1) Armando Pittigliani começou a trabalhar na indústria fonográfica em 1955 quando seu pai comprou uma gravadora.
2) Ele ajudou a lançar carreiras de grandes nomes da MPB como Elis Regina, Jorge Ben e Sergio Mendes.
3) Ao longo de 38 anos na indústria, Pittigliani testemunhou momentos importantes e crises, como quando tentou evitar a censura a Chico Buarque e Gilberto Gil no festival Phono 73.
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● SEGUNDO CADERNO O GLOBO Sábado, 25 de fevereiro de 2012
PERFIL
Leonardo Aversa
ARMANDO PITTIGLIANI e sua coleção de discos: a trajetória de 38 anos com artistas de uma mesma companhia, a hoje Universal, começou com a frase “Filho, compramos uma gravadora”, dita por seu pai em 1955
Memórias de
Reproduções
um inventor de
histórias da MPB
COM ELIS REGINA (acima),
que ele trouxe para o Rio;
e os discos de 1963 de
Jorge Ben e Sergio Mendes,
produções marcantes
O produtor e divulgador Armando Pittigliani prepara livro até a desconfiar de Armando,
que, na verdade, foi detido na-
sobre quatro décadas vividas na indústria fonográfica
“
quela noite.
— Eu dei um ataque: “Vocês
vão ver! Liga para o Rio e chama
Luiz Fernando Vianna o general Osório. Se ele não es-
tiver, chama o general San Mar-
luiz.vianna@oglobo.com.br
tín!” Ficaram assustados, acaba-
A
fotógrafa Adriana Pit- ram me soltando — conta.
tigliani estava no final — As ideias que o Armando
de sua luta contra o tinha me provocavam, e as que
c â n c e r, e m 2 0 0 8 ,
quando pediu ao pai que es-
Eu dei um ataque: ‘Vocês vão ver! Liga para eu tinha o provocavam. Era
muito rico — recorda Midani.
crevesse o livro que planejava o Rio e chama o general Osório. Se ele não Música, mulher e futebol
havia quase duas décadas.
— Vou realizar o seu desejo estiver, chama o general San Martín!’ Ficaram Afeito a grandes eventos,
— prometeu Armando Pittiglia- ele organizou um show para
ni, que tem outros dois filhos. assustados, acabaram me soltando 30 mil pessoas em Recife, em
Aos 77 anos, ele está reunin- 1988, festejando um disco de
do suas memórias em “Você Armando Pittigliani, recordando a detenção após o festival Phono 73, platina de Elba Ramalho.
ainda não ouviu nada!”, título no qual Chico Buarque e Gilberto Gil tentaram cantar “Cálice” — A festa foi um marco na
provisório que é o mesmo de minha carreira — recorda Elba.
um dos importantes discos — Não me lembro de Armando
que produziu, feito por Sergio se contrapondo a nossos delí-
Mendes e seu sexteto Bossa Seu pai, Amilcar, e seus tios, Armando começou na empresa, Pouco depois, conheceu as Ser esperto também ajuda rios artísticos. Ouvia, pondera-
Rio em 1963. As lembranças Alberto e Attilio, ajudavam a mas como conferente de esto- músicas e a figura de Jorge Li- em algumas ocasiões. Para fa- va e sempre acolhia, fazendo
de Armando contam um peda- família em Imbituba (SC) pes- que. Não durou um dia na fun- ma Menezes, ou “Rei Jorge Ben, zer um disco do personagem do seu jeitinho as coisas sim-
ço da história da música bra- cando e vendendo amendoins ção, pois disse que queria tra- 1 o e Único”, como escreve no
- infantil Topo Gígio, sucesso na ples se tornarem grandiosas.
sileira, especialmente da gra- e picolés. Quando Armando, balhar com música. Exatamen- livro. Armando assinou a pro- década de 1960, percebeu que — Foi meu primeiro guru.
