinematográ-
ficademar,montanhaefloresta–valorizadaaté
hoje e, benzadeus, para sempre – não descan-
sam diante da vista e apostam na realização de
eventos para cativar seus hóspedes e frequen-
tadores. Pelo Centro e nas zonas Norte, Oeste e
Sul(alémdosquesubiramasfavelasnostempos
da pacificação), empreendimentos semelhantes
buscamconstruirparceriaspelavizinhançaemi-
ramnopúblicoquecirculapeloRiocomobjetivos
diferentes dos visitantes convencionais. Sempre
oferecendopreçomelhordoqueosencontrados
nastradicionaisgrifesdeviagem.
A contribuição à cidade extrapola o setor turísti-
co,movimentandoacenacultural,pelaabertura
de novos espaços e a aposta em movimentos
artísticos de fora do circuito tradicional. A indús-
tria do entretenimento, vocação da cidade mui-
tas vezes desvalorizada, aproveita a carona vir-
tuosa para atingir outros públicos. Surge, então,
um lugar mais diverso, menos previsível, capaz
de atrair novos tipos de forasteiros, com muito
mais diversão sob o sol.
Aterracariocatem217hostelsregistrados,com
1.850 unidades habitacionais (segundo o último
número disponível, do fim de 2015), em viés de
alta, disputando mercado com os 372 hotéis e
seus 42.841 lugares para hóspedes. Muitos de-
les, de um lado e do outro, surgiram no bojo da
prosperidade do período da Copa do Mundo e
das Olimpíadas. O Rio recebeu, então, vários ti-
pos de viajantes, não apenas aqueles que vêm
para encontros de negócios ou em busca do
circuito verão-samba-Carnaval.
Terreno fértil para aquilo que, um dia no passa-
do–maisprecisamente,noiníciodoséculoXX–,
surgiu como albergue, para hospedar jovens lon-
ge de casa, com pouco ou nenhum dinheiro. Em
1912, foi inaugurado na Alemanha o primeiro
albergue da juventude (ou young hostels), pelo
professor alemão Richard Schirrmann. Defen-
sor das saídas de campo e passeios ao ar livre,
ele acompanhava estudantes pelo interior do
país e sofria diante da falta de opções para es-
tada. Assim, decidiu criar um albergue no re-
cém-reconstruído Castelo de Altena.
Durante muito tempo, viajantes que buscam
conforto fugiram do conceito de habitação
compartilhada, por associá-lo à falta de segu-
rança e estrutura. Comparados aos quartos de
hotel e à sofisticação dos serviços oferecidos,
parecia um despropósito empenhar as férias
em uma aventura no estilo hippie. Primeiro na
Europa, depois mundo afora, tal cenário mu-
dou radicalmente. Os hostels reinventaram-se,
investindo em ambientes de socialização, pró-
prios para quem viaja sozinho ou está interes-
sado em se relacionar com outras pessoas. A
estratégia dos eventos e outras atividades cul-
turais, além do investimento em bares e res-
taurantes com atitude inovadora, surgiu tam-
bém no Velho Continente – mas, aqui, ganhou
o valioso tempero carioca.
“Sabemos como trabalhar o conceito de co-
munidade”, constata Aline Silva, consultora de
hospitalidade para pequenos empreendimen-
tos e criadora do site Sem Roteiro. Ela enxerga
os hostels no caminho inverso dos hotéis tra-
dicionais, pela chance de incrementar a receita
comagilidadenabaixatemporada,pormeiode
fontes alternativas, como a atração dos mo-
radores locais. Um irresistível jeitinho de casa.
“Está se transformando em algo muito forte
no Rio”, atesta; “Pelo menos 80% do público
de hostels viajam a lazer, atrás justamente de
diversidade. Aqui, podemos oferecer ativida-
des diferentes para essas almas aventureiras.”
Bem no estilo do Maraca Hostel, que, exata-
mente como você está pensando, é voltado às
atividades do Maracanã, em especial a quem
viaja para assistir aos jogos. Localizado a 5 km
do estádio, surgiu da inventividade de três só-
cios, que bateram ponto nas Copas da Alema-
nha (2006) e da África do Sul (2010), além das
Olimpíadas de Londres (2012). Inaugurado em
2013comcapacidadeparareceber43hóspedes
em dez quartos – duas suítes, cinco unidades
privativas e três coletivas –, promove o tu-
rismo na Zona Norte, aproveitando-se ainda
da proximidade de escolas de samba, como
Mangueira e Salgueiro.
“Fomos um dos primeiros hostels da Zona Nor-
te”,orgulha-seGuilhermeCarames,de34anos,
sócio do Maraca. De cara, simplesmente insta-
laram uma TV gigante na área de convivência
e badalaram a audiência das partidas, via redes
sociais, bombando com a ajuda de moradores
e amigos. Em seguida, criariam o “Samba do
Maraca”, que é realizado todo primeiro sábado
do mês, com grupos badalados, como Arruda e
Samba do Chapéu. Agora, estão iniciando, nas
noites de sexta, evento com hamburguerias ar-
tesanais,aproveitandooespaçodeconvivência,
onde cabem confortavelmente 250 pessoas.
Alémdostorcedores,ohostelatraiopúblicoque
vem para provas, cursos e concursos na Univer-
sidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), vizinha
ao estádio. Um dos sócios, Célio de Castro, che-
gou a abrir empreendimento semelhante até
mais perto do templo do futebol. Guilherme ain-
da mantém um coworking no Grajaú – porque
só diversificando para enfrentar os solavancos
da crise. “Os problemas com o Maracanã, que
ficou muito tempo fechado, afetaram nosso
movimento”, lamenta.
Mas a opção pelo estilo hostel mantém-se in-
quebrável, com atendimento baseado em for-
te interação. A recepção fica na área externa,
justamente para marcar a diferença dos hotéis
tradicionais. Também por isso, as áreas de en-
tretenimento são muito valorizadas. O Maraca
aposta ainda na conscientização dos hóspedes
em relação à sustentabilidade. “Procuramos
economizar energia e reutilizar água da chuva
para limpar áreas externas”, conta Guilherme,
que, com os sócios, participou de um programa
de gestão sustentável.
O conjunto de atitudes varreu do mapa a cren-
ça de que hostel era coisa de mochileiro e re-
volucionou o conceito do professor alemão,
passando a atrair viajantes mais velhos – e de
maior poder aquisitivo. Daí surgirem hostels-
-butique e hostels-design, de arquitetura mais
elaborada e estilo marcante.
Quem passa pelo labirinto encontra os
detalhes e a originalidade do hostel.
42 434342
identidade identidade
Caso do The Maze Rio, na favela Tavares Bas-
tos, no Catete, que se intitula um multifacetado
centro cultural, com shows, galeria de arte e
uma arquitetura celebrada por publicações in-
ternacionais. A casa onde funciona o hostel foi
construída em 1981, pela família do artista plás-
tico britânico Bob Nadkarni, diante da vista da
Baía de Guanabara e do Pão de Açúcar. Por cin-
co anos, os eventos de jazz ao vivo ganharam
menções na Downbeat, badalada publicação
do gênero – e recentemente, em maio, o Jazz
Rio@TheMazereproduziuosucesso,aolongo
de 12 dias de espetáculo.
O hostel ainda serve de cenário para clipes de
artistas brasileiros e estrangeiros, entre eles,
Snoop Dogg e Pharrell Williams. Lá, também
foram filmadas cenas do filme “O Incrível Hulk”
(2008),cujatramasepassavanoBrasil.E,como
se não bastasse, a casa abriga um restaurante
indiano, elogiado pela crítica especializada.
“A arquitetura mais elaborada é outro atrativo
importante”, observa Aline; “O hostel cobra por
hóspede,nãoporhabitação,garantindoumpreço
maisinteressante.Daíoinvestimentoemquartos
femininos que incluem banheiro e até suítes.” As
atividades culturais ajudam a manter baixo o pre-
ço da hospedagem, porque geram receita extra.
Os hostels norte-americanos incrementaram o
conceito, ao investirem no saguão como espaço
de convivência. “A área onde as pessoas podem
socializar”, traduz a consultora de hospitalidade,
lembrando que, em razão disso, os hostels ga-
nharamconfortáveissalõesdejogosedeTV.
Na verdade, enquanto hotéis tradicionais aposta-
ram a vida inteira no isolamento de quartos, res-
taurante e mesmo espaços comuns sem incenti-
vo à interatividade, o novo estilo de hospedagem
agarrou-seànaturezadoserhumanodeprocurar
o outro. De tão eficiente, a estratégia passou a in-
fluenciaromercadotradicionaldeturismo.Arede
Accor, pioneira na transformação, criou uma divi-
são Lifestyle, com hotelaria adequada ao com-
portamento do público – bem próximo da ideia
dos hostels. Aline confirma que gigantes, como
Marriot e Hilton, criaram hotéis-piloto com novo
espaço para check-in, sem o balcão caracterís-
tico.Alémdisso,oferecemespaçodecoworking.
O Hangar Rio Hostel, na Ilha do Governador,
oferece novas ideias para inspirar mercado tão
criativo. Criado há um ano por Pedro Assun-
ção, com a ajuda de dois investidores, atende
o público que circula pelo Aeroporto Tom Jobim
e por instalações da Aeronáutica, como pilotos
e comissários em cursos de reciclagem. Fun-
ciona em uma casa antiga, da família da mulher
de Pedro, a 5 km do principal terminal aéreo da
cidade, com 30 camas, distribuídas em quartos
coletivos unissex, exclusivos para mulheres e
privativos, em dois andares.
O hostel parece novo, porque a obra de pré-
-inauguração praticamente reconstruiu a
casa, erguida em 1959. No mesmo lugar há
três potenciais geradores de receita: hospe-
dagem, eventos e comida para ser entregue
em domicílio (este último, a ser viabilizado
com uma cozinha industrial, que espera uma
trégua na crise para ser iniciada).
O Hangar Rio abriu para as Olimpíadas, aten-
dendo em especial pilotos e comissários. Os
investidores do negócio são a mãe e um tio de
Pedro, respectivamente gerentes da TAP e da
Air France/KLM. Rapidamente, surgiram via-
jantes in/out, que usam o Tom Jobim como co-
nexão – estrangeiros de passagem para outros
pontos do país e brasileiros a caminho do exte-
rior. Eles foram os primeiros a ver o milagre de
um lugar eficiente, que funciona com três fun-
cionários fixos e dois folguistas.
O pulo do gato? Parcerias e desenvolvimento
local. O Hangar Rio não tem café da manhã – os
hóspedes são encaminhados à Confeitaria Ma-
jestosa(“AmelhordaIlha”,garantePedro,criado
bairro),comdireitoa15%dedescontonoserviço.
Do outro lado, o Sushiro, de gastronomia japo-
nesa, oferece a mesma promoção para almoço
e jantar. “E ainda fechamos convênios com dois
restaurantesnaPraiadaBica”,arremataele.
O hostel de Pedro Assunção também aposta
nos eventos. Às vésperas do último Natal, reali-
zou bazar beneficente, com 20 lojistas e, agora
em março, um desfile de moda lotou o lugar. No
dia 10 de junho, haverá o Hangar Beer F, com de-
gustação de cerveja artesanal da marca carioca
BlackTrunk.“Evamosinaugurarumespaçocom
mesa de sinuca e bar”, planeja ele, explicando
que a “sorte geográfica” permitiu a estrutura pe-
quena. “Estudei empreendedorismo e aprendi a
importânciadodesenvolvimentolocal.”
Tanta criatividade acaba turbinada pelas ca-
racterísticas únicas do Rio de Janeiro. Hoje,
os turistas vêm em busca do lazer atrelado
à natureza, mas com perfil crescentemente
aventureiro, sublinha a especialista Aline. “Os
jovens querem se embrenhar nas comunida-
des, curtir o samba de rua, a vida mais autên-
tica. Aqui há muito potencial para isso”, anali-
sa ela, paulista que adotou a cidade para viver
com a família. “A impressão que tenho aqui
é de um conjunto de coisas originais, como
o samba e o funk. São expressões culturais
criativas, talvez só comparáveis às da Bahia”,
descreve a consultora.
Ela salienta, por fim, a transformação que tem
ocorrido em certos bairros. É o caso de Bota-
fogo, que viveu uma explosão de empreendi-
mentos criativos nos últimos anos, entre eles
hostels, como o Hospedaria Rio. Lá, são co-
muns eventos de música, gastronomia e até li-
teratura. No início do ano, por exemplo, o espa-
ço recebeu a Feira Gramatura de Arte Impressa,
que reuniu de gravuristas a editoras indepen-
dentes do naipe da Bolha, Pipoca Press e Lote
42 – que veio de São Paulo para participar.
Mas, em meio aos encantos, há muitos de-
safios, como a eterna busca pela melhoria
na qualidade nos serviços, mazela que se
espalha por toda a cidade, atormentando
moradores e visitantes. Precisamos falar,
também, de regularização. “Muitos hostels
ainda são clandestinos, funcionam ilegal-
mente, um tiro no pé nesse negócio”, ensina
Aline [a formalização do estabelecimento
pode ser checada no site do Cadastur, órgão
do Ministério do Turismo].
“Sem o registro dos estabelecimentos, o Gover-
no não pode criar políticas para alavancar o se-
tornem trabalharcom as informaçõesprecisas.
A alta rotatividade dos trabalhadores também
prejudica. Hostel não tem que querer ser um
hotel, mas precisa de consistência na entre-
ga de serviços e experiências. Precisa fugir da
imagem de improvisado. Os empreendedores
têm que olhar o mercado, enxergar os compor-
tamentos e traduzir isso em experiências nos
seus estabelecimentos”, conclui.
Está aí a receita que viabiliza descontração e
eficiência, na mistura mais precisa.
Hospedaria Botafogo
renovou casarão no bairro.
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46 47
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Ao mudar a forma de pensar o marketing,
acrescentando o P de pessoas ao tradicional
quarteto Produto, Praça, Preço e Promoção, a
Rider atinge em cheio o público de hoje e recupera
o prestígio da década de 1990
Joyce Martins e João Estrella de Bettencourt
Novos modelos da Rider
se inspiram nas ruas.
4746
48 49
produto praça preço promoção...
P
oucas coisas resumem tão bem o
lifestyle carioca quanto o chinelo
no pé. Leve, aberto e superinfor-
mal, atende a todos os requisitos
necessários para enfrentar as altas tempera-
turas do asfalto e da areia. Não há dress code
ou ar-condicionado que o iniba de circular em
cinemas, restaurantes e shoppings. Só se
surpreende com isso quem não é daqui: em
sua maioria, gringos e paulistanos. O espanto,
contudo, dura pouco. Bastam seis meses no
Rio para aderir à máxima do carioca (e não é
o ketchup na pizza!): ter no mínimo dois pares,
um para usar em casa e outro na rua.
Hámuitotempoapeçadeixoudesercommodity
para tornar-se objeto de desejo – dentro e fora
do Rio. Quem não ouviu a história do chinelo
de R$ 15 vendido a US$ 200 em Nova York? A
exportação do nosso estilo deu mais do que
certo: no mercado, virou case; e, no jornalismo,
pauta de centenas de milhares de reportagens
na última década. Mas não desta. Aqui, vamos
olhar para os pés que circulam pelas ruas – as
nossas ruas. Foi nelas que a Rider buscou
inspiração para transformar a marca, deixando
para trás a perda de mercado e alcançando
uma nova geração de consumidores.
Antes de chegarmos lá, vale uma breve linha
do tempo.
RECORDAR É VIVER
Tudo começou em 1986. A Rider lançava, no
Brasil, o modelo gáspea, aberto na frente –
também chamado de slide que, à época, era
uma novidade absoluta por aqui.
Nos anos 1990, a marca tornou-se uma sen-
sação. A campanha “Dê férias para os seus
pés” estava na cabeça – e nas telas de TV –
de todos. A consolidação do público jovem
veio com uma imagem descolada e o investi-
mento na música. O álbum “Rider Hits” reunia
artistas, como Sandra de Sá, Fernanda Abreu
e Os Paralamas do Sucesso. Chegou a lançar
sucessos inéditos do Kid Abelha, e vendeu
tanto que ganhou disco de platina. Em um
tempo no qual a MTV Brasil dava seus primei-
ros passos (foi criada em 1990) e causava fu-
ror, a empresa transformou diversos comer-
ciais em verdadeiros clipes, dando origem a
versões atualizadas – e pops – de hits, como
“O Descobridor dos Sete Mares”, de Tim Maia,
na interpretação de Lulu Santos, tendo como
pano de fundo cenários paradisíacos.
“Chegamos à liderança de vendas no setor,
basicamente empatados com nosso principal
concorrente, que existia desde os anos 1960
e tinha enorme penetração no mercado”,
lembra o especialista em marketing da Rider,
Mateus Bedin.
Entretanto, os anos 2000 apontaram no ho-
rizonte e trouxeram uma profunda transfor-
mação cultural. Novas gerações surgiam, com
diferentes hábitos de consumo, alavancados
pela disseminação da internet, das redes
sociais e da tecnologia como fator cotidiano.
“Com isso, acabamos tateando diversos ter-
ritórios e perdemos foco; nos distanciamos
do público jovem e veio aquela ideia de um
produto para ‘tiozão’. Por outro lado, a con-
corrência estava revolucionando a própria
imagem”, avalia Bedin.
O reposicionamento teve início, ainda de
forma tímida, em 2009. A Rider havia inter-
rompido a produção durante um ano e voltou
dando destaque ao chinelo de dedos, antes
secundário dentro do portfólio. Junto a isso,
lançou o conceito “Enjoy the ride”, já em um
aceno para os millennials. A estratégia ga-
nhou corpo a partir de 2014, quando o aceno
virou um abraço, esclarece o especialista: “Foi
um momento de grande reflexão interna, que
culminou na campanha lifeaholic, voltada para
essa galera realizadora, que faz um monte de
coisas simultaneamente.”
Estava dado o conceito, mas era preciso refi-
namento. Ouvir as ruas.
O VAREJO CONTA HISTÓRIAS
Para Bedin, “hoje em dia não dá para dizer às
pessoas o que é a marca. Essa via de mão
única acabou. A imagem é construída pelo
próprio consumidor”.
Dessa constatação surgiu o grande salto,
dado em 2016, quando a Rider completou
30 anos. Em um intenso monitoramento do
público-alvo, percebeu-se que lifeaholic tra-
Foto:DivulgaçãoRider
Ícones da História da marca e da
década de 1990 em exposição.
50 51
produto praça preço promoção...
duzia atividade, paixão pela vida; entretanto,
não contemplava o comprometimento com a
inovação e o empreendedorismo, pilares das
gerações Y e Z (um recorte que vai dos 15 aos
40 anos). “Parecia que era só curtição, sem
responsabilidade”, afirma Bedin.
