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O legado de Roma: Tluminando a idade das trevas, 400- 1000
56 P. Heather & J.Matthews, The Goths in the Fourth Century (Liverpool, 1991),pp.
102-110; 124-185.
57 Minhas vis6es sao compadvcis com, entre outros, G. Halsall, in: J.F. Drinkwater
& H. Elton (ed.), Fifthcentury Gaul (Cambridge, 1992), pp. 196-207; B. Effros,
Merovingian Mortuary Archaeology and the Making of the Middle Ages (Berkeley,
2003), pp. 100-110.
58 L. Hedeager, Iron-Age Societies (Oxford, 1992),pp. 45-51.
59 C.R. Whittaker,.Frontiers of the Roman Empire (Baltimore, 1994). Contra a antiga
ideia de que o exercito imperial tardio era mais "barbarizado" do que antes: H. Elton,
Warfare in Roman Europe, AD 350-425 (Oxford, 1996), pp.134-154.
60
Ammianus, Res Gestae, 15.5;para Firmo, cf. Ammianus, Res Gestae, 29.5.39.
61
Ammianus, Res Gestae, 31.2; para a entrada g6tica, 31passim - cf. P.J.Heather,
Goths and Romans 332-489 (Oxford, 1991),pp. 122ff; e H. Wolfram, History of
the Goths (Berkeley, 1988),pp. 117ff.
96
2
CULTURA E CREN<;A NO MUNDO
CRIST.AO ROMANO
1
No final da decada de 460, como Sidonio Apolinario rclatou a um
amigo, os bispos de Lyon e Autun tinham a rarefa de escolher e consagrar
o novo bispo de Chalon-sur-Saone. Havia tres candidatos, anonimos: ~m
reivindicava o cargo porque sua fam.iliaera antiga, outro porque tinha for-
necido apoio acidade, alimentando pessoas, e o ultimo prometia terras da
Igrejapara os apoiadores. Os bispos, por sua vez,escolheram o santo clerigo
Joao, que lentamente havia subido na hierarquia da Igreja local, confun-
dindo, assim, as facy6es do lugar. 0 proprio Sidonio ainda nao era o bispo
de Clermont; quando assumiu o cargo, uma de suas primeiras carefas foi
realizar uma eleiy:i.osemelhante em Bourges, em 470. Aqui, embora hou-
vesse, novamente, numerosos candidatos, muitos dos cidadaos queriam
Simplicio, um notavel local provenience de uma familia senarorial. Sidonio,
inicialmente cauteloso na escolha, comeyou a simpacizar com Simplkio, e
conservou o discurso que proferira diante dos cidad:i.ossobre tal mareria,
o qual dizia (resumidamence), parafraseando:
Se eu escolher um monge, v6s direis que ele e muito alheio a este mundo; se
eu escolher um clerigo, muitos vao pensar que eu deveria escolher apenas com
97
O legado de Roma: Iluminando a idade <lastrevas, 4 00-10 0 0
base na ancianidade [como, de faro, havia acontecido em Chalon]; se eu esco-
1her um funcionario leigo, v6s dircis que eu escolhi alguem como eu. Porem,
eu tenho que fazer uma escolha; muitos de v6s podem ser episcopales,dignos
de ser bispo, mas nem todos dentre v6s podem se-lo. Logo, eu escolho Simpli-
cio, um leigo, mas cuja familia erepleca camo de bispos quanto de prefeirns
- assirn como a sua esposa - e que tern defendido os interesses da cidade pe-
rante os chefes romanos e "barbaros".
Portanto, Sidonio, de fato, escolheu, nessa segunda elei<;ao,al-
guem como ele, um aristocraca local, secular e casado. 2
0 ofkio de bis-
po, na Galia, estava tornando-se um cornponente-padrao no progresso
da carreira secular dos nocaveis da cidade, assim como o sacerd6cio pa-
gao tinha sido antes; a hierarquia tradicional do mundo romano tinha
efetivamente absorvido as novas estrucuras de poder do cristianismo.
Conrndo, nao foi universalmente assim; o pr6prio apoio emusiastico
de Sidonio para a elei<;iode Joao de Chalan, a despeito dos nocaveis lo-
cais, mostra que, por vezes, continuava sendo possivel ucilizar cricerios
diferentes dos de riqueza e nascimento para a entrada na hierarquia da
Igreja. 0 cristianismo foi substancialmeme absorvido pelos valores tra-
dicionais romanos, mas nunca de maneira plena.
Um exemplo um pouco rnais combativo da mesma questao e Si-
nesio de Cirene, que foi recomendado corno bispo da vizinha Ptolemais,
em 411, a Teofilo, patriarca de Alexandria. Sinesio era oucro notavel se-
cular local, coma Sidonio e Simplicio; ele representava a Cirenaica em
Constantinopla, buscando, com exito, redu(j'.6esfiscais para a provincia,
e ao mesmo tempo organizando a defesa local contra os berberes; ele era
o cipo de homem util que tambem seria muito valioso como bispo, e foi
ativo nesse papel nos aproximadamente dois anos antes de sua morte,
como virnos no capitulo 1.Sinesio, no entanto, foi tambem um cornpe-
tente filosofo neoplaconico, ceve o merito de escrever numerosas obras,
tao imbuido na tradi(j'.aofilos6fica classica que as pessoas perguntam-se
se de era mesmo um cristao (embora certamente o fosse), e nao foi ape-
nas creinado pela renomada macematica e neoplatonica paga Hipatia de
Alexandria, mas tambem por um amigo pr6xirno a ela, como suas car-
tas mosrram. 3
Teofilo, por sua vez, era um radical que cinha destruido
o templo pagao rnais famoso de Alexandria, o Sarapaion, em 391; uma
rurba do seu sucessor, Cirilo , linchara Hipatia, de faro, em 415.Sinesio,
98
r Cultura e cren~a no mundo cristao romano
entrecamo, escreveu uma extraordinaria carra aberta antes de sua ordena-
<;fo,afirmando seusvalores filosoficos e morais. Ele nao renunciaria asua
mulher; eles continuariam a dormir juncos, aespera de filhos. "Quanto
aRessurreii;:ao, um objeto de cren(j'.a
comum, eu a considero um concei-
cosagrado e misterioso, sobre o qual nao concordo em absoluro com as
opinioes da maioria". 0 mundo tampouco estava proximo de acabar. A
filosofia permaneceria como sua voca(j'.aoprivada, caso ele fosse consa-
grado bispo, fossem quais fossem as mentiras que dissesse em publico,
e Teofilo devia saber disso. Aqui nao estarnos no mundo por vezes in-
celecrual e provincial da Galia, mas no agressivo cora(j'.aodo violento e
intransigente debate religioso. De qualquer forma, Teofila consagrou
Sinesio. Em Alexandria, o status locale o apoio comavarn canto quanto
na Galia Central, caso eles fossem poderosos o basrante.
0 Imperio Romano nao era, em absoluco, totalmente cristao, em
400. Havia ainda aristocraras pagaos, em Roma, embora calvez ja nao
exisrissem, em 450; em Constantinopla, havia alguns ainda um seculo
rnais carde. Existiam professores pagaos em Arenas eAlexandria ate o se-
culo VI (Justiniano fechou a escola de Atenas, em 529), e algumas cidades
menores, principalmente Baalbek e Hara, na Siria, provavelmente tinham
maioria paga. As regioes rurais - ou seja, a maioriada popula(j'.a.O
- eram,
em grande parte, pagas por codos os !ados, exceto na Siria, na Palestina,
no Egito e na Africa, e encontravam-se muiros pagaos nessas provincias
tambem. 4 Eles continuaram a existir por algum tempo; temos urn relato
de Joio de Efeso sobre seu ativo crabalho missionirio na Anatolia, em
meados do seculo VI. Tambem havia substanciais cornunidades judaicas ,
na Galileia e na Samaria, na Palestina, na Siria e no vale do Eufrates, na
Anatolia Ocidental, no nordesre da Hispania , em Alexandria, Roma e,
em grupos menores, na maioria das cidades do Imperio; 5
essas cidades
eram policicamente marginais, porem, nesse periodo, menos sujeiras a
perseguii;:ao oficial do que posreriormente .6
Mas todos os imperadores ,
exceto Juliano por tres anos, tinham sido cristaos, desde 324 (Constan-
tino converteu-se em 312, porern nio governou a toralidade do Imperio
por rnais de uma decada). De forma constante , arraves do seculo IV, o
paganisrno tinha-se separado da vida publica e, em 391-392, Teod6sio I
havia proibido os principais pilares de grande pane do paganismo cradi-
cional, o sacrificio publico e o culto privado de imagens. Essa legisla(j'.ao
99
I ,
0 legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400- 1 ooo
coercitiva foi refon;:ada, no seculo V,eJustiniano acrescentou os ultimos
retoques, proibindo os cultos pagaos e impondo o batismo sob pena de
confisco e, as vezes, de execU<;:ao.
Tal como aconrece com as leis sobre
heresia cristii (ver abaixo), isso nunca foi mais do que parcialmenre efi-
caz - festivais pagaos conrinuaram a ser praticados mesmo em grandes
cemros cristaos, como Edessa, no final do seculo V - mas a exclusao do
paganismo do mundo romano oficial estava agora concluida. 7
0 vocabulario, o imaginario e as praticas publicas cristas eram,
porranto, politicamenre dominances no Imperio em 400, um dominio que
apenas aumentaria depois; e, nas cidades, focos de praticamenre rndas as
atividades politicas, os eristaos eram, na maior parte, numericamente do-
minances tambem. Mas devemo-nos pergumar que tipo de cristianismo
era esse, que conteudo efetivo detinha, quanro absorveu dos valores tradi-
cionais romanos (e,inclusive, das pr:iricas religiosas),quanco os modificou,
quais eram suas pr6prias fissuras (ja que havia muitas). A primeira parte
deste capitulo tratara dessas quest6es, essencialmente daquelas relarivas
as crern;:ase praricas religiosas; a segunda parte esrendera o quadro de for-
ma mais ampla e considerad. outros rituais na esferapublica, assim como
valores mais arraigados, incluindo inferencias sabre OS papeis de genera.
0 cristianismo, em 400, estava definido de forma simples, em
certo nivel, como a religiao do Novo Testamento; se alguem acreditava
na Trindade divina do Pai, do Filho e do Espirito Santo, e admitia que
Jesus Cristo, crucificado por volta de 33 d.C., era o Filho de Deus, e que
nao exisriam outros deuses, logo, era cristao. Essas crern;:asgeralmente
iam acompanhadas de uma exalta<;:ao
da pobreza - ja que o born crisrao
deve dar rudo aos pobres - e do pressuposto de que este mundo e apenas
um breve campo de prova antes das alegrias eternas do ceu ou das torru-
ras erernas do inferno, o gue significava que o prazer era arriscado e que
o ascetismo - as vezes, a automonifica<;:ao- era cada vez mais vista como
virtuoso. Mas nunca se deu um caso em que a maioria dos cristaos rivesse
levado a segunda dessas senten<;:as
cao a serio quanto a primeira; e isso e
um problema para nos. Quando consideramos a questao de saber com que
tipo de cristianismo escamoslidando, sejanesseperiodo ou posteriormenre,
somos levados, imediacameme, ao problema das fontes materiais. A vas-
ta quanridade de escritos cristaos ap6s 350, aproximadamenre, supera de
forma substancial a quantidade de trabalho das dices seculares romanas
100
f Cultura e cren,;:ano rnundo cristiio romano
cardias(apesar de isso sobreviver,de forma bastanre generosa, do seculo IV
ao VI), mas foi quase inteiramente obra de homens muito mais rigorosos
do que seus vizinhos. 0 grau de rigor variou do relativo pragmacismo de
um Agoscinho, passando por denuncias mais incransigenres de um Jero-
nimo ou um Salviano, ao extrema purismo, separado da possibilidade de
uma emulas:ao normal, implicira nas narrativas hagiograficas de santos
asceticos, como Antao ou Simeao Esrilira. Todos eles, entreranto, eram
alramenre criticos do mundo descontraido, mas ainda assim crisrao, que
havia ao seu redor; e o objetivo de todos esses escritores era reformar, por
meio da critica, mais do que descrever com precisao. Porcanto, nem sempre
efacildizer seas pessoas faziam ascoisaspdas quais eram criticadas, muito
menos afirmar quao comuns eram tais a<;:6es
ou, ainda menos, que senrido
essasa<;:6es
cinham para as pessoas que as realizavam. Entre a conforcavel
assimila<;:ao
das hierarquias e dos valores tradkionais no cristianismo, por
parce de uma ariscocracia de espiriro secular, como aquela de Sidonia, e o
rigor de uma minoria de aucores mais comprometidos - que nem sempre
era uma minoria popular ou influence -, havia um oceano de diferentes
tipos de praticas religiosas realizadas por todos os outros, cujo significado
deve adivinhar-se atraves dos relacos de observadores hostis.
Consideremos as festividades. 0 calendario anual da religiao gre-
co-romana rradicional escavarepleto de grandes festividades religiosas as
quais os criscaos, naturalmente, seopunham. Uma celebra<;:ao
importaRte
era a do Primeiro de Janeiro, um festival de tres dias que marcava a passa-
gem do ano.8
Os sacrificios cradicionais associados a ele haviam sido bani-
dos; porem reria isso tornado a fesrividade religiosamente neucra para os
cristaos, apenas acentuando o prazer e a solidariedade civica?Parece claro
que aspessoas, geralmente, pensavam assim; mas uma corrente de escrito-
rescristaos, incluindo os autores de serm6es que scpregavam em publico,
opos-se violenramenre a essa celebras:ao, nao apenas porque a via como
uma concorrencia para o Natal (em si mesmo, ironicamenre, o subscituto
direto de um festival pagao, o Solsticio de Inverno), mas tambem porque
acreditava que elaestava irremediavelmente contaminada pelo paganismo.
0 Primeiro deJaneiro sobreviveu, enquanto festividade, are o seculo VIII
e mesmo ap6s; todavia, nao sabemos se ele foipercebido pelas pessoas co-
muns como algo cristao, secular ou pagao, nem quando isso ceriaaconte-
cido nem com qua! intensidade. Os bispos lidavam com essas festividades
101
0 legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-1000
principalmence organizando suas pr6prias, isto e, criando um calendario
religioso cristao, com foco no Natal, em seguida na Quaresma, depois na
Pascoa e em Pentecostes, sobrecudo de dezembro a maio, estendendo-se
pelo resto do ano com as celebra<;6esdos santos locais. Esse ciclo de festas,
de fato, acabou por prevalecer sobre o calendario pagao: o tempo cristao
substituiu o tempo pagao. A forte enfase no domingo 9
· como o dia obri-
gar6rio de descanso, que, para o seculo VI, reforpva-se por milagres (de
acordo com Gregorio de Tours (m. 594), os trabalhadores agdcolas que
laborassem aos domingos ficariam aleijados, e as crian<;asfruto de rela<;6es
sexuais dominicais nasceriam aleijadas), tambem marcou, definitivamen-
te, a cristianiza<;ao do tempo. Mas as pessoas ainda mantiveram as "mas"
atirudes; elas encaravam os novos dias festivos cristaos da mesma forma
como viam os dias festivos pagaos, ou seja, como oportunidades para em-
briagarem-se ou divercirem-se, como Agostinho reclamava de uma festa
local em mem6ria de um marcir. 10
Essa forma de compreender o calenda-
rio cristao, atraves da frui<j:fopublica, em vez de (como Agostinho propos)
cantar salmos 11aigreja, era vista corno pagi pela maioria de nossas fontes,
mas, sem duvida, plenamente cristi aos olhos das pessoas que assim agiam;
e essa visao dupla iria permanecer por muito tempo.
Quase amesma coisa pode ser dita sobre a cristianiza<;io do espa<;o
geografico_Cultos pagaos tinham-se espalhado pela paisagem do lmperio
Romano; uma fonte sagrada aqui, um templo no topo da colina ali, cada
um, talvez, com sua pr6pria divindade; de fato, coda a paisagem compor-
tava porenciais elememos sagrados_ Na medida em que esses elemenros
foram lentamente proibidos ou destruidos, e novos sitios de culto cristao
foram construidos, de preferencia, em torno de tumulos de rnartires OU
santos rurais, havia um risco de que tais sitios dessem apenas uma aparen-
cia religiosa nova a antigas tradi<;:6es,corno acomeceu 110grande local de
culto rural de Saint-Julien, em Brioude, na Galia Central, localizado, sem
sombra de duvidas, no cumulo de um martir, mas tarnbem 110local anti-
gamente famoso porter sido um imporcante santuario de Marte e Mercu-
rio; a transi<;:aoparece ter acontecido em meados do seculo VY Afinal de
comas, aspessoas tambem seembriagavam sobre os tumulos dos martires;
ninguem sabe o que elas realmente estavam celebrando, o marrir ou o local
de culto uadicional. Talvez houvesse momentos em que os rituais, inclusive
as festividades, fossem inverridos tao significativamente que os peregrinos
102
Cultura e cren~a no mun do cristao romano
que chegassern ao mesrno sitio cukual percebessern que algo importance
cinha mudado, tal como prerendeu o papa Gregorio I, em 601, ao propor
aos missionirios da lnglacerra anglo-saxonica que assumissem o controle
de templos pagaos, mas for<;assemos devotos visitanres a comer os animais
que des tinham trazido para o sacrificio ritual. Mas calvez nio; a topogra-
6a cristi poderia ser suspeitosamente semelhance a paga.
