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Os cinco sentidos Almeida Garrett
Os cinco sentidos São belas – bem eu sei, essas estrelas, Mil cores – divinais têm essas flores; Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:    Em toda a natureza    Não vejo outra beleza     Senão a ti – a ti! Divina – ai! sim, será a voz que afina Saudosa – na ramagem densa, umbrosa. Será; mas eu do rouxinol que trina    Não oiço a melodia,    Nem sinto outra harmonia    Senão a ti – a ti! Respira – n’aura que entre as flores gira, Celeste – incenso de perfume agreste. Sei… não sinto: minha alma não aspira,    Não percebe, não toma    Senão o doce aroma    Que vem de ti – de ti! Formosos – são os pomos saborosos,  É um mimo – de néctar o racimo: E eu tenho fome e sede… sequiosos,    Famintos meus desejos    Estão… mas é de bejos,    É só de ti – de ti! Macia – deve a relva luzidia Do leito – ser por certo em que me deito. Mas quem, ao pé de ti, quem poderia    Sentir outras carícias,    Tocar noutras delícias    Senão em ti – em ti!     A ti! ai, a ti só os meus sentidos,    Todos num confundidos,    Sentem, ouvem, respiram;    Em ti, por ti deliram.    Em ti a minha sorte,    A minha vida em ti;     E, quando venha a morte,     Será morrer por ti.
Temática:  Amor: Intenso; “Em ti, por ti deliram” Sincero; “Em toda a natureza Não vejo outra beleza” Carnal. “Famintos meus desejos Estão… mas é de bejos”
Sentidos 1ª estrofe: Olhar: sentido menos sensual, porque pode ser utilizado à distância; 2ª estrofe: Ouvir: embora perceptível à distância, implica maior proximidade; 3ª estrofe: Olfacto: requer quase o contacto físico; 4ª e 5ª estrofe: Paladar e tacto: ambos só serão possíveis através do contacto físico.
Note-se que nenhum sentido é desprezado. Na 1º estrofe visionam-se as estrelas (no céu) e as flores (na terra), passando pela audição do cântico do rouxinol (2ª estrofe), o sentir da brisa perfumada (3ª estrofe), o gosto dos frutos (4ª estrofe) ou a macieza da relva (5º estrofe). Verificamos a existência de uma caracterização progressiva, do mais distante ao mais íntimo.  A última estrofe confirma a planificação do poema, confundindo num só todos os sentidos que, sinestesicamente, sentem, ouvem, respiram, conduzindo ao êxtase, ao “delírio” total.
Em cada uma das estrofes, o sujeito poético enquadra o TU no seio de elementos da natureza, em relação aos quais percepcionamos uma comparação, onde o mesmo TU é sublimado num processo de exclusividade: estrofe I: estrelas, flores; estrofe II: rouxinol; estrofe III: incenso de perfume agreste; estrofe IV: pomos saborosos, racimo de néctar; estrofe V: relva luzidia; COMO METEMOS, ESTE OU A OUTRA ATRÁS????
Na primeira estrofe, o TU surge no seio de estrelas e de flores, mas, apesar da beleza de umas e das mil cores das outras, o sujeito poético apenas tem olhos para uma única estrela e uma única flor, a sua amada; Na segunda estrofe, apesar do cantar melodioso e divino do rouxinol, o sujeito poético não sente harmonia senão na voz do TU; Na terceira estrofe, a brisa que sopra entre as flores (uma vez mais este elemento) exala um «incenso de perfume agreste», mas também este não é sentido, uma vez que o olfacto do sujeito poético apenas imagina «o doce aroma» que se liberta do tu;
Na quarta estrofe, são introduzidos elementos que requerem o sentido do gosto: os formosos pomos saborosose o racimo de néctar(que é um mimo). Deve-se prestar atenção aos seguintes aspectos:  Os pomos (maçãs) saborosos são formosos (tentadores), pelo que evocam o pecado original;  O sujeito poético declara ter fome e sede, de tal modo que os seus desejos estão famintos e sequiosos, embora de beijos;  Se a fome pode ser saciada, metaforicamente, com os pomos, a sede sê-lo-á com o racimo (cacho de uvas) de néctar;
Podemos observar como o clima erótico entre o EU/TU é realçado pela variação do refrão e o valor das preposições que nele alternam: 1ª/2ª estrofes  - a ti – preposição que remete para um contrato exterior ao TU. 3ª/4ª estrofes – de ti – onde a preposição demonstra já o contacto físico. 5ª estrofe – em ti – denota uma aproximação que pressupõe a partilha de sensações. Tudo se concentra no pronome “Ti”, forma directa e íntima de relação. Ele dirige-se a uma pessoa que supera o mundo em todas as suas vertentes sensíveis, é maior e melhor que todo o mundo, a fruição que o “EU” lírico dela obtém.
Podemos considerar que este, é também um poema de frustração. Já foi referida a sua ordenação, dos sentidos, do mais distante ao mais próximo. Mas podemos ver que esta ordenação é igualmente descendente: das estrelas (no céu) à relva (na terra), ou seja, do ideal longínquo ao palpável mundo material e terreno.  Se desta forma se constrói uma maior proximidade física com o TU, realçando a sublimidade do amor partilhado, ao mesmo tempo destrói-se no EU a sua aspiração à Mulher-Anjo, ao Ideal, à Beleza Pura que se anuncia em Ignoto Deo. O poeta bem o sabe; mas, para a sua frustração, prefere o SENTIR ao SABER.