A evolução se dividiu em duas partes. A primeira
dizia respeito aos produtos. “Para construir essa
percepção em conjunto com o público, era pre-
ciso contar uma história que ele conhecia, que
fosselegítimaedaqualelepudesseseapropriar.
A Rider está na memória coletiva, tínhamos que
resgatá-la, adaptando-a à realidade de hoje”,
ressalta o executivo.
A empresa desenvolveu, então, uma estraté-
gia criteriosa e múltipla. Relançou o modelo
original, de 1986, com materiais mais leves e
funcionais. “A evolução tecnológica permitiu
que a gente adotasse o mesmo design, só que
muito mais bem-acabado.” A abordagem nos-
tálgica combinava, contudo, com um viés muito
diferente dos anos 1990. No lugar das “férias” e
dos cenários paradisíacos, entrava uma esté-
tica urbana, ligada ao skate, aos esportes e às
intervenções culturais.
Para marcar essa diferença, foi lançada a linha
NBA (liga de basquete profissional norte-ame-
ricana) e tomada a decisão de não diferenciar
versões masculinas de femininas. “Não tem
isso de fazer chinelo rosa. Temos tamanhos
que se adequam a todos os perfis e apostamos
em uma visão unissex, ou agênero. O modelo
86, por exemplo, teve enorme repercussão en-
tre as mulheres”, destaca o especialista.
Pensando na sintonia com o consumidor, a Ri-
der selecionou cuidadosamente os locais de
venda. O objetivo, segundo Bedin, era levar as
peças-ícone do reposicionamento para espa-
ços com os quais tivessem sinergia de imagem.
“Para contar essa história, era fundamental es-
tarmos em lojas-conceito, nas quais os nossos
produtos tivessem um sentido bem claro den-
tro do mix vendido. Tinha que haver essa visão
de lifestyle, não somente de produto.”
Entre os parceiros escolhidos estão Void (nas-
cida na Zona Sul, mas com presença em Madu-
reira), Homegrown (Tijuca), Outlawz (Centro) e
Soma Hub (Duque de Caxias). “São negócios
que dialogam com múltiplas regiões e experi-
ências de cidade, combinando comércio, even-
tos, cultura e responsabilidade social. Têm a
nossa cara”, explica ele.
O QUINTO P
Feito o diagnóstico e traçadas as principais
linhas estratégicas do mix de marketing, era
o momento de fazer acontecer. Como? Pon-
do uma nova campanha nas ruas – literal-
mente – e conquistando definitivamente o
quinto P: de “Pessoas”.
“Com esse objetivo, trouxemos a Noix, uma
agência carioca especializada em gestão de
cultura para marcas, comandada pela Amnah
Asad e pela Lara Azevedo, ambas com ampla
experiência nas áreas de Pesquisa de tendên-
cias e Criação”, conta Bedin. O chiado do sota-
que foi um bônus, considerando que o Rio de
Janeiro representa um dos maiores públicos
consumidores da Rider no país.
“Dedo no pulso das pessoas e da rua.” Foi essa
a premissa da Noix, que desde o início acredi-
tou no projeto da empresa. “Víamos alguns ví-
cios nesse mercado de trendwatching. Um de-
les é justamente esse olhar para fora na hora
de identificar tendências. O que Nova York
está fazendo? O que está rolando na Europa?
E, com isso, a gente acaba não olhando para os
lados, deixando de ver o que tem de coisa ba-
canaacontecendoaonossoredor.Etemmuita
coisa”, ressalta Lara.
Assim surgiu a primeira iniciativa, conectada
com a opção dos pontos de venda: a mar-
ca teria que pensar além do eixo Zona Sul-
-Centro para se relacionar com o público, de
forma verdadeira. “Historicamente, a Rider
sempre foi uma marca da galera, buscava
essa conexão, embora isso tenha se perdi-
do ao longo dos anos. É chinelo, no fim das
contas, cara. Nada mais democrático que
chinelo. Aqui no Rio, no entanto, estava to-
talmente centralizada em um tipo de lugar e
em um tipo de gente. Era importante romper
com isso, até porque o olhar da rua é múlti-
plo, é de cocriação”, completa Amnah.
Rider e Noix capitanearam, então, um proces-
so que durou mais de um ano. Mergulharam de
cabeça no chamado small-data – pequenas
pistas que indicam grandes tendências –, por
meio de pesquisas, workshops, jams e cons-
Grafite em evento
no Recreio.
52 53
produto praça preço promoção...
trução de rede nos quatro cantos do Rio de Ja-
neiro e do Brasil.
Em busca de histórias e ambições dos “faze-
dores” locais – pessoas criativas que põem
a mão na massa e concretizam suas ideias –,
identificaram os principais movimentos, plei-
tos e hacks do nosso cotidiano urbano. Músi-
cos, grafiteiros, fotógrafos, empreendedores
sociais, coletivos de dança e artistas foram
chamados a participar. O conceito? Da rua,
para a rua e pela rua.
A imersão na produção cultural culminou
em uma grande celebração dos princí-
pios e valores identificados ali: o festival
#DáPRAFAZER, que, durante quatro sába-
dos, promoveu mais de 16 horas de even-
tos simultâneos de música, arte, moda e
cinema. A abertura do festival se deu no
dia 18 de março, no Galpão da Gamboa, na
Região Portuária, berço do Distrito Criati-
vo do Rio de Janeiro. Em seguida, foi a vez
de Void Madureira e Soma Hub, em Duque
de Caxias. O encerramento, no dia 8 de
abril, agitou a Praça do Pontal, no Recreio
dos Bandeirantes.
Segundo a Noix, cada praça recebeu 5 mil
pessoas. No entanto, estimam que 10 mi-
lhões tenham sido atingidas pela campanha
digital, que repercutiu amplamente nos di-
versos canais da rede.
Na avaliação de Mateus Bedin, um enorme
sucesso. “A aposta no quinto P foi o nos-
so grande trunfo. Vimos isso ao longo do
processo e mais ainda na materialização
da estratégia com o festival, que provocou
um engajamento incrível e, sobretudo, ver-
dadeiro. As pessoas se sentiram parte da-
quilo porque, de fato, fizeram parte daqui-
lo. Houve muitos momentos de cocriação,
olho no olho, no qual a gente pôde estar
perto do nosso público-alvo, entendendo
seu comportamento, ouvindo ele dizer o
que quer. E, com isso, criando uma forte
identificação com a marca.”
NEM TUDO QUE CAI NA REDE É PEIXE...
Cerca de um mês após o encerramento do
#DáPRAFAZER, outro evento – o Fyre, pro-
metido como a maior experiência cultural da
década –, dominou o noticiário e arrancou gar-
galhadas nas redes sociais. Para a Rider, a con-
firmação de que tinha feito a opção certa.
Com ingressos entre R$ 1.600 e R$ 38 mil,
o Fyre Festival, que seria realizado na Ilha
Great Exuma, nas Bahamas, teve que ser
cancelado por falta de estrutura. Quase toda
a verba foi gasta na promoção, por meio de
endorsements de celebridades da internet.
Valores altíssimos foram pagos para que in-
fluenciadores digitais – entre eles, modelos,
DJs, surfistas e produtores culturais – divul-
gassem o evento em suas respectivas redes.
O público, desavisado, chegou ao local e foi
surpreendido por uma cena desértica, qua-
se apocalíptica. Porcos selvagens corriam
pela ilha (e atrás dos convidados), que dis-
punham de apenas meia dúzia de banheiros
químicos, e o prometido jantar cinco estrelas
acabou sendo um sanduíche de queijo ser-
vido em uma quentinha.
O fracasso foi consequência de um modelo
ultrapassado, incapaz de criar vínculos com
o mundo real, avalia Lara: “Hoje em dia, es-
ses macroinfluenciadores que anunciam
qualquer coisa se distanciaram totalmente
do público. Muitas vezes, acabam servindo a
empresas que não querem se reposicionar e
sim ‘comprar’ uma imagem pronta. Não fun-
ciona mais. A Rider fez exatamente o inver-
so. Os makers são empreendedores reais,
que batalham no dia a dia e geram resulta-
dos concretos nos seus bairros e em suas
cidades. Eles trouxeram essa vivência – e
até essa estética – para o festival.”
É com esse público consumidor que a Rider
pretende caminhar daqui para a frente. De
chinelos no pé, claro.
Encerramento do festival reúne
fazedores de todas as matizes.
Saiba mais sobre a campanha
de fazedores da Rider.
54 55
experiência experiência
N
unca havia parado para pensar no
meu perfil como consumidora. Para
minha surpresa, descobri que sou
megaconservadora:absolutamente
fiel às marcas de que gosto e com pouquíssima
disposição para testes. No supermercado, mi-
nha tarefa é sempre a mesma: achar o produto
da marca “x” na gôndola. Não estou ali para me
aventurar, muito menos para me surpreender.
Se vejo que um produto de que gosto está em
falta no estoque, não compro o similar de outra
marca. Prefiro ir atrás em outro supermercado.
Parece loucura – provavelmente é –, mas acho
quesemprefuiassim.
Percebi também que, apesar do meu compro-
misso com a rotina, não faço parte de progra-
ma algum de fidelização para ganhar descon-
tos. Minha fidelidade de consumo sempre foi
com as marcas, não necessariamente com os
estabelecimentos. Sempre que me oferecem
algum tipo de programa no checkout, fico com
preguiça de fazer.
É claro que não me oponho à ideia de poder
ganhar descontos – afinal, quem entre nós se
oporia a isso? O que me incomoda, sobretu-
do, é a burocracia e a demora para realizá-lo.
Parece-me contraintuitivo que, em plena era
digital, ainda precisemos preencher formulá-
rios, apresentar cópia de RG, CPF e compro-
vante de residência para nos fidelizarmos a
uma rede de varejo. Sei que não é um bicho
de sete cabeças, mas a ideia não me agrada.
Sou uma consumidora impaciente, atrapalha-
da, chata mesmo.
Há ainda outro agravante: cada lugar exige
uma identificação diferente – uma para o pet
shop, outra para o restaurante vegetariano
no qual almoçamos todos os dias e mais uma
para a lavanderia ao lado de casa. Se troco de
bolsa, já perdi metade delas. É um sistema
muito confuso para esta millennial.
Cada vez mais, busco centralizar todos os
dados de que preciso no meu dia a dia em
um só meio. Esse meio, para mim, é o digital.
É por lá que acesso minha conta bancária,
meus cartões de embarque, minha agenda
e o jeito mais rápido de chegar do ponto A
ao B na sofrível hora do rush carioca. Meus
principais hábitos de consumo estão arma-
Dinheiro
na mão é
fidelização
Joyce Martins
Aplicativo permite reembolso
de valor gasto no varejo.
56 57
zenados em nuvem, acessíveis de qualquer
lugar. Com os programas de fidelização não
poderia ser diferente.
CASHBACK, O MODELO GANHA-GANHA-
-GANHA
Talvez por isso tenha ficado interessada em
testar o tal aplicativo – na verdade, também
é um site – que, da noite para o dia, parece ter
virado assunto obrigatório entre os mais ante-
nados nas tendências de consumo. Trata-se
do Méliuz, líder no segmento de cashback –
devolução em dinheiro de parte do valor gasto
em compras, direto na conta bancária.
Como isso funciona exatamente? Para mi-
nha surpresa, o processo é simples e rápido.
O cadastro no sistema pode ser realiza-
do por meio da integração com o perfil do
Facebook, tanto no site quanto no aplica-
tivo, este último disponível na App Store e
no Google Play. Cumprida essa breve etapa,
passei a ter acesso às principais promo-
ções do dia na página inicial de ambas as
plataformas, cujas interfaces são essen-
cialmente iguais. Lá, é possível pesquisar as
melhores ofertas, tanto por produto quanto
por loja. Acha-se de tudo: desde smart-
phones, sachê para gatos e joias até paco-
tes completos de viagens para Amsterdã.
Na seção “Super Cashback” – área em que
descontos sobre produtos selecionados po-
dem chegar a 50% –, é difícil resistir a uma
oferta. Foi ali que fiz minha primeira aquisição
por intermédio do Méliuz: uma máscara super-
-hidratante para cabelos da badalada marca
Lola, vendida pela varejista Época Cosméticos.
Intermédio sim, porque, no cashback, o con-
sumidor não faz compras diretamente no
sistema. O Méliuz opera como uma vitrine de
promoções para as redes varejistas parceiras.
Quando o cliente decide comprar, ele é redi-
recionado para a loja que preferir e lá realiza o
pagamento. Por levar o cliente à loja, o Méliuz
recebe uma comissão. Parte dela é devolvida
ao consumidor, fechando o ciclo.
No entanto, não é preciso navegar pela ferra-
menta para ter acesso às promoções nem ao
resgate do dinheiro. Com o cadastro no sistema,
o usuário é aconselhado a ativar o “Lembrador”,
um plug-in compatível – no computador – com
osnavegadoresMozillaFirefoxeGoogleChrome,
queenviaumanotificaçãotodavezqueositede
uma loja parceira é acessado. O tal “Lembrador”
nada mais é do que um ícone do Méliuz que fica
no canto direito do navegador. Quando o ícone
fica vermelho, significa que naquela loja você
terá direito a cashback, além dos descontos pro-
mocionaisoferecidospelaredevarejista.
O intuito é promover uma experiência de con-
sumoquesejavantajosaparaambasaspartes.
De um lado, o consumidor tem um benefício
direto na compra. Do outro, o varejista fideliza
seus clientes e aumenta suas vendas.
A porcentagem de dinheiro devolvida varia
de acordo com o parceiro e o dia da semana.
Todos os dias são lançadas ofertas exclusi-
vas. No aplicativo ou no site do Méliuz, os
usuários podem conferir as promoções em
vigência e ver a quantia em dinheiro devol-
vida em cada loja.
Essa parte, aliás, é a que mais me agrada:
é cashback ao pé da letra. Não estamos
falando de pontos ou créditos acumulados
que expiram – o dinheiro realmente apare-
ce de volta na conta-corrente, livre para ser
usado da forma que bem se entender. Em
menos de cinco dias, recebi o meu produ-
to pelo correio. Dois dias depois, o dinheiro
“prometido” foi depositado em minha conta.
Concluído meu primeiro cashback, busquei sa-
ber de quais outras formas poderia continuar
ganhando com o Méliuz. Descobri que para cada
amigo ao qual eu indicasse a ferramenta – sim,
apenas indicasse –, eu receberia R$ 10. Não
pensei duas vezes: indiquei a todos os meus co-
legas da redação. Não só ficarei com R$ 10 por
cada um, como meus amigos também levarão
R$ 10 ao se cadastrarem no sistema. Mais um
pontoparaoMéliuz.
DE OLHO NO VAREJO DO RIO
O nome Méliuz vem do latim melius, que significa
melhor.Nãoéporacaso.Astartup100%nacional,
criada em 2011, nasceu determinada a conquistar
omercadobrasileiroetornar-selídernosegmen-
to de cashback. Ao que parece, o plano deu cer-
to. Com foco inicial somente no e-commerce, em
cinco anos o Méliuz devolveu mais de R$ 28 mi-
lhões aos 2,2 milhões de usuários cadastrados.
Em 2016, foi eleita a melhor startup do ano pela
AssociaçãoBrasileiradeStartups.
A novidade é que, agora, o sucesso está se
repetindo no ambiente off-line, ao oferecer
cashback em compras feitas em lojas físicas.
A expansão já está a todo vapor em Belo
Horizonte e São Paulo e, em abril, chegou ao
Rio de Janeiro.
“Desde o ano passado, estamos testando e
ajustando nossa operação em lojas para a
implementação nacional. Tivemos sucesso, e
os resultados têm sido incríveis, tanto para os
lojistas quanto para nossos usuários”, explica
Israel Salmen, CEO do Méliuz.
Graças a um mecanismo de geolocalização
– disponível no app e no site –, o consu-
midor consegue ver os estabelecimentos
parceiros próximos de onde ele está e, as-
sim, decidir sobre a compra. Além disso, a
ferramenta permite que o cliente acompa-
nhe seu saldo e solicite o resgate do dinhei-
ro direto em sua conta bancária, sem pagar
nada por isso.
Aqui no Rio, mesmo antes do lançamento
para o ambiente off-line, o Méliuz contava
com mais de 500 estabelecimentos parceiros,
entre bares, restaurantes, postos de gasolina,
lojas, salões de beleza e hamburguerias. É
alta a expectativa em torno do mercado flu-
minense – e há motivo de sobra para tama-
nho otimismo: atualmente, 33% dos usuários
cadastrados no sistema são do Estado. A ca-
pital, por sua vez, está entre as quatro cidades
que mais usam o mecanismo.
Segundo pesquisa realizada com clien-
tes de uma rede de supermercados que já
opera com o Méliuz, 35% dos consumidores
afirmaram que o estabelecimento não era
sua primeira opção antes da implementa-
ção do benefício.
Restaurantes, bares e supermercados, entre
outros, que oferecem cashback pelo sistema,
apresentam aumento de, pelo menos, 21%
nas vendas. “Quando se devolve dinheiro di-
reto na conta bancária, o risco de frustração
praticamente não existe, uma vez que o con-
sumidor pode utilizá-lo da maneira que qui-
ser, de acordo com sua vontade e seus pla-
nos”, ressalta Salmen.
O varejista que deseja se tornar parceiro do
Méliuz deve se cadastrar no site http://promo.
meliuz.com.br/local ou mandar e-mail para
parceiros@meliuz.com.br.
experiência experiência
58 59
ferramentas ferramentas
Caio Barbosa
O
conceito de que o artista tem de ir
aonde o povo está, consagrado nos
anos 1980 por “Bailes da Vida”, de
Milton Nascimento e Fernando Brant,
é, cada vez mais, coisa do passado. A tendência
agora é que o público traga o artista para onde
ele quer. Essa é a receita do Queremos!, plata-
forma digital criada em 2010 por cinco amigos
inconformados com o fato de muitos de seus
músicos preferidos nunca se apresentarem no
Rio de Janeiro.
A onipresença do samba e do funk na agenda
cultural da cidade fez com que Felipe Continen-
tino, Pedro Seiler, Bruno Natal, Pedro Garcia
e Tiago Lins arriscassem, por meio do crowd-
funding (financiamento coletivo), viabilizar a
vinda da banda sueca Miike Snow. O que pare-
cia loucura de fã, ou de “cariocas empolgados”,
como se autodenominavam à época, acabou
por lotar o icônico Circo Voador em uma se-
gunda-feira inesquecível para o quinteto e para
a história recente da cidade.