12
Mas , nesse caso, a mudan(j'.aera passive!, apesar de tudo. Para co-
me<;ar,enquanto, aos olhos pagaos, coda paisagem podia ser luminosa, aos
olhos cristaos, apenas os locais de culto espedficos eram pontos de luz em
um espa<;:o,
de outro modo, secular. Estes eram sempre, ou logo se torna-
ram, asigrejas, ja que eram muito visiveis-Poucas igrejas foram diretamen-
te construidas sobre remplos ou dentro deles, e essas poucas eram quase
sempre urbanas. Nas cidades, de fato, as topografias cristas eram, no geral,
bem diferentes daquelas dos pagaos. A tradicional religiao publica tinha se
centrado nos predios cerimoniais ao redor do forum no cemro da cidade,
enquanto as igrejas de culro cristao 6cavam, muitas vezes, nos limites da ci-
dade, ou fora, nas areas de cemiterio. Como resultado, a atividade religiosa
urbana se tornou muito mais descemralizada, e as cidades, inclusive, tor-
naram-se espacialmente fragmencadas em algumas panes do lmperio (em
particular, na Gilia), com nucleos de pequenos assentarnentos em torno de
igrejas espalhadas e, em alguns casos, com o tradicional ccntro da cidade
deixado em ruinas. As vezes, isso acontecia porque os centros das cidades
pareciam demasiado pagaos, ou muito seculares; em Roma, apesar de ter-se
tornado a principal capital do cristianismo, nenhuma igreja foi construida
na ampla area do forum ate 526.13
lsso tambem estava vinculado a algumas
verdadeira s mudan<;:asnas ideias sobre o sagrado, e sobre o que causava a
conramina<;:io espirimaL A tradicional religiao greco-romana considerava
as pessoas falecidas muito perigosas e poluentes; nenhum adulto podia ser
enterrado denrro das muralhas da cidade ou em areas habitadas, e os cemi-
terios estavam codos alem da margem dos assentamentos. No entanto, os
marcires e outros santos erarn visros pelos cristaos como pessoas diferemes:
nao eram fomes de polui<;ao, mas, bem ao contrario, pessoas que deviam
ser veneradas (em alguns casos, inclusive, como se nao tivessem morrido).
Desde epocas tao remocas quanto o seculo IV, as reliquias dos santos co-
me<;:arama ser associadas as grandes igrejas; progressivamente, essasigrejas
6cavam dentro dos limites da cidade_ 0 poder positivo associado aqueles
103
o Jegado de Roma: lluminando a ida<le das trevas, 400-1000
corpos significou que as pessoas cada vez mais desejavam ser encerradas
junco a des. Os primeiros enterros de pessoas nao santas dentro das cida-
des dacam do fim do seculo Ve comes:odo VI, na maior parte do Imperio;
primeiro foram os bispos e ariscocratas locais, depois os cidadaos comuns. 14
No seculo VII, os cemicerios urbanos eram cada vez mais frequentes. Os
monos conrinuaram percurbando, pela sua qualidade de seres "liminais",
por vezes poderosos - como ainda sii.o-, porem o medo visceral de seu
poder contaminance desapareceu.
0 mundo invisivd cambem mudou. Para a maioria dos pagaos, o
ar escavareplero de poderosos seresespiricuais, daimones em grego, que as
vezes eram beneficos, as vezes nii.o,por vezes controlaveis por magia, mas
acima de tudo bastame neutros para a rac;:a
humana. Para varios cristii.os-
induindo os aucoresdas nossas fonces,cercamence, mas tambem aspessoas
comum que aparccem nas hagiografias -, esse mundo invis{velpassou a
ser visto como daramenre dividido em dois, anjos bons e demonios maus
(apalavra daimones ainda era ucilizada);15
o criscianismo herdou esse dua-
lismo do judaismo que, por sua vez, pode cersido inAuenciado por crens:as
paraldas no zoroastrismo. Alem disso, comes:amos a ouvir mais sobre de-
monios, que passaram a intervir com mais frequ~ncia na vida diaria. A cris-
tianizas:ao, portanto, desenvolveu a sensas:aode que esse mundo invisivd
estava mais repleto de perigo do que previamente cinha sido (isso afetou a
vida ap6s a morte, ja que o inferno cristii.opodia conter muitos rnais peca-
dores do que o Tartaro pagao ou a Geena judaica). Os demonios, aos olhos
cristii.os,causavam doens:as, ma sorte e todo tipo de estragos; a possessii.o
demoniaca era comumemc vista como a causa de disturbios mentais. Os
demonios viviam, emre oucros lugares, em santuirios e idolos pagaos, em
areas nao culrivadas, corno os desertos, e tambem em cumulos (calcrens:a
era, em parce, uma herans:a de crens:ascradicionais sobre a concaminas:ao
dos monos). Eles podiam ser derrotados por exorcismo clerical, e muitos
crisraos asceticos ganharam uma consideravel repucas:aocomo cas:a-demo-
nios. Teodoro de Sykeon (m. 613) era um exemplo parcicularmence acivo:
realizava exorcismos atraves da Anatolia Central, enquanto OS demonios
perturbavam a harmonia das vilas ou possuiam os fracos e enfcrmos, em
alguns casos, como resultado do lans:amento de um feitis:o,em outros, por-
que os imprudences tinham perturbado os cumulos, calvez em busca de
tesouros.16
0 cristianismo inovou, em cermos religiosos,ao dar mais espac;o
104
f Cu.ltura e cren~a no mundo cristao romano
as inrervens:oes dos seres humanos em assuntos sobrenacurais, cendo eles
autoridade eclesiastica ou sendo parcicularmente sancos.Apesar de muitos
homens e mulheres afirmarem que apenas canalizavam o poder celestial
de Deus e dos samos, des eram cracados, por muitos cristii.osmenos ex-
cepcionais, como se tais poderes espiricuais fossem toralmente deles, um
produto do seu pr6prio carisma.
Frequentemence, rem sido sugerido que as religi6es paga e crista
operaram em diferences niveis: o paganismo prestaria mais atens:ao ao
ritual publico (como o sacrificio), enquanco o cristianismo daria mais
atens:ao a crens:a. Isso seria um exagero se colocado muico cruamence, ja
que as duas comunidades religiosas operavam em ambos os niveis; toda-
via, ao mcsrno tempo, ha um elemenro de verdade nisso. 0 cristianismo
cambem estava preocupado com o esrabelecimento de limites espirituais
_ encre o sagrado e o secular, ou encre bons e maus demonios - quc eram
mais matizados (ou confusos) para a maioria dos pagaos; e ele tambem
estava, inicialmence, menos comprometido com a arividade publica e
coletiva (embora isso fosse rnudar rapidamente). Aqui existem alguns
paralelos com o desafio que a Reforma Protestante lans:ou ao cristianis-
mo cat6lico, no seculo XVI (paralelos que os protestantes procuraram,
de forma basrante conscience, enfatizar). Eles aparecem tambem nose-
culo XIX na cdcica "modernista" do mundo publico do ancien regime,
como foicaracterizado por Michel Foucault. 17
Ou seja, ha uma tensao
encre promover o ritual colecivo, que traz solidariedade social e moral, e
tratar de mudar a mence das pessoas; essa censao existe ha muito tempo
na hisc6ria humana e, em algumas sociedades, um extremo procura se
sobressair ao outro por um certo periodo. No contexro romano tardio,
provavelmente seria rnelhor afirmar que existia tensao nao apenas entre
pagaos e cristaos, mas, inclusive, dentro do pr6prio cristianismo, uma
vez que as atitudes cristas para com o publico mudaram rapidamente, e
o encusiasmo religioso, visivel nas festas e peregrinas:6es e ate mesmo no
ato de acudir aigreja, nii.oera absolucamente equiparavd agras:adivina
ou adisciplina mental (ou a ambas) as quais os rigoristas acreditavam
ser necessirias para atingir a salva<;aoindividual. Isso foialgo de que os
escritores cristaos que cram bispos estavam muiro consciences, e, por isso,
era necessirio abarcar os dois ambitos. Precisamente essa tensao eo que,
em grande parte, corna interessantes os nossos aurores.
105
O legado de Roma: Tluminando a idade das trevas, 400-1000
Mudar as menres das pessoas era, porem, mais difkil e, no ni-
vel da moral e dos valores diarios, o cristianismo mudou muico menos.
Por exernplo, para alem da critica rigorista ocasional, como no caso de
Gregorio de Nissa (rn. c. 395),nao ha nenhurn sinal de que a falta deli-
berdade legal fosse considerada errada pela maioria dos cristaos, apesar
do explfcito igualitarismo cristao; 18
de qualquer maneira, libertar escra-
vos (manumissao), como um ato piedoso em vista da morte, comum na
Antiguidade Tardia e na Alta Idade Media, tinha impecaveis antece-
dentes pagaos. A oposic;ao as hierarquias sociais por questao de riqueza
ou o repudio a tortura judicial s6 se desenvolveram, em alguma medida,
por movimentos hereticos. Cada um dos escricores cristaos denunciou
o mau comportamento sexual (alguns contra toda a atividade sexual),
considerando a virgindade superior ao casamento, como fez Jeronimo
(m. 419), mas nao e claro que isso teve algum efeito sobre ac;6es coti-
dianas.19 No entanto, os cristaos tambem 6zeram campanha contra o
div6rcio; ao menos no Oc idenre, isso se tornou cada vez rnais dificil na
lei e evenrualmence impossivel, rnais tarde, durante a Alta Idade Media;
as pd.ticas que diziam respeito alegislac;ao erarn mais faceis de mudar,
donde a abolic;ao dos jogos em anfiteatros. 20
No nivel dos pressupostos
familiares, em contrapartida, incluindo os papeis de genero, nao mudou
muira coisa, como veremos mais adiante neste capitulo, como tampouco
mudaram os valores dvicos da vida publica romana. Uma exce1rao
impor-
tance foi a caridade para com os pobres, que tinha sido um dos pilares da
atividade da comunidade crista desde seus primeiros anos, quando era
uma minoria perseguida. A caridade continuou a ser uma grande respon-
sabilidade para os hons cristaos, mais do que havia sido para os pagaos,
e tinha tambem um papel fundamental para as igrejas (e para os bispos
que dirigiam as principais igrejas em cada cidade), na medida em que es-
tas cresciarn em termos de riqueza, e a caridade lhes proporcionava uma
justificativa para isso, ja que os evangelhos cristaos davam tanta enfase
apobreza. Esse acento na caridade viria a ser herdado pelo isla rambem.
Tais mudanc;as nas praticas de culto e na cultura religiosa foram
acompanhadas por outras tres importances inova1r6estrazidas pelo cristia-
nismo ao mundo romano: a Igreja como uma instituic;ao; a importancia
politica da crenc;acorreta; e novos espa1rossociais para rigoristas religiosos
e ascetas. Vejamos cada uma dessas inovac;oes.
106
Cultura e cren~a no mundo cristao romano
A religiao paga nao dependia de uma estrutura institucional muito
elaborada, e os cultos de cada cidade eram todos organizados localmente;
0
judaisrno rabinico rambem era muito descentralizado (osjudeus tiveram
um unico patriarca ate por volta de 425,mas nao esta daro seseus poderes
eram muiro amplos).21 0 cristianisrno, no entanto, teve urna hierarquia
complexa, coincidindo, em parte, corn a do estado. Em 400, havia quatro
patriarcas: em Roma, em Constantinopla (desde 381),em Antioquia e em
Alexandria (um quinto patriarca, para Jerusalem, foi adicionado em 451),
que supervisionavam os bispos de cada cidade. 0 patriarca de Roma ja era
chamado pelo titulo honori6co depapa, mas foisomente ap6s o seculoVIII
que cal designac;aose tornou restrita ao papa de Roma. Os bispos logo se
organizaram em dois niveis: os bispos rnetropolitanos (chamados depois
de arcebispos) ficavam em um nivel interrnediario, pois supervisionavam e
consagravam os bispos de cada provincia secular. Demro da diocese de cada
bispo, que normalmente correspondia ao territ6rio secular da sua cidade, os
bispos tinham autoridade sobre os clerigos de oucras igrejas publicas (em-
bora igrejas e mosteiros fundados de forma particular fossern rnuitas vezes
am6nomos, uma situa<;aoque produziu disputas interrninaveis e rivalidade
durance o milenio seguinte). A Igreja, nos seculos IV e V, se tornou uma
estrutura elaborada, com cercade cem mil derigos de diferentes tipos, mais
pessoas do que a administrac;ao civil, e sua riqueza crescia, de forrna conti-
uua, corno resultado de doa1r6espiedosas. Ernbora a insdtuic;ao nao fos-se
parte do estado, a sua riqueza e a coesao institucional que abarcava todo
o Irnperio tornavarn-na uma parceira inevitivel de imperadores e prefei-
tos, bern como urna autoridade informal forte e influence nas cidades; por
volta do ano 500, a Igreja catedral era, rnuitas vezes, a rnaior proprietaria
de cerraslocal (e, portanto, a patrona) e, ao contrario do caso das riquezas
familiares privadas, a sua estabilidade pod ia ser garantida - os bispos nao
eram autorizados a alienar os hens da institui1rao. Foi a riqueza eclesiastica
e o status local que levaram o episcopado a se tornar parte das estruturas de
carreira da elite, na Galia, durante o seculo V;22
esseprocesso ocorreu mais
tarde na Italia e em algurnas das provincias oriemais, mas, ao redor do ano
550,eleera normal em rodos oslugares.Mesrno no contexto eclesiastico,os
bispos seidentificavarn, geralmente, com asua diocese, em primeiro lugar,e
com as institui1r6eseclesiasticasrnais amplas, apenas secundariamente. No
entanto, mesmo assim, estavam ligados ahierarquia rnais arnpla da Igreja:
107
O legado de Roma: Huminando a idade das trevas, 400• 1ooo
podiam ser nomeados ou exonerados pdos metropolitanos e pelos cond-
lios episcopais que, progressivamente, se cornaram mais frequentes, ora no
nivel imperial (os condlios "ecumenicos"), ora no regional, na Hispania,
na Galia ou na Africa. 0 faco de essa estrutura inscirucional nao depender
do Irnperio e, acima de rudo, ser financiada separadamente significou que
ela pode sobreviver afragmenca~ao policica do scculo V, ea Igreja foi, de
fato,a institui~ao romana que prosseguiu com menos mudan~as durante a
Alta Idade Media; os dos entre as regioes se tornaram mais fracos, porem
o resto permaneceu incacto. 0 problerna da rela~ao entre a Igreja, como
institui~ao, e o poder politico secular existe desde que surgiram governos
cristaos, e, rnuitas vezes, isso causou con.Aitosconsideraveis, como ocorreu
no seculo V e ocorreria novarnenre durance a Reforma do seculo XI, ou
nos estados p6s-iluministas dos seculos XIXe XX.
A pratica polftica paga valorizava a conformidade religiosa,porem
as varia~oes nas cren~as religiosas nio redundavam em profundas divis6es.
Nesse sentido, o cristianismo era muito diferente. Desde o inicio de sua
hist6ria, seus adeptos discutiram sobre teologia e acusaram-se mucuamente
de cren~adesviante, "heresia",e, no seculo IV,isso se cornou um assunco de
estado. 0 que pode cer surpreendido rnuito Constantino, quando de sua
conversao ao cristianismo, foi o conflito interno na religiao que ele havia
escolhido, hem como a importancia para seus rnembros de veneer sern fazer
nenhuma concessao. Constantino levou a serio a missao de alcan~ar a uni-
dade do cristianismo, mas nao foi bem-sucedido (o que deve re-lo surpreen-
dido tambem). Para seus sucessores, a unidade em torno de uma visa.auni-
ca e correta cornou-se cada vez mais importance, inclusive para o bem-esrar
do Imperio enguanro coletividade; no final do seculo IV, o desvio religioso
era, dessaforma, poliricamence perigoso e precisavaser extirpado por lei.As
leiscontra ospagaos foram, primeiramente, aperfei~oadas contra os cristaos
herecicos,isto e, aqueles que ficavam no !ado perdedor nas grandes batalhas
te6ricas, e elas erarn sempre urilizadas, de forma muito mais sistematica,
contra a heresia. Portanto, a heresia era cada vez mais perigosa e comum no
Imperio tardio. Ela rambem foi considerada um problema aolongo dos secu-
los seguinres (parcicularmence no Ocidence do seculo XIII), porem apenas
a Reforma iguala a incensidade das disputas religiosas do pedodo 300-600.
A primeira dispuca que Constantino enfrencou foi aquela encre
donatistas e cecilianistas, na Africa, que discutia se os bispos que tinham
108
Cultura c cren,a no mundo cristao romano
comprometido a sua fe durance as recemes persegui~oes ao cristianismo
podiam continuar a consagrar oucros bispos depois disso. Essa era uma
questao caracteristica da Igreja pre-constantiniana, mas aquela querela
africana era, de longe, o mais serio exemplo. Os donatistas sustemavam que
0 bispo Ceciliano de Cartago, o metropolitano local, fora consagrado por
um bispo ap6stata e, porramo, nao podia ser bispo nem consagrar outros;
Constantino os condenou, em 313, mas eles nao cederam. Tecnicamence,
rratava-se de um cisma, nao de uma heresia, pois nao dizia respeico a dife-
rern;asde fe; no entanto, imediatamence isso se cornou uma disputa estru-
curalmente seria, uma vez que os donacistas nao aceitaram o bispo africano
consagrado por Ceciliano, e, por isso, criaram uma hierarquia rival; por
vo!ta de 335, havia 270 bispos donatiscas. Esse cisma permaneceu restrito a
Africa, porem se arrastou por um seculo, com violencia de ambos OS lados
e cambem com uma feroz polemica escrita (Agostinho redigiu parte dela),
ate que uma persegui~ao siscematica aos donatistas, ap6s um debate formal
em Cartago, em 411 (cf capiculo 3), os enfraqueceu substancialmeme.
