1) A artista Lenora de Barros lança seu primeiro livro "Relivro" reunindo grande parte de sua obra que mistura concretismo, arte pop e surrealismo.
2) Sua primeira obra "Poema" de 1979 usava fotografias de sua língua explorando a máquina de escrever é considerada o início de sua carreira.
3) Atualmente aos 58 anos ela prepara mostras em Buenos Aires, Miami e Porto Rico refletindo sobre o processo criativo que marca sua trajetória artística.
1. 4
.
● SEGUNDO CADERNO O GLOBO Sábado, 21 de janeiro de 2012
PERFIL
Fotos de divulgação
“POEMA” (1979), série de fotografias em que a língua da artista percorre o teclado e as varetas de uma máquina de escrever criando uma poesia visual: para a autora, é como se a língua pudesse “fecundar a linguagem”
Marcos Alves
Lenora de Barros
A língua de
HERANÇA CONCRETA: filha de Geraldo de Barros, Lenora viveu sob a influência do concretismo até desdobrá-lo na arte contemporânea
Audrey Furlaneto
segundocaderno@oglobo.com.br
em março, ela participa da
versão da Bienal de Lyon em Aos 58 anos, artista que se e a mãe dentro de mim. Minha
trajetória, desde o início, teve
trabalho, é um pouco nessa di-
reção (de debater a condição fe-
Buenos Aires e de uma cole-
consagrou ao unir performance e sempre a palavra e a imagem. minina). Isso não era algo
E
la havia passado qua- tiva na galeria Alejandra von Em 1975, fez sua primeira consciente, mas acabou me to-
se um ano diante da
máquina de escrever.
Hartz, em Miami. Em abril,
vai a Porto Rico, para a Trie- palavra lança livro sobre sua obra performance, “Homenagem a
George Segal”, como trabalho
cando naturalmente, por uma
questão de geração.
Queria criar um poe-
ma, usar palavras para refletir
nal de San Juan.
“Relivro” é fruto da retros- e prepara mostras em Buenos de escola, que virou vídeo em
1984. Ela surge escovando os
Não é só a língua, mas seu
rosto e corpo estão à disposi-
sobre o processo de criação
da poesia. Era 1979, e ela pen-
pectiva “Revídeo”, que Lenora
apresentou no Oi Futuro Fla- Aires, Miami e Porto Rico dentes e, aos poucos, cobre to-
do o rosto com espuma. Depois
ção de sua arte. Lenora apare-
ce na maioria de suas obras.
sava: “Com esse alfabeto, mengo no ano passado, e tam- veio “Poema” — e a língua. Em 2005, cobriu-se com um
quantos poemas possíveis!” bém traz trabalhos seus como — Sempre gostei de, em gorro de lã no vídeo “Já vi tu-
Mas foi quase dormindo que poeta, entre eles o delicioso português, ter a mesma pala- do”. Mais tarde, em 2011, usou
Lenora de Barros, então com “Garotas pop” (“Garotas são vra para designar língua e idio- diversas perucas e arregalou
20 e poucos anos, resolveu sempre pop/ A palavra garota ma. É uma coisa que foi se tor- os olhos nas fotos de “Procu-
seu projeto: imaginou sua lín- é pop”) e “Há mulheres”. nando reincidente no meu tra- ro-me”, inspirada em imagens
gua na máquina. Criava, as- “Ela se situa no front ousado balho. A ponto de, em 2008, eu de procurados pelo FBI.
sim, “Poema”, série de fotogra- dos que chamo de artistas do perceber que já havia fotogra- — Gradativamente, fui tiran-
fias em que sua língua passeia ‘entre’, os que não são facil- fado minha língua em diversos do a palavra da página, fui mis-
por varetas e teclas, como se mente classificáveis, que não se momentos da vida. Então, fiz a turando com performance, fo-
pudesse “fecundar a lingua- limitam a se expressar, mas “Língua vertebral” para a Bie- tografia, vídeos e fui gerando
gem”. Hoje, aos 58 anos, ela querem também mudar”, escre- nal da Antropofagia (como fi- um trabalho, saindo do espa-
diz que ali “nasceu tudo”. ve Augusto de Campos sobre cou conhecida a Bienal de São ço da página — diz ela.
— Agora, mais velha, olhan- ela, em texto de “Relivro”. Paulo de 1998, com curadoria André Millan, seu galerista
do para trás, vejo que tenho de Paulo Herkenhoff). em São Paulo e amigo antigo
muito esse processo de vai e A palavra chega ao ouvido Ela participou da mostra pela (“Conheço Lenora da vida intei-
volta. A mesma ideia se repete Ser artista do “entre” talvez primeira vez em 1983, com fo- ra”), lembra que seus pais eram
em outras situações, e é um seja reflexo de sua formação. Le- topoemas. Em 1990, mudou-se amigos — Geraldo de Barros
processo que não acontece só nora estudou Linguística na USP, para Milão e, pouco depois, de era representado pela galeria
comigo. Mas no meu caso ele é viveu no que chama de “caldo volta ao Brasil, trabalhou como que Millan herdou do pai. Com
muito claro: é a imagem da lín- cult” dos anos 1970, foi beatle- editora de fotografia na “Folha Lenora, ele organizou uma mos-
gua, a coisa simbólica. maníaca (como o marido, o jor- de S.Paulo” e editora de arte na tra de Barros em 1986.
A língua de Lenora se mistura nalista Marcos Augusto Gonçal- revista “Placar”. Em 1993, no — Ela tem uma ligação forte
ao concretismo, à arte pop e ao ves) e, ainda menina, conviveu “Jornal da Tarde”, assinou a co- com os concretos, apropriou-
surrealismo em “Relivro” (Auto- com a turma dos concretistas — luna “Umas”, espaço que usava se dessa referência e acabou
matica Edições), que ela lança é filha de Geraldo de Barros para experiências poéticas e vi- desdobrando-a para a arte
no dia 3 de fevereiro no Rio. É o (1923-1998), pioneiro da arte suais (ou as duas juntas). Ali, contemporânea — diz Millan.
primeiro livro que reúne boa concreta no Brasil. Herdou dele publicou a foto “Fogo no olho” Sua galeria abrigou, no ano
parte de sua obra — até então, os olhos (“É o que dizem os ami- (1994), em que segura palitos passado, a mostra “Sonoplas-
ela só havia assinado “Onde se gos”) e o gosto pelas imagens. acesos diante dos olhos, e o tia”, individual em que ela
vê” (1983), com 12 poemas vi- Da mãe, a boca e o interesse pe- “PROCURO-ME” (2001): Lenora veste poema “Há mulheres”, sobre a apresentou suas experiências
suais de sua autoria. las palavras, pelos livros. perucas e arregala os olhos em obra inspirada
ideia do corpo feminino. com sons. Da língua e dos
O início de ano segue inten- — Acho que consegui conci- — Particularmente, se existe olhos, Lenora faz agora a pala-
so para a artista paulistana: liar, de forma psicanalítica, o pai em anúncios de procurados pelo FBI algum viés politizado no meu vra passear por ouvidos. ■
“HOMENAGEM a George Segal” (1975): a primeira obra da artista “FOGO NO OLHO” (1994): fotografia publicada em uma coluna de jornal “JÁ VI TUDO” (2005): vídeo em que ela faz e desfaz um gorro de lã