De lá para cá, foram mais de uma centena de
shows de artistas internacionais, como Wilco,
Chemical Brothers, LCD Soundsystem, Alabama
Shakes, Simple Plan, Belle & Sebastian e Primal
Scream. Uma galera que dificilmente aportaria
por estas bandas sem o Queremos!.
Mais que a simples promoção de eventos,
houve uma revolução no circuito cultural do
Rio de Janeiro.
“Aquele primeiro show foi fundamental, por-
que gerou um valioso banco de dados que
nos permitiu avaliar o gosto e os anseios do
público”, explica Bruno Natal, jornalista e do-
cumentarista, que hoje vive dia e noite pelo
Queremos!, assim como os ex-diretores de
televisão Felipe Continentino e Tiago Lins, e
Pedro Seiler, ex-produtor-executivo da gra-
vadora Biscoito Fino. Todos largaram as anti-
gas carreiras. Dos cinco, o único que ainda con-
segue conciliar o negócio com outras ativida-
des profissionais é o publicitário Pedro Garcia.
MUDANÇA DE HÁBITO
Se a ideia inicial da turma era apostar no indie
rock e na música eletrônica, o tempo mostrou
novos horizontes, e o Queremos! acabou se ex-
pandindo para outros gêneros, como o misto
de jazz, soul e hip-hop muito bem apresentado
pela garotada canadense do BadBadNotGood,
no início de maio, no Varanda Vivo Rio. E passou
a investir,também,emgruposbrasileiros.Océu
parece ser o limite desse modelo, que tem sub-
vertido velhos conceitos.
“Nossoobjetivoécriarnocariocaohábitodeira
shows de quem ele não conhece, algo comum
na Europa e nos Estados Unidos. Aqui, cos-
tumamos fazer isso com o cinema. Às vezes,
gostamos do filme, outras vezes, não; mas ten-
tamos. Precisamos disso na música. E tem sido
legal ver que muita gente no Rio passou a ter
esse comportamento. Vão aos shows que nós
produzimos apostando que vão ver coisa boa”,
diz Bruno Natal.
O músico Thiago Antunes, de 31 anos, se en-
quadranesseperfil.Éfigurinhafácilnoseventos
de Natal & cia., independentemente de quem
venha a ser o artista.
“Curti muitas bandas das quais nunca tinha ou-
vido falar, como o Nada Surf, de Nova York. A
iniciativa do Queremos! é pioneira, pois pensa
no público e em seus diversos gostos. Nenhum
produtor tradicional apostaria em um mode-
lo arriscado desses. Ganha o consumidor final,
ganha todo mundo”, enfatiza ele.
Produtora,cantoraecompositora,acariocaBea
Torres, de 26 anos, também celebra o sucesso
do Queremos! e o que ele representa para a
cena cultural: “Descobri a plataforma em 2011,
no show do Miami Horror, um grupo australia-
no.Acidadeestavalongedeserumdestinodas
principaisbandasmundoafora,apesardehaver
demanda. O Queremos! permitiu isso. Como
cantora, assistir a meus ídolos e influências mu-
sicais aqui, com preço justo, é uma experiência
única. Dá visibilidade a trabalhos plurais.”
Definitivamente, o surgimento do Quere-
mos! transformou a relação do artista com o
público. “A gente percebia que era algo mais
frio, muitas vezes meramente comercial. O
envolvimento que a plataforma proporciona
faz com que os músicos saibam que são as
pessoas que querem assisti-los, não ape-
nas um produtor que busca o sucesso de um
show”, explica Bruno.
Instalação em show
no Varanda Vivo Rio.
58
respeitável
público
Queremos! cria novo modelo
de shows e se internacionaliza
60 61
ferramentasferramentas
A jornalista Kamille Viola, especialista em cul-
tura e comportamento, corrobora: “Entrevistei
muitos artistas que vieram ao Rio via Quere-
mos! e todos apontavam essa diferença.”
UMA ODISSEIA NOS PALCOS
Em 2016, o Queremos!, expandiu sua atuação
direta para Belo Horizonte (no Music Hall). E
este ano produzirá, pela primeira vez, shows
em Porto Alegre, no mítico Opinião. A estreia
será em setembro, com o cantor e compositor
norte-americano Devendra Banhart.
Aqui no Rio, entre janeiro e fevereiro, o des-
taque foi uma série de apresentações de ar-
tistas nacionais no Varanda Vivo Rio, só com
figuras em ascensão: Dona Onete, Anavitó-
ria, Liniker & Os Caramelows e a impactante
Karol Conka, que se tornou uma das princi-
pais atrações do verão carioca.
Nesse mesmo sentido, de criar parcerias, ex-
ploraroformatoeimpactarotecidourbano,em
abril, fizeram a curadoria do Festival Viver Bem,
na Fábrica da Bhering, na Zona Portuária, du-
rante as celebrações de 50 anos da grife Can-
tão,comapresentaçõesdaOrquestraPetrobras
Sinfônica e dos cantores Baleia, Aíla, Lucas Es-
trela, Lila e Mahmundi.
NA ESQUINA, O MUNDO
Osucessochamouaatençãodefigurascentrais
da música internacional. Recentemente, Simon
Fuller, uma das mais influentes personalidades
da cultura pop, procurou o quinteto para aju-
dá-lo a encontrar um integrante brasileiro para
seunovoprojeto,oNow United(umsupergrupo
multicultural formado por jovens de 11 países).
Fuller,criadordosrealities“AmericanIdol”e“So
You Think You Can Dance” e ex-agente de ar-
tistas, como Spice Girls e Amy Winehouse, es-
colheu a plataforma para reunir e selecionar os
candidatos no Brasil.
É nesse contexto que os olhares se voltam,
cada vez mais, para a exportação da marca. A
base é Nova York, onde mora o sócio Tiago Lins.
Rebatizada no exterior como WeDemand, a atu-
ação do quinteto carioca já chamou a atenção da
Forbes norte-americana. A revista, ícone dos em-
preendedoresglobais,destacouoQueremos!em
reportagem intitulada “Adeus, riscos! Olá, crowd-
sourcing”, sobre novos modelos de produção de
shows musicais, focados em pesquisa, informa-
çãoeconversacomopúblico.Onegóciotambém
ganhou forte repercussão na Smashd, revista de
tecnologia e cultura dos Estados Unidos, e na edi-
çãofrancesadositedemúsicaNoisey.
A salientar, ainda, a enxurrada de convites para
palestras em eventos prestigiados, como Tech-
Crunch Disrupt Battlefield (São Francisco, EUA),
SXSW (Texas, EUA), TEDx (Rio), MIT (Boston,
EUA), Canadian Music Week (Toronto, Cana-
dá), Creativity World Forum (Bélgica), MIDEM
e Cannes Lions (França, onde foi reconhecida
como uma das 50 startups mais inovadoras do
mundo, em premiação promovida pela Foundry
Unilever e Lions Innovation).
DAS REDES PARA OS PALCOS (OU SERIA O
CONTRÁRIO?)
Outro foco, agora, é desbravar o nicho teen
da Geração YouTube. Nesse sentido – e de
forma pioneira – o quinteto já promoveu
turnês (a pedido dos fãs) de Jack and Jack,
Cimorelli, Jacob Whitesides e Dolan Twins.
Em junho, trará ao país o grupo Boyce Ave-
nue, que tem o quarto canal mais acessado
no YouTube em todo o mundo.
“Estes artistas estão tomando uma dimensão
que os tornam independentes da indústria tra-
dicional, e isso vai dar uma sacudida no cenário
cultural como um todo, já nos próximos anos.
Para você ter uma ideia, com a internacionaliza-
ção e a abertura para esse novo mercado, nos-
sa plataforma explodiu. Passamos de 300 mil
cadastros – número que tínhamos demorado a
alcançar – para quase 2 milhões, rapidamente”,
acrescenta Bruno.
Criado para fazer do público o agente de
decisão, a filosofia do Queremos! tem tudo
para dominar o mercado – e gerar imita-
dores. Eles, contudo, não temem a concor-
rência. “Essa mudança de protagonismo é a
tendência, sim, mas acho que estamos bem
posicionados para tirar proveito desse novo
cenário”, afirma Bruno.
CIRCO VOADOR – A MÁQUINA DO TEMPO
Ícone da história cultural do Rio de Janeiro, o
Circo Voador, que há mais de 30 anos teve
papel fundamental para o surgimento de gru-
pos, como Barão Vermelho, Legião Urbana,
Os Paralamas do Sucesso e Blitz, foi, curio-
samente, o mesmo palco que permitiu a ala-
vancagem desse novo modelo de produção
cultural e entretenimento.
A cantora e produtora Bea Torres concorda e
celebra a jovialidade da casa, surgida em 1982,
que até hoje não perdeu o viço e o caráter
inovador. Para ela, a relação entre o Circo e o
Queremos! foi boa para as duas partes. “São
poucas as casas que abrigam com tanta ver-
satilidade a quantidade imensa de shows de
diversos segmentos. O Queremos! traz bas-
tante do universo independente e alternativo,
coisa que o Circo entende bem e abriga desde
o início de sua história”, avalia.
Os shows promovidos pelo Queremos! já se
espalharam mundo afora, mas o mítico palco
carioca, com quem ainda tem parceria, garante
um lugar especial no coração da turma.
“O primeiro show foi inesquecível. E muitos ou-
tros que fizemos lá. Estamos em vários luga-
res, atualmente, mas a sementinha foi plantada
naquele espaço sagrado. E só foi possível, na
nossa opinião, por ter sido justamente ali, um
ambiente que tem espírito anárquico, revolu-
cionário, experimental”, elogia Bruno.
A produtora Bea Torres e o músico
Thiago Antunes apostam no modelo.
Show BadBadNotGood:
o público é o foco.
Revista Armazém Ano 2 Número 5 Maio/Junho
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Revista Armazém Ano 2 Número 5 Maio/Junho

  • 1. UMA PUBLICAÇÃO FECOMÉRCIO RJ revista CIDADE COMO TELAVideo mapping une arte e tecnologia Ensino disruptivo muda a educação trending topics DNA DE FAZEDOR Leonardo Azevedo & a Baixada em movimento ESTILO NO FIO DO BIGODE Muito além de cama e café da manhã IDENTIDADE O HOSTEL É UMA FESTA Ano 2 • Número 5 • Maio/Junho 2017
  • 2. 2 3 Empresas doadoras Voluntários Instituições sociais Pessoas atendidas www.sescrio.org.br/banco-rio-de-alimentos 50 mil PESSOAS ATENDIDAS 16ANOS DE SOLIDARIEDADE + DE 900TONELADAS DE ALIMENTOS DISTRIBUÍDOS 305INSTITUIÇÕES ATENDIDAS EM 33 MUNICIPIOS DO ESTADO Númerosde2016. Se você tem fome de ajudar, faça parte da nossa rede de solidariedade. No Rio de Janeiro desde 2000, o Banco Rio de Alimentos atua no combate à fome e ao desperdício utilizando uma receita de sucesso: recolhe produtos alimentícios não comercializáveis nas empresas doadoras parceiras e entrega em instituições sociais, que os utilizam no preparo de suas receitas. Uma verdadeira rede de solidariedade unindo doadores, instituições sociais, voluntários e apoiadores, que dividem o mesmo ideal para multiplicar a esperança, a cidadania e o desenvolvimento social. Para ser um voluntário ou doador do Banco Rio de Alimentos, ligue 0800 022 2026. Eu contribuo com minha ação voluntária e o Banco Rio de Alimentos me proporciona a alegria e a satisfação por estender a mão ao meu próximo com a oportunidade de doar algumas horas em prol daqueles que estão em vulnerabilidade social. As instituições recebem também a minha dedicação, o meu amor e respeito, impregnados nos alimentos que manipulo. Anneti de Oliveira Cavalcanti, há 9 anos voluntária do Banco Rio de Alimentos. UM PROGRAMA
  • 3. 4 5 62.passaporte TRUDEAU, O POLÍTICO INFLUENCER 24.ferramentas CONSUMO, LOGO SINTO horizonte CIDADE COMO TELA 18. 38.identidade PASSA LÁ EM CASA estilo NO FIO DO BIGODE 30. /armazemrevista @revistaarmazem @revistaarmazem revistaarmazém 54.experiência DINHEIRO NA MÃO É FIDELIZAÇÃO 58.ferramentas RESPEITÁVEL PÚBLICO 68.experiência ARTESANATO GLOBAL 46.produto praça preço promoção O QUINTO ELEMENTO . . galeria TUDO VERMELHO 16. 8.trending topics HACKEAR A EDUCAÇÃO nesta edição
  • 4. 6 7 Construir identidades E mpreender é transformar. Construir. Pode ser um negócio, um evento, uma imagem. Uma rua. Quando alguém se arrisca e diz: vou fazer algo diferente ali. Outra pessoa passa, gos- ta, compra, senta. Mais outra pessoa pensa: vou fazer a minha loja, empresa, bar, mer- cado, festa. Ali, também. De repente, gente! Parece brincadeira; no entanto, bairros, ci- dades e economias inteiras se recuperam assim. Um efeito dominó que faz zonas “fora do eixo” virarem polos de comércio, cultura e desenvolvimento local. Para tanto, é preciso combinar engenhosi- dade, ousadia e, por que não, arte. Nas páginas a seguir, você, leitor, verá surgirem hologramas nos muros e palá- cios do Centro do Rio, hostels com labi- rintos de pedra e comida indiana, aplica- tivos que pagam para você gastar, bares que nasceram como movimentos sociais, shows produzidos pelo próprio público. Identidades. Porque só assim dá certo. Se tiver a cara das pessoas. Contudo, como nascem as identidades hoje? Com informação por todos os lados? Com crianças e adolescentes que apren- dem a construir computadores na internet? É preciso educação; mas qual? Vamos conversar? Ah,esperaaí.Temunsdetalhesainda.Umasdicas legais. E uma novidade. Um artigo sobre o arte- sanato global, contando a vida de uma empresa inovadora.Começoemeio,porquefimnãotem. Para completar, o nosso costumeiro passeio entre passado e futuro. Andando de Rider, que deu férias para seus pés nos anos 1990 e agora voltou, querendo, pelo contrário, que os seus pés saiam por aí. Pelas ruas. Vamos lá? FECOMÉRCIO RJ editorial Cidade vista do The Maze, hostel na comunidade Tavares Bastos, no Catete.
  • 5. 8 998 Thaisa Bianchi trending topics Hackear a Educacao˜,
  • 6. 10 111110 trending topics trending topics Noiníciodeabril,umcasonomínimo curiosoganhouasmanchetesde jornaisdomundotodo. F aminto por um hambúrguer, um menino de apenas oito anos dirigiu a van do pai, por 1 km, até o McDonald’s mais próximo. Ao ser questionado por policiais sobre onde tinha aprendido a dirigir, a resposta foi simples: no YouTube. No mesmo mês, em uma conversa despretensiosa com meu primo, um jovem músico de 24 anos, descobri que ele tinha construído – sim, construído – três câmeras de filmagem para a gravação de um vídeo da sua banda, a 240dB. Tudo isso usando alguns microcomputadores (os famosos Raspberry Pi), silver tape e tutoriais na internet. A princípio, os dois casos parecem não ter nada a ver. Entretanto, ambos são exemplos de uma sociedade na qual a informação está sempre à distância de um clique, na qual o conhecimento está permanentemente dis- ponível para ser compartilhado, executado, aperfeiçoado. Jovens como meu primo não são mais vistos como pontos fora da curva, gênios incompreendidos que abrem sua em- presa na garagem de casa, como na história mítica de Steve Jobs. Na verdade, eles são a curva. O sonho de consumo do mercado de trabalho – muito embora, ironicamente, cada vez mais prefi- ram abrir suas próprias empresas e se dedi- car aos projetos pessoais. Isso se reflete em dados: o número de jovens empreendedores entre 18 e 24 anos subiu de 16,2%, em 2014, para 20,8%, em 2015, de acordo com o últi- mo levantamento da Global Entrepreneur- ship Monitor, instituição internacional volta- da para o estudo do empreendedorismo. Quando o aprender – e fazer – sozinho se tor- na tendência, e parece não haver limites para o que é ensinado na internet, uma questão pas- sa a ser inevitável: qual o papel da escola? Para esta edição, conversamos com educa- dores, entusiastas da cultura maker e jovens pais. O objetivo? Entender como essa gera- ção de empreendedores pensa a formação de seus filhos, quais são os principais de- safios de aprendizado das crianças que já nascem completamente integradas com as novas tecnologias e como a escola pode se preparar para um novo modelo de educação. MAS O QUE É ISSO? “A cultura maker, em sua origem, é uma cul- tura da democratização e do compartilha- mento do conhecimento. O termo surge no universo da computação pessoal para falar da aproximação dos artesãos clássicos aos hackers de computador, em uma cena as- sociada ao desenvolvimento de hardware”, explica Gabriela Agustini, empreendedora à frente do Olabi Makerspace. A organização social trabalha para que a tecnologia seja mais inclusiva, por meio de cursos e oficinas, e também pensa em novas formas de inte- grar essas ferramentas à educação. “Nesse sentido, o movimento maker contri- bui com dois aspectos essenciais: o ensino de habilidades ligadas ao design e às fer- ramentas computacionais. São caracterís- ticas decisivas em um cenário que aponta para automatização de mão de obra e de- mais avanços tecnológicos. Por outro lado, desenvolve-se também o modo de pensar não linear, baseado em testes e melhoria de sistema após o ‘feedback de usuário’”, aponta ela. Ou seja, esqueça a ideia de certo e errado. Na educação maker, estimula-se um processo contínuo de tentativa, erro e nova tentativa. Sempre de forma colabora- tiva e horizontal. “Desde a nossa abertura, fomos surpreen- didos pela procura de pais, crianças e ado- Alunos aprendem fazendo, em curso no Olabi Makerspace. Foto:DivulgaçãoOlabiMakerspaceFoto:DivulgaçãoOlabiMakerspace
  • 7. 12 131312 trending topicstrending topics lescentes. Tem de tudo: pais estimulando filhos, filhos estimulando pais, pais e filhos criando projetos em conjunto etc. A oferta de serviços com essas características ainda é pequena, por isso, atrai muita gente”, re- conhece Gabriela. MAKERS QUE EDUCAM A opinião é compartilhada por Vinícius Ma- chado. Aos 36 anos, ele é sócio da Carioteca, startup que fomenta o comportamento co- laborativo, e cofundador da Goma, associa- ção interdisciplinar de empreendedorismo em rede, com foco em inovação social, eco- nomia criativa e design sustentável. Multi- plicidade na veia. Pai de Thomaz, de dez anos, ele admite que educar uma criança em um mundo em tran- sição, “no qual o modelo educacional ainda não consegue acompanhar o ritmo das mu- danças que ocorrem na sociedade”, é um processo que beira a frustração. “Você sente que todos esses avanços tec- nológicos que vivenciamos não serão ne- cessariamente contemplados no ensino dos nossos filhos, independentemente se eles estão em um colégio de ponta ou em uma situação mais vulnerável. E, por não con- seguirmos alcançar essa expectativa ideal, surge a necessidade de recorrer a uma edu- cação suplementar”, desabafa. Para enfrentar esse desafio, Vinícius deci- diu pôr a mão na massa. Ao perceber o fi- lho muitas vezes desestimulado na escola, recorreu ao Khan Academy. A plataforma on-line nada mais é que uma ONG educacio- nal que oferece, gratuitamente, cursos, aulas e exercícios sobre os mais diversos temas, como matemática, biologia e programação. “Quando vejo que o Thomaz não está res- pondendo bem a um material didático for- mal, gosto de sentar com ele para assistir a algumas dessas aulas e resolver exercícios, que são personalizados e superinterativos. Só para se ter uma ideia, o narrador de vários deles é o cara que dubla o Goku [persona- gem do desenho Dragon Ball Z], o que já des- perta na criança um outro tipo de interesse”, cita como exemplo. O aprendizado colaborativo passou a estar presente no convívio entre pai e filho, em conversas, filmes e, até mesmo, em parti- das de videogame disputadas entre os dois. “Outro dia estávamos jogando, e um dos personagens do game batia em uma das vilãs. Achei que seria uma boa oportunida- de para conversar com ele sobre a violência contra a mulher e por que aquilo era errado”, explica Vinícius. O FIM DA ESCOLA TRADICIONAL? A dificuldade dos pais reflete um desafio central da Pedagogia hoje: como atingir crianças que já nascem impactadas pe- las novas tecnologias? “A escola é tradi- cionalmente lenta na sua evolução, isso é inegável”, afirma Andrea Ramal, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e di- retora da holding GEN | Educação. “Outra questão é a teoria. Não te chama aten- ção que nossas principais referências de ensino contemporâneo, como Piaget e Vygotsky, tenham escrito suas obras an- tes mesmo da invenção do computador? São autores que se mantêm fundamentais, mas, é claro, haverá aí um gap de mentali- dade”, ressalta a especialista. Nesse contexto, as escolas, como as co- nhecemos, precisam correr atrás do tempo perdido se quiserem se manter relevantes nas próximas décadas. Não é que a ideia de ensino e de transmissão do conhecimento tenha se enfraquecido. Pelo contrário. Mas é possível que o atual modelo educacional perca espaço para – ou até mesmo seja substituído por – outras estruturas, com maior flexibilidade. Nos Estados Unidos, a prática do home schooling, ou ensino em casa, vem ganhan- do cada vez mais adeptos. Já são cerca de 2 milhões de crianças estudando com seus tutores ou professores particulares, de acordo com dados do Centro Nacional de Estatísticas da Educação norte-americano, o que significa 3,4% das crianças em idade escolar no país. O dado em si pode até não parecer impressionante, contudo, trata-se de um crescimento de 100% nos últimos Pai e filho em momento de educação compartilhada.