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  • 1. Os cinco sentidos Almeida Garrett
  • 2. Os cinco sentidos São belas – bem eu sei, essas estrelas, Mil cores – divinais têm essas flores; Mas eu não tenho, amor, olhos para elas: Em toda a natureza Não vejo outra beleza Senão a ti – a ti! Divina – ai! sim, será a voz que afina Saudosa – na ramagem densa, umbrosa. Será; mas eu do rouxinol que trina Não oiço a melodia, Nem sinto outra harmonia Senão a ti – a ti! Respira – n’aura que entre as flores gira, Celeste – incenso de perfume agreste. Sei… não sinto: minha alma não aspira, Não percebe, não toma Senão o doce aroma Que vem de ti – de ti! Formosos – são os pomos saborosos, É um mimo – de néctar o racimo: E eu tenho fome e sede… sequiosos, Famintos meus desejos Estão… mas é de bejos, É só de ti – de ti! Macia – deve a relva luzidia Do leito – ser por certo em que me deito. Mas quem, ao pé de ti, quem poderia Sentir outras carícias, Tocar noutras delícias Senão em ti – em ti! A ti! ai, a ti só os meus sentidos, Todos num confundidos, Sentem, ouvem, respiram; Em ti, por ti deliram. Em ti a minha sorte, A minha vida em ti; E, quando venha a morte, Será morrer por ti.
  • 3. Temática: Amor: Intenso; “Em ti, por ti deliram” Sincero; “Em toda a natureza Não vejo outra beleza” Carnal. “Famintos meus desejos Estão… mas é de bejos”
  • 4. Sentidos 1ª estrofe: Olhar: sentido menos sensual, porque pode ser utilizado à distância; 2ª estrofe: Ouvir: embora perceptível à distância, implica maior proximidade; 3ª estrofe: Olfacto: requer quase o contacto físico; 4ª e 5ª estrofe: Paladar e tacto: ambos só serão possíveis através do contacto físico.
  • 5. Note-se que nenhum sentido é desprezado. Na 1º estrofe visionam-se as estrelas (no céu) e as flores (na terra), passando pela audição do cântico do rouxinol (2ª estrofe), o sentir da brisa perfumada (3ª estrofe), o gosto dos frutos (4ª estrofe) ou a macieza da relva (5º estrofe). Verificamos a existência de uma caracterização progressiva, do mais distante ao mais íntimo. A última estrofe confirma a planificação do poema, confundindo num só todos os sentidos que, sinestesicamente, sentem, ouvem, respiram, conduzindo ao êxtase, ao “delírio” total.
  • 6. Em cada uma das estrofes, o sujeito poético enquadra o TU no seio de elementos da natureza, em relação aos quais percepcionamos uma comparação, onde o mesmo TU é sublimado num processo de exclusividade: estrofe I: estrelas, flores; estrofe II: rouxinol; estrofe III: incenso de perfume agreste; estrofe IV: pomos saborosos, racimo de néctar; estrofe V: relva luzidia; COMO METEMOS, ESTE OU A OUTRA ATRÁS????
  • 7. Na primeira estrofe, o TU surge no seio de estrelas e de flores, mas, apesar da beleza de umas e das mil cores das outras, o sujeito poético apenas tem olhos para uma única estrela e uma única flor, a sua amada; Na segunda estrofe, apesar do cantar melodioso e divino do rouxinol, o sujeito poético não sente harmonia senão na voz do TU; Na terceira estrofe, a brisa que sopra entre as flores (uma vez mais este elemento) exala um «incenso de perfume agreste», mas também este não é sentido, uma vez que o olfacto do sujeito poético apenas imagina «o doce aroma» que se liberta do tu;
  • 8. Na quarta estrofe, são introduzidos elementos que requerem o sentido do gosto: os formosos pomos saborosose o racimo de néctar(que é um mimo). Deve-se prestar atenção aos seguintes aspectos: Os pomos (maçãs) saborosos são formosos (tentadores), pelo que evocam o pecado original; O sujeito poético declara ter fome e sede, de tal modo que os seus desejos estão famintos e sequiosos, embora de beijos; Se a fome pode ser saciada, metaforicamente, com os pomos, a sede sê-lo-á com o racimo (cacho de uvas) de néctar;
  • 9. Podemos observar como o clima erótico entre o EU/TU é realçado pela variação do refrão e o valor das preposições que nele alternam: 1ª/2ª estrofes - a ti – preposição que remete para um contrato exterior ao TU. 3ª/4ª estrofes – de ti – onde a preposição demonstra já o contacto físico. 5ª estrofe – em ti – denota uma aproximação que pressupõe a partilha de sensações. Tudo se concentra no pronome “Ti”, forma directa e íntima de relação. Ele dirige-se a uma pessoa que supera o mundo em todas as suas vertentes sensíveis, é maior e melhor que todo o mundo, a fruição que o “EU” lírico dela obtém.
  • 10. Podemos considerar que este, é também um poema de frustração. Já foi referida a sua ordenação, dos sentidos, do mais distante ao mais próximo. Mas podemos ver que esta ordenação é igualmente descendente: das estrelas (no céu) à relva (na terra), ou seja, do ideal longínquo ao palpável mundo material e terreno. Se desta forma se constrói uma maior proximidade física com o TU, realçando a sublimidade do amor partilhado, ao mesmo tempo destrói-se no EU a sua aspiração à Mulher-Anjo, ao Ideal, à Beleza Pura que se anuncia em Ignoto Deo. O poeta bem o sabe; mas, para a sua frustração, prefere o SENTIR ao SABER.