O donacismo foi a unica divisao interna que percurbou seriamen-
te o Ocidente romano tardio. Esse faro era um problema para a lgreja la-
tina mais do que para a grega: a pureza pessoal dos homens que consagra-
vam oucros homens e que presidiam a eucaristia, a cerimonia central do
culco cristao. 23
A pr6xima heresia ocidental, o "pelagianismo", declarado
heretico pelo imperador Hon6rio, em 418, e (com bastante reticem:ia)
pelo patriarca ocidenta l, o papa Z6simo de Roma, no mesmo ano, como
resu!tado da pressio exercida por Agostinho e Alipio, foi tambem relacio-
nada a questoes de pureza pessoal. Pelagio argumencava que um cristao
convicco podia evitar o pecado atraves do livre-arbitrio dado por Deus, o
que Agostinho considerava impossivel. No entanto, os pelagianos nunca
foram mais do que uma minoria, e o mais duradouro efeito dessa divisao
foi o desenvolvirnento, por Agostinho, de sua teoria da predestina~ao a
salva~ao por meio da gra~a de Deus, que permaneceu concroversa (e ma!
compreendida, parcicularmence na Galia e na Italia), mas nao resultou
em posteriores declara~oes de heresia. 24
Pode ser relevance, aqui, notar
que a questao da pureza dos clerigos permaneceu importance no Oci-
dente. Ali, mas nao no Oriente, todo o clero suposramente devia evitar a
atividade sexual, de acordo com condlios tao amigos quamo o ano 400
(no Oriente, isso s6 foi aplicado para os bispos e, mesmo assim, depois de
109
0 legado de Roma: lluminando a idade das trevas, 400-100 0
451).Com isso nao se quer dizer que o clero ocidental sempre obedeceu
a essa teoria, pois, em varias regi6es ocidemais, houve derigos Iegalmente
casados ate o final do seculo XI; no entanto, o prindpio de que 05 sacer-
dotes deveriam ter um carater sagrado diferente de suas congregac;:6esfoi
estabdecido desde cedo.i
5
No Oriente, a questao que mais causou divisao foi bem ourra: a
natureza de Cristo.
26
Constantino tambem achou que havia dissensao
entre o parr_iarcaAl~x~n~re de ~lexandria e seu presbitero Ario a respei-
to de se o Ftlho era 1dem1eoou 1gual em substancia ao Pai, na Trindade;
Alexandre susrentava que sim mas Ario dizia que nao C ·
_ _ , . onstantrno, que
nao cons1deravaque o assunto fosse particularmente importance, convo-
cou um condlio de bispos, em Niceia, no ano 325,0 Primeiro Concilio
Ecumenico, que, notoriameme (foi o unico Concilio Ecumenico a alcan-
c;:a-lo),
co~seguiu que ambos os lados concordassem em uma formulac;:ao,
o cred~ mceno, essencialmente apoiando Alexandre. Alguns seguidores
e~trem1stas de Alexandre, comudo, principalmente seu sucessor, Atana-
s10_(m.373),negaram-se a manter comunhao com Ario, apesar de deter
ace1tadoo credo niceno, e a disputa recomec;:ou.
Outras vers6es de fe crista
~a~s pr6ximas do que Atanasio chamava de "arianos" eram populares em
vanas ~artes do Oriente, sobretudo em Constantinopla, incluindo, entre
des, os1mperadores Constancio II e Valence;nao era absolucameme obvio
para todos que os membros da Trindade eram iguais. Atanasio era cambem
pessoalmeme_impopular,por seu estilo violenco, e tinha um extenso apoio
apenas no Oc1deme. Porem, uma nova gerac;:ao
de apoiadores do credo ni-
ceno ganhou _forc;:a
na decada de 370,particularmeme grac;:as
a Basilio, bis-
po de Cesare1a, na Anatolia (m. 379),e aos seus associados. Com a morte
de Valence,em Adrianopolis, em 378,Teod6sio I, um aliado ocidental d
B 'l· d e
asi 10,tornou-se impera or do Orieme, e o seu Concilio Ecumenico, em
~onstantinopla, no ano 381,finalmente declarou que o credo niceno era a
fe ortodoxa. :aradoxalmente (mas nao o unico caso entre as heresias), foi
essa declarac;:aoque, pela primeira vez, cristalizou O pr6prio "arianismo"
enquamo um sistema religioso elaborado de fato. Consequentemente, de
perdeu o patrocinio imperial e portanco dai em diame, um apoio mais
amplo iapesar de_
que, na capital oriental, isso nio aconteceu are avigorosa
pregac;:ao
do patnarcaJoao Crisostomo, em 398-404)s6 foi evidente entre
os godos e, por extensio, os outros grupos "barbaros" 110
norte.27
110
Cultura e crenOano mundo cristiio romano
A vit6ria do credo niceno signi:ficavaque Cristo, apesar de huma-
no e passivel de sofrimento, era visto completamente como divino tam-
bem; no entanto, como eram combinadas a humanidade ea divindade?
Esse era O maior nucleo dos debates do seculo V, que con:figuravam, por
varios aspectos, disputas de poder entre Alexandria e Antioquia, tendo
Constantinopla, geralmeme, do lado de Antioquia. 0 patriarca Cirilo
de Alexandria (412-444)argumentava que os elementos humano e divi-
no, na natureza de Crisco, nao podiam ser separados; antioquenos, como
Nest6rio, patriarca de Constantinopla (428-431),via-os como distintos.
0 perigo na postura de Cirilo, a que chamamos de "monofisita", era que
Cristo perderia completamente a sua humanidade; o perigo na postura de
Nest6rio era que Cristo se tornaria duas pessoas. Nenhum desses riscos
tinha sido percebido ainda, mas os oponentes de cada lado acreditavam
que sim. O Terceiro Concilio Ecumenico, em Efeso, em 431,p~lco de ~1:1a
nocavele cfnica manobra por parte de Cirilo, condenou e depos Nestono.
Efeso tambem legitimou o culto da Virgem Maria como Iheotokos,"mae
de Deus", uma formulac;:aoa que Nest6rio, em particular, se opos, mas
que dominou a maioria das igrejas cristas naquele momenco; os grandes
condlios como um todo nao discutiram apenas a cristologia. Mas a ten-
tativa alexandrina de ir atras de todos os antioquenos, um por um (noto-
riamente, Teodoreto, bispo de Cirro, que foi, brevemenre, destituido em
449), repercutiu ndes, principalmente pela oposic;:aoocidenral, centrada
nas a<;6ese nos escritos do papa Lea.a I (440-461),e tambem porq_ueos
alexandrinos afastaram a imperatriz Pulqueria, sua apoiadora em Efeso.
Um quarto condlio, em Calcedonia, em 451.rejeitou a posic;:ao
"mono:fi-
sita" alexandrina (aomesmo tempo que manteve a rejeic;:ao
de Nest6rio), e
impos a norma de que Cristo existiu "em duas naturezas", divina e huma-
na, porem em uma s6 pessoa.
Isso estabeleceu uma ortodoxia que, a partir de entio, dominou o
Ocidente e O centro bizantino. Mas nao pos :fimas disputas, pois o mono-
:fisismotinha O apoio popular de que careciam as interpretac;:6esanterior-
mente derrotadas, em particular na maior parte do Egito, cada vez mais
na Siria e na Palestina, e tambem na Armenia. Os imperadores que por
vezes simpatizavam pessoalmente com o monofisismo (como aconteceu
com Anastacio e tambem com a imperatriz Teodora, a poderosa esposa de
Justiniano) viram a divisao calcedoniana-mono:fisira como uma questao
111
O legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400- 1000
politica e nao reol6gica, e tentaram varias vezes promover posis:oesinte r-
mediarias entre as duas: oHenotikon, de Zenao, em 482, o quinco condlio
deJustiniano, celebrado em Constancinop la, em 553, o pronunciamenco
"monotelista" de Heraclio - a Ekthesis - em 638. Esses nao funcionaram
porque havia cada vez menos terreno comum entre os dois lados (mesmo
que as quest6es em jogo se cornassem cada vez mais arcanas); no final do
seculo VI, de faro, as provincias monofisiras estavam estabelecendo uma
hierarquia episcopal paralela para enfrentar os calcedonianos. Os impe-
radores viram-se anat:ematizados por ambos os lados, e tambem enfren-
taram um cisma com o Ocideme, que era intransigememente calcedonia-
no (quando os papas de Roma foram intimidados a aceitar o conci.lio de
Constantinopla, em 554, des tambem enfrentaram a oposis:aode grande
pane do Ocidente, o chamado cisma "dos Ti:es Capfrulos", o que levou
150 anos para terminar). 28
0 arianismo cominuou sendo o crisrianismo
dos grupos "barbaros", particularmente dos godos, dos vindalos e, even-
tualmente, dos lombardos, ate o seculo VII. 0 "nestorianismo" continuou
tambem - em formas mais extremas do que Nest6rio jamais propuse-
ra -, mas principalmente fora do Imperio, na Persia, e tao ao leste quamo
a China. Mas foi o monofisismo que dividiu os cristaos romanos de forma
mais radical e cornpleta, e a divisao nunca foi curada.
Eimpossivel caracterizar esses conflitos com precisao em poucas
palavras, visto que a teologia em questao e incrivelmente intrincada, de-
pendendo de definis:oes apuradas e de desenvolvimentos filos6fico-pla-
t6nicos de conceitos que requereriam rnuitas paginas para ser exposros
em ingles (alern disso, era um debate que s6 fazia pleno sentido na lingua
grega, inclusive naquela epoca; Lea.a I foi o ultimo latino-falante que
realmente o compreendeu e contribuiu para ele). Essas caracterizas:oes
tao detalhadas nio cabem aqui. Mase importante ressaltar que elas erarn
realrnente significativas. Para os observadores pagaos, esses debates eram
ridiculos, ate mesmo insanos, assim como acompanhados de comporta-
mentos surpreendenternence negativos; mas, para os cristios, encre 300 e
550, ter uma definis:aoexata e universalmente aceita sabre Deus tornou-se
cada vez mais importante, uma vez que o poder politico dos bispos nio
deixava de crescer. Erelevante que tivessem mais importancia no Oriente,
onde o debate tecnico-filos6fico estava mais ancorado na vida intdectual
'
mas com as conquistas "barbaras", as quest6es cristol6gicas, da mesma
112
Cultura e crern;:
a no mundo cristao rom ano
forma, chegaram ao Ocide nce, e os debates entre os arianos e os cat61icos
tambem foram intensos; de qualquer forma, a problema tica agostiniana,
que dominava a teologia no Ocidente, centrada na predestinas:ao e na
gras:adivina, nao era menos complexa, embora evitasse o debare cristo-
l6gico. Eclam que e impossivel dizer quamas pessoas cornpreenderam
corretamente as quest6es que escavam em jogo em Calced6nia, por exem-
plo: talvez apenas algumas cencenas (embora nao devessernos subestimar
a sofisticas:ao ceol6gica dos cidadios das grandes cidades) que estavam
expostas aos serm6es de alguns grandes pensadores. Conrudo, o proble-
ma da verdadeira divindade de um deus humano - que inclusive tinha
morrido, na Crucifixao - era uma questao que teria senrido ao menos no
mundo romano tardio, onde o culto dos impe radores coma deuses ainda
era lembrado (inclusive, ate era praticado por alguns) e o ser divino nio
escava,no seculo V, tao discante da humanidade como ele (ou eles)estaria
em alguma s vers6es do cristianismo .
Essas divis6es tambem sio importances porquc mobilizaram um
grande numero de pessoas. 0 cristianismo do seculo Vera uma religiao
de massas, chegando cada vez mais ao campesinato. Seus parricipante s
eram muito leais a seus bispos ea outros lideres religiosos locais, e em seu
apoio era possivel rnobilizar uma cidade contra outra ou uma provincia
contra outra. A luta das facs:6espolicicas podia ser expressa tambem em
termos religiosos, e oslideres seculares locais viam-se envolvidos em dispu-
tas eclesiasticas durance toda a sua vida politica. Nas cidades, as multid6es
chegavam a atracar-se em luta corporal; em Alexandria, onde os cumultos
tinham uma longa tradis:ao, Cirilo era bem conhecido pelo jeito como as
manipulava. 29 Os donatistas tinham um bras:oarmada, os cir~umceLliones,
camponeses asceticosou trabalhadores sazonais. Os monges rurais tambem
foram usados como tropas de choque, geralmente no !ado monofisita;Je-
rusalern era um lugar perigoso por causa do nurnero de mosteiros em seu
enrorno, que poderiam ser rapidamente mobilizados, coma quando Juve-
nal, patriarca deJerusalem, 30 foi expulso por manges, em 452, por um ano,
porque tinha aceitado o condlio de Calced6nia; foi necessario o exercito
pararestabelece-lo no posco. Os monges nio eram normalmente educados,
mas certamente eram fervorosos. A aspereza de seu protagonisrno politico
quebrava as regras de decoro da elite rornana cardia e perturbava os obser-
vadores mais polidos, como acontece cambem com alguns historiadores
113
O legado de Roma: J1uminando a idade das trevas , 400-1000
modernos. Esses manges parecem demasiado fundamentalistas e faniti-
cos, e eles eram mesmo; mas representavam, ao menos, um sinal de que o
cristianismo havia penetrado no campo eque suasdivis6es envolviam mais
pessoas do que elites reduzidas.
Isso nos leva a uma ultima inovac;aocrista: o desenvolvimento de
novas esferas de comporramenco social. Em geral, o cristianismo compro-
metido envolvia um estilo de vida pessoalmente piedoso, o que, na verda-
de, importava mais do que as disputas teol6gicas para a maioria de seus
adeptos; mas os rigoristas podiam e iam, realmente, muito alem da mera
piedade. No cristianismo, desde cedo a autoprivac;ao de alimento ou con-
forco, 0
autodesprezo e a evasao da sociedade hurnana foram considerados,
por algumas pessoas, como maneiras pelas quais os sereshumanos podiam
aproximar-se de Deus. Essasformas de ascetismo foram popularizadas pela
extremamente influence Vida de Antao, de Acanasio, escrita por ocasiao
da morte de Antao, o eremita do deserto egipcio, em 357, e traduzida do
grego para o latim quase de imediato. 31
"O deserto", um local fisico para
Antao, rornou-se uma imagem para coda a ascese, e homens e mulheres
podiam criar seus pr6prios desertos locais ao se isolarem em lugares afas-
cados, ou permanecendo no alto de colunas, muitas vezes por decadas,
como fizeram muicos estilicas desde Simao, o Velho (m. 459) - inacessiveis
(exceto por escada), mas, de codo modo, claramente visiveis,o que resul-
tava na aquisic;aode interesse publico. Um estilita influence, Daniel (m.
493), tinha sua coluna ao lado de um dos principais portos do B6sforo, ao
leste de Constantinopla - ele, cercamente, estava no centro das atenc;oes
(alguem ate perguncou-lhe como ele defecava: de forma muito seca, como
uma ovelha, de respondeu); mas Simao cambem [inha sua coluna no meio
das ricas colinas de produc;ao de oliveiras do norte da Sfria, e multid6es o
observavam tocar, repecidamente, os dedos dos pes com a cabec;a,contan-
do 1.244 desses movimentos em uma ocasiao, como Teodoreto de Cirro
narrou. 32 Obispo Teodoreto escreveu um relato sistematico das fac;anhas
ascecicas - notaveis e, com frequencia, segundo pensava, absurdas - que
os santos sirios praticavam, e enfatizava o quanta des eram respeimsos
para com ele. Os ascetas asvezes causavam ressentimento na hierarquia da
lgreja comum, ja que seus poderes espirirnais (conselhos precisos, orac;6es
particularmente eficazes e de vez em quando milagres) eram o resulcado
de seus pr6prios esforc;os,em vez de serem concedidos pelos bispos. Con-
114
Cultura e cren,a no mundo cristao romano
rudo, a maioria contava com apoio e patrodnio episcopal, e alguns deles
(como Teodoro de Sykeon) tornaram-se bispos.
A influencia dessesascetasquebrou codasas regras sociaisromanas:
poucos eram ariscocratas, poucos eram educados, mas as pessoas procura-
vam seu conselho persistentemente. Conservamos as respostas que Bar-
sanufio eJoao, dois eremitas idosos que viviam nos arredores de Gaza no
inicio do seculo VI, deram para 850 perguntas, de todos os tipos, formula-
das por leigos,clerigos emanges (podemos entende-las coma o equivalente
desse seculo amoderna coluna de consultas e conselhos de DearAbby*).
Se eu quiser dar cereais e vinho aos pobres, devo lhes dar produtos da melhor
qualidade? (Nao, voce nao precisa.) Uma vez que nao devemos matar, devo
mentir para permitir que um assassino escape apena de morte? (Talvez, desde
que voce tenha a tendencia a mentir em outras circunstancias.) Posso comprar
no mercado de pagios? (Pode.) Posso comer com um pagao? (Nao pode.) E
quando ele euma pessoa importance? (Ainda assim, nao, mas ofere<ra-lheuma
desculpa educada.) Eu realmente tenho que dar o meu manto para cada men-
digo, e seguir nu? (Nao tern.)
E, talvez, a consulta mais fraca de todas: eu naoconsigo me decidir,
o que devo fazer? (aissoseguiu-se uma resposta provavelmente exasperada:
ore a Deus, ou, entao, consulce-nos novamente.) Eclaro, em tudo isso,que
seconfiava no conhecimento dos ascetas; educados ou nao, tinham aces;o
averdade espiricual.33
Os santos homens e mulheres do ascetismo cristao tern, na acua-
lidade, um nicho estabelecido na historiografia moderna, e e importance
nao se deixar seduzir por Teodorem e outros que nos levam a pensar que
estavam em toda parte; como Peter Brown escreveurecentemente, elesocu-
pavam "pouco do espac;opublico da sociedade romano-tardia", mesrno no
Oriente, e, no Ocidente, nunca foram tao comuns. 34
Mas elescriaram um
estilo de automortificac;ao que os potenciais santos buscariam sistematica-
mente copiar no futuro, coma camisas de pelos, cintos apertados ate ferir
a carne, correnres e coisas do genera. Seus atos menos extremos podiam
ser copiados por todo o mundo, coma as piedosas mulheres aristocraticas
* Trata-se de uma coluna publicada em diversosjornais norte-americanos com opinioes
e conselhos de narureza v:l.ria,fundada em 1956, por Pauline Phillips. (N. da T.)