  • 8. 14 151514 dez anos. No Brasil, detecta-se tendência similar, ainda que em proporção bem infe- rior. Por aqui, a legalidade do método é as- sunto recorrente entre educadores e pais. Mesmo assim, um levantamento feito pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) indica que o número de famílias que adotaram o sistema passou de menos de 2 mil para mais de 3,2 mil entre 2015 e 2016. Conclusão? A opção pode ser controversa e amplamente criticada por especialistas, mas deixa clara uma busca por novas experiências pedagógicas. “Não é só o homeschooling. Já vemos hoje uma série de iniciativas, como o ensino a distância e, até mesmo, plataformas como o Khan Academy, que oferecem alternati- vas para educação pela internet. A verdade é que o modelo está sendo posto em xeque: se ele não se adequar a essas mudanças, pode ser substituído por outras ferramen- tas”, cogita Andrea. No entanto, estamos longe de decretar um co- lapso da escola tradicional. “A mudança está acontecendo nela também, mas ainda é uma fase de transição. Vale destacar algumas ini- ciativas, que começam a sair da lógica habitual, como a prática da sala de aula invertida”, reco- nhece ela. Nessa metodologia, o aluno estuda previamente os conteúdos em casa, com ví- deos, textos, games e outros recursos. Na sala de aula, o professor aprofunda o aprendizado com exercícios, estudos de caso e conteúdos complementares, fortalecendo o intercâmbio entre a turma. “Assim como o ensino da progra- mação, que estimula uma outra forma de racio- cínio lógico, mais abstrata, a sala de aula inverti- da é um exemplo de como é possível ressignifi- car o tempo na própria escola. Agora, é preciso enfatizar uma questão: tudo isso passa pelo papel do professor”, acrescenta a educadora. CONHECIMENTO COMPARTILHADO Sobre esse tema, nossos entrevistados são unânimes: em uma sociedade na qual a in- formação é cada vez mais onipresente e descentralizada, o professor deixa de ser detentor do conhecimento para se tornar um orientador do aprendizado. É justamente aí que está o ponto cru- cial: não basta que a tecnologia seja usada como ferramenta. É preciso que ela seja, de fato, integrada ao ensino, o que passa pela compreensão dos processos cognitivos que envolvem a sua utilização, e pelo desenvol- vimento do senso crítico por parte do aluno. Os jovens de hoje fazem diferente, é verdade, só que, antes disso, eles pensam diferente. Nesse processo, o papel do professor é imprescindível. “Em um mundo com tanta informação circulando, como você defi- ne o que importa e o que não importa se ninguém te orientar e te der contexto?”, questiona a maker Gabriela. “Isso sem mencionar as habilidades socioemocio- nais, que também precisam ser ensinadas e trabalhadas”, completa. Na visão dela, a discussão não é sobre máquinas, é sobre pessoas e processos de criação. “As máquinas são transitórias. O que faz sentido hoje não vai mais fazer em três anos. Por isso, não podemos nos prender a ensinar determinadas técnicas e usos de softwares. É preciso estimular o espírito crítico e fazer crianças e jovens entenderem a lógica por trás dessas fer- ramentas, além das possibilidades de apli- cação prática”, explica. Diana Fingal, diretora de conteúdo da Inter- national Society for Technology in Educa- tion (ISTE), organização norte-americana que reúne interessados em aprimorar o uso da tecnologia na educação, vai além: “Os alunos de hoje não precisam de mais palestras ou aulas expositivas. Eles têm de ser ensinados a usar essa informação, como aplicá-la em sua aprendizagem e como transmiti-la de forma responsável, ética e significativa.” Em março, a ISTE lançou uma pesquisa com as principais tendências mundiais de tec- nologia na educação [ver box ao lado]. “O fio condutor que passa por todas elas é o empoderamento do aluno. Essas iniciativas permitem que o estudante tenha mais con- trole do que, como e onde aprende, além de mudar a forma como demonstra seu conhe- cimento”, conclui. trending topics
  • 9. 16 1716 17 galeria galeria Uma coluna de tendências reveladas em imagens. A cada número, uma nova temática, com o que ARMAZÉM encontrou de legal por aí.
  • 10. 18 19 Cidade como telaCarolina Farias Com arte aliada a tecnologia, video mapping cria ilusão de ótica em todo tipo de superfície e pode ser ferramenta de ocupação de espaços públicos horizonte 18 horizonte Prédio do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) recebe projeção. Evento de video mapping atrai público e ilumina a Zona Portuária. 19
  • 11. 20 21 B olas gigantes vermelhas e brancas caíram da sacada do Palácio Pedro Ernesto, na Cinelândia, Centro do Rio, um pouco antes de duas imen- sas janelas do prédio, construído na década de 1920, girarem em seu próprio eixo. Ali perto, no prédio do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), corujasazuistomaramolugardafachada,arrega- landoosolhosemdireçãoaopúblico.Asimagens, que parecem fruto de um delírio, são o resultado dajunçãodearteetecnologia:ovideomapping. A técnica, também chamada de projeção ma- peada, é uma das linguagens mais contempo- râneas de mídia e tem o Rio de Janeiro como destaque internacional, em razão de seus pro- fissionais e estúdios. Prédios, estruturas planas, fotografias, obras de arte: tudo pode ser “tela” para essas imagens que reconstroem os espaços com luzes, cores e movimento. O nome vem do trabalho de mapeamento da superfície que recebe a projeção, feita com soft- wares específicos e projetores cuja potência é de- terminadapelotamanhodoponto-alvo. O mapping é muito usado como recurso cênico e ferramenta de publicidade, mas também pode seruminstrumentodevalorizaçãoeocupaçãoda cidade. As projeções citadas no início deste texto, por exemplo, ocorreram durante a terceira edição doRioMappingFestival,realizadoaolongodoúlti- momêsdeabril.Oeventojáéconsideradoomaior da América Latina, tanto por sua duração quanto pelaabrangênciadosterritóriosmobilizados. Oficinas e participantes internacionais, como o coletivo espanhol Telenoika (fez as projeções no prédio da Câmara Municipal junto com os cura- dores do festival) e a VJ e artista plástica holan- desaFrouketenVelden(crioucubosdeferrofor- radoscomespelhosetecidos,queforamalvodo mappingemumafesta),ocuparamoGalpãoNau (Núcleo de Ativação Urbana), na Zona Portuária doRio,durantetodoomês.AnaChagas,diretora- -assistente do Rio Mapping Festival, destaca que oeventocresceacadaedição. “Começamos com sete dias, em 2014; em 2015, já fomos para 15 dias e, este ano, foi o mês todo. Em2016,nãoconseguimosapoioeagorasaiuem cimadahora.NóstrabalhamoscomaLeiRouanet eaPrefeituranãoentrou”,explicaela. Após a primeira edição, em 2014, membros do festival participaram, em Lion, na França, da Fête des Lumières (Festival de Luzes), que começou na cidade no século XIX, com tochas e velas, e hoje é um dos principais eventos de mapping do mundo. “Em quatro dias, eles recebem oito milhões de pessoas. Imagine se a gente conseguisse esse tipo de visibilidade! Aqui ainda estamos perce- bendo o potencial do mapping”, afirma a dire- tora-assistente sobre os poucos festivais do tipo no Brasil – além do Rio, eles ocorrem so- mente em Manaus e Salvador. “Para além do entretenimento, o objetivo é des- pertar o interesse na preservação do patrimônio”, salienta, por sua vez, o idealizador e diretor-geral doRioMapping,PauloSacramento. “É uma nova vertente do entendimento da rua, de perceber a cidade. Sair um pouco da sala fecha- da. Você mapeia um espaço, as pessoas passam e olham. Isso é positivo. Estamos alertando que aquele lugar está vivo”, afirma ele, que durante a Rio2016fezprojeçõesnoBoulevardOlímpico. Sacramento é também proprietário da Ogum Filmes, residente da NAU, que abriga empreen- dedores de diversos setores e abriu os braços para o festival, como destaca Daniel Kraichete, diretor criativo do espaço: “Nossapropostaéfocadaemempreendedorismo, inovação e economia colaborativa. Fomos procu- rados para sediar o evento e acabaram levando a produtora (Ogum) para lá. A NAU trouxe caracte- rísticas diferentes. Nesse processo de convivên- cia,váriosparceirosacabaramseinserindo.” Depois do Rio, os idealizadores do festival carioca partiram para Lima, no Peru, e Nova York, nos Es- tadosUnidos,eemdezembrovãoparaLion,onde participamdemostrasefestivais. LUZNASIDEIAS Lembrando ainda dos Jogos Olímpicos Rio 2016, fi- caria difícil pensar na abertura do megaevento sem destacar as projeções no gramado do Maracanã. horizonte horizonte Câmara de Vereadores do Rio reinventada durante evento do Rio Mapping.
  • 12. 22 23 Comovideomappingfoipossívelpôrempráticaas ideias dos diretores-criativos da cerimônia: Daniela Thomas, Andrucha Waddington e Fernando Meirel- les. O design visual do espetáculo foi realizado pelo Radiográfico,estúdiocariocaqueexistedesde2004. “Eles optaram por trabalhar com projeção no solo, onde se consegue ter mais resultado com custo um pouco menor. Uma equipe francesa fez o ma- peamentodogramado;outratransformouasartes para o tamanho necessário e nós criamos a nar- rativa visual”, explica Olívia Pereira, diretora de arte doestúdio,que,alémdecriarasprojeçõesnochão, idealizouasgrandescaixasquesetransformaram emcidade,favelaerostosaolongodacerimônia. Pedro Garavaglia, também diretor de arte do Ra- diográfico, diz que o mapping é um recurso cada vez mais usado por desenvolvedores de platafor- masmultimídia. “Atualmente,pelaspossibilidades,peloefeito,pelo encanto e com mais recursos disponíveis, as pes- soas, em todas as áreas, utilizam o mapping. Ha- viaumestigmadequeeraalgodistante,mascom conhecimentodesoftwareeprojetores,temmais gente sabendo fazer. Não tem um evento de que participemos em que a gente não faça mapping, dos complexos ao mais simples. É uma tecno- logia dominada”, afirma ele, que, no ano passa- do, foi responsável pelo cenário da peça “Céus”, de Aderbal Freire-Filho, e assina as projeções do novoprogramadaRedeGlobo,ConversacomBial, queestreouemmaio. PedroeOlíviacorroboramaideiadequeatécnica podeserusadanapreservaçãoeocupaçãodaci- dade. Eles tiveram experiências de projeções em espaços públicos no Marco Zero, em Recife, em um evento publicitário, e, em 2015, no Edifício A Noite, na Praça Mauá, Centro do Rio, durante um festival de visualismo. “Usamos a fachada, e foi legal porque as pessoas lançaram um olhar diferente, novo, para o edifício, que tem um sig- nificado histórico”, lembra Pedro. DEZANOSDEINOVAÇÃO Outro experiente estúdio de design gráfico carioca é o Super Uber – e o nome não tem qualquer ligação com o aplicativo de transporte. Nascido no Rio em 2002, a empresa hoje tem escritórios em São Paulo e São Francisco, nos horizonte Estados Unidos, com cerca de 250 projetos para museus, marcas e eventos, entre eles a cerimô- niadeencerramentodaRio2016. Um dos trabalhos do estúdio foi realizado no prédio da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2013, no lançamento dacampanhadoDiadeAçãoComunitária–uma homenagem ao brasileiro Sérgio Vieira de Mello, representante especial do secretário-geral da ONU para o Iraque, morto em um atentado terro- ristaemBagdá,em2003. “ProjetamosaAssembleianelamesma.Foidifícil porque era uma curva composta, tipo um aba- jur”, explica Liana Brazil, diretora de criação e fundadora da empresa, que já tem dez anos de experiência na área. “Fomos crescendo organicamente. Por volta de 2007, quando não se sabia se o nome seria mapping ou projeção 4D, fizemos o primeiro in- vestimento, que foi mapear uma escultura. De- pois partimos para as fachadas. Já são dez anos de grandes e pequenas iniciativas”, relata Liana. Para ter mais liberdade e chegar mais perto do desejado, ela salienta que a empresa desenvol- veuoprópriosoftwaredemapeamento: “Existem dois softwares no mercado, que também usamos, mas com o nosso temos poder de custo- mização,podemosmudá-lodeacordocomanossa conveniência. Somos muito puristas com tecnolo- gia, sempre desenvolvemos nossas ferramentas. E buscamosformarnovosprofissionaisaquimesmo.” Com uso de algoritmos, o Super Uber criou um mapping “vivo” para o Phillip and Patricia Frost Museum of Science, em Miami. Por meio dele, é possível simular evoluções socioeco- nômicas, redes sociais humanas e até siste- mas biométricos da natureza, como o voo dos pássaros. Na instalação, intitulada Flight Wall o público acompanha a influência do movimento de objetos e animais sobre o ar. “É uma animação dinâmica na qual o software vai se ajustando. Você pode passar horas ali e não vai serigual.Oalgoritmomontaovisualcombaseem dados (dentro das regras estéticas estabelecidas pelo artista), com uma compreensão orgânica da superfície. Transformamos o invisível em visível. Uma segunda possibilidade é gerar interatividade, querdizer,aprojeçãosealteradeacordocomaação das pessoas, como em um jogo”, explica Liana, ao apontar ambas as tecnologias como as mais inova- dorasnoqueserefereaovideomapping.Elaindica, ainda,umoutroelementoessencial: “Emdezanos,muitacoisamelhorouemtermosde técnica, mas fora isso a grande inovação vem das ideias.Seoconteúdonãoébom,nãoadianta”,diza diretoradaempresa,quetambémjárealizouproje- çõesemespaçospúblicos. “Algumas são especiais para nós, como uma pro- jeção na Igreja de Santa Rita, no Centro do Rio, em 2011. Era a fase pré-Olimpíada, o objetivo era cha- maratençãoparaprédiosantigosevaliosos.Atraiu gente de fora para ver, teve uma interação com a paróquia. Isso mobiliza o engajamento público; le- galparaarevitalização”,afirmaLiana. PUBLICIDADEEFUTURO Como parte da comemoração de seus 150 anos, a revista norte-americana Harper’s Bazaar usou a face norte do Empire State Building, edifício icônicode102andares,emNovaYork,paraprojetar em video mapping algumas das fotos mais emblemáticas da História recente da publicação – adabrasileiraGiseleBündchenestavaentreelas. No mercado publicitário, o mapping é um recur- so adotado com frequência em grandes eventos e campanhas. De 2011 até hoje, esteve presente em ações de gigantes de setores tão diversos como os de Eletroeletrônicos (Samsung), Ves- tuário (New Balance), Automobilístico (Toyota) e Audiovisual (Vimeo). As possibilidades, no entanto, também se esten- dem para soluções do cotidiano. Um exemplo inesperado são os estandes imobiliários. Ambien- tes internos, como a sala de um apartamento, já são projetadas para os clientes com a utilização da técnica,oquepermitequesevisualizeadecoração eadivisãodoespaço. De uma forma ou de outra, seja na ocupação da cidade, na arte, nos serviços, ou como ferramenta publicitária e de marca, o video mapping provoca surpresa e fascínio. O desafio? A constante rein- venção tecnológica e criativa, essencial para qual- quertipodemídia,nosdiasatuais. Música e cores em festa no Núcleo de Ativação Urbana (Nau).