vadora em que trabalhou de nascido durante curta estada te naquela data, Ramalho Netto dução de “Samba esquema no- o cantor italiano que dublava o Seu entusiasmo quase juvenil
1955 a 1993: a hoje Universal e dos pais em Santos, tinha 5 deixou o setor de divulgação. vo”, que lançou o artista. boneco era ruim e que o vigia e sua ingenuidade madura de
que já foi, dentre outros no- anos, os Pittigliani se muda- — Você conhece um bom No ano seguinte, de férias em do estúdio o imitava acrescen- quem acredita no novo suces-
mes, Philips e PolyGram. ram para o Rio. assessor de imprensa? — per- Florianópolis, foi convencido a tando qualidade. Decisão: o ita- sivamente me ensinaram mui-
— Armando não tem tido o Em 1941, os audaciosos ir- guntou o tio Alberto. ver um show de jovens cantores liano gravava, mas a voz para to — exalta Marcelo Castello
reconhecimento geral que me- mãos encomendaram da Euro- — Claro! Está falando com gaúchos. Impressionou-se tanto valer era a do vigia dublador. Branco, que entrou jovem na
rece. Mas as pessoas do meio pa grande quantidade de lâm- ele — respondeu o sobrinho com uma delas que a convenceu E tem a do português que gravadora e se tornou mais
sabem quem ele é e o que ele padas fluorescentes. Logo após com a cara de pau que o tor- a se mudar para o Rio. Tirou Elis não conseguia pronunciar tarde seu principal executivo.
fez — ressalta André Midani, a chegada da carga, a Segunda naria um craque do marketing Regina da CBS (hoje Sony) e, em bem o “s” no final das pala- Em 1993, Armando foi desli-
que foi presidente da então Guerra Mundial interrompeu as e o ajudaria como produtor. 1965, ela já gravava pela Philips vras. Antes de o disco ficar gado da companhia e passou a
Phonogram entre 1968 e 1976, remessas para o Brasil. O pro- Em 1963, além de viabilizar o o repertório que a consagraria, pronto, o próprio Armando foi fazer produções episódicas
época em que a autointitulada duto valorizou em progressão LP do niteroiense Sergio Men- não mais canções adolescentes. para o microfone e preencheu com sua empresa, então cha-
“mais brasileira das multina- geométrica, e a família enrique- des — que, antes de pegar a — Uma boa música faz o su- as lacunas: “ssss”, “ssss”. mada ASP One (para ser lida co-
cionais” reunia a nata da MPB, ceu. A ponto de, em 1954, Ar- barca, gostava de comer um an- cesso de qualquer cantor. Mas Houve momentos mais ten- mo “aspone”). Gostaria de em-
como Chico Buarque, Caetano mando ouvir do pai: gu do Gomes em pé, e hoje é um bom cantor não faz o suces- sos, como no festival Phono placar mais projetos (“Mas não
Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa — Filho, compramos uma um milionário concorrente ao so de qualquer música. Reper- 73, que reuniu o elenco da sou do PT nem Nelson Motta”)
e Maria Bethânia. gravadora. Oscar —, ele apostou num jo- tório é fundamental — prega Phonogram em São Paulo. e continua fiel a três grandes
O baterista Armando Pittiglia- Era a Sinter, que em 1950 fora vem indicado pelo também pro- ele, que não considera decisi- Quando Chico Buarque e Gil- paixões: música, mulheres (es-
ni começou cedo a gostar de a primeira companhia brasilei- dutor João Mello. Bastou ouvir vo, para um produtor, ser ex- berto Gil cantaram “Cálice”, tá no sétimo casamento) e fute-
música, mas se tornou executi- ra a lançar LPs em dez polega- o violão numa fita para dizer: pert em música. — O importan- censurada pelo regime militar, bol — joga todo sábado no Clu-
vo do ramo quase por acaso. das. Em 1 o de março de 1955,
- — Já está contratado. te é fazer o elo com o público. o som foi cortado. Chegou-se be dos 30, em São Conrado. ■