115
O Jegado de Roma: Jluminando a idade das trevas, 400-1000
romanas, Paula e Melania, cuja escolha de caminhar pela Roma do seculo
IV em trapos, sujas e makheirosas foi elogiada pot Jeronimo em termos
perturbadoramente exuberantes. 35
E essesatos foram regularizados e gene-
ralizados pelo monasticismo. lsso nao significa que a maioria dos manges
imitasse um compleco extremismo ascetico, porem o desenvolvimento de
grnpos de celibararios, vivendo separados (no "deserto"), foi influenciado
por Antao e deitou raizes, em grande escala, primeiro no Egico; de faro, os
pr6prios ascetas, eventualmente, percebiam que havia surgido uma comu-
nidade moniscica ao redor deles, ou encao procuravam eles mesmos por
uma. A ascesedos manges consistia principalmence na obediencia absoluca
as regras de um abade, em uma rotina cocidiana estabelecida, e tais regras
foram sendo colocadas por escrito desde cedo:por ou para Pacomio, no Egi-
to, e por Basilio, na Anatolia, no seculo IV,por Shenouce, no Egico,eJoao
Cassiano, na Galia, no seculo V,por Bento de Nursia (amoderna Norcia),
na Italia do seculo VI. 36
No Ocidente, a regra benedicina cornou-se, even-
cualmente, o padrao supremo; no Oriente, era a de Basilio.A regra benedi-
tina, mais humana do que muitas outras, e tao marcante por sua insistencia
no tratamemo igualirario de monges de status social diferente, assim como
por sua ascese moderada (apenas vegetais, exceco quando doente; apenas
roupas leves, exceto no inverno): o igualitarismo era tao dificil no mundo
hierarquico da Anciguidade Tardia como foi a autopriva<;:ao.
37 Por outra
parte, nem todos os mosteiros eram igualicarios, em absoluto; muicos se
assemelhavam as confortiveis casas de retiro para homens e mulheres da
aristocracia. Mas a imagem de igualdade (ou de sujei<;:ao)
era intrinseca a
regula<;:ao
monastica e, nesse sencido, mesmo que nao existisse em nenhu-
ma oucra parte da Roma tardia, a igualdade era teoricameme possivel ali;
acemesmo tinha sido criado um espa<;:o
social para isso.
Um resulcado simples desses processes e que os escricorescristaos
nos dizem mais sobre amaioria dos camponeses do que os escritores pagaos
jamais tinham feito. Os camponeses podiam se rornar santos, se fossem
muiro excepcionais; tambem testemunharam os noraveis aros de homens e
mulheres rurais, que viviam longe das elites urbanas, de modo que asvidas
dos santos nos dao indicios da sociedade de aldeia que era quase inteira-
mente ausence na literatura anterior. Afinal de comas, os pobres podiarn
ir para o ceu tao facilmente quanto os ricos (na reoria crista, ainda mais
facilrnente), e ate mesmo os bispos mais aristocraticos e esnobes - como
116
Cultura e cren~a no mundo cristao romano
Gregorio de Tours, na Galia do seculo VI, por exernplo - regularmente
pregavarn para eles e, as vezes, tambern OS ouviarn. Nas ultimas decadas,
os historiadores abandonaram sua cautela anterior sobre as historias de
milagres; e corn razao, dado que elas nos dizern rnuico rnais sobre a socie-
dade nao aristocratica e os valores culturais e religiosos do que podemos
obter em outras fontes. Nao sao uma janela direca asociedade campesina,
nenhum rexto e assim, e raramente foram escritas por campesinos (embora
um ou dois cenham sido, comoA Vidade Teodoro
deSykeon).Maso faro
e que tais cexrns sao o melhor guia que temos e, por mais estudados que
hajarn sido, ainda tern rnais a nos comar.
Se os ascetas ocuparam uma pequena por<;:ao
do espa~o publico
romano, isso se deve, em pane, ao faro de que esse espa<;:o
era enorme.
Mesmo quando nos afastamos de urn foco especificamence religioso,
devernos reconhecer que os romanos viviam uma grande pane de suas
vidas poliricas no ambito publico. Nas cidades, o ano estava repleto de
prociss6es publicas; de faro, o pr6prio planejamenro urbano era afetado
por isso, pois as ruas largas e retas das cidades romanas (no Orience, alem
disso, guarnecidas com colunatas) eram especificarnence construidas as-
sim, e se mancinham livres de obstru<;:6es,
de modo apermitir as procissoes
(quando , ap6s a conquista arabe, as procissoes cessaram no Oriente, as
ruas se encheram rapidamente: vejaabaixo, capitulo 9).38
0 poder politico
estruturava-se em rorno das vers6es mais formais de tais cortejos, corfio,
por exemplo, os rituais para a chegada de um imperador a uma cidade
(adventus), que, mais tarde, foram emulados pelas enrradas cerimoniais,
mais elaboradas, do Renascimenro. Um caso famoso - a chegada de Cons-
tancio II em Roma, em 357, descrita em decalhes por Amiano - moscra
o imperador em um carro enfeicado por joias, com um vasro sequito mi-
litar; Constancio nao virou a cabe<;:a,
nem os olhos, nem as maos - nem
sequer cuspiu - durance coda a procissao ate o f6rum. 39
Tratava-se de um
desfile triunfal (imerecido, segundo Amiano, que detestava Constancio),
que tinha urna longa tradi~ao por tras e um longo fucuro pela frente, ao
menos no Oriente, pois nas principais ruas com sencido oeste-lesce, de
Constantinopla, viram-se desfiles regulares desse tipo ate o final dope-
rfodo coberto por este livro e alem: o Livro de Cerimonias, do seculo X,
compilado a pedido do pr6prio imperador da epoca, Constantino VII
(913-959), descreve-os em grande detalhe, fase por fase (cf capitulo 12),
117
O legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-1000
e esta longe de ser a unica fonte. Porem, OS principais momentos politicos
e religiosos de todos os tipos foram marcados por prociss6es nas cidades.
Aqui, o cristianismo simplesmence se apropriou da pratica, e os bispos
desenvolverarn procissoes formais entre as igrejas urbanas como parte da
exibii;aode seu poder local; essescortejos muitas vezes assumiam aspectos
penitenciais ou protetivos, tornando-se comum que os bispos rodeassem
as muralhas da cidade com relfquias ou simbolos religiosos para protege-la
quando siriada, como aconteceu durance o cerco a Clermont, por volta de
525, ou no cerco a Constantinopla, em 626 (de acordo com nossas fontes
hagiograficas, eles foram sempre bem-sucedidos). 40 As peregrinai;6es as
rumbas dos Santos locais, comumeme orquestradas pelos bispos - como
fez Gregorio de Tours para o cumulo de Sao Martinho -, rinham alga da
mesma formalidade publica, pelo menos nas principais fescasdo santo. 41
A esfera publica nao se limitava as prociss6es. Constancio, apos
sua chegada em 357, organizou jogos; assim rambem o fez o oscrogodo
Teoderico, em sua visita formal a Roma, em 500.420 Circa Maximo, o
maior estadio de corridas de carros de Roma, encontrava-se logo abaixo
do palacio imperial, no monte Palatino, de onde o governante podia con-
templa-lo; tambem em Constantinopla, o hipodromo escava ao lado do
palacio, com uma entrada posterior direta ao camaroce imperial. Esse era
o local (particularmente em Constantinopla, ja que os imperadores real-
mente viviam la) para um dialogo estruturado entre o imperador e o povo.
Geralmente, eram os imperadores que controlavam esses enconcros, mas
permitiam algum tipo de resposca popular que ficava a cargo dos Hderes
das principais "faci;6es" do circa, os Verdes e os Azuis (as cores das equi-
pes), seja arraves do dialogo verbal ou por meio de tumulros_ Em certas
ocasi6es, as coisas saiam de controle, coma ocorreu com os disturbios de
Nika, que rnfrentaram as faci;6es de Constantinopla, em 532, durante os
quais grande pane da cidade foi saqueada eJustiniano quase foi derruba-
do; mas os tumultos de circa, nas principais cidades, tenderam a ser mais
uma valvula de segurani;a, uma advercencia de descontentamento, que os
imperadores ocasionalmeme levavam em considerai;ao; assim mesmo, e
talvez mais normalmente, eram apenas um fator de divertimento.
Na tomada de decis6es politicas, o publico cambem tinha um
peso enorme. Havia discuss6es publicas (parcicularmente sabre religiao
ou filosofia), realizavam-se discursos no forum, e uma mulcidao dirigiu-se
118
Cultura e cren~a no mundo cristiio romano
para ouvir Sidonia quando este escolheu o bispo de Bourges. A comuni-
dade politica significava a elite, claro, e nao havia nada nem remotamente
democratico nos procedimentos politicos romanos; mas seus resultados
eram comunicados verbalmem:e em publica, muiras vezes com bastante
rapidez, ao menos nas cidades. As leis imperiais tambem eram proclama-
das; quando Anastacio aboliu o impopular imposto sabre comerciames
e artesaos, em 498, o decreto foi lido em voz alta em Edessa - um impor-
tance entreposto comercial, mas muito distante de Constantinopla - no
. - , 43
mesmo ano e ocas1onou uma comemorai;ao espontanea.
O imperador tinha uma relai;ao ambfgua com o mundo publico.
O Imperio Romano tardio foi um periodo no qual o cerimonial imperial
rornou-se cada vez mais elaborado, em parte para distanciar o imperador
de outras pessoas, "presas dentro dos limites do palacio", segundo uma ex-
pressao de Sidonio.44
No palacio, a etiqueta tambem era muico daborada.
Comer com o imperador - uma grande honra - era um ato cuidadosa-
mente controlado, e Sidonia relata uma dessas refeii;6es com Majoriano,
em 461, em Ades, na qual o imperador conversou por turnos com cada
um dos sete convidados, que se esperava que brilhassem em suas respos-
cas,e eram aplaudidos caso o fizessem (um aspecto dos persas que parecia
muito estranho aos olhos romanos era que seus rituais religiosos os proi-
biam de falar nas refeii;oes).45 Mas essa fonnalidade se equilibrava com a
presuni;ao de que o imperador era acessivel.A pratica de peticionar ao ifh-
perador, por auxilio ou contra uma injustip, era antiga no mundo roma-
no, e nao se enfraqueceu de forma alguma no Imperio tardio; de faro, as
leis dos c6digos imperiais sao muitas vezes respostas explkitas a perii;6es.
Os peticionarios raramente se encontravam com o imperador em pessoa,
e, obviamente, quern realmenre lidava com os seus pedidos (ou entao os
ignorava) era a burocracia, mas o prindpio da resposca direta era preser-
vado.46Em 475,Daniel, o Estilita, deixou momentaneamente sua coluna
para procestar contra o apoio de Basilisco, imperador usurpador, ao mo-
nofisismo, dirigindo-lhe cartas criticas, e, finalmente, conseguiu que este
se rerratasse publicamente na propria catedral de Constantinopla; na sua
hagiografia, a imagem do dialogo deve ter sido plausfvel, mesmo que os
deralhes tenham sido inventados. 47
E esse tipo de imagem funcionava. A
autoridade imperial continuou sendo popular e garantida. Os enviados ro-
manos a carte de Atila, em 449,ofenderam muito os hunos quando disse-
119
L
0 legado de Roma: Jlumi.nando a idade das trevas, 400-1000
ram que, embora Acila fosse um homem, Teod6sio II era um deus; essa era
uma afirmas:ao evidence aos olhos romanos, embora essesenviados fossem,
sem duvida, em sua grande maioria cristaos. 48
Os deuses tinham desapare-
cido, mas o statusimperial mantivera-se inalterado - divinuspermanecera
um termo tecnico que significava "imperial". A posis:ao do imperador era
canto mais central pelo fato de que o lmperio Romano era considerado,
por defini<;ao,sempre vitorioso, uma crern;:aque sobreviveu, inclusive, aos
desastres do seculo V, De fato, a cristianizas:ao refors:ou isso: SeO Imperio
cafsse, muitos acreditavam que o mundo acabaria. Nao se pode negar que
os romanos eram confiantes.
Os rornanos tra<;aramuma clara linha enrre o publico e o privado.
A poHtica, em sentido formal, ocorria fora da habita<;ao privada, que era
considerada, em parte, separada da atividade publica.49 Os palacios senato-
riais podiam ser frequentados por quase qualquer um, e la eram negociadas
muitas quesr6es politicas, mas continham espai;:os
cuidadosamente calibra-
dos, comunais e mais personalizados, para a recepi;:aode diences e potenciais
dientes; e, exceto no caso de crimes extremos, o comporrarnento dos mem-
bros da familia dentro das paredes de uma casa era de responsabilidade do
paterfamilias,o chefe masculino da casa, e escavafora da competencia do
direito publico. A casa era a unidade basica, chamada de domus,em latim,
quando se enfatizava sua localizai;:aoflsica, efamilia, quando se referia as
pessoas. Estava centrada numa familia nuclear composca por marido, es-
posa, filhos; outros parentes eram, normalmente, mais distantes, pane de
aliani;:aspoliticas mais do que pane da estrutura familiar, embora os pais,
sevivas, ainda tivessem umagrande influencia. Os escravostambem faziam
pane dafamilia, porem coma empregados dornesticos nao livres, e eram
onipresentes em qualquer familia que dispusesse das minimas condi<;6es
para te-los.Afamilia era muito hierarquica; esperava-sedopaterfamiliasque
batessc, rotineiramente, nos escravos e nas crians:as. 0 relato de Agostinho
acercade seu violento pai, Patricio, em suas autobiogrificas Conjissoes
- uma
importante fonte -, mostra que ele considerava comum que os maridos
tambem agredissern as esposas, embora golpear a mulher pares:a ter sido
considerado normal apenas no Ocidence latino - no leste grego erajulgado
com maior hostilidade; nas pecii;:6esegipcias de div6rcio que sobreviveram,
raramente se faz mens:ao aviolencia.50 Na lei, a autoridade dos paterfami-
liasnao se estendia realmente as
esposas, que ainda estavam sujeitas a seus
120
Cullum e crenya no mundo cristiio romano
pr6prios pais (enquanto estivessem vivas), mas e claro que, na pd.cica, os
maridos governavam. Agostinho, mais uma vez, retrata sua mae, Monica
(que nao tinha escrupulos em cemar dominar seu filho),repreendendo suas
vizinhas, em Tagaste, por reclamarem de seus maridos, dizendo que seus
contratos de casamento "asobrigavam a servir aos maridos",51
e isso nao era
simples ret6rica: os concratos egipcios de matrimonio obrigavam sistema-
cicameme os maridos a proteger, e as esposas a servir. Agostinho criticou
cercaEcdicia por sercelibataria, vestir roupas de viuva e dar sua propriedade
aos pobres enquanco seu marido era vivo e sem a permissao dele: essa falca
de submissao anulava a virtude que ela buscava alcani;:ar.0 estado podia
parar diante dos muros da casa, mas os valores romanos, nao; e, em ambos
os casos, a hierarquia era cncendida coma evidence. A esse respeito, nem o
cristianismo fez mudans:a significativa alguma.
Nao seria difkil argumentar que avida familiar do periodo roma-
no-cardio era tensa e scm amor. Os casamentos eram quase sempre arranja-
dos pelos pais com a intens:ao, afinal das comas, de salvaguardar e ampliar a
propriedade; os maridos costumavam ser dez anos mais velhos do que suas
esposas. Os escravos domesticos podiam minar a estabilidade da famflia
de seus amos mediante fofocas maliciosas, e, em geral, pensava-se (talvez
com razao) que scriam profundamente hostis aos seus senhores: no Que-
rolus,umacomediado seculo V,um escravo diz: "£de conhecimento geral
que todos os amos sao maus''.52
Nas narrativas tacdo-romanas, as crians:-as
cosmmam aparecer ressentidas e rejeitando as restrii;:6espaternas (parti-
cularmente, naqueles relatos nos quais pais e maridos fori;:avamas jovens
de espirito virginal ao casamenco e, em seguida, a ter filhos). Agosrinho,
cercamente, nao gostava de seu pai, e, apesar de reverenciar sua mae, teve
que recorrer ao engano para escapar dela quando deixou Cartago para ir
a Roma, quando tinha 28 anos.53
Mesmo assim, na Roma tardia, como
em ourros lugares, as familias fdizes dao aos autores rnenos mocivos para
escrever. Pode ser que o amor idilico e a conc6rdia, comemorados pelos
aristocratas romanos pagaos Ptetextato (m. 384) e Paulina em poernas que,
supostamente, escreviam um para o outro, e que foram gravados numa es-
tela ap6s a morte de Pretextato, nao sejam cocalmence estereotipados ou
atfpicos: "Eu sou feliz porque sou cua, fui cua, e logo - ap6s a morte - serei
tua".54
Os "las:osamigaveis e decorosos" do casamento eram normalmente
desiguais, mas nao necessariamente davam errado par causa disso.
121
O legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-1000
Legalmente, as mulheres estavam sujeicasaos pais, e, efetivamen-
te, a seus maridos.55
No encanco,elas tinham plenos direitos de heran'ra sa-
bre a propriedade paterna e materna, do mesmo modo que seus irmaos, e,
no casamenco, controlavam legalmente suas pr6prias propriedades. Espe-
rava-se que os maridos atuassem em name das esposas em assuntos pt.'1bli-
cos,coma casosjuddicos, mas asmulheres contavam com todos os direitos
legais para agir par coma pr6pria, caso quisessem. Ate o final do seculo
IV, as viuvas nao podiam ser guardias legais de crian'ras, e seuspoderes es-
cavam circunscricos; mas, na pratica, muicas vezes o faziam (certamente,
ap6s a morte de Patricio, em 372, Monica controlava o dinheiro do quase
adulco Agostinho). 56
As mulheres nao eram consideradas parte da esfera
publica e nao podiam ocupar cargos. Mas hi pelo menos um exemplo de
uma governadora de cidade, Patricia, em Antaiopolis, no Egito, em 553;57
e Hipitia de Alexandria, como a principal inceleccual da cidade, tinha
um papel formal nos rituais publicos, recebendo visitas cerimoniais de
funcionirios. 58
De faro, imperatrizes poderosas eram comuns no final do
Imperio (particularmente no Oriente, nos seculos Ve VI; cf. capitulo 3),
e nao esd. claro se esse poder era recebido com ressentimento, apesar da
ret6rica dos opositores politicos e de alguns extremiscas cristaos. Nope-
dodo romano tardio, o lar era universalmente considerado coma a esfera
das mulheres: elas dirigiam a economia domestica. Mas as mulheres nao
estavam impedidas de ser agentes economicos. Evidencias egipcias mos-
cram viuvas comprando e vendendo propriedades sem consemimenco ou
incerven'rao masculina (as mulheres foram proprietirias de 17 a 25% da
terra do Egito, no seculo IV, o que nao era uma quantia trivial), e tambem
alugando propriedade, emprestando dinheiro e atuando coma artesas in-
dependemes e donas de lojas.59 Das mulheres (excecodas prostitutas e das
dan'rarinas) esperava-se que se vestissem modestamence, mas elas nao per-
maneciam veladas no dia a dia; podiam exibir ou reivindicar status social
com roupas caras, e nao parecem ter sofrido isolamento. 0 duplo padrao
de comportamento sexual era normal e sancionado pela lei (os homens,
geralmente, tinham concubinas, mas esperava-se que as noivas fossem vir-
gens e o adulterio feminino era considerado indefensavel); a imperacriz
Teodora pode cersido atriz, o que significava que escavaautomacicamente
em uma categoria legal semelhance aprostitui'rao - embora os relacossen-
sacionalistas de suas acividades, feitos por Procopio, sejam flagrantemente
122
Cultura e cren~a no rnundo cristao romano
re(oricos -, sem que isso haja restringido sua autoridade posterior. 60
As
mulheres eram consideradas fracas e ignorantes, mas, mesmo excluindo
Hipicia, ha muicas evidencias de alfabetiza'rao e dedica'rao literaria femi-
nina, parcicularmence, mas nao apenas, entre a aristocracia.