  • 13. 24 25 ferramentasferramentas A sensação pode até ser de que o ano acabou de começar, mas tem gente que já está pensando em 2019. É o caso da WGSN, líder mundial em previsão de tendências de com- portamento e consumo, que recentemente abriu seu primeiro espaço no Rio de Janeiro. O local es- colhidofoiogalpãodaMalha,emSãoCristóvão. Conversamos com Luiz Arruda, consultor sê- nior da empresa, para entender melhor como as mudanças sociais pelas quais passamos hoje in- fluenciarãoospadrõesdeconsumonospróximos dois anos. O resultado desse bate-papo você confereaseguir. ARMAZÉM: Vocês usam o recorte 2017-2019 para projetar as tendências de consumo, o que é muito interessan- te, porque gera um horizonte palpável, sem aquele ar de ficção científica. Como será a cara do mundo daqui até lá? Luiz: É preciso entender o ano de 2019 como o fechamento de um ciclo. Estamos passan- do por mudanças na maneira como a gente se comporta. E aí há três transformações que va- mos ver com força. A primeira delas podemos chamarde“AEraZettabyte”,oque,naverdade, é só um nome para o tamanho da internet. Em 2016, uma pesquisa da Scientometrics (respei- tada publicação científica internacional) revelou que já existem 4,66 milhões de páginas na web, eessenúmerovaicrescerdeformavertiginosa até 2019. O tráfego global vai ser gigante. Está planejado para bater mais de dois zettabytes por ano, o que é extremamente rápido, com capacidade de armazenamento e transferência brutais. Isso vai mudar a velocidade e, assim, a maneira como a gente consome informação. A segunda grande transformação para 2019 será “O Mundo Pós-Palavra”. O que é isso? Estamos falando aqui de linguagem, basica- mente. Os memes são um exemplo – batido até – de como as imagens já substituem a escrita. Isso tende a se aprofundar. Ao mes- mo tempo, o mercado de voz vive um mo- mento decisivo. É uma tecnologia simples e direta. Pensa na Siri, da Apple, ou no Ok Google , e eleva à enésima potência. Imagi- na tudo o que você pode fazer com outros devices – aparelhos eletrodomésticos, car- ros, qualquer coisa – ativados simplesmente pela tecnologia de voz? Aterceiragrandetransformaçãoaté2019,agente chamade“TempodoAtivismo”,e,paramim,essa é a que já sentimos mais hoje. Vimos as mani- festações capitaneadas por jovens no Brasil e no mundo, ante o caos político, principalmente. Em 2019, a Geração Z, que está chegando aos seus 20 anos, vai capitanear esse movimento de bus- carcausasedoarseutempo,nãosóseudinheiro –aliás,muitomenosodinheiro–esimasuaaten- ção,seusamigosesuaredeparaisso. ARMAZÉM: Tem uma questão muito re- lacionada com essa explosão do mercado de voz, que é o chamado comércio con- versacional. Como isso funciona? Luiz: O comércio conversacional é principal- mente como empresas se conectam com seus consumidores usando canais que, até então, eram pouco tradicionais para esta- belecer esse diálogo. São basicamente os communicators, ou aplicativos de mensagem. WhatsApp, Facebook Messenger. Lá na grin- ga, na China, há vários outros – Line, WeChat, por aí vai... E até mesmo o chat do Instagram. Trata-se de ir aonde o consumidor está e prover uma experiência que é mais gostosa para ele, so- bretudo, para os mais jovens, em vez de se criar o próprioaplicativo,comoumSACdavida.Émaisfá- cil,populareconsistenteusaroquejáexisteeestá integradonocotidiano.Vocêestáfalandocompes- soas que não querem passar por milhões de sets, queremqueaempresaestejaalidolado. ARMAZÉM: E as redes sociais ou fer- ramentas de conversação tendem a se consolidar também como mecanismos de venda? Luiz: As plataformas sociais, como o Instagram, por exemplo, já se tornaram ferramentas de conversão e de consumo. Desde o fim de 2015, algumasempresas,comoaUrbanDecay,marca norte-americana de cosméticos, fizeram uma parceria com o Instagram para vender produtos em seus perfis. Tem um iconezinho de shopping bag no canto da imagem, onde você clica e pode comprar aquele item diretamente; tem o preço, a descrição etc. Dali você é redirecionado para o João Estrella de Bettencourt e Thaisa Bianchi
  • 14. 26 27 ferramentasferramentas pagamento, sem precisar sair daquele ambiente. NoFacebookMessengeréamesmacoisa. ARMAZÉM: Você destacaria outros exemplos? Luiz: Existem vários. Um que eu acho muito legal, relativamente recente, é a Whole Food. Vocês co- nhecemaWholeFood? ARMAZÉM: Sim, a cadeia de supermer- cados de produtos saudáveis. Luiz: Isso. Eles fizeram um bot no Facebook Messenger. É um mecanismo que interage com o consumidor basicamente digitando emojis. Vocêpõeoemojizinhodemacarrão,vamosdizer, e eles te mandam uma série de receitas usan- do massa. Todos têm a ver com o site do Whole Foods, com os ingredientes disponíveis lá. Já em termos de voz, acho muito legal o Amazon Echo. ÉparecidocomaSiri,sóquevocêpodecontrolar outros aparelhos smart, como geladeira e tele- visão. No ano passado, ele já chegou a 4% dos lares dos norte-americanos. Quer dizer, a gen- te percebe um crescimento exponencial nesse tipodetecnologia,embora,emtermosabsolutos, sejaumprocessogradual. ARMAZÉM: Há uma tendência forte aí, de personalização do atendimento, do pós-venda, principalmente. As empre- sas tentam criar experiências de consu- mo cada vez mais feitas sob medida para um tipo de consumidor. Seria mais ou menos nessa linha? Luiz:Sim,eessaestratégiavemnãopelofatode as marcas serem superinteligentes... Tipo, “Nos- sa, olha o que a gente pensou”. Na verdade, elas passaram a ouvir o consumidor. Tem algumas palavras importantes, como customização e personalização, só que eu acho que é mais que isso.Écocriação.Euquero,sim,algumacoisaque sejafeitapormim.Comigo.Essaéachave.Enão sóoprodutoemsi,mastambémumanarrativa. ARMAZÉM: Você vê a continuação des- se processo com as próximas gerações? Luiz: Com certeza. Já não é mais possível você involuirnessesentido,voltaratrásequereruma padronização. Agora, é claro que há diferenças. Todas as rupturas que a Geração Y criou – de abertura, de pluralidade, de flexibilidade, de bus- ca por experiência – são intensificadas, de uma forma ou de outra, pela Geração Z. ARMAZÉM: Quais diferenças você apon- taria entre as duas gerações, em termos de padrões de consumo? Luiz: Os millennials são filhos de um período eco- nômico,globalmentefalando,maisvirtuoso.E,por isso, eles são mais relaxados ou otimistas em re- laçãoaoconsumo,naformacomolidamcomodi- nheiro. Os “Z” não, eles passaram a adolescência ou a infância vendo a crise europeia, a crise nor- te-americana em 2008 ou 2009, e mesmo aqui no Brasil, o que a gente está vivendo agora. Não é que eles não gastem, mas eles pensam muito antes de desembolsar. Valorizam muito mais as escolhas. Tem uma questão que não é mudança, só que está sendo fortemente intensificada na GeraçãoZ:oconsumoconsciente.Elessãomuito maiscuidadososacercadoimpactoqueexercem nomundo,comoconsumidores. ARMAZÉM: A gente falou bastante da esfera virtual e da tecnologia, mas quan- do você vai para o varejo, no físico, quais as principais mudanças que devem ocor- rer nestes dois próximos anos? Luiz: O espaço físico em si, o ponto de venda, ain- da é importante. O que não dá é para ficar parado. Essa é a questão. Estamos vendo agora um va- rejo físico que precisa se reinventar, e isso passa por uma conexão com o ambiente digital. É uma demanda básica que você tenha extensões do ponto de venda físico. Seja para fazer uma pes- quisa anterior, seja para falar do pós-venda, seja para tirar dúvidas ou mesmo ter uma experiên- cia imersiva com os produtos. Já em matéria de tecnologia, existem, por exemplo, os provadores digitais e espelhos touch, que podem ser usados nas lojas. Há diversas possibilidades no varejo fí- sico, que tiram o atrito do processo de compra ou, simplesmente, tornam a experiência mais inte- ressanteeengajadora. ARMAZÉM: Você incluiria realidade virtual e realidade aumentada entre es- sas ferramentas? Luiz: São duas tecnologias que estão cada vez mais presentes. No comércio, trata-se
  • 15. 28 29 justamente de tornar o processo mais imersi- vo, mais interativo, mais completo. E, de novo, tanto dentro do ponto de venda quanto fora dele. Já existe o projeto de um shopping onde você pode comprar por meio de realidade vir- tual, 24h por dia. O Facebook lançou agora o Facebook Space, que é meio que um reboot do Second Life. Lembram do Second Life? Ob- viamente, não é a mesma coisa; mas é um es- paço de realidade virtual onde você pode inte- ragir com seus amigos. Eu reitero, não é sobre a transação. Acho que muitas varejistas já enten- deram isso; daí, vermos tantas lojas e marcas investindo em experiência in store, experiência na loja. O consumo vai ser necessariamen- te uma consequência dessa história. E há um outro ponto: para que essas tecnologias serão usadas? O mercado da moda é um bom exem- plo, mas também valeria destacar a decoração. Com a realidade aumentada, você escolhe um item e encaixa em um espaço para ver como fica. Você não está vendo mais só uma foto, é o móvel em um espaço dimensional. ARMAZÉM: Não precisa nem medir para saber se cabe. Luiz: Exatamente. A realidade virtual é a mesma coisa: você pode criar um espaço novo e se ver lá dentro. A Ikea, que é uma gigante internacio- nal no setor de móveis, lançou um aplicativo de design de cozinha no ano passado, justamente paraquevocêexperimenteasopçõesparaasua casa.Sãosoluçõesquejáfazempartedarealida- de e que tendem a ficar cada vez mais baratas e acessíveis.SegundodadosdaBusinessInsider,o portal de notícias norte-americano sobre negó- cios,emaproximadamentecincoanososnossos smartphones serão óculos, de fato. E a gente vai poder ter tudo comandado por voz e pelo olho mesmo.Cincoanosédaquiapouco. ARMAZÉM: Parece paradoxal um cres- cimento tão grande da tecnologia, por um lado, e, por outro, essa tendência a se repensar o espaço público e o consumo, até com uma visão nostálgica? Há, tam- bém,umabuscapelolocal,otradicional? Luiz: Aí eu vou conectar com uma macroten- dência que a gente mapeou. Esses espaços estão sendo ocupados menos porque são tra- dicionais e mais por serem “fora do eixo”. É um movimento global, de valorização daquilo que nãoécentral,nosentidodemainstream.Porque não estão fazendo no Leblon, e estão fazendo em Madureira? Por que, em São Paulo, não são bairros como Jardins ou Pinheiros que estão bombando,esimSantaCecília? Internacionalmente, percebemos isso na valori- zação da cultura fora do circuito Estados Unidos- -Europa. Cada vez mais a gente tem visto influên- cias asiáticas, africanas, e até latino-americanas, namúsica,namoda,nodesign,naarquitetura... Hoje em dia, o boom populacional do mundo, pelos próximos 50 anos, não virá mais dos Es- tadosUnidosedaEuropa,queestãocomataxa de natalidade caindo, quase negativa, com a população envelhecendo. Então a força criativa virá desses outros polos. É um tsunami jovem de crescimento. Regionalmente, ou localmen- te, tem um outro motivo para essa valorização do fora do eixo, que é o fenômeno da gentrifi- cação. Há uma migração, uma expansão dessa classe jovem criativa, que é justamente quem tem menos grana, quem menos vai pagar um aluguel no Leblon, nos Jardins ou no Centro de Londres. E esses caras começam a estar nes- ses entornos da cidade. Lugares como Madu- reira,DuquedeCaxiasetc.entramnorepertório. ARMAZÉM: Que conselho você daria para esse empreendedor criativo que está montando um negócio? Luiz:Avantagemdeumempreendedoremrela- ção a uma grande empresa é que ele está perto de tudo. São os amigos, a tecnologia que ele já usa. Não precisa fazer uma pesquisa para en- tender como o consumidor pensa. Talvez o en- tornojádiga.Então,achoqueoconselhoé:“Olhe para o lado.” É necessário, claro, investimento; mas, hoje em dia, dá para fazer muito com muito pouco. Os próprios canais sociais oferecem uma amplificação gigante das consequências do seu trabalho. Você consegue se conectar com muita gente, fazer parcerias, estabelecer redes. Essa noção de rede é fundamental. Não tem que cor- rer atrás de um escritório, uma fábrica, um me- gacapitalparasebackupearnocomeço.Aforma de fazer negócio e vender é muito distinta. Você pode estar em um coworking, pode ter amigos que ajudam nesse processo. Pense nessas par- ceriasmenosortodoxas... ferramentasferramentas
  • 16. 30 31 ouafantásticahistória deLeonardoAzevedo No fio do bigode João Estrella de Bettencourt Dentro do Soma Hub, quatro ou cinco jovens faziam coreografias que desafiavam as leis da Física, cercados por uma galera que os acompanhava mais discretamente, ao som de um DJ. Do lado de fora, uma arquibancada de madeira, uma larga calçada de concreto e a rua. Completamentetomadas.Numaboa,semnenhumaperto. Leonardo Azevedo, ou melhor, Léo Bigode, passa para nos dar um abraço. “Agora tô indo mesmo, valeu pelo dia, pela conversa. Depois a gente continua.” Era madrugada de sexta para sábado, quando rolam os bailes do Soma. Ah, e o que é o Soma? Aí, fica difícil explicar. Um polo de economia criativa, uma escola, um centro de cultura e colaborativismo,umpalcoparamarcaseempreendedores da Baixada Fluminense, um bar, uma loja, um evento. Fica em Duque de Caxias. E foi inventado, de ponta a ponta, por Léo Bigode. Sabe quem ele é? Peraí. Rewind. EStilo Léo Bigode no Soma, em noite de baile.
  • 17. 32 33 EStilo EStilo EXTA-FEIRA, 14H: O INÍCIO DE TUDO Léo abre a porta do seu apartamento no Centro deCaxias.Sorrisoescancarado.“Nãoreparanão, acasavivecheia”,justifica,emreferênciaaosseis ou sete pares de sapatos e sandálias alinhados no hall. Após certificar-se de que não queríamos mesmo almoçar, ele nos leva apressadamente pelasala,ondevemosderelancequadros,livros – empilhados em mesinhas e até no chão –, e uma prancha de surfe, pendurada na parede. O objetivo de Léo é a varanda, onde nos apresen- ta a alguns amigos e parceiros de negócios. “A gente pensa muita coisa aqui”, explica. De volta à sala, paramos em frente a um enorme sofácinza,daquelesemqueduasoutrêspessoas podem deitar numa boa, mas engatamos a con- versaempémesmo. Léo é nascido e criado em Duque de Caxias. Pas- sou a infância soltando pipa e jogando bola no bairroJardim25deAgosto,ounoscampinhosque seofereciamàturma.Omaismarcanteeraaolado da Favela do Inferninho. “Ainda encontro com o pessoal dessa época”, lembra ele. Na adolescên- cia, curtia os cineclubes e as festas da Baixada: “A genteficavadiscotecandocomosvinisdaZiziDis- cos, tinha uma cultura de funk muito forte. Por ou- tro lado, o nosso olhar era para os estilos da Zona Sul.”Atéqueospaissesepararameamãesemu- douparaoRecreiodosBandeirantes. Léo ficou arrasado. Teve briga, choro, tudo. Aca- bou indo, a contragosto – não queria deixá-la sozinha. Levou um pouco da sua experiência – o skate e os amigos, que encontravam com ele nos fins de semana – e, em troca, recebeu outras. O mar, o surfe e o reggae. Demorou para tomar co- ragem,mas,hoje,éfiguraassíduanaPraiadaMa- cumba, prancha a tiracolo. Criou até um grupo de surfistasdeCaxias.ORecreiocontinuanoseudia a dia, embora tenha voltado definitivamente para aterranatal,depoisdafaculdade. Seguindo os passos do pai, cursou Direito na Uni- granRio, pertinho de onde, atualmente, funciona o Soma: “Foi pressão social, não tem como ne- gar. Aquela ideia de segurança, estabilidade. Só que aprendi a gostar. Há três meses entreguei meuTCCdepós-graduaçãonaPUC.Otematem tudo a ver com o que eu faço hoje – a influência do empreendedorismo como ferramenta de va- lorização imobiliária.” A aparente contradição é a cara de Léo Bigode, sobretudo, porque de contra- diçãonãotemnada.Onegóciodeleécriarpontes, expandir fronteiras. De toda experiência, de todo conhecimento, surge algo a ser aproveitado, fun- dido,reinventado.Nãoàtoa,seufilmepreferidoé “Na natureza selvagem” e, entre os autores que o fascinam, figuram o filósofo norte-americano Ja- mesThoreaueoescritorrussoLeonTolstoi. O filme e o filósofo inspiraram tatuagens que car- rega no pescoço e no braço. De comum entre os três, ideias e histórias profundamente libertárias, que ele resume em uma frase: “Seja coerente comoquevocêacredita,enãocomoqueteéim- posto.Atônicadomeunegócioedaminhavidaé essa,umlifestylebusiness.” Não se enganem, Léo é bom de papo, mas ban- ca suas palavras. Ao terminar a faculdade, pôs R$ 1 mil no bolso e passou três meses viajan- do pela América do Sul. Queria reproduzir a rota seguida pelo jovem Che Guevara. Foi para a Bolívia, Chile, onde enfrentou um terremoto, e Peru, passando pelo Deserto do Atacama. Navolta,dividiu-seentreoexercíciodaadvocacia, no escritório do pai, e estadas prolongadas em uma comunidade alternativa, em Vargem Gran- de, na Zona Oeste do Rio. De lá, trouxe uma lição importante: “A vontade de criar redes, de acre- ditar nas pessoas como valor. Isso eu tirei muito da cultura hippie. Só que, depois de um tempo, eu percebi que podia – e queria – aplicar isso no mundo onde eu cresci, com o qual eu me identifi- co,queéDuquedeCaxias,queéaBaixada.” O HOMEM MÍDIA Surge um imprevisto. O filho acordou e Tássia, a mulher do Léo, precisa de uma força. Ele pede desculpas e pergunta se a música – um reggae dabandaGroundation–estáatrapalhandoagra- vação. Não está. Resolvida a emergência, apare- cedemãosdadascomomenino: “Cara, meu casamento é um exemplo engra- çado dessa busca por conexões. A Tássia é de Irajá e nos conhecemos na Lapa, em um show.” Os dois estão juntos há dois anos e, há um, nasceu o Kael. Sim, o nome é uma home- nagem ao Super-Homem. Léo ri. “Acho bonito, vai ser o nosso homem de aço.” O Soma, por incrível que pareça, é mais novo. Tem cinco meses. A lógica do negócio, ele dei- xa claro, combina ousadia com gestão pro- fissional, bem planejada. “O Jones, meu sócio e principal investidor, tinha uma visão muito concreta nesse sentido. E acreditou no concei- to. Para você ter uma ideia, a gente iria ocupar uma área bem menor, no canto da rua. Só que ele viu essa esquina e bancou ampliar. Não estava nem para alugar aqui, funcionava uma gráfica. Hoje é a cara do Soma.” Escolhido o local, Léo assumiu a reforma, que, no total, custou R$ 300 mil. Antes de mais S Tatuagem de intelectual, trabalho e diversão: as diferentes faces do empreendedor. nada, fechou duas parcerias essenciais, que já vinha costurando, pacientemente: com a TD Arquitetura, de João Duayer, responsável por projetos de Void, Hocus Pocus e Zee Dog; e com o estúdio de design Hardcuore, de Breno Pineschi, que tem entre seus clientes Adidas, Do Bem e Leite de Rosas. Queria aproveitar o ar de “galpão em ruínas”, com estruturas aparentes, metais e muita fluidez: “Era fundamental a gente se abrir para a rua, criar um espaço que alimentasse essa relação, de uma forma contemporânea.” Já a logo, criada por Pineschi, enfatizava os encontros e as construções coletivas, que marcaram Léo desde a infância. Sinais de adição, entrelaçados, como em um quebra- -cabeça tridimensional.
  • 18. 34 3534 35 A esquina que virou a cara do Soma. EStilo
  • 19. 36 37 EStilo EStilo Faltava o público. Quem fizesse – ou buscasse –algooriginal,comraízeslocais,estavanoradar. Skate, hip-hop, moda, artes plásticas, audiovi- sual, coworkings. Para atrair essa galera, contou com a ajuda do Coletivo Cena BXD, criado em meados de 2016: “Eles eram bem atuantes na fotografia, tinham essa linha de retratar toda a Baixada. Era o que eu queria. Porque a pessoa que se interessasse pelo Soma, na minha cabeça, não seria um fre- quentador, e sim um cocriador. Não é demago- gia, é uma questão prática até. Comprar um pro- duto,tomarumacerveja,vocêtomaemqualquer lugar. Agora, se você compra uma proposta, se identificacomela,éalgoquesetornaseu.” Essa percepção é o que há de mais novo no negócio, em termos comerciais e de marketing. Para Léo, o Soma funciona como um “agrega- dor de conteúdo”, ao expor marcas que têm interesse naquela cena. Desde empreendedo- res da Baixada, como a Antco, ou do subúrbio do Rio, como a Save Me, até gigantes, como Do Bem,Heineken,Rider,Nikee,embreve,RedBull, passando por produtores da periferia de São Paulo, entre eles, o Laboratório Fantasma. Está dando certo. O faturamento já atingiu R$ 150 mil por mês – o que significa em torno de R$ 2 milhões até o fim deste ano. O segredo? Ele crava de bate-pronto: “O foco no branding. A gente abre um mercado para quem está fora dele, mas, para entrarem com o pé direito, dialogando e deixando um legado para a rua. E, quando ganhamos essa dimen- são, levamos junto quem cria e produz aqui. No fundo, somos uma plataforma de diálogo entre as marcas e a Baixada Fluminense, que é um território gigantesco, com quase 4 milhões de pessoas e 15% do PIB do Estado.” PERCORRENDOA(S)CIDADE(S) Na varanda, a galera se movimenta. Calça o tênis, confere o celular. Está na hora de partir para o Centro do Rio, onde, naquele dia, rolava manifestação. Algo comum no Brasil dos últi- mos anos. Pegamos um EcoSport vermelho com Léo e dois amigos – um deles ao volante. Chove, mas a cidade parece agitada, ao con- trário da Avenida Brasil, sem trânsito. No carro, o reggae é substituído por rock e MPB, com destaque para Zé Ramalho. “A gente trabalha com a rua, com o movimento das pessoas. Eu tenho que estar antenado com isso,ouvir,entender.”ApolíticadeLéoé,sempre, de construção. Defende com unhas e dentes as parcerias público-privadas, desde que sejam de- finidas realmente em conjunto por governos, so- ciedadecivileempreendedores: “Vou dar um exemplo. Estamos levando para a Prefeitura um projeto desenhado pelo Rodrigo Costa, do Coletivo BXD. Queremos montar um ‘QG’ no Centro de Caxias, nos moldes do que a Malha fez em São Cristóvão. Com capacidade de produzir moda, design, inovação. A iniciativa pri- vadavaiinvestirparaequipareconduziragestão. A sociedade civil tem que comprar a ideia. Fre- quentar,agitar,transformaremumpolocultural.” E o Governo? Para Léo, não adianta levar apenas demandas.“Seeupropuseralgoquedependado Estado, aí, como empreendedor, não chego com uma solução, e sim com um problema. Agora, o PoderPúblicopodeajudar,emuito.Levarinfraes- trutura, apoio logístico e de imagem, organização. Isso é diálogo. O custo vai ser baixo e o resultado enorme,comforteimplicaçãoeconômica.” O trajeto dura menos de meia hora. Saltamos em um estacionamento nas costas dos Arcos da Lapa e atravessamos a Praça Cardeal Câmara. Léo aborda um ou outro manifestante, observa, questiona. A noite cai e, de repente, nos perde- mos. Sem problemas. O cara, já ficou óbvio, é da- quelesquenãodeixamninguémparatrás. A mensagem no WhatsApp aparece por volta das 19h. Às 20h, ele tem que estar no Soma para dar o start da noite. Por causa do baile, sexta é o dia mais cheio – e mais complicado de adminis- trar. Além de ter se tornado um ponto de encon- tro de diversos empreendedores da Baixada, o queexigepresençaeatenção. Na Lapa, centenas de pessoas andam de um lado para o outro. Calçadas e bares começam a encher. Mas o estacionamento está tranquilo, e pegamos aestradasemdificuldades.Choveforte,oquenão preocupaLéo.“Cara,noinícioeuficavadesespera- do, uma ansiedade enorme. Hoje, não. Já recebe- mos 3 mil pessoas, lotou a rua da frente e a trans- versal, e estava caindo uma tempestade. Tivemos quedistribuircapasdechuva.Foimemorável. O baile é organizado pelo próprio Soma; no en- tanto, a aposta é na multiplicação de eventos externos. Entre as grandes empresas parceiras e os movimentos locais, o espaço já foi palco de festivais de música e street art, seminários, talk shows, workshops – “pirei quando a Capa Comics, um grupo de quadrinhos aqui da Baixa- da, trouxe o Ota, um dos criadores da Mad Bra- sil”–eentrounocalendáriointernacionalcomo Fashion Revolution Day, movimento capitanea- dopornomesglobaisdosetor.Emmaio,sediou, ainda,oNikeRunning,umamegacorridaurbana, e o Beco Festival, que reúne coletivos de… Nova Iguaçu: “tem cineclube, feira de moda, bandas de vários estilos. É um caldeirão.” No horizonte, ampliar o alcance e o efeito social da marca. O Soma já se associa ou está à fren- te de parte do calendário cultural da cidade, em parceria com o Poder Público, e atua em toda a Baixada, com a realização de festas, feiras e de- bates. Dentro de casa, Léo dá a partida em uma escolacriativa–“estamosmontandoagradeea estrutura”–eplanejaumaexpansãofísica:“Tem queserpassoapasso,masestamosdeolhoem NovaIguaçueSãoJoãodeMeriti.” ADESPEDIDA São 23h e, antes de encerrarmos, precisamos pegar mochilas e afins, que havíamos deixado Objetos pessoais se misturam a produtos na decoração do espaço. O surfe é onipresente. na casa do Léo, a algumas quadras dali. Ele nos acompanha, impondo uma condição: “A gen- te vai, mas volta. Vocês têm que ficar, pelo me- nos, até meia-noite. Aí é que começa a bombar.” Aceitamos, claro. Tudo corre sem contratempos e, surpreendentemente, em se tratando de Léo Bigode, em silêncio. Até que passamos por uma pracinha.Tãosimpáticaquantodespretensiosa.A empolgaçãodelereaparece: “Cara, acabei não falando de uma coisa legal. Es- tamos conversando com alguns setores, públi- cos e privados, para integrar as praças munici- pais, que são, por excelência, lugares de diálogo e criação. Só que, por inúmeras razões, elas se tornaram obsoletas. Precisamos de dinamismo, tecnologia. Temos que organizar cursos, apre- sentaçõesdecinema.Cultura.” Chegamos. Léo nos apresenta ao Yuri, um mú- sico fã de Mano Chao, e ao Carlos, fotógrafo do BXD, antes de ir circular entre a galera, parando aqui e ali para uma conversa e para conferir o an- damento da cozinha. Pedimos uma cerveja e um cheeseburguer com queijo coalho e pão de açaí. Como previsto, a rua encheu. Dentro do Soma, os jovens do início da reportagem dançam como se não houvesse amanhã, o que dá origem a um storiesgeniale,infelizmente,fugaz. Já na madrugada de sábado, Léo se despede. Resta-nos acabar a cerveja e ir embora, com uma certeza: ainda ouviremos falar muito do rapaz – e da Baixada Fluminense.
  • 20. 38 393938 Passalá emcasaAydanoAndréMotta identidade Fachada labiríntica do The Maze, hostel na comunidade Tavares Bastos, no Catete.
  • 21. 40 414140 identidade identidade A simpatia despojada do “passa lá em casa”, tatuada nas almas cariocas, marca um novo estilo de hospedagem que se espalha pelo Rio. O sortido circuito de hostels da cida- de cria um jeito único de receber, conjugando criatividade e alegria em eventos, encontros e serviços, para produzir identidade exclusiva, que encanta hóspedes e transforma morado- res locais em frequentadores de um espaço criado, em teoria, para visitantes. Feiras, festivais, celebrações em torno de cerve- ja e comida artesanal e festas atreladas a even- tos da cidade – jogos de futebol, por exemplo – ajudam na diversificação do negócio e alavan- cam o empreendedorismo. De uma estrutura enxuta e interação com parceiros, nascem as condições para o modelo de proximidade que dá olé na rigidez dos hotéis tradicionais. A diferença está até nos endereços. Mesmo os hostels que usufruem da moldura cinematográ- ficademar,montanhaefloresta–valorizadaaté hoje e, benzadeus, para sempre – não descan- sam diante da vista e apostam na realização de eventos para cativar seus hóspedes e frequen- tadores. Pelo Centro e nas zonas Norte, Oeste e Sul(alémdosquesubiramasfavelasnostempos da pacificação), empreendimentos semelhantes buscamconstruirparceriaspelavizinhançaemi- ramnopúblicoquecirculapeloRiocomobjetivos diferentes dos visitantes convencionais. Sempre oferecendopreçomelhordoqueosencontrados nastradicionaisgrifesdeviagem. A contribuição à cidade extrapola o setor turísti- co,movimentandoacenacultural,pelaabertura de novos espaços e a aposta em movimentos artísticos de fora do circuito tradicional. A indús- tria do entretenimento, vocação da cidade mui- tas vezes desvalorizada, aproveita a carona vir- tuosa para atingir outros públicos. Surge, então, um lugar mais diverso, menos previsível, capaz de atrair novos tipos de forasteiros, com muito mais diversão sob o sol. Aterracariocatem217hostelsregistrados,com 1.850 unidades habitacionais (segundo o último número disponível, do fim de 2015), em viés de alta, disputando mercado com os 372 hotéis e seus 42.841 lugares para hóspedes. Muitos de- les, de um lado e do outro, surgiram no bojo da prosperidade do período da Copa do Mundo e das Olimpíadas. O Rio recebeu, então, vários ti- pos de viajantes, não apenas aqueles que vêm para encontros de negócios ou em busca do circuito verão-samba-Carnaval. Terreno fértil para aquilo que, um dia no passa- do–maisprecisamente,noiníciodoséculoXX–, surgiu como albergue, para hospedar jovens lon- ge de casa, com pouco ou nenhum dinheiro. Em 1912, foi inaugurado na Alemanha o primeiro albergue da juventude (ou young hostels), pelo professor alemão Richard Schirrmann. Defen- sor das saídas de campo e passeios ao ar livre, ele acompanhava estudantes pelo interior do país e sofria diante da falta de opções para es- tada. Assim, decidiu criar um albergue no re- cém-reconstruído Castelo de Altena. Durante muito tempo, viajantes que buscam conforto fugiram do conceito de habitação compartilhada, por associá-lo à falta de segu- rança e estrutura. Comparados aos quartos de hotel e à sofisticação dos serviços oferecidos, parecia um despropósito empenhar as férias em uma aventura no estilo hippie. Primeiro na Europa, depois mundo afora, tal cenário mu- dou radicalmente. Os hostels reinventaram-se, investindo em ambientes de socialização, pró- prios para quem viaja sozinho ou está interes- sado em se relacionar com outras pessoas. A estratégia dos eventos e outras atividades cul- turais, além do investimento em bares e res- taurantes com atitude inovadora, surgiu tam- bém no Velho Continente – mas, aqui, ganhou o valioso tempero carioca. “Sabemos como trabalhar o conceito de co- munidade”, constata Aline Silva, consultora de hospitalidade para pequenos empreendimen- tos e criadora do site Sem Roteiro. Ela enxerga os hostels no caminho inverso dos hotéis tra- dicionais, pela chance de incrementar a receita comagilidadenabaixatemporada,pormeiode fontes alternativas, como a atração dos mo- radores locais. Um irresistível jeitinho de casa. “Está se transformando em algo muito forte no Rio”, atesta; “Pelo menos 80% do público de hostels viajam a lazer, atrás justamente de diversidade. Aqui, podemos oferecer ativida- des diferentes para essas almas aventureiras.” Bem no estilo do Maraca Hostel, que, exata- mente como você está pensando, é voltado às atividades do Maracanã, em especial a quem viaja para assistir aos jogos. Localizado a 5 km do estádio, surgiu da inventividade de três só- cios, que bateram ponto nas Copas da Alema- nha (2006) e da África do Sul (2010), além das Olimpíadas de Londres (2012). Inaugurado em 2013comcapacidadeparareceber43hóspedes em dez quartos – duas suítes, cinco unidades privativas e três coletivas –, promove o tu- rismo na Zona Norte, aproveitando-se ainda da proximidade de escolas de samba, como Mangueira e Salgueiro. “Fomos um dos primeiros hostels da Zona Nor- te”,orgulha-seGuilhermeCarames,de34anos, sócio do Maraca. De cara, simplesmente insta- laram uma TV gigante na área de convivência e badalaram a audiência das partidas, via redes sociais, bombando com a ajuda de moradores e amigos. Em seguida, criariam o “Samba do Maraca”, que é realizado todo primeiro sábado do mês, com grupos badalados, como Arruda e Samba do Chapéu. Agora, estão iniciando, nas noites de sexta, evento com hamburguerias ar- tesanais,aproveitandooespaçodeconvivência, onde cabem confortavelmente 250 pessoas. Alémdostorcedores,ohostelatraiopúblicoque vem para provas, cursos e concursos na Univer- sidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), vizinha ao estádio. Um dos sócios, Célio de Castro, che- gou a abrir empreendimento semelhante até mais perto do templo do futebol. Guilherme ain- da mantém um coworking no Grajaú – porque só diversificando para enfrentar os solavancos da crise. “Os problemas com o Maracanã, que ficou muito tempo fechado, afetaram nosso movimento”, lamenta. Mas a opção pelo estilo hostel mantém-se in- quebrável, com atendimento baseado em for- te interação. A recepção fica na área externa, justamente para marcar a diferença dos hotéis tradicionais. Também por isso, as áreas de en- tretenimento são muito valorizadas. O Maraca aposta ainda na conscientização dos hóspedes em relação à sustentabilidade. “Procuramos economizar energia e reutilizar água da chuva para limpar áreas externas”, conta Guilherme, que, com os sócios, participou de um programa de gestão sustentável. O conjunto de atitudes varreu do mapa a cren- ça de que hostel era coisa de mochileiro e re- volucionou o conceito do professor alemão, passando a atrair viajantes mais velhos – e de maior poder aquisitivo. Daí surgirem hostels- -butique e hostels-design, de arquitetura mais elaborada e estilo marcante. Quem passa pelo labirinto encontra os detalhes e a originalidade do hostel.