Como avaliamos essa rede de contradi'roes? Com as evidencias a
nossa disposi'rao, nao e possivel dizer o que era cipico na pritica em cada
caso,sea restri'rao ou a auconomia feminina. Sem duvida, como em muicas
sociedades, poderiamos esperar autonomia para algumas mulheres bem-
-sucedidas, que, no entanto, estariam mais exposcas a um maior escrudnio
do que os homens, assim como acerca condena'rao moral, especialmente se
seus maridos estivessem vivas; a maioria era, talvez, mais sujeita e passiva,
voluntariamente (coma Monica) ou nao. Esse quadro geral pode muico
hem ser valido para todos os nfveis da hierarquia social, pois o material
egfpcio, ocasionalmente, se estende aos camponeses e artesaos. E o espa'ro
que o criscianismo dava aascese permiciu que um pequeno, mas visivel,
numero de mulheres escapasse complecamente das pressoes familiares,
enquanto mancivessem o celibato e um comportamento disciplinado,
de preferencia entre quatro paredes e em grupos. 61
No entanto, a mera
quamidade desses direicos e limita'roes, comradit6rios entre si, era maior
do que ern muicas sociedades: o Ocidente da Alta Idade Media irnpos,
frequentemente, rescri'roeslegais e sociais mnito mais intransigences sobre
o agir feminino, corno veremos no capitulo 7. Demro das concradi'roes,
havia espa'ro para que as mulheres da Roma (ardia construissem suas
pr6prias imagens sociais, se quisessem e tivessem sorte. 62
Mas o faziam
em um mundo repleto de um imaginirio marcado pelo genera, que era
negativo em rela'rao as mulheres ,propagado pelo mundo publico secular
assim coma pela Igreja, com a masculinidade e as vircudes masculinas
vistas como a norma (virtus significa canto "masculinidade" quanta "vir-
tude") e a feminilidade associada com a fraqueza e ate mesmo o perigo,
em particular entre os ascetas masculinos, para quern a sexualidade fe-
minina representava, compreensivelmence, uma das maiores amea'ras.
63
Os homens tambem enfrencavam sinais contraditorios no mun-
do em que viviam. A sociedade romano-tardia era muito hierarquica e a
mobilidade social, em muitos casos, limitada pela lei, como vimos, embora
fosse tambem bastante comum; a mistura de hipoteticas desigualdades,
similares as cascas,ea presen'ra de "homens novos" sempre criam tensoes.
123
O Jegado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-1000
Os homens rornanos erarn rnuito propensos a se ofenderem guando arri-
vistas e forasteiros nao curnpriam corn a etiquera; eles se irritavarn rnuito
facilmente e, nesses casos, podiam se tornar violencos.64 Fausto, bispo de
Riez (m. c. 490), observou amargamence, em um serrnao, que se um ho-
rnem poderoso nos causa dano ou abusa furiosamence de nos, sofremos
em silencio a fim de evitar maiores danos, porem, se uma pessoa inferior
abusa de n6s, ficamos foriosos e buscamos vingan4ra.65
A violencia da praci-
ca policica ejudiciaria romano-tardia significava que rais amea4raspodiarn
serperigosas. Mas as elites instruidas rambem eram educadas segundo um
comporramenco formal, decoroso e cortes; isso fazia parre da educa4rao
da dice, de faro, e incluia nunca perder o temperamento e se esfor<rar
para
convencer - ou humilhar - pela habilidade ret6rica e nao pela arnea(j'.a.
Como alguem podia fazer as duas coisas? Nao podia, e claro. Os homens
instruidos do pedodo romano tardio ficavarnhorrorizados corn os manges
justiceiros, com a turba de Alexandria, ou corn os homens poderosos com
uma forma4raomilitar, coma Valentiniano I, par sua falcade autoconcrole
e sua violencia.GG
Em pequena escala, Sidonia ficou encantado quando, em
seujantar com Majoriano, seu inimigo Peonio ficou visivelmente aborreci-
do com uma ligeira gafe diante do imperador, urna viola4raocondenat6ria
da etiqueta; a decorosa porem divercida risada do imperador foi suficiente
para Sidonia, que se referia a ela coma "vingan4ra".Maso decoro era ainda
mais importance porque os hornens cram reconhecidos como passionais.
E a c6lera tambem podia ser usada politicamente, rompendo as barreiras
do decoro, para fazer valer um ponto de vista, para mostrar que a pessoa
devia ser levada a serio, ranco mais efecivamente por causa da formalidade
do comportamenco politico "normal". No Ocidente p6s-romano, a poli-
tica se tornou menos formalizada, mas a fori;:apolitica da ira continuou a
ser uma arma poderosa para reis e pdncipes.
Este capitulo e o anterior apresentam urn mundo rardo-romano
estavel; isso nao quer dizer imud.vel (essefoi, sobretudo, um periodo de
notavel inova4raoreligiosa),nem, naturalmence, livre de conB.itos,mas, mes-
mo assim, de forma alguma estava condenado adissolu4rao.No capitulo
seguinte, veremos como o poder politico romano sedesfez no Ocidente do
seculo V, apesar dessa estabilidade interna. Mas tambem vale a pena per-
guntar, nesre ponto, o que, dencre os padr6es politicos, sociais e culturais
descritos ate agora, sobreviveria para formar aherarn;:aromana nos seculos
124
Cultura e cren~a no muudo cristao romano
futuros. Isso e rnais facil de responder pelo que se disse no presence capitu-
lo: a maioria dos padr6es descritos aqui sobreviveu. As estrurnras da Igreja
foram as instancias que menos mu4ararn quando o Ocidente romano se
despeda'.ou, e somente se tornaram politicamente rnarginais no sudeste e
no sul do Mediterraneo, com as conquistas mu<rulrnanasdo seculo VII. A
imporcancia da fe correta sobreviveu em Bizancio e em partes do Ocidente,
como veremos em cap.irnlosposteriores. 0 compromisso religioso ascetico
e as crfricas religiosas da sociedade secular nunca perderam sua for<ranos
seculos vindouros, e os veremos reaparecer constancemente. Esses foram
um legado especificamence cristao-romano para os tempos futuros. Por sua
vez, as institui<r6espublicas do Imperio Romano sobreviveram como um
modelo politico fundamental canto para Bizancio guamo para o califado
irabe, ainda baseado em urn siscernacontinua de impastos sobre a cerra.
No em:anco,cada vezmais, a tributa(j'.aosedegradou no Ocidente p6s-roma-
no e as institui4r6espoliticas se simplificararn radicalmente. Mesmo assim,
o guadro politico e inscicucional do lmperio Romano era tao complexo
que essas novas vers6es mais simples ainda podiam fornecer um sistema
governamental bisico, de esciloromano, para os reinos "romano-germani-
cos",em particular para os francos na Galia, os visigodos na Hispania e os
lombardos na Italia, os principais sistemas politicos dos dois seculos ap6s
550.E isso foi acompanhado de um senso de poder publico assim com:..o
de um espa'.opublico para a pratica politica, que eram, em grande parce,
uma heran4rade Roma. Essa polftica publica durou, no Ocidente, ate de-
pois de findado o periodo carolingio, no minimo ate o seculo X, e muitas
vezes ate mais tarde; sua desagrega4rao,onde ocorreu (patticularmente na
Francia), foi importante. Esse momenta certamenre marcara o fim deste
livro, pois, ao menos no Ocidente, representa o fim da Alta Idade Media.
Muitas coisas,de faro, mudaram ao principiar a Alea Idade Media.
As cominuidades religiosase culturais nao podem ocultar aimportancia da
ruptura das estruturas estatais; aeconomia de troca tambem setornou muito
mais localizada no Orience e no Ocideme, assim como menos tecnicamente
complexa pelo menos no Ocidente. A sociedade aristocratica militarizou-se
mais, e uma educa4rao
literaria secular perdeu muito de sua importancia, par-
ticularmente no Ocideme. Como resultado, nossasfontes escritas saornuito
mais religiosas,tanto no Oriente quanta no Ocidente. A identidade arisco-
cratica tambem mudou em coda pane, com as transforma'.6es politicas do
125
O legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-rnoo
Ocideme, no seculo V, e do Orieme , no seculo VII; a riqueza aristocd.tica
conjuma se contraiu na maioria dos lugares, ea elite senatorial de Roma, ex-
tremamenre rica, desapareceu. Nao se deve exagerar essa contrac;ao, pois os
aristocratas com ancestrais romanos continuaram a ser os principais acores,
mas, dadas as mudanc;as culturais que acabamos de referir, sua antecedencia
romana se rorna muiro mais dificil de ver. Os camponeses cambem se to.
c-
naram mais auconomos, na medida em que diminuiu a propriedade aristo-
cratica global e se reduziu o poder estatal no Ocidente; em contrapartida,
pode-se dizer que aumentaram as restric;oes impostas as mulheres. E, acima
de tudo, cada regiao do lmperio Romano ceve,doravante, um desenvolvimen-
to politico, social, economico e cultural separado. Antes de 550, o Oriente
e o Ocidente sao tracados juncos, neste livro, mas depois disso des devem
ser discutidos separadamente; e as hist6rias das terras francas, da Hispania,
da Italia, da Britania, do Bizancio e do mundo arabe receberao uma analise
individual, assim como as das terras nao romanas do none. Acima de todo
o resto, essa localizac;ao e essa simplificac;ao geral caracterizam a Alta Idade
Media. No entanto, como base de todos os sistemas politicos que veremos no
restante deste livro, com excec;aodo sistema do extrema none, estava o peso
do passado romano que, por mais fragmemado que se encontrasse, criou os
elementos constitutivos para a pratica politica, social e cultural de codas as
socicdades p6s-romanas nos seculos vindouros.
Notas
Enquanto incrodm;:6es,quase todos os livros cicadas no capkulo 1 sao igua!mente
importances. P. Garnsey & C. Humfress, TheEvolution of the Late Antique World
(Cambridge, 2001), pp. 132-215; e P. Brown, Power and Persuasion in Late Anti-
quity (Madison, 1992); sao releiruras originais dos dados. Sabre o cristianismo, A.
Cameron, Christianity and the Rhetoric ofEmpire (Berkeley, 1991); P.Brown, The
RiseoJWestern Christendom, 2. ed. (Oxford, 1997); eR. Markus, TheEnd ofAncient
Christianity (Cambridge, 1990); sao poncos de referencia fundame.ntais.
Sidonius, Letters, ed. etrad. W. B.Anderson, Poemsand Letters (Cambridge, Mass.,
1962-1965),4.25 (Chalan), 7.5, 8, 9 (Bourges); cf.J.Harries, Sidonius Apollinaris
and the Fall ofRome (Oxford , 1994), pp. 179-186. Para concextualizac;ao,ebasico
R. Van Dam, Leadership and Community in Late Antique Gaul (Berkeley, 1985).
Para a complexidade das func;6ese da autoridade dos bispos, cf.sobrerudo C. Rapp,
Holy Bishopsin Late Antiquity (Berkeley,2005).
126
Cultura e cren,a no mundo cristao romano
· C pondance ed e trad A- Garzya & D. Roques (Paris, 2000) nn.
Synes10s, orres , · · , ..
( b ) lo. 15 16· 46· 81· 124· 154 (a Hipatia); para Teofila e Cmlo,
105 carta a crta ; , - , , ' '
C H Alexandria in Late Antiquity (Baltimore, 1997), pp. 159-169; 295-316;
. aas, d B E . (P .
I f D Roques Synesiosde Oyreneet la Cyrenai'que u as- mpire ans,
no gera, c • • ,
2000), pp. 301-316. . . _
"Pagio" euma palavra insatisfat6ria. A religiao gre~o-romana crad1c1onal nao
, enhuma palavra para denominar seus prat1cantes; contudo, pagan us,
possu1a n . " _ . -
· · J nte si·gni·ficava"rustico" i·aeucilizado para des1gnar nao cnstao
que ongma me ' ( en
(ou judeu)" no come<;odo seculo III, e se tornou comum no final do IV e.g. 1
,
8 370) "Helena" eoutra palavra tardo-romana que ve10 a ser
16.2.1 , para o ano • ' "
utilizada para designar "pagao". Alguns autores modernos preferem o termo po-
liteista", mas nem rodos os "pagaos" eram polireistas.
Sabre O paganismo tardio, cf. G. W. Bowersock,Hellenism in~ate Andquity (Cam-
bridge, 1990); F.R. Trombley, Hellenic Religion and Chmtzamzatwn c.370-529:
2 vols. (Leiden, 1993-1994); G. Fowden, CAH, vol. 13,PP· 53~-560; _Garnsey_
&
Humfress, Evoltttion of the Late Antique World, PP·152-160;Joao do Efeso,Eale-
siasticalHistory, ed. e trad. E. W Brooks (Louvain, 1935-1936), 2.44; 3.36.
S b · d f s T Katz (ed) The Cambridue History ofJudaism, vol.4 (Cam-
o re osJU eus, c . . . · , o
bridge, 2006), pp. 67-82; 404 -456; 492-518. _
b 1· CTh 16 10 10 12(391-392) er 1.11.10(Justiniano). Para Edessa,Joao
So re as e1s, , , • • - ' :J'
do Efeso,EcclesiasticalHistory, 3.27-8.
Para as celebrac;6esdo Pri meiro de Janeiro: Markus, End ofAncient Christianity,
PP·103-106, e, em geral, para fesrivais, pp. 97-135.
Greg6rio de Tours, "The Miracles of the Bishop Sr.1:artin", trad. em R. Van Dam,
Saints and their Miracles in Late Antique Gaul (Prmceton, 1993), PP· 199-303,
e.g.2.24; 3.29; 4.45. -
10 Augustine, Letters, trad. W. Parsons & R. B. Eno, 6 vols. (Washington, 1951-
1989), carta 29.
11 Van Dam, Saints and their Miracles, pp. 41-48. Sabre a bebida em cima da tumba
d , c· Augusci"ne Letters 22· Augustine, Confessions,trad. H. Chadwick
os mar ues: , ' ' './' , • l
(Oxford, 1991),6.2.2. Gregorio Magno: Bede, HE, 1.30. Para uma anali;e ger~
do espa<;:o
religioso e seus conrextos no Meditcrraneo, cf. P.Harden & N. urce ,
The Corrupting Sea (Oxford, 2000), pp. 403-460.
12 N. Gauthier, "La Topographie chretienne entre ideologie et pragmacisme", in: G.
P. Brogiolo & B. Ward-Perkins (ed.), TheIdea and Ideal of the Town between Late
Antiquity and theEarly Middle Ages (Leiden, 1999), pp. 195-209.
13 R. Kraurheimer, Rome: Profile ofa City, 312-1308 (Princeton, 1980), pp. 71; 75.
14 Para uma analise dos enrerros inrramuros e scus desenvolvimentos na Italia, cf.N.
Christie From Constantine to Charlemagne (Aldershot, 2006), PP·252-259. Para
os santo; falecidos, cf. P.Brown, The Cult of the Saints (Chicago, 1981).
1s Cf. B.Caseau, in: G. Bowersock et al. (ed.), Late Antiquity (Cambridge, Mass.,
1999), pp. 406-407.
127
O legado de Roma: Iluminando a idade <lastrevas, 400-1000
16 Vie de Theodorede Sykt!on, ed. e trad. A. J.Fcsrugiere (Bruxelas, 1970), cc. 37; 43;
91-94; 103; 114-116; 162 etc.
17 M. Foucault.Discipline and Punish (London, 1977). Para os modelos de cristianismo
cotidiano, cf.esp. P. Brown, CAH, vol. 13,pp. 632-664.
18
Garnsey & Humfress,Evo!ution ofthe Late Antique World, pp. 207-210.
'9 SelectLetters ofStJerome, ed. e trad. F.A. Wright (Cambridge, Mass., 1963);a carta
22 eum bom exemplo.
20
A. Arjava, Women and Law in Late Antiquity (Oxford, 1996), pp. 177-192; G.
Clark, Women in Late .Antiquity {Oxford, 1993), pp. 21-27; A. Giardina, CAH,
vol. 14, pp. 392-398.
21
D. Goodblatt, in: Katz, Cambridge History o_/}udaism,vol. 4, pp. 416-423.
12
Rapp, Ho{v Bishops,pp. 172-207.
23
W. H. C. Frend, 1heDonatist Church (Oxford, 1952),p. 167,para os bispos; P.Brown,
Religion and Society in theAge of Saint Augustine (London, 1972), pp. 237-331.
24
Brown, Religionand Society,pp. 183-226; B.R. Rees,Pelagius, 2. ed. (London, 1998).
2
' R. Gryson, Les Origines du celibat ecclesiastique du premier au septieme siecle
(Gembloux, 1970).
ir, Para os debates criscol6gicos oriemais: H. Chadwick, C.AH, vol. 13, pp. 561-600,
e P.Allen, CAH, vol. 14,pp. 811-834, ofrrecem narracivas uteis. A hiscoriografia e
enorme; achei parcicularmente utcis as nitidas e incisivas introdu~6es teologicas de
F.M. Young, From Nicaea to Chalcedon (London, 1983). Para o "arianismo", cf o
mais receme crabalho, D. M. Gwynn, Ihe Eusebians (Oxford, 2007).