  • 22. 42 434342 identidade identidade Caso do The Maze Rio, na favela Tavares Bas- tos, no Catete, que se intitula um multifacetado centro cultural, com shows, galeria de arte e uma arquitetura celebrada por publicações in- ternacionais. A casa onde funciona o hostel foi construída em 1981, pela família do artista plás- tico britânico Bob Nadkarni, diante da vista da Baía de Guanabara e do Pão de Açúcar. Por cin- co anos, os eventos de jazz ao vivo ganharam menções na Downbeat, badalada publicação do gênero – e recentemente, em maio, o Jazz Rio@TheMazereproduziuosucesso,aolongo de 12 dias de espetáculo. O hostel ainda serve de cenário para clipes de artistas brasileiros e estrangeiros, entre eles, Snoop Dogg e Pharrell Williams. Lá, também foram filmadas cenas do filme “O Incrível Hulk” (2008),cujatramasepassavanoBrasil.E,como se não bastasse, a casa abriga um restaurante indiano, elogiado pela crítica especializada. “A arquitetura mais elaborada é outro atrativo importante”, observa Aline; “O hostel cobra por hóspede,nãoporhabitação,garantindoumpreço maisinteressante.Daíoinvestimentoemquartos femininos que incluem banheiro e até suítes.” As atividades culturais ajudam a manter baixo o pre- ço da hospedagem, porque geram receita extra. Os hostels norte-americanos incrementaram o conceito, ao investirem no saguão como espaço de convivência. “A área onde as pessoas podem socializar”, traduz a consultora de hospitalidade, lembrando que, em razão disso, os hostels ga- nharamconfortáveissalõesdejogosedeTV. Na verdade, enquanto hotéis tradicionais aposta- ram a vida inteira no isolamento de quartos, res- taurante e mesmo espaços comuns sem incenti- vo à interatividade, o novo estilo de hospedagem agarrou-seànaturezadoserhumanodeprocurar o outro. De tão eficiente, a estratégia passou a in- fluenciaromercadotradicionaldeturismo.Arede Accor, pioneira na transformação, criou uma divi- são Lifestyle, com hotelaria adequada ao com- portamento do público – bem próximo da ideia dos hostels. Aline confirma que gigantes, como Marriot e Hilton, criaram hotéis-piloto com novo espaço para check-in, sem o balcão caracterís- tico.Alémdisso,oferecemespaçodecoworking. O Hangar Rio Hostel, na Ilha do Governador, oferece novas ideias para inspirar mercado tão criativo. Criado há um ano por Pedro Assun- ção, com a ajuda de dois investidores, atende o público que circula pelo Aeroporto Tom Jobim e por instalações da Aeronáutica, como pilotos e comissários em cursos de reciclagem. Fun- ciona em uma casa antiga, da família da mulher de Pedro, a 5 km do principal terminal aéreo da cidade, com 30 camas, distribuídas em quartos coletivos unissex, exclusivos para mulheres e privativos, em dois andares. O hostel parece novo, porque a obra de pré- -inauguração praticamente reconstruiu a casa, erguida em 1959. No mesmo lugar há três potenciais geradores de receita: hospe- dagem, eventos e comida para ser entregue em domicílio (este último, a ser viabilizado com uma cozinha industrial, que espera uma trégua na crise para ser iniciada). O Hangar Rio abriu para as Olimpíadas, aten- dendo em especial pilotos e comissários. Os investidores do negócio são a mãe e um tio de Pedro, respectivamente gerentes da TAP e da Air France/KLM. Rapidamente, surgiram via- jantes in/out, que usam o Tom Jobim como co- nexão – estrangeiros de passagem para outros pontos do país e brasileiros a caminho do exte- rior. Eles foram os primeiros a ver o milagre de um lugar eficiente, que funciona com três fun- cionários fixos e dois folguistas. O pulo do gato? Parcerias e desenvolvimento local. O Hangar Rio não tem café da manhã – os hóspedes são encaminhados à Confeitaria Ma- jestosa(“AmelhordaIlha”,garantePedro,criado bairro),comdireitoa15%dedescontonoserviço. Do outro lado, o Sushiro, de gastronomia japo- nesa, oferece a mesma promoção para almoço e jantar. “E ainda fechamos convênios com dois restaurantesnaPraiadaBica”,arremataele. O hostel de Pedro Assunção também aposta nos eventos. Às vésperas do último Natal, reali- zou bazar beneficente, com 20 lojistas e, agora em março, um desfile de moda lotou o lugar. No dia 10 de junho, haverá o Hangar Beer F, com de- gustação de cerveja artesanal da marca carioca BlackTrunk.“Evamosinaugurarumespaçocom mesa de sinuca e bar”, planeja ele, explicando que a “sorte geográfica” permitiu a estrutura pe- quena. “Estudei empreendedorismo e aprendi a importânciadodesenvolvimentolocal.” Tanta criatividade acaba turbinada pelas ca- racterísticas únicas do Rio de Janeiro. Hoje, os turistas vêm em busca do lazer atrelado à natureza, mas com perfil crescentemente aventureiro, sublinha a especialista Aline. “Os jovens querem se embrenhar nas comunida- des, curtir o samba de rua, a vida mais autên- tica. Aqui há muito potencial para isso”, anali- sa ela, paulista que adotou a cidade para viver com a família. “A impressão que tenho aqui é de um conjunto de coisas originais, como o samba e o funk. São expressões culturais criativas, talvez só comparáveis às da Bahia”, descreve a consultora. Ela salienta, por fim, a transformação que tem ocorrido em certos bairros. É o caso de Bota- fogo, que viveu uma explosão de empreendi- mentos criativos nos últimos anos, entre eles hostels, como o Hospedaria Rio. Lá, são co- muns eventos de música, gastronomia e até li- teratura. No início do ano, por exemplo, o espa- ço recebeu a Feira Gramatura de Arte Impressa, que reuniu de gravuristas a editoras indepen- dentes do naipe da Bolha, Pipoca Press e Lote 42 – que veio de São Paulo para participar. Mas, em meio aos encantos, há muitos de- safios, como a eterna busca pela melhoria na qualidade nos serviços, mazela que se espalha por toda a cidade, atormentando moradores e visitantes. Precisamos falar, também, de regularização. “Muitos hostels ainda são clandestinos, funcionam ilegal- mente, um tiro no pé nesse negócio”, ensina Aline [a formalização do estabelecimento pode ser checada no site do Cadastur, órgão do Ministério do Turismo]. “Sem o registro dos estabelecimentos, o Gover- no não pode criar políticas para alavancar o se- tornem trabalharcom as informaçõesprecisas. A alta rotatividade dos trabalhadores também prejudica. Hostel não tem que querer ser um hotel, mas precisa de consistência na entre- ga de serviços e experiências. Precisa fugir da imagem de improvisado. Os empreendedores têm que olhar o mercado, enxergar os compor- tamentos e traduzir isso em experiências nos seus estabelecimentos”, conclui. Está aí a receita que viabiliza descontração e eficiência, na mistura mais precisa. Hospedaria Botafogo renovou casarão no bairro.
  • 23. 44 4545 DÁ MAIS PESO AO SEU CURRÍCULO. Seu diploma em até dois anos e meio. Você ganha visibilidade no mercado de trabalho. GRADUAÇÃO SENAC RJ ANÁLISE E DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS | HOTELARIA | LOGÍSTICA | DESIGN GRÁFICO | RECURSOS HUMANOS | REDES DE COMPUTADORES INOVAÇÃO SENAC NA GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA. CONVÊNIO HARVARD BUSINESS PUBLISHING / AGENDE SEU VESTIBULAR / USE SUA NOTA DO ENEM, / FAÇA TRANSFERÊNCIA / OU SEGUNDA GRADUAÇÃO. VESTIBULAR.RJ.SENAC.BR Convênio Senac Harvard Business Publishing: - Só a graduação tecnológica do Senac RJ tem. - Estudo de casos reais do mercado internacional. - Aulas mais dinâmicas e participativas. FACULDADE DE SENAC RIO TECNOLOGIA
  • 24. 46 47 produto praça preço promoção... Ao mudar a forma de pensar o marketing, acrescentando o P de pessoas ao tradicional quarteto Produto, Praça, Preço e Promoção, a Rider atinge em cheio o público de hoje e recupera o prestígio da década de 1990 Joyce Martins e João Estrella de Bettencourt Novos modelos da Rider se inspiram nas ruas. 4746
  • 25. 48 49 produto praça preço promoção... P oucas coisas resumem tão bem o lifestyle carioca quanto o chinelo no pé. Leve, aberto e superinfor- mal, atende a todos os requisitos necessários para enfrentar as altas tempera- turas do asfalto e da areia. Não há dress code ou ar-condicionado que o iniba de circular em cinemas, restaurantes e shoppings. Só se surpreende com isso quem não é daqui: em sua maioria, gringos e paulistanos. O espanto, contudo, dura pouco. Bastam seis meses no Rio para aderir à máxima do carioca (e não é o ketchup na pizza!): ter no mínimo dois pares, um para usar em casa e outro na rua. Hámuitotempoapeçadeixoudesercommodity para tornar-se objeto de desejo – dentro e fora do Rio. Quem não ouviu a história do chinelo de R$ 15 vendido a US$ 200 em Nova York? A exportação do nosso estilo deu mais do que certo: no mercado, virou case; e, no jornalismo, pauta de centenas de milhares de reportagens na última década. Mas não desta. Aqui, vamos olhar para os pés que circulam pelas ruas – as nossas ruas. Foi nelas que a Rider buscou inspiração para transformar a marca, deixando para trás a perda de mercado e alcançando uma nova geração de consumidores. Antes de chegarmos lá, vale uma breve linha do tempo. RECORDAR É VIVER Tudo começou em 1986. A Rider lançava, no Brasil, o modelo gáspea, aberto na frente – também chamado de slide que, à época, era uma novidade absoluta por aqui. Nos anos 1990, a marca tornou-se uma sen- sação. A campanha “Dê férias para os seus pés” estava na cabeça – e nas telas de TV – de todos. A consolidação do público jovem veio com uma imagem descolada e o investi- mento na música. O álbum “Rider Hits” reunia artistas, como Sandra de Sá, Fernanda Abreu e Os Paralamas do Sucesso. Chegou a lançar sucessos inéditos do Kid Abelha, e vendeu tanto que ganhou disco de platina. Em um tempo no qual a MTV Brasil dava seus primei- ros passos (foi criada em 1990) e causava fu- ror, a empresa transformou diversos comer- ciais em verdadeiros clipes, dando origem a versões atualizadas – e pops – de hits, como “O Descobridor dos Sete Mares”, de Tim Maia, na interpretação de Lulu Santos, tendo como pano de fundo cenários paradisíacos. “Chegamos à liderança de vendas no setor, basicamente empatados com nosso principal concorrente, que existia desde os anos 1960 e tinha enorme penetração no mercado”, lembra o especialista em marketing da Rider, Mateus Bedin. Entretanto, os anos 2000 apontaram no ho- rizonte e trouxeram uma profunda transfor- mação cultural. Novas gerações surgiam, com diferentes hábitos de consumo, alavancados pela disseminação da internet, das redes sociais e da tecnologia como fator cotidiano. “Com isso, acabamos tateando diversos ter- ritórios e perdemos foco; nos distanciamos do público jovem e veio aquela ideia de um produto para ‘tiozão’. Por outro lado, a con- corrência estava revolucionando a própria imagem”, avalia Bedin. O reposicionamento teve início, ainda de forma tímida, em 2009. A Rider havia inter- rompido a produção durante um ano e voltou dando destaque ao chinelo de dedos, antes secundário dentro do portfólio. Junto a isso, lançou o conceito “Enjoy the ride”, já em um aceno para os millennials. A estratégia ga- nhou corpo a partir de 2014, quando o aceno virou um abraço, esclarece o especialista: “Foi um momento de grande reflexão interna, que culminou na campanha lifeaholic, voltada para essa galera realizadora, que faz um monte de coisas simultaneamente.” Estava dado o conceito, mas era preciso refi- namento. Ouvir as ruas. O VAREJO CONTA HISTÓRIAS Para Bedin, “hoje em dia não dá para dizer às pessoas o que é a marca. Essa via de mão única acabou. A imagem é construída pelo próprio consumidor”. Dessa constatação surgiu o grande salto, dado em 2016, quando a Rider completou 30 anos. Em um intenso monitoramento do público-alvo, percebeu-se que lifeaholic tra- Foto:DivulgaçãoRider Ícones da História da marca e da década de 1990 em exposição.
  • 26. 50 51 produto praça preço promoção... duzia atividade, paixão pela vida; entretanto, não contemplava o comprometimento com a inovação e o empreendedorismo, pilares das gerações Y e Z (um recorte que vai dos 15 aos 40 anos). “Parecia que era só curtição, sem responsabilidade”, afirma Bedin. A evolução se dividiu em duas partes. A primeira dizia respeito aos produtos. “Para construir essa percepção em conjunto com o público, era pre- ciso contar uma história que ele conhecia, que fosselegítimaedaqualelepudesseseapropriar. A Rider está na memória coletiva, tínhamos que resgatá-la, adaptando-a à realidade de hoje”, ressalta o executivo. A empresa desenvolveu, então, uma estraté- gia criteriosa e múltipla. Relançou o modelo original, de 1986, com materiais mais leves e funcionais. “A evolução tecnológica permitiu que a gente adotasse o mesmo design, só que muito mais bem-acabado.” A abordagem nos- tálgica combinava, contudo, com um viés muito diferente dos anos 1990. No lugar das “férias” e dos cenários paradisíacos, entrava uma esté- tica urbana, ligada ao skate, aos esportes e às intervenções culturais. Para marcar essa diferença, foi lançada a linha NBA (liga de basquete profissional norte-ame- ricana) e tomada a decisão de não diferenciar versões masculinas de femininas. “Não tem isso de fazer chinelo rosa. Temos tamanhos que se adequam a todos os perfis e apostamos em uma visão unissex, ou agênero. O modelo 86, por exemplo, teve enorme repercussão en- tre as mulheres”, destaca o especialista. Pensando na sintonia com o consumidor, a Ri- der selecionou cuidadosamente os locais de venda. O objetivo, segundo Bedin, era levar as peças-ícone do reposicionamento para espa- ços com os quais tivessem sinergia de imagem. “Para contar essa história, era fundamental es- tarmos em lojas-conceito, nas quais os nossos produtos tivessem um sentido bem claro den- tro do mix vendido. Tinha que haver essa visão de lifestyle, não somente de produto.” Entre os parceiros escolhidos estão Void (nas- cida na Zona Sul, mas com presença em Madu- reira), Homegrown (Tijuca), Outlawz (Centro) e Soma Hub (Duque de Caxias). “São negócios que dialogam com múltiplas regiões e experi- ências de cidade, combinando comércio, even- tos, cultura e responsabilidade social. Têm a nossa cara”, explica ele. O QUINTO P Feito o diagnóstico e traçadas as principais linhas estratégicas do mix de marketing, era o momento de fazer acontecer. Como? Pon- do uma nova campanha nas ruas – literal- mente – e conquistando definitivamente o quinto P: de “Pessoas”. “Com esse objetivo, trouxemos a Noix, uma agência carioca especializada em gestão de cultura para marcas, comandada pela Amnah Asad e pela Lara Azevedo, ambas com ampla experiência nas áreas de Pesquisa de tendên- cias e Criação”, conta Bedin. O chiado do sota- que foi um bônus, considerando que o Rio de Janeiro representa um dos maiores públicos consumidores da Rider no país. “Dedo no pulso das pessoas e da rua.” Foi essa a premissa da Noix, que desde o início acredi- tou no projeto da empresa. “Víamos alguns ví- cios nesse mercado de trendwatching. Um de- les é justamente esse olhar para fora na hora de identificar tendências. O que Nova York está fazendo? O que está rolando na Europa? E, com isso, a gente acaba não olhando para os lados, deixando de ver o que tem de coisa ba- canaacontecendoaonossoredor.Etemmuita coisa”, ressalta Lara. Assim surgiu a primeira iniciativa, conectada com a opção dos pontos de venda: a mar- ca teria que pensar além do eixo Zona Sul- -Centro para se relacionar com o público, de forma verdadeira. “Historicamente, a Rider sempre foi uma marca da galera, buscava essa conexão, embora isso tenha se perdi- do ao longo dos anos. É chinelo, no fim das contas, cara. Nada mais democrático que chinelo. Aqui no Rio, no entanto, estava to- talmente centralizada em um tipo de lugar e em um tipo de gente. Era importante romper com isso, até porque o olhar da rua é múlti- plo, é de cocriação”, completa Amnah. Rider e Noix capitanearam, então, um proces- so que durou mais de um ano. Mergulharam de cabeça no chamado small-data – pequenas pistas que indicam grandes tendências –, por meio de pesquisas, workshops, jams e cons- Grafite em evento no Recreio.
  • 27. 52 53 produto praça preço promoção... trução de rede nos quatro cantos do Rio de Ja- neiro e do Brasil. Em busca de histórias e ambições dos “faze- dores” locais – pessoas criativas que põem a mão na massa e concretizam suas ideias –, identificaram os principais movimentos, plei- tos e hacks do nosso cotidiano urbano. Músi- cos, grafiteiros, fotógrafos, empreendedores sociais, coletivos de dança e artistas foram chamados a participar. O conceito? Da rua, para a rua e pela rua. A imersão na produção cultural culminou em uma grande celebração dos princí- pios e valores identificados ali: o festival #DáPRAFAZER, que, durante quatro sába- dos, promoveu mais de 16 horas de even- tos simultâneos de música, arte, moda e cinema. A abertura do festival se deu no dia 18 de março, no Galpão da Gamboa, na Região Portuária, berço do Distrito Criati- vo do Rio de Janeiro. Em seguida, foi a vez de Void Madureira e Soma Hub, em Duque de Caxias. O encerramento, no dia 8 de abril, agitou a Praça do Pontal, no Recreio dos Bandeirantes. Segundo a Noix, cada praça recebeu 5 mil pessoas. No entanto, estimam que 10 mi- lhões tenham sido atingidas pela campanha digital, que repercutiu amplamente nos di- versos canais da rede. Na avaliação de Mateus Bedin, um enorme sucesso. “A aposta no quinto P foi o nos- so grande trunfo. Vimos isso ao longo do processo e mais ainda na materialização da estratégia com o festival, que provocou um engajamento incrível e, sobretudo, ver- dadeiro. As pessoas se sentiram parte da- quilo porque, de fato, fizeram parte daqui- lo. Houve muitos momentos de cocriação, olho no olho, no qual a gente pôde estar perto do nosso público-alvo, entendendo seu comportamento, ouvindo ele dizer o que quer. E, com isso, criando uma forte identificação com a marca.” NEM TUDO QUE CAI NA REDE É PEIXE... Cerca de um mês após o encerramento do #DáPRAFAZER, outro evento – o Fyre, pro- metido como a maior experiência cultural da década –, dominou o noticiário e arrancou gar- galhadas nas redes sociais. Para a Rider, a con- firmação de que tinha feito a opção certa. Com ingressos entre R$ 1.600 e R$ 38 mil, o Fyre Festival, que seria realizado na Ilha Great Exuma, nas Bahamas, teve que ser cancelado por falta de estrutura. Quase toda a verba foi gasta na promoção, por meio de endorsements de celebridades da internet. Valores altíssimos foram pagos para que in- fluenciadores digitais – entre eles, modelos, DJs, surfistas e produtores culturais – divul- gassem o evento em suas respectivas redes. O público, desavisado, chegou ao local e foi surpreendido por uma cena desértica, qua- se apocalíptica. Porcos selvagens corriam pela ilha (e atrás dos convidados), que dis- punham de apenas meia dúzia de banheiros químicos, e o prometido jantar cinco estrelas acabou sendo um sanduíche de queijo ser- vido em uma quentinha. O fracasso foi consequência de um modelo ultrapassado, incapaz de criar vínculos com o mundo real, avalia Lara: “Hoje em dia, es- ses macroinfluenciadores que anunciam qualquer coisa se distanciaram totalmente do público. Muitas vezes, acabam servindo a empresas que não querem se reposicionar e sim ‘comprar’ uma imagem pronta. Não fun- ciona mais. A Rider fez exatamente o inver- so. Os makers são empreendedores reais, que batalham no dia a dia e geram resulta- dos concretos nos seus bairros e em suas cidades. Eles trouxeram essa vivência – e até essa estética – para o festival.” É com esse público consumidor que a Rider pretende caminhar daqui para a frente. De chinelos no pé, claro. Encerramento do festival reúne fazedores de todas as matizes. Saiba mais sobre a campanha de fazedores da Rider.
  • 28. 54 55 experiência experiência N unca havia parado para pensar no meu perfil como consumidora. Para minha surpresa, descobri que sou megaconservadora:absolutamente fiel às marcas de que gosto e com pouquíssima disposição para testes. No supermercado, mi- nha tarefa é sempre a mesma: achar o produto da marca “x” na gôndola. Não estou ali para me aventurar, muito menos para me surpreender. Se vejo que um produto de que gosto está em falta no estoque, não compro o similar de outra marca. Prefiro ir atrás em outro supermercado. Parece loucura – provavelmente é –, mas acho quesemprefuiassim. Percebi também que, apesar do meu compro- misso com a rotina, não faço parte de progra- ma algum de fidelização para ganhar descon- tos. Minha fidelidade de consumo sempre foi com as marcas, não necessariamente com os estabelecimentos. Sempre que me oferecem algum tipo de programa no checkout, fico com preguiça de fazer. É claro que não me oponho à ideia de poder ganhar descontos – afinal, quem entre nós se oporia a isso? O que me incomoda, sobretu- do, é a burocracia e a demora para realizá-lo. Parece-me contraintuitivo que, em plena era digital, ainda precisemos preencher formulá- rios, apresentar cópia de RG, CPF e compro- vante de residência para nos fidelizarmos a uma rede de varejo. Sei que não é um bicho de sete cabeças, mas a ideia não me agrada. Sou uma consumidora impaciente, atrapalha- da, chata mesmo. Há ainda outro agravante: cada lugar exige uma identificação diferente – uma para o pet shop, outra para o restaurante vegetariano no qual almoçamos todos os dias e mais uma para a lavanderia ao lado de casa. Se troco de bolsa, já perdi metade delas. É um sistema muito confuso para esta millennial. Cada vez mais, busco centralizar todos os dados de que preciso no meu dia a dia em um só meio. Esse meio, para mim, é o digital. É por lá que acesso minha conta bancária, meus cartões de embarque, minha agenda e o jeito mais rápido de chegar do ponto A ao B na sofrível hora do rush carioca. Meus principais hábitos de consumo estão arma- Dinheiro na mão é fidelização Joyce Martins Aplicativo permite reembolso de valor gasto no varejo.
  • 29. 56 57 zenados em nuvem, acessíveis de qualquer lugar. Com os programas de fidelização não poderia ser diferente. CASHBACK, O MODELO GANHA-GANHA- -GANHA Talvez por isso tenha ficado interessada em testar o tal aplicativo – na verdade, também é um site – que, da noite para o dia, parece ter virado assunto obrigatório entre os mais ante- nados nas tendências de consumo. Trata-se do Méliuz, líder no segmento de cashback – devolução em dinheiro de parte do valor gasto em compras, direto na conta bancária. Como isso funciona exatamente? Para mi- nha surpresa, o processo é simples e rápido. O cadastro no sistema pode ser realiza- do por meio da integração com o perfil do Facebook, tanto no site quanto no aplica- tivo, este último disponível na App Store e no Google Play. Cumprida essa breve etapa, passei a ter acesso às principais promo- ções do dia na página inicial de ambas as plataformas, cujas interfaces são essen- cialmente iguais. Lá, é possível pesquisar as melhores ofertas, tanto por produto quanto por loja. Acha-se de tudo: desde smart- phones, sachê para gatos e joias até paco- tes completos de viagens para Amsterdã. Na seção “Super Cashback” – área em que descontos sobre produtos selecionados po- dem chegar a 50% –, é difícil resistir a uma oferta. Foi ali que fiz minha primeira aquisição por intermédio do Méliuz: uma máscara super- -hidratante para cabelos da badalada marca Lola, vendida pela varejista Época Cosméticos. Intermédio sim, porque, no cashback, o con- sumidor não faz compras diretamente no sistema. O Méliuz opera como uma vitrine de promoções para as redes varejistas parceiras. Quando o cliente decide comprar, ele é redi- recionado para a loja que preferir e lá realiza o pagamento. Por levar o cliente à loja, o Méliuz recebe uma comissão. Parte dela é devolvida ao consumidor, fechando o ciclo. No entanto, não é preciso navegar pela ferra- menta para ter acesso às promoções nem ao resgate do dinheiro. Com o cadastro no sistema, o usuário é aconselhado a ativar o “Lembrador”, um plug-in compatível – no computador – com osnavegadoresMozillaFirefoxeGoogleChrome, queenviaumanotificaçãotodavezqueositede uma loja parceira é acessado. O tal “Lembrador” nada mais é do que um ícone do Méliuz que fica no canto direito do navegador. Quando o ícone fica vermelho, significa que naquela loja você terá direito a cashback, além dos descontos pro- mocionaisoferecidospelaredevarejista. O intuito é promover uma experiência de con- sumoquesejavantajosaparaambasaspartes. De um lado, o consumidor tem um benefício direto na compra. Do outro, o varejista fideliza seus clientes e aumenta suas vendas. A porcentagem de dinheiro devolvida varia de acordo com o parceiro e o dia da semana. Todos os dias são lançadas ofertas exclusi- vas. No aplicativo ou no site do Méliuz, os usuários podem conferir as promoções em vigência e ver a quantia em dinheiro devol- vida em cada loja. Essa parte, aliás, é a que mais me agrada: é cashback ao pé da letra. Não estamos falando de pontos ou créditos acumulados que expiram – o dinheiro realmente apare- ce de volta na conta-corrente, livre para ser usado da forma que bem se entender. Em menos de cinco dias, recebi o meu produ- to pelo correio. Dois dias depois, o dinheiro “prometido” foi depositado em minha conta. Concluído meu primeiro cashback, busquei sa- ber de quais outras formas poderia continuar ganhando com o Méliuz. Descobri que para cada amigo ao qual eu indicasse a ferramenta – sim, apenas indicasse –, eu receberia R$ 10. Não pensei duas vezes: indiquei a todos os meus co- legas da redação. Não só ficarei com R$ 10 por cada um, como meus amigos também levarão R$ 10 ao se cadastrarem no sistema. Mais um pontoparaoMéliuz. DE OLHO NO VAREJO DO RIO O nome Méliuz vem do latim melius, que significa melhor.Nãoéporacaso.Astartup100%nacional, criada em 2011, nasceu determinada a conquistar omercadobrasileiroetornar-selídernosegmen- to de cashback. Ao que parece, o plano deu cer- to. Com foco inicial somente no e-commerce, em cinco anos o Méliuz devolveu mais de R$ 28 mi- lhões aos 2,2 milhões de usuários cadastrados. Em 2016, foi eleita a melhor startup do ano pela AssociaçãoBrasileiradeStartups. A novidade é que, agora, o sucesso está se repetindo no ambiente off-line, ao oferecer cashback em compras feitas em lojas físicas. A expansão já está a todo vapor em Belo Horizonte e São Paulo e, em abril, chegou ao Rio de Janeiro. “Desde o ano passado, estamos testando e ajustando nossa operação em lojas para a implementação nacional. Tivemos sucesso, e os resultados têm sido incríveis, tanto para os lojistas quanto para nossos usuários”, explica Israel Salmen, CEO do Méliuz. Graças a um mecanismo de geolocalização – disponível no app e no site –, o consu- midor consegue ver os estabelecimentos parceiros próximos de onde ele está e, as- sim, decidir sobre a compra. Além disso, a ferramenta permite que o cliente acompa- nhe seu saldo e solicite o resgate do dinhei- ro direto em sua conta bancária, sem pagar nada por isso. Aqui no Rio, mesmo antes do lançamento para o ambiente off-line, o Méliuz contava com mais de 500 estabelecimentos parceiros, entre bares, restaurantes, postos de gasolina, lojas, salões de beleza e hamburguerias. É alta a expectativa em torno do mercado flu- minense – e há motivo de sobra para tama- nho otimismo: atualmente, 33% dos usuários cadastrados no sistema são do Estado. A ca- pital, por sua vez, está entre as quatro cidades que mais usam o mecanismo. Segundo pesquisa realizada com clien- tes de uma rede de supermercados que já opera com o Méliuz, 35% dos consumidores afirmaram que o estabelecimento não era sua primeira opção antes da implementa- ção do benefício. Restaurantes, bares e supermercados, entre outros, que oferecem cashback pelo sistema, apresentam aumento de, pelo menos, 21% nas vendas. “Quando se devolve dinheiro di- reto na conta bancária, o risco de frustração praticamente não existe, uma vez que o con- sumidor pode utilizá-lo da maneira que qui- ser, de acordo com sua vontade e seus pla- nos”, ressalta Salmen. O varejista que deseja se tornar parceiro do Méliuz deve se cadastrar no site http://promo. meliuz.com.br/local ou mandar e-mail para parceiros@meliuz.com.br. experiência experiência
  • 30. 58 59 ferramentas ferramentas Caio Barbosa O conceito de que o artista tem de ir aonde o povo está, consagrado nos anos 1980 por “Bailes da Vida”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, é, cada vez mais, coisa do passado. A tendência agora é que o público traga o artista para onde ele quer. Essa é a receita do Queremos!, plata- forma digital criada em 2010 por cinco amigos inconformados com o fato de muitos de seus músicos preferidos nunca se apresentarem no Rio de Janeiro. A onipresença do samba e do funk na agenda cultural da cidade fez com que Felipe Continen- tino, Pedro Seiler, Bruno Natal, Pedro Garcia e Tiago Lins arriscassem, por meio do crowd- funding (financiamento coletivo), viabilizar a vinda da banda sueca Miike Snow. O que pare- cia loucura de fã, ou de “cariocas empolgados”, como se autodenominavam à época, acabou por lotar o icônico Circo Voador em uma se- gunda-feira inesquecível para o quinteto e para a história recente da cidade. De lá para cá, foram mais de uma centena de shows de artistas internacionais, como Wilco, Chemical Brothers, LCD Soundsystem, Alabama Shakes, Simple Plan, Belle & Sebastian e Primal Scream. Uma galera que dificilmente aportaria por estas bandas sem o Queremos!. Mais que a simples promoção de eventos, houve uma revolução no circuito cultural do Rio de Janeiro. “Aquele primeiro show foi fundamental, por- que gerou um valioso banco de dados que nos permitiu avaliar o gosto e os anseios do público”, explica Bruno Natal, jornalista e do- cumentarista, que hoje vive dia e noite pelo Queremos!, assim como os ex-diretores de televisão Felipe Continentino e Tiago Lins, e Pedro Seiler, ex-produtor-executivo da gra- vadora Biscoito Fino. Todos largaram as anti- gas carreiras. Dos cinco, o único que ainda con- segue conciliar o negócio com outras ativida- des profissionais é o publicitário Pedro Garcia. MUDANÇA DE HÁBITO Se a ideia inicial da turma era apostar no indie rock e na música eletrônica, o tempo mostrou novos horizontes, e o Queremos! acabou se ex- pandindo para outros gêneros, como o misto de jazz, soul e hip-hop muito bem apresentado pela garotada canadense do BadBadNotGood, no início de maio, no Varanda Vivo Rio. E passou a investir,também,emgruposbrasileiros.Océu parece ser o limite desse modelo, que tem sub- vertido velhos conceitos. “Nossoobjetivoécriarnocariocaohábitodeira shows de quem ele não conhece, algo comum na Europa e nos Estados Unidos. Aqui, cos- tumamos fazer isso com o cinema. Às vezes, gostamos do filme, outras vezes, não; mas ten- tamos. Precisamos disso na música. E tem sido legal ver que muita gente no Rio passou a ter esse comportamento. Vão aos shows que nós produzimos apostando que vão ver coisa boa”, diz Bruno Natal. O músico Thiago Antunes, de 31 anos, se en- quadranesseperfil.Éfigurinhafácilnoseventos de Natal & cia., independentemente de quem venha a ser o artista. “Curti muitas bandas das quais nunca tinha ou- vido falar, como o Nada Surf, de Nova York. A iniciativa do Queremos! é pioneira, pois pensa no público e em seus diversos gostos. Nenhum produtor tradicional apostaria em um mode- lo arriscado desses. Ganha o consumidor final, ganha todo mundo”, enfatiza ele. Produtora,cantoraecompositora,acariocaBea Torres, de 26 anos, também celebra o sucesso do Queremos! e o que ele representa para a cena cultural: “Descobri a plataforma em 2011, no show do Miami Horror, um grupo australia- no.Acidadeestavalongedeserumdestinodas principaisbandasmundoafora,apesardehaver demanda. O Queremos! permitiu isso. Como cantora, assistir a meus ídolos e influências mu- sicais aqui, com preço justo, é uma experiência única. Dá visibilidade a trabalhos plurais.” Definitivamente, o surgimento do Quere- mos! transformou a relação do artista com o público. “A gente percebia que era algo mais frio, muitas vezes meramente comercial. O envolvimento que a plataforma proporciona faz com que os músicos saibam que são as pessoas que querem assisti-los, não ape- nas um produtor que busca o sucesso de um show”, explica Bruno. Instalação em show no Varanda Vivo Rio. 58 respeitável público Queremos! cria novo modelo de shows e se internacionaliza
  • 31. 60 61 ferramentasferramentas A jornalista Kamille Viola, especialista em cul- tura e comportamento, corrobora: “Entrevistei muitos artistas que vieram ao Rio via Quere- mos! e todos apontavam essa diferença.” UMA ODISSEIA NOS PALCOS Em 2016, o Queremos!, expandiu sua atuação direta para Belo Horizonte (no Music Hall). E este ano produzirá, pela primeira vez, shows em Porto Alegre, no mítico Opinião. A estreia será em setembro, com o cantor e compositor norte-americano Devendra Banhart. Aqui no Rio, entre janeiro e fevereiro, o des- taque foi uma série de apresentações de ar- tistas nacionais no Varanda Vivo Rio, só com figuras em ascensão: Dona Onete, Anavitó- ria, Liniker & Os Caramelows e a impactante Karol Conka, que se tornou uma das princi- pais atrações do verão carioca. Nesse mesmo sentido, de criar parcerias, ex- ploraroformatoeimpactarotecidourbano,em abril, fizeram a curadoria do Festival Viver Bem, na Fábrica da Bhering, na Zona Portuária, du- rante as celebrações de 50 anos da grife Can- tão,comapresentaçõesdaOrquestraPetrobras Sinfônica e dos cantores Baleia, Aíla, Lucas Es- trela, Lila e Mahmundi. NA ESQUINA, O MUNDO Osucessochamouaatençãodefigurascentrais da música internacional. Recentemente, Simon Fuller, uma das mais influentes personalidades da cultura pop, procurou o quinteto para aju- dá-lo a encontrar um integrante brasileiro para seunovoprojeto,oNow United(umsupergrupo multicultural formado por jovens de 11 países). Fuller,criadordosrealities“AmericanIdol”e“So You Think You Can Dance” e ex-agente de ar- tistas, como Spice Girls e Amy Winehouse, es- colheu a plataforma para reunir e selecionar os candidatos no Brasil. É nesse contexto que os olhares se voltam, cada vez mais, para a exportação da marca. A base é Nova York, onde mora o sócio Tiago Lins. Rebatizada no exterior como WeDemand, a atu- ação do quinteto carioca já chamou a atenção da Forbes norte-americana. A revista, ícone dos em- preendedoresglobais,destacouoQueremos!em reportagem intitulada “Adeus, riscos! Olá, crowd- sourcing”, sobre novos modelos de produção de shows musicais, focados em pesquisa, informa- çãoeconversacomopúblico.Onegóciotambém ganhou forte repercussão na Smashd, revista de tecnologia e cultura dos Estados Unidos, e na edi- çãofrancesadositedemúsicaNoisey. A salientar, ainda, a enxurrada de convites para palestras em eventos prestigiados, como Tech- Crunch Disrupt Battlefield (São Francisco, EUA), SXSW (Texas, EUA), TEDx (Rio), MIT (Boston, EUA), Canadian Music Week (Toronto, Cana- dá), Creativity World Forum (Bélgica), MIDEM e Cannes Lions (França, onde foi reconhecida como uma das 50 startups mais inovadoras do mundo, em premiação promovida pela Foundry Unilever e Lions Innovation). DAS REDES PARA OS PALCOS (OU SERIA O CONTRÁRIO?) Outro foco, agora, é desbravar o nicho teen da Geração YouTube. Nesse sentido – e de forma pioneira – o quinteto já promoveu turnês (a pedido dos fãs) de Jack and Jack, Cimorelli, Jacob Whitesides e Dolan Twins. Em junho, trará ao país o grupo Boyce Ave- nue, que tem o quarto canal mais acessado no YouTube em todo o mundo. “Estes artistas estão tomando uma dimensão que os tornam independentes da indústria tra- dicional, e isso vai dar uma sacudida no cenário cultural como um todo, já nos próximos anos. Para você ter uma ideia, com a internacionaliza- ção e a abertura para esse novo mercado, nos- sa plataforma explodiu. Passamos de 300 mil cadastros – número que tínhamos demorado a alcançar – para quase 2 milhões, rapidamente”, acrescenta Bruno. Criado para fazer do público o agente de decisão, a filosofia do Queremos! tem tudo para dominar o mercado – e gerar imita- dores. Eles, contudo, não temem a concor- rência. “Essa mudança de protagonismo é a tendência, sim, mas acho que estamos bem posicionados para tirar proveito desse novo cenário”, afirma Bruno. CIRCO VOADOR – A MÁQUINA DO TEMPO Ícone da história cultural do Rio de Janeiro, o Circo Voador, que há mais de 30 anos teve papel fundamental para o surgimento de gru- pos, como Barão Vermelho, Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso e Blitz, foi, curio- samente, o mesmo palco que permitiu a ala- vancagem desse novo modelo de produção cultural e entretenimento. A cantora e produtora Bea Torres concorda e celebra a jovialidade da casa, surgida em 1982, que até hoje não perdeu o viço e o caráter inovador. Para ela, a relação entre o Circo e o Queremos! foi boa para as duas partes. “São poucas as casas que abrigam com tanta ver- satilidade a quantidade imensa de shows de diversos segmentos. O Queremos! traz bas- tante do universo independente e alternativo, coisa que o Circo entende bem e abriga desde o início de sua história”, avalia. Os shows promovidos pelo Queremos! já se espalharam mundo afora, mas o mítico palco carioca, com quem ainda tem parceria, garante um lugar especial no coração da turma. “O primeiro show foi inesquecível. E muitos ou- tros que fizemos lá. Estamos em vários luga- res, atualmente, mas a sementinha foi plantada naquele espaço sagrado. E só foi possível, na nossa opinião, por ter sido justamente ali, um ambiente que tem espírito anárquico, revolu- cionário, experimental”, elogia Bruno. A produtora Bea Torres e o músico Thiago Antunes apostam no modelo. Show BadBadNotGood: o público é o foco.