27
J. H. W. G. Liebeschuetz, Barbarians and Bishops (Oxford, 1990), pp. 157-189.
28
D. D. Bundy, "Jacob Baradaeus",LeMuseon, 91 (1978), pp. 45-86; L. Van Rompay,
in: M. Maas (ed.), The Cambridge Companion to the Age ofJustinian (Cambridge,
2005), pp. 239-266.
29
Haas, Alexandria, pp. 258-330; Frend, Donatist Church, pp. 172-177.Mas ha um
debate grande sobre quem exatamentc eram os circumcel!iones:cf. B. D. Shaw, in:
A.H. Merrills (ed.), Vandals, Romans and Berbers (Aldershot, 2004), pp. 227-258;
T. E. Gregory, VoxPopuli (Columbus, Ohio, 1979).
30
Sohre o patriarca Juvenal, Evagrios, TheEcclesiastical History ofEvagrius Scho-
lasticus, trad. M. Whitby (Liverpool, 2000), 2.5; Cirilo de Cit6polis, "Life of
Euchymios", Lives ofthe Monks ofPalestine, trad. R. M. Price (Kalamazoo, Mich.,
1991), pp. 1-83, cc. 27-30.
'
1
P.Brown, Societyand the Holy inLate Antiquity (London, 1982),pp. I03-152, aruali-
zado em CAH, vol. 14,pp .780-810; a recencee muico subscanciosabibliografia sobre
ascecase sancosresume-sea duas conferencias, publicadas comoJ. Howard-Johnston
& P. Hayward (ed.), Ihe Cult ofSaints in Late Antiquity and theEarly Middle Ages
(Oxford, 1999), cjournal ofEarly Christian Studies, 6 (1998), pp. 343-671.
32
Lift ofDaniel the Stylite, crad. E. Dawes & N. H. Baynes, 1hreeByzantine Saints
(London, 1948),pp. 7-71,c. 62; Teodoreco de Cirro, A History oftheMonks ofSyria,
128
Cultura e cren~a no mundo cristiio romano
rrad. R. M. Price (Kalamazoo, Mich., 1985),26.22. Para Teodoreco, cf.T. Urbainc-
zyk. Iheodoret ofCyrrhus (Ann Arbor, 2002), esp. pp. 115-147.
l3 Barsanouphios & John, Correspondance, ed. e trad. F. Neyr et al., 3 vols. (Paris,
1997-2002), nn. 636; 671; 777; 775; 776; 669; 841.
J4 P. Brown, C.AH, vol. 14,p. 806.
35 Jerome, Letters, 45.
36 Sohre monascicismo, cf. em geral D. J. Chitty, The Desert a City (Oxford, 1966);
P.Rousseau, Ascetics, Authority and the Church in the Age ofJerome and Cassian
(Oxford, 1978); C. Leyser,Authority and.Asceticismfrom Augustine to Gregorythe
Great (Oxford, 2000).
37 1heRuleofSt Benedict, ed. e crad.J. McCann (London, 1952). Deve-se consulta-la.
3~ H. Kennedy, "From polis comadina", Past and Present, 106 (1985), pp. 3-27.
39 Ammianus Marcellinus, Res Gestae,ed. e trad.J. C. Rolfe, 3vols. (Cambridge, Mass.,
1935-1939), 16.10.4-13; S. G. MacCormack, Art and Ceremony in Late Antiquity
(Berkeley, 1981), pp. 33-61; M. McCormick, Eternal Victory (Cambridge, 1986),
pp. 189-230 para Constantino VII e outros relatos pom:riorcs.
40 Gregorio de Tours,Lifa ofthe Fathers, crad. £.James (Liverpool, 1985),4.2; sabre o
sitio de Conscancinopla, cf. capitulo 10.
41 Van Dam, Saints and their Miracles, pp. 116-149.
42 A. Cameron, CircusFactions (Oxford, 1976), pp. 225-296.
/' 3 The Chronicle of Pseudo-Joshuathe Stylite, trad. F.R. Trombley &J. W. Watt (Li-
verpool, 2000), c. 31.
44
Sidonius, Letters, 2.13.4 (cica<;ao),
1.ll (Majoriano).
45 Ammianus, Res Gestae, 23.6.80.
46 J. Harries, Law and Empire in Late Antiquity (Cambridge, 1999), pp. 82-84;
184-187.
47 Lift ofDaniel the Stylite, cc. 70-84.
48 Priskos, fragmenco 11.2, ed. e trad. em R. C. Blackley, TheFragmentary Ciassicizing
Historians of the Later Roman Empire, vol. 2 (Liverpool, 1983),pp. 247-249; 257.
4~ S.Ellis, Roman Housing(London, 2000), esp. pp. 166-183; B. Polci, in: L. Lavan
& W. Bowden (ed.), Theory and Practice in Late Antique Archaeology (Leiden,
2003), pp. 79-89; K. Cooper, "Closely Watched Households", Past and Present,
197 (2007), pp. 3-33.
50 Augustine, Confessions,9.9;Letters, 262 (aEcdicia); cf. esp. B. Shaw,"The Family in
LaceAnriquity", Past and Present, 115(1987), pp. 3-51. Cf. rambem G. Nathan, Ihe
Family in-Late Antiquity (London, 2000). Sabre as acitudes oriemais em rcla<;aoa
violencia familiar, cf L. Dossey,"Wife-beating in Late Antiquity", Past and Present,
199 (2008), pp. 3-40.
'
1
J.Beaucamp,Le Statutde lafemmeaByzance (4'-?siecle), 2 vols. (Paris, 1990-1992),
vol. 2, pp. 139-158; 127-129.
129
O legado de Roma: lluminando a idade das trevas, 400-1000
52 Augustine, Confessions, 9.9; Quero/us, ed. e trad. C. Jacquemard-le Saos (Paris,
1994), C. 67.
53 Augustine, Confessions, 2.3; 5.8.
54 Corpus fnscriptionum Latinarum, 6.1 (Berlin , 1876), n. 1779, com trad. parcial e
comentario em K. Cooper, The Virgin and the Bride (Cambridge, Mass., 1996),
pp. 97-103.
55 Arjava, Women and Law; Beaucamp, Le Statut, vol. 1.
56 Augustine, Confessions,3.4.
57 GreekPapyri in the British Museum, ed. F.G. Kenyon & H. l. Bell, 5 vols. (London ,
1893-1917), vol. 5, n. 1660.
58 M. Dzielska, Hypatia ofAlexandria (Cambridge, Mass., 1995).
59 Beaucamp,Le Statut, vol. 2, pp. 227-247; R.Bagnall.Egypt in Late Antiquity (Prin-
ceton, 1993), pp. 92-99; 130-133.
60
Beaucamp, Le Statut, vol. 1,pp. 206-208; V Neri, I marginali nell'Occidente tar-
doantico (Bari, 1998), pp. 233-250. Sobre Teodora, nosso problema eque a unica
fame arespeito da sua carreira coma atriz eProcopio [Prokopios},SecretHistory, ed.
e trad. H.B. Dewing (Cambridge, Mass., 1935), c. 9, que euma denuncia retorica e
independente: cf. L. Brnbaker, "Sex, Lies and Textuality", in: L. Brubaker &J.M.
H. Smith (ed.), Gender in the EarlyMedieval World (Cambridge, 2004), pp. 83-101.
Sena arnscado assumir que isso, inclusive, tinha algnm fnndo de verdade.
61
E. A. Clark, AsceticPiety and Women's Faith (Lewisron, NY, 1986), esp.pp. 175-208.
62
J.M. H. Smirh, "Did Women have a Transformarion of the Roman World?", Gender
andHist0ty, 12.3 (2000), pp. 22-41.
63
Clark, Women, pp. 56-62; 119-126.
64
Brown, Power and Persuasion, pp. 35-61.
65
R.Mathisen, Roman Aristocrats in Barbarian Gaul (Anstin, Tex., 1993), pp. 50-51.
66
Ammianus, Res Gestae,30.8; Sidonia: Letters, 1.11, esp. 11.12.
130
3
CRISE E CONTINUIDADE, 400-550 1
Em 25 de fevereiro de 484, Hunerico, rei dos vandalos e dos alanos,
egovernante das antigas provincias roman as do no rte de Africa, emitiu um
decreto contra a heresia "homousiana" (diriamos aqui cat6lica) da popula-
<rioromana de seu reino. Os vandalos eram cristaos arianos, e, portanto,
consideravam as cren<rasda maioriaromanaincorrecas o suficiente a ponto
de precisarem ser expurgadas. Hunerico, por consequencia, adaptou a lei
do imperador Hon6rio , de 412, contra os donatistas de Africa - que tinha
sido uma grande arma cat6lica nos dias de Agoscinho - ea empregou con-
tra os pr6prios cat6licos. Hunerico foi explicito quanto a isso:
Ebem sabido que devolver maus conselhos aqueles que os aconselharam e um
atributo de majestade triunfante efor<;aregia... Enecessirio, emuito justo, virar
contra eles o que esti concido nessas leis que foram promulgadas pelos impera-
dores de diversas epocas que, com elas, tinham sido induzidos ao erro.
2
A conduta de Hunerico nesse decreto e na perseguiiy:aoque dele
se originou (a qual parece terse aquietado ap6s suamorte, em dezembro
131
O legado de Roma: Jluminando a idadc das trevas, 400-1000
do mesmo ano) era de um consistente deboche: voces fizeram isso por
coma pr6pria; portanco, eapenas justo que isso seja feito contra voces
agora. Com efeito, coda sua prepara-;:ao para isso era um eco delibera-
do da decada de 410. Hon6rio, em 410, havia convocado uma conlatio,
um debate formal, entre bispos donatistas e cat6licos, que ocorreu em
Carcago, em junho de 411; grande parte de suas atas sobreviveu, e elas
apresentam uma impressionante mistura de jogos de poder cerimoniais,
argumenta-;:6es e injurias, seguidos por um julgamento contra os dona-
cistas, e, entao, pela repressao, um ano depois. Os donaciscas deviam sa-
ber que, provavelmente, algo estava sendo armado contra eles, e quando,
em maio de 483, Hunerico chamou os bispos cat6licos para um debate
similar, em Carcago, em fevereiro do ano seguinte, estes certamente sa-
biam o que escavapor vir. Os donatistas, em 41 l, e os cat6licos, em 484,
cencaram evitar a discussao apresentando um manifesto, mas Hunerico,
se acreditarmos no relato de seu fervoroso rival, Victor de Vita, ja tinha
preparado seu decreto, encurtando assim o debate. Se isso for verdade,
foi o unico desvio de Hunerico em sua reencenas:ao do drama honoriano.
Hunerico gostava de ser um imperador romano no modo de perseguir,
ato por ato, e os cat6licos sabiam bem o que ele estava fazendo.
Os vandalos de Africa representam um paradoxo que e resumido
por essa explicas:ao.3
0 uso moderno de seu nome mosrra a ma reputas:ao
que des ja.tinham, manifestada, principalmente, no polemico relato de
Victor sobre sua crueldade e sua opressao. A maior parte dos relatos con-
cemporaneos sobre os vandalos era realmente negativa, do testemunho
ocular de Possidio sobre a chegada violenta dessesgrupos aAfrica, em 429,
as criticas do historiador romano-oriental Procopio ao seu estilo de vida
luxurioso, no momenro da reconquista romana de 533-534. Sob o coman-
do de seu mais bem-sucedido rei, Genserico (428-477), pai de Hunerico
- que os levou da Espanha para a Numidia, e, depois, em 439, a Cartago
e ao cencro cerealista africano -, seus navios (ex-navios graneleiros, sem
duvida) pilharam a Sicilia, conquistaram a Sarden ha e saquearam Roma
em 455. Hunerico nao foi o unico rei a perseguir os cac6licos. Trasamun-
do (496--523) fez o mesmo por volta de 510. No encanco, ao concrario do
que sepode imaginar, hi evidencias que mostram que os vandalos acredi-
cavamser muito romanos. Todos aqueles dos quais cemosnoticia falavam
latim. Hunerico casou-se com a sobrinha-neta de Hon6rio, e tinha pas-
132
Crise e conlinuidadc
sado um tempo na Italia. A administra-;:ao vandala parece ter sido quase
idencica aadminiscra-;:ao roman a da provincia de Africa e composca por
africanos (no maximo, des devem cer adotado o c6digo de vestimencas
vandalo); a moeda era uma adapca-;:aocriativa de modelos romanos; os reis
aplicavam os tributos corno os romanos tinham feito e, por consequencia,
as elites vandalas acumulavam grandes fortunas, que gascavam amanei-
ra romana, em luxuosas residencias urbanas e igrejas, como nos contam
canto as fonces escritas quamo as arqueologicas. A arqueologia, de fato,
indica poucas mudan-;:asna maior parte dos aspeccos da cultura material
africana em codo o seculo vandalo. E, e claro, sua persegui(j:a.O
religiosa
era inteiramence romana. Outros povos conquistadores germanicos eram
tambem arianos, notadamente os godos, como vimos, mas eles viam sua
religiao, na maior parte, como uma demarcas:ao de suapr6pria idemidade
vis-a-visa seus novos sudicos romanos, que podiam continuar cat6licos.
Apenas os vandalos assumiram que sua versao do cristianismo deveria
ser a universal e que as outras deveriam ser extirpadas, como os pr6prios
romanos fizeram: dai entao o tom negativo dos relacoscontemporaneos,
que sio todos escricos por cat6licos.
Assim, e possivel ver os vandalos como uma versa.ados pr6prios
romanos. Na verdade, eles poderiam ser viscoscomo um exercito renega-
do que tomou o poder em uma provincia romana ca administrou de uma
maneira romana; embora os vandalos nunca tenham sido cropas federa-
das imperiais, eles se assemelhavam bascante a elas, e qualquer um teria
di6culdades para idemificar algum elemento nas suas praticas policicas
ou sociais que tivesse raizes nao romanas. Mas estadamos enganados caso
pensa.ssemos que nada mudou quando Genserico encrou rnarchando em
Carcago. Houve duas grandes diferens:as. Em primeiro lugar, os vandalos
governaram a Africa como uma aristocracia fundiaria milicar, que conci-
nuava a ver-secomo etnicamente distinta. Exercitos romanos que comaram
o poder antes do seculo V comencavam-se em criar seupr6prio imperador
e retornar aos quarceis com ricos presences; mas os vandalos tornaram-se
uma elite politica, substituindo e expropriando a aristocracia senatorial,
em grande pane ausente (e, tambem, alguns proprietirios romanos que
viviam no norte de Africa, embora a maioria destes tenha sobrevivido).
Em segundo lugar, os vandalos dividiram a infraestrutura mediterranea
do lmperio tardio; des tomaram o concrole da maior provfncia exporta-
133
0 legado de Roma: fluminando a idade das trevas, 400-1000
dora de graos e azeite do Ocideme, principal fornecedora de alimentos
da cidade de Roma. A comida costumava ser, em grande parte, fornecida
gratuitamente, grac;:asaos impastos; no emanco, os vandalos eram auto-
nomos e mamiveram a produc;:aoafricana para si - embora estivessem
preparados para vende-la. A espinha dorsal de impostos Cartago-Roma
chegava ao fim. A populac;:ao da cidade de Roma comec;:oua diminuir
vertiginosamente depois da metade do seculo V; no seculo seguinte ela
provavdmente caiu mais de 80%.4
E um grande rombo apareceu no cui-
dadosamente balanceado sistema focal do Imperio Ocidental; os roma-
nos enfrencaram uma crise fiscal, justamente quando mais precisavam
gastar com as tropas. Nao ter previsto gue Genserico comaria Cartago,
apesar de ~n-1tracado firmado em 435, e indiscutivelmente 0 principal
erro escrateg1codo governo imperial no seculo V: foi O momento em gue
o desmembramento politico do lmperio Ocidental, pela primeira vez, se
cornou uma s~riapossibilidade. Dai os tardios mas intensos esfon;:ospara
recapcurar a Africa em 441, 460 e, especialmente, a grande mobilizac;:ao
de 468, que falharam desastrosamence, apesar de a forc;:a
militar vandala
nao ser, ate onde se pode observar, inusitadamente grande. No final, a re-
conquista em 533-534foi facil; mas o Imperio Ocidental, nesse momenta
ja deixara de exiscir.Nao obstante o faco de serem muico romanizados 0
;
vandalos foram agentes de grandes mudanc;:as. '
Essa ea caracteristica-chave dos acontecimentos do seculo v,pelo
menos no Imperio Ocidental. Repetidas vezes OSexercitos "barbaros"
ocuparam provincias romanas, as quais eles administravam de manei-
ras romanas; nada mudou, mas tudo mudou. No ano 400, os Imperios
Roma~~s, Ocid~~tal e Or~ental, eram gemeos, governados por irmaos
(Honono e Arcad10, os dots filhos de Teod6sio I, que governaram em:re
395 e 423 e 395 e 408, respectivamente), com pouca diferenc;:aestrutural
entre des e, coma vimos no capitulo I, nenhuma fraqueza interna funda-
mental. Em 500, o Oriente quase nao tinha sido alterado (na verdade, de
estava passando por um boomeconomico), mas o Ocidente se enconcrava
d_i~id,i~o
em meia duzia de grandes sec;:6es:
a Africa vandala, a Espanha
vmgotrca e o sudoesre da Galia, a Burgundia (sudeste da Galia), 0
nor-
te franc~ da Galia, a Italia ostrog6tica (induindo a regiao dos Alpes) e
uma sene de unidades autonornas menores na Britania e em 0utras zonas
rnais rnarginais em outros cantos. Os rnaiores sistemas politicos ociden-
134
Crise e continuidade
tais eram codos regidos por uma cradic;:aorornana, embora fossem mais
rnilitarizados, suas estrucuras fiscais estivessem mais fracas, tivessem me-
nos incer-relac;:6es
economicas, e suas economias internas se revelassem,
muitas vezes, rnais simples. Uma grande mudanc;:ahavia ocorrido sern que
ninguem, em particular, a planejasse. 0 prop6siro d~ste capitulo e_
inves-
cigarcomo essamudanc;:aocorreu - mas nao de maneira recrospecnva: Os
acontecirnentos do seculo V nao eram inevitaveis, e nao foram perceb1dos
como ral pelas pessoas que os vivenciaram. Nesse periodo, ninguem ~ia
ue O
lmperio do Ocidence estava "caindo": o primeiro autor a espec1fi-
~amente datar seu fim (em 476) foi um cronista residence em Constanti-
nopla, Marcelino comes,que escreveu por volta de 518.5
Varnos olhar para
esses evemos em quatro divis6es cronologicas: ate 425, ate 455, ate 500 e
ate 550,de modo a centar fixar quais foram as principais rnudanc;:as,mas
cambem as permanencias, em cada um <lessesescagios. Depois, entao, li-
daremos com a questao do significado dessas mudanc;:as.
6
Honoria e Arcadio nao tiveram nenhum tipo de procagonisrno
olitico, nem carnpouco seus sucessores no cargo imperial, e somence por
p 1 . -
volta da decada de 470 governantes eficazes vo caram a ocupar pos1c;:oes
politicas supremas. Queros governavam atraves deles. No Oc~d-ente,oh~-
rnernforce,no inkio do seculo V,era Estilicio, comandante m1htar (mag/S-
termilitum praesentalis)dos exerciros ocidentais desde 394: um poderoso
negociador, como eleprecisava ser. Durante o tempo de sua influencia, de
enfremou Alarico, rei dos godos (cercade 391-410),que tentava estabelecer
um local permanente para seu povo. Os grupos godos emr~ram n~ l~~erio
pela primeira vez em 376 (como vimos no capitulo l); apos sua v1tona em
Adrian6polis, em 378, eles forarn deixados em paz, na decada_de 380, na
Iliria e na Tricia, os Ba.leasmodernos. Alarico foi o primeiro chefe godo
a servir, com seus pr6prios seguidores, em urn exerciro rornano, sob o co-
rnando de Teodosio, em 394. Porem, esse acordo militar deixou de existir
por volta de 396, e os godos de Alarico (referimo-nos ades corno visigodos
para evitar confusao com ourros grupos g6ticos, embora eles nao se cha-
massem assim) passaram duas decadas tentando reconquiscar, pela forc;:a,
uma posic;:ao
de reconhecirnento no lmperio- Eles atacaram a G_recia,em
seguida se moveram para o norce, e adencraram a Italia Setenrnonal, em
401. Escilicao os derrotou e empurrou-os de volta aIliria, em 402, mas eles
recornararn em 408. Nesse momenta, eles nao eram os unicos "barbaros"
135
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O_legado_de_Roma_Iluminando_a_idade_das-51-89.pdf
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  • 1. O legado de Roma: Tluminando a idade das trevas, 400- 1000 56 P. Heather & J.Matthews, The Goths in the Fourth Century (Liverpool, 1991),pp. 102-110; 124-185. 57 Minhas vis6es sao compadvcis com, entre outros, G. Halsall, in: J.F. Drinkwater & H. Elton (ed.), Fifthcentury Gaul (Cambridge, 1992), pp. 196-207; B. Effros, Merovingian Mortuary Archaeology and the Making of the Middle Ages (Berkeley, 2003), pp. 100-110. 58 L. Hedeager, Iron-Age Societies (Oxford, 1992),pp. 45-51. 59 C.R. Whittaker,.Frontiers of the Roman Empire (Baltimore, 1994). Contra a antiga ideia de que o exercito imperial tardio era mais "barbarizado" do que antes: H. Elton, Warfare in Roman Europe, AD 350-425 (Oxford, 1996), pp.134-154. 60 Ammianus, Res Gestae, 15.5;para Firmo, cf. Ammianus, Res Gestae, 29.5.39. 61 Ammianus, Res Gestae, 31.2; para a entrada g6tica, 31passim - cf. P.J.Heather, Goths and Romans 332-489 (Oxford, 1991),pp. 122ff; e H. Wolfram, History of the Goths (Berkeley, 1988),pp. 117ff. 96 2 CULTURA E CREN<;A NO MUNDO CRIST.AO ROMANO 1 No final da decada de 460, como Sidonio Apolinario rclatou a um amigo, os bispos de Lyon e Autun tinham a rarefa de escolher e consagrar o novo bispo de Chalon-sur-Saone. Havia tres candidatos, anonimos: ~m reivindicava o cargo porque sua fam.iliaera antiga, outro porque tinha for- necido apoio acidade, alimentando pessoas, e o ultimo prometia terras da Igrejapara os apoiadores. Os bispos, por sua vez,escolheram o santo clerigo Joao, que lentamente havia subido na hierarquia da Igreja local, confun- dindo, assim, as facy6es do lugar. 0 proprio Sidonio ainda nao era o bispo de Clermont; quando assumiu o cargo, uma de suas primeiras carefas foi realizar uma eleiy:i.osemelhante em Bourges, em 470. Aqui, embora hou- vesse, novamente, numerosos candidatos, muitos dos cidadaos queriam Simplicio, um notavel local provenience de uma familia senarorial. Sidonio, inicialmente cauteloso na escolha, comeyou a simpacizar com Simplkio, e conservou o discurso que proferira diante dos cidad:i.ossobre tal mareria, o qual dizia (resumidamence), parafraseando: Se eu escolher um monge, v6s direis que ele e muito alheio a este mundo; se eu escolher um clerigo, muitos vao pensar que eu deveria escolher apenas com 97
  • 2. O legado de Roma: Iluminando a idade <lastrevas, 4 00-10 0 0 base na ancianidade [como, de faro, havia acontecido em Chalon]; se eu esco- 1her um funcionario leigo, v6s dircis que eu escolhi alguem como eu. Porem, eu tenho que fazer uma escolha; muitos de v6s podem ser episcopales,dignos de ser bispo, mas nem todos dentre v6s podem se-lo. Logo, eu escolho Simpli- cio, um leigo, mas cuja familia erepleca camo de bispos quanto de prefeirns - assirn como a sua esposa - e que tern defendido os interesses da cidade pe- rante os chefes romanos e "barbaros". Portanto, Sidonio, de fato, escolheu, nessa segunda elei<;ao,al- guem como ele, um aristocraca local, secular e casado. 2 0 ofkio de bis- po, na Galia, estava tornando-se um cornponente-padrao no progresso da carreira secular dos nocaveis da cidade, assim como o sacerd6cio pa- gao tinha sido antes; a hierarquia tradicional do mundo romano tinha efetivamente absorvido as novas estrucuras de poder do cristianismo. Conrndo, nao foi universalmente assim; o pr6prio apoio emusiastico de Sidonio para a elei<;iode Joao de Chalan, a despeito dos nocaveis lo- cais, mostra que, por vezes, continuava sendo possivel ucilizar cricerios diferentes dos de riqueza e nascimento para a entrada na hierarquia da Igreja. 0 cristianismo foi substancialmeme absorvido pelos valores tra- dicionais romanos, mas nunca de maneira plena. Um exemplo um pouco rnais combativo da mesma questao e Si- nesio de Cirene, que foi recomendado corno bispo da vizinha Ptolemais, em 411, a Teofilo, patriarca de Alexandria. Sinesio era oucro notavel se- cular local, coma Sidonio e Simplicio; ele representava a Cirenaica em Constantinopla, buscando, com exito, redu(j'.6esfiscais para a provincia, e ao mesmo tempo organizando a defesa local contra os berberes; ele era o cipo de homem util que tambem seria muito valioso como bispo, e foi ativo nesse papel nos aproximadamente dois anos antes de sua morte, como virnos no capitulo 1.Sinesio, no entanto, foi tambem um cornpe- tente filosofo neoplaconico, ceve o merito de escrever numerosas obras, tao imbuido na tradi(j'.aofilos6fica classica que as pessoas perguntam-se se de era mesmo um cristao (embora certamente o fosse), e nao foi ape- nas creinado pela renomada macematica e neoplatonica paga Hipatia de Alexandria, mas tambem por um amigo pr6xirno a ela, como suas car- tas mosrram. 3 Teofilo, por sua vez, era um radical que cinha destruido o templo pagao rnais famoso de Alexandria, o Sarapaion, em 391; uma rurba do seu sucessor, Cirilo , linchara Hipatia, de faro, em 415.Sinesio, 98 r Cultura e cren~a no mundo cristao romano entrecamo, escreveu uma extraordinaria carra aberta antes de sua ordena- <;fo,afirmando seusvalores filosoficos e morais. Ele nao renunciaria asua mulher; eles continuariam a dormir juncos, aespera de filhos. "Quanto aRessurreii;:ao, um objeto de cren(j'.a comum, eu a considero um concei- cosagrado e misterioso, sobre o qual nao concordo em absoluro com as opinioes da maioria". 0 mundo tampouco estava proximo de acabar. A filosofia permaneceria como sua voca(j'.aoprivada, caso ele fosse consa- grado bispo, fossem quais fossem as mentiras que dissesse em publico, e Teofilo devia saber disso. Aqui nao estarnos no mundo por vezes in- celecrual e provincial da Galia, mas no agressivo cora(j'.aodo violento e intransigente debate religioso. De qualquer forma, Teofila consagrou Sinesio. Em Alexandria, o status locale o apoio comavarn canto quanto na Galia Central, caso eles fossem poderosos o basrante. 0 Imperio Romano nao era, em absoluco, totalmente cristao, em 400. Havia ainda aristocraras pagaos, em Roma, embora calvez ja nao exisrissem, em 450; em Constantinopla, havia alguns ainda um seculo rnais carde. Existiam professores pagaos em Arenas eAlexandria ate o se- culo VI (Justiniano fechou a escola de Atenas, em 529), e algumas cidades menores, principalmente Baalbek e Hara, na Siria, provavelmente tinham maioria paga. As regioes rurais - ou seja, a maioriada popula(j'.a.O - eram, em grande parte, pagas por codos os !ados, exceto na Siria, na Palestina, no Egito e na Africa, e encontravam-se muiros pagaos nessas provincias tambem. 4 Eles continuaram a existir por algum tempo; temos urn relato de Joio de Efeso sobre seu ativo crabalho missionirio na Anatolia, em meados do seculo VI. Tambem havia substanciais cornunidades judaicas , na Galileia e na Samaria, na Palestina, na Siria e no vale do Eufrates, na Anatolia Ocidental, no nordesre da Hispania , em Alexandria, Roma e, em grupos menores, na maioria das cidades do Imperio; 5 essas cidades eram policicamente marginais, porem, nesse periodo, menos sujeiras a perseguii;:ao oficial do que posreriormente .6 Mas todos os imperadores , exceto Juliano por tres anos, tinham sido cristaos, desde 324 (Constan- tino converteu-se em 312, porern nio governou a toralidade do Imperio por rnais de uma decada). De forma constante , arraves do seculo IV, o paganisrno tinha-se separado da vida publica e, em 391-392, Teod6sio I havia proibido os principais pilares de grande pane do paganismo cradi- cional, o sacrificio publico e o culto privado de imagens. Essa legisla(j'.ao 99 I ,
  • 3. 0 legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400- 1 ooo coercitiva foi refon;:ada, no seculo V,eJustiniano acrescentou os ultimos retoques, proibindo os cultos pagaos e impondo o batismo sob pena de confisco e, as vezes, de execU<;:ao. Tal como aconrece com as leis sobre heresia cristii (ver abaixo), isso nunca foi mais do que parcialmenre efi- caz - festivais pagaos conrinuaram a ser praticados mesmo em grandes cemros cristaos, como Edessa, no final do seculo V - mas a exclusao do paganismo do mundo romano oficial estava agora concluida. 7 0 vocabulario, o imaginario e as praticas publicas cristas eram, porranto, politicamenre dominances no Imperio em 400, um dominio que apenas aumentaria depois; e, nas cidades, focos de praticamenre rndas as atividades politicas, os eristaos eram, na maior parte, numericamente do- minances tambem. Mas devemo-nos pergumar que tipo de cristianismo era esse, que conteudo efetivo detinha, quanro absorveu dos valores tradi- cionais romanos (e,inclusive, das pr:iricas religiosas),quanco os modificou, quais eram suas pr6prias fissuras (ja que havia muitas). A primeira parte deste capitulo tratara dessas quest6es, essencialmente daquelas relarivas as crern;:ase praricas religiosas; a segunda parte esrendera o quadro de for- ma mais ampla e considerad. outros rituais na esferapublica, assim como valores mais arraigados, incluindo inferencias sabre OS papeis de genera. 0 cristianismo, em 400, estava definido de forma simples, em certo nivel, como a religiao do Novo Testamento; se alguem acreditava na Trindade divina do Pai, do Filho e do Espirito Santo, e admitia que Jesus Cristo, crucificado por volta de 33 d.C., era o Filho de Deus, e que nao exisriam outros deuses, logo, era cristao. Essas crern;:asgeralmente iam acompanhadas de uma exalta<;:ao da pobreza - ja que o born crisrao deve dar rudo aos pobres - e do pressuposto de que este mundo e apenas um breve campo de prova antes das alegrias eternas do ceu ou das torru- ras erernas do inferno, o gue significava que o prazer era arriscado e que o ascetismo - as vezes, a automonifica<;:ao- era cada vez mais vista como virtuoso. Mas nunca se deu um caso em que a maioria dos cristaos rivesse levado a segunda dessas senten<;:as cao a serio quanto a primeira; e isso e um problema para nos. Quando consideramos a questao de saber com que tipo de cristianismo escamoslidando, sejanesseperiodo ou posteriormenre, somos levados, imediacameme, ao problema das fontes materiais. A vas- ta quanridade de escritos cristaos ap6s 350, aproximadamenre, supera de forma substancial a quantidade de trabalho das dices seculares romanas 100 f Cultura e cren,;:ano rnundo cristiio romano cardias(apesar de isso sobreviver,de forma bastanre generosa, do seculo IV ao VI), mas foi quase inteiramente obra de homens muito mais rigorosos do que seus vizinhos. 0 grau de rigor variou do relativo pragmacismo de um Agoscinho, passando por denuncias mais incransigenres de um Jero- nimo ou um Salviano, ao extrema purismo, separado da possibilidade de uma emulas:ao normal, implicira nas narrativas hagiograficas de santos asceticos, como Antao ou Simeao Esrilira. Todos eles, entreranto, eram alramenre criticos do mundo descontraido, mas ainda assim crisrao, que havia ao seu redor; e o objetivo de todos esses escritores era reformar, por meio da critica, mais do que descrever com precisao. Porcanto, nem sempre efacildizer seas pessoas faziam ascoisaspdas quais eram criticadas, muito menos afirmar quao comuns eram tais a<;:6es ou, ainda menos, que senrido essasa<;:6es cinham para as pessoas que as realizavam. Entre a conforcavel assimila<;:ao das hierarquias e dos valores tradkionais no cristianismo, por parce de uma ariscocracia de espiriro secular, como aquela de Sidonia, e o rigor de uma minoria de aucores mais comprometidos - que nem sempre era uma minoria popular ou influence -, havia um oceano de diferentes tipos de praticas religiosas realizadas por todos os outros, cujo significado deve adivinhar-se atraves dos relacos de observadores hostis. Consideremos as festividades. 0 calendario anual da religiao gre- co-romana rradicional escavarepleto de grandes festividades religiosas as quais os criscaos, naturalmente, seopunham. Uma celebra<;:ao importaRte era a do Primeiro de Janeiro, um festival de tres dias que marcava a passa- gem do ano.8 Os sacrificios cradicionais associados a ele haviam sido bani- dos; porem reria isso tornado a fesrividade religiosamente neucra para os cristaos, apenas acentuando o prazer e a solidariedade civica?Parece claro que aspessoas, geralmente, pensavam assim; mas uma corrente de escrito- rescristaos, incluindo os autores de serm6es que scpregavam em publico, opos-se violenramenre a essa celebras:ao, nao apenas porque a via como uma concorrencia para o Natal (em si mesmo, ironicamenre, o subscituto direto de um festival pagao, o Solsticio de Inverno), mas tambem porque acreditava que elaestava irremediavelmente contaminada pelo paganismo. 0 Primeiro deJaneiro sobreviveu, enquanto festividade, are o seculo VIII e mesmo ap6s; todavia, nao sabemos se ele foipercebido pelas pessoas co- muns como algo cristao, secular ou pagao, nem quando isso ceriaaconte- cido nem com qua! intensidade. Os bispos lidavam com essas festividades 101
  • 4. 0 legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-1000 principalmence organizando suas pr6prias, isto e, criando um calendario religioso cristao, com foco no Natal, em seguida na Quaresma, depois na Pascoa e em Pentecostes, sobrecudo de dezembro a maio, estendendo-se pelo resto do ano com as celebra<;6esdos santos locais. Esse ciclo de festas, de fato, acabou por prevalecer sobre o calendario pagao: o tempo cristao substituiu o tempo pagao. A forte enfase no domingo 9 · como o dia obri- gar6rio de descanso, que, para o seculo VI, reforpva-se por milagres (de acordo com Gregorio de Tours (m. 594), os trabalhadores agdcolas que laborassem aos domingos ficariam aleijados, e as crian<;asfruto de rela<;6es sexuais dominicais nasceriam aleijadas), tambem marcou, definitivamen- te, a cristianiza<;ao do tempo. Mas as pessoas ainda mantiveram as "mas" atirudes; elas encaravam os novos dias festivos cristaos da mesma forma como viam os dias festivos pagaos, ou seja, como oportunidades para em- briagarem-se ou divercirem-se, como Agostinho reclamava de uma festa local em mem6ria de um marcir. 10 Essa forma de compreender o calenda- rio cristao, atraves da frui<j:fopublica, em vez de (como Agostinho propos) cantar salmos 11aigreja, era vista corno pagi pela maioria de nossas fontes, mas, sem duvida, plenamente cristi aos olhos das pessoas que assim agiam; e essa visao dupla iria permanecer por muito tempo. Quase amesma coisa pode ser dita sobre a cristianiza<;io do espa<;o geografico_Cultos pagaos tinham-se espalhado pela paisagem do lmperio Romano; uma fonte sagrada aqui, um templo no topo da colina ali, cada um, talvez, com sua pr6pria divindade; de fato, coda a paisagem compor- tava porenciais elememos sagrados_ Na medida em que esses elemenros foram lentamente proibidos ou destruidos, e novos sitios de culto cristao foram construidos, de preferencia, em torno de tumulos de rnartires OU santos rurais, havia um risco de que tais sitios dessem apenas uma aparen- cia religiosa nova a antigas tradi<;:6es,corno acomeceu 110grande local de culto rural de Saint-Julien, em Brioude, na Galia Central, localizado, sem sombra de duvidas, no cumulo de um martir, mas tarnbem 110local anti- gamente famoso porter sido um imporcante santuario de Marte e Mercu- rio; a transi<;:aoparece ter acontecido em meados do seculo VY Afinal de comas, aspessoas tambem seembriagavam sobre os tumulos dos martires; ninguem sabe o que elas realmente estavam celebrando, o marrir ou o local de culto uadicional. Talvez houvesse momentos em que os rituais, inclusive as festividades, fossem inverridos tao significativamente que os peregrinos 102 Cultura e cren~a no mun do cristao romano que chegassern ao mesrno sitio cukual percebessern que algo importance cinha mudado, tal como prerendeu o papa Gregorio I, em 601, ao propor aos missionirios da lnglacerra anglo-saxonica que assumissem o controle de templos pagaos, mas for<;assemos devotos visitanres a comer os animais que des tinham trazido para o sacrificio ritual. Mas calvez nio; a topogra- 6a cristi poderia ser suspeitosamente semelhance a paga. 12 Mas , nesse caso, a mudan(j'.aera passive!, apesar de tudo. Para co- me<;ar,enquanto, aos olhos pagaos, coda paisagem podia ser luminosa, aos olhos cristaos, apenas os locais de culto espedficos eram pontos de luz em um espa<;:o, de outro modo, secular. Estes eram sempre, ou logo se torna- ram, asigrejas, ja que eram muito visiveis-Poucas igrejas foram diretamen- te construidas sobre remplos ou dentro deles, e essas poucas eram quase sempre urbanas. Nas cidades, de fato, as topografias cristas eram, no geral, bem diferentes daquelas dos pagaos. A tradicional religiao publica tinha se centrado nos predios cerimoniais ao redor do forum no cemro da cidade, enquanto as igrejas de culro cristao 6cavam, muitas vezes, nos limites da ci- dade, ou fora, nas areas de cemiterio. Como resultado, a atividade religiosa urbana se tornou muito mais descemralizada, e as cidades, inclusive, tor- naram-se espacialmente fragmencadas em algumas panes do lmperio (em particular, na Gilia), com nucleos de pequenos assentarnentos em torno de igrejas espalhadas e, em alguns casos, com o tradicional ccntro da cidade deixado em ruinas. As vezes, isso acontecia porque os centros das cidades pareciam demasiado pagaos, ou muito seculares; em Roma, apesar de ter-se tornado a principal capital do cristianismo, nenhuma igreja foi construida na ampla area do forum ate 526.13 lsso tambem estava vinculado a algumas verdadeira s mudan<;:asnas ideias sobre o sagrado, e sobre o que causava a conramina<;:io espirimaL A tradicional religiao greco-romana considerava as pessoas falecidas muito perigosas e poluentes; nenhum adulto podia ser enterrado denrro das muralhas da cidade ou em areas habitadas, e os cemi- terios estavam codos alem da margem dos assentamentos. No entanto, os marcires e outros santos erarn visros pelos cristaos como pessoas diferemes: nao eram fomes de polui<;ao, mas, bem ao contrario, pessoas que deviam ser veneradas (em alguns casos, inclusive, como se nao tivessem morrido). Desde epocas tao remocas quanto o seculo IV, as reliquias dos santos co- me<;:arama ser associadas as grandes igrejas; progressivamente, essasigrejas 6cavam dentro dos limites da cidade_ 0 poder positivo associado aqueles 103
  • 5. o Jegado de Roma: lluminando a ida<le das trevas, 400-1000 corpos significou que as pessoas cada vez mais desejavam ser encerradas junco a des. Os primeiros enterros de pessoas nao santas dentro das cida- des dacam do fim do seculo Ve comes:odo VI, na maior parte do Imperio; primeiro foram os bispos e ariscocratas locais, depois os cidadaos comuns. 14 No seculo VII, os cemicerios urbanos eram cada vez mais frequentes. Os monos conrinuaram percurbando, pela sua qualidade de seres "liminais", por vezes poderosos - como ainda sii.o-, porem o medo visceral de seu poder contaminance desapareceu. 0 mundo invisivd cambem mudou. Para a maioria dos pagaos, o ar escavareplero de poderosos seresespiricuais, daimones em grego, que as vezes eram beneficos, as vezes nii.o,por vezes controlaveis por magia, mas acima de tudo bastame neutros para a rac;:a humana. Para varios cristii.os- induindo os aucoresdas nossas fonces,cercamence, mas tambem aspessoas comum que aparccem nas hagiografias -, esse mundo invis{velpassou a ser visto como daramenre dividido em dois, anjos bons e demonios maus (apalavra daimones ainda era ucilizada);15 o criscianismo herdou esse dua- lismo do judaismo que, por sua vez, pode cersido inAuenciado por crens:as paraldas no zoroastrismo. Alem disso, comes:amos a ouvir mais sobre de- monios, que passaram a intervir com mais frequ~ncia na vida diaria. A cris- tianizas:ao, portanto, desenvolveu a sensas:aode que esse mundo invisivd estava mais repleto de perigo do que previamente cinha sido (isso afetou a vida ap6s a morte, ja que o inferno cristii.opodia conter muitos rnais peca- dores do que o Tartaro pagao ou a Geena judaica). Os demonios, aos olhos cristii.os,causavam doens:as, ma sorte e todo tipo de estragos; a possessii.o demoniaca era comumemc vista como a causa de disturbios mentais. Os demonios viviam, emre oucros lugares, em santuirios e idolos pagaos, em areas nao culrivadas, corno os desertos, e tambem em cumulos (calcrens:a era, em parce, uma herans:a de crens:ascradicionais sobre a concaminas:ao dos monos). Eles podiam ser derrotados por exorcismo clerical, e muitos crisraos asceticos ganharam uma consideravel repucas:aocomo cas:a-demo- nios. Teodoro de Sykeon (m. 613) era um exemplo parcicularmence acivo: realizava exorcismos atraves da Anatolia Central, enquanto OS demonios perturbavam a harmonia das vilas ou possuiam os fracos e enfcrmos, em alguns casos, como resultado do lans:amento de um feitis:o,em outros, por- que os imprudences tinham perturbado os cumulos, calvez em busca de tesouros.16 0 cristianismo inovou, em cermos religiosos,ao dar mais espac;o 104 f Cu.ltura e cren~a no mundo cristao romano as inrervens:oes dos seres humanos em assuntos sobrenacurais, cendo eles autoridade eclesiastica ou sendo parcicularmente sancos.Apesar de muitos homens e mulheres afirmarem que apenas canalizavam o poder celestial de Deus e dos samos, des eram cracados, por muitos cristii.osmenos ex- cepcionais, como se tais poderes espiricuais fossem toralmente deles, um produto do seu pr6prio carisma. Frequentemence, rem sido sugerido que as religi6es paga e crista operaram em diferences niveis: o paganismo prestaria mais atens:ao ao ritual publico (como o sacrificio), enquanco o cristianismo daria mais atens:ao a crens:a. Isso seria um exagero se colocado muico cruamence, ja que as duas comunidades religiosas operavam em ambos os niveis; toda- via, ao mcsrno tempo, ha um elemenro de verdade nisso. 0 cristianismo cambem estava preocupado com o esrabelecimento de limites espirituais _ encre o sagrado e o secular, ou encre bons e maus demonios - quc eram mais matizados (ou confusos) para a maioria dos pagaos; e ele tambem estava, inicialmence, menos comprometido com a arividade publica e coletiva (embora isso fosse rnudar rapidamente). Aqui existem alguns paralelos com o desafio que a Reforma Protestante lans:ou ao cristianis- mo cat6lico, no seculo XVI (paralelos que os protestantes procuraram, de forma basrante conscience, enfatizar). Eles aparecem tambem nose- culo XIX na cdcica "modernista" do mundo publico do ancien regime, como foicaracterizado por Michel Foucault. 17 Ou seja, ha uma tensao encre promover o ritual colecivo, que traz solidariedade social e moral, e tratar de mudar a mence das pessoas; essa censao existe ha muito tempo na hisc6ria humana e, em algumas sociedades, um extremo procura se sobressair ao outro por um certo periodo. No contexro romano tardio, provavelmente seria rnelhor afirmar que existia tensao nao apenas entre pagaos e cristaos, mas, inclusive, dentro do pr6prio cristianismo, uma vez que as atitudes cristas para com o publico mudaram rapidamente, e o encusiasmo religioso, visivel nas festas e peregrinas:6es e ate mesmo no ato de acudir aigreja, nii.oera absolucamente equiparavd agras:adivina ou adisciplina mental (ou a ambas) as quais os rigoristas acreditavam ser necessirias para atingir a salva<;aoindividual. Isso foialgo de que os escritores cristaos que cram bispos estavam muiro consciences, e, por isso, era necessirio abarcar os dois ambitos. Precisamente essa tensao eo que, em grande parte, corna interessantes os nossos aurores. 105
  • 6. O legado de Roma: Tluminando a idade das trevas, 400-1000 Mudar as menres das pessoas era, porem, mais difkil e, no ni- vel da moral e dos valores diarios, o cristianismo mudou muico menos. Por exernplo, para alem da critica rigorista ocasional, como no caso de Gregorio de Nissa (rn. c. 395),nao ha nenhurn sinal de que a falta deli- berdade legal fosse considerada errada pela maioria dos cristaos, apesar do explfcito igualitarismo cristao; 18 de qualquer maneira, libertar escra- vos (manumissao), como um ato piedoso em vista da morte, comum na Antiguidade Tardia e na Alta Idade Media, tinha impecaveis antece- dentes pagaos. A oposic;ao as hierarquias sociais por questao de riqueza ou o repudio a tortura judicial s6 se desenvolveram, em alguma medida, por movimentos hereticos. Cada um dos escricores cristaos denunciou o mau comportamento sexual (alguns contra toda a atividade sexual), considerando a virgindade superior ao casamento, como fez Jeronimo (m. 419), mas nao e claro que isso teve algum efeito sobre ac;6es coti- dianas.19 No entanto, os cristaos tambem 6zeram campanha contra o div6rcio; ao menos no Oc idenre, isso se tornou cada vez rnais dificil na lei e evenrualmence impossivel, rnais tarde, durante a Alta Idade Media; as pd.ticas que diziam respeito alegislac;ao erarn mais faceis de mudar, donde a abolic;ao dos jogos em anfiteatros. 20 No nivel dos pressupostos familiares, em contrapartida, incluindo os papeis de genero, nao mudou muira coisa, como veremos mais adiante neste capitulo, como tampouco mudaram os valores dvicos da vida publica romana. Uma exce1rao impor- tance foi a caridade para com os pobres, que tinha sido um dos pilares da atividade da comunidade crista desde seus primeiros anos, quando era uma minoria perseguida. A caridade continuou a ser uma grande respon- sabilidade para os hons cristaos, mais do que havia sido para os pagaos, e tinha tambem um papel fundamental para as igrejas (e para os bispos que dirigiam as principais igrejas em cada cidade), na medida em que es- tas cresciarn em termos de riqueza, e a caridade lhes proporcionava uma justificativa para isso, ja que os evangelhos cristaos davam tanta enfase apobreza. Esse acento na caridade viria a ser herdado pelo isla rambem. Tais mudanc;as nas praticas de culto e na cultura religiosa foram acompanhadas por outras tres importances inova1r6estrazidas pelo cristia- nismo ao mundo romano: a Igreja como uma instituic;ao; a importancia politica da crenc;acorreta; e novos espa1rossociais para rigoristas religiosos e ascetas. Vejamos cada uma dessas inovac;oes. 106 Cultura e cren~a no mundo cristao romano A religiao paga nao dependia de uma estrutura institucional muito elaborada, e os cultos de cada cidade eram todos organizados localmente; 0 judaisrno rabinico rambem era muito descentralizado (osjudeus tiveram um unico patriarca ate por volta de 425,mas nao esta daro seseus poderes eram muiro amplos).21 0 cristianisrno, no entanto, teve urna hierarquia complexa, coincidindo, em parte, corn a do estado. Em 400, havia quatro patriarcas: em Roma, em Constantinopla (desde 381),em Antioquia e em Alexandria (um quinto patriarca, para Jerusalem, foi adicionado em 451), que supervisionavam os bispos de cada cidade. 0 patriarca de Roma ja era chamado pelo titulo honori6co depapa, mas foisomente ap6s o seculoVIII que cal designac;aose tornou restrita ao papa de Roma. Os bispos logo se organizaram em dois niveis: os bispos rnetropolitanos (chamados depois de arcebispos) ficavam em um nivel interrnediario, pois supervisionavam e consagravam os bispos de cada provincia secular. Demro da diocese de cada bispo, que normalmente correspondia ao territ6rio secular da sua cidade, os bispos tinham autoridade sobre os clerigos de oucras igrejas publicas (em- bora igrejas e mosteiros fundados de forma particular fossern rnuitas vezes am6nomos, uma situa<;aoque produziu disputas interrninaveis e rivalidade durance o milenio seguinte). A Igreja, nos seculos IV e V, se tornou uma estrutura elaborada, com cercade cem mil derigos de diferentes tipos, mais pessoas do que a administrac;ao civil, e sua riqueza crescia, de forrna conti- uua, corno resultado de doa1r6espiedosas. Ernbora a insdtuic;ao nao fos-se parte do estado, a sua riqueza e a coesao institucional que abarcava todo o Irnperio tornavarn-na uma parceira inevitivel de imperadores e prefei- tos, bern como urna autoridade informal forte e influence nas cidades; por volta do ano 500, a Igreja catedral era, rnuitas vezes, a rnaior proprietaria de cerraslocal (e, portanto, a patrona) e, ao contrario do caso das riquezas familiares privadas, a sua estabilidade pod ia ser garantida - os bispos nao eram autorizados a alienar os hens da institui1rao. Foi a riqueza eclesiastica e o status local que levaram o episcopado a se tornar parte das estruturas de carreira da elite, na Galia, durante o seculo V;22 esseprocesso ocorreu mais tarde na Italia e em algurnas das provincias oriemais, mas, ao redor do ano 550,eleera normal em rodos oslugares.Mesrno no contexto eclesiastico,os bispos seidentificavarn, geralmente, com asua diocese, em primeiro lugar,e com as institui1r6eseclesiasticasrnais amplas, apenas secundariamente. No entanto, mesmo assim, estavam ligados ahierarquia rnais arnpla da Igreja: 107
  • 7. O legado de Roma: Huminando a idade das trevas, 400• 1ooo podiam ser nomeados ou exonerados pdos metropolitanos e pelos cond- lios episcopais que, progressivamente, se cornaram mais frequentes, ora no nivel imperial (os condlios "ecumenicos"), ora no regional, na Hispania, na Galia ou na Africa. 0 faco de essa estrutura inscirucional nao depender do Irnperio e, acima de rudo, ser financiada separadamente significou que ela pode sobreviver afragmenca~ao policica do scculo V, ea Igreja foi, de fato,a institui~ao romana que prosseguiu com menos mudan~as durante a Alta Idade Media; os dos entre as regioes se tornaram mais fracos, porem o resto permaneceu incacto. 0 problerna da rela~ao entre a Igreja, como institui~ao, e o poder politico secular existe desde que surgiram governos cristaos, e, rnuitas vezes, isso causou con.Aitosconsideraveis, como ocorreu no seculo V e ocorreria novarnenre durance a Reforma do seculo XI, ou nos estados p6s-iluministas dos seculos XIXe XX. A pratica polftica paga valorizava a conformidade religiosa,porem as varia~oes nas cren~as religiosas nio redundavam em profundas divis6es. Nesse sentido, o cristianismo era muito diferente. Desde o inicio de sua hist6ria, seus adeptos discutiram sobre teologia e acusaram-se mucuamente de cren~adesviante, "heresia",e, no seculo IV,isso se cornou um assunco de estado. 0 que pode cer surpreendido rnuito Constantino, quando de sua conversao ao cristianismo, foi o conflito interno na religiao que ele havia escolhido, hem como a importancia para seus rnembros de veneer sern fazer nenhuma concessao. Constantino levou a serio a missao de alcan~ar a uni- dade do cristianismo, mas nao foi bem-sucedido (o que deve re-lo surpreen- dido tambem). Para seus sucessores, a unidade em torno de uma visa.auni- ca e correta cornou-se cada vez mais importance, inclusive para o bem-esrar do Imperio enguanro coletividade; no final do seculo IV, o desvio religioso era, dessaforma, poliricamence perigoso e precisavaser extirpado por lei.As leiscontra ospagaos foram, primeiramente, aperfei~oadas contra os cristaos herecicos,isto e, aqueles que ficavam no !ado perdedor nas grandes batalhas te6ricas, e elas erarn sempre urilizadas, de forma muito mais sistematica, contra a heresia. Portanto, a heresia era cada vez mais perigosa e comum no Imperio tardio. Ela rambem foi considerada um problema aolongo dos secu- los seguinres (parcicularmence no Ocidence do seculo XIII), porem apenas a Reforma iguala a incensidade das disputas religiosas do pedodo 300-600. A primeira dispuca que Constantino enfrencou foi aquela encre donatistas e cecilianistas, na Africa, que discutia se os bispos que tinham 108 Cultura c cren,a no mundo cristao romano comprometido a sua fe durance as recemes persegui~oes ao cristianismo podiam continuar a consagrar oucros bispos depois disso. Essa era uma questao caracteristica da Igreja pre-constantiniana, mas aquela querela africana era, de longe, o mais serio exemplo. Os donatistas sustemavam que 0 bispo Ceciliano de Cartago, o metropolitano local, fora consagrado por um bispo ap6stata e, porramo, nao podia ser bispo nem consagrar outros; Constantino os condenou, em 313, mas eles nao cederam. Tecnicamence, rratava-se de um cisma, nao de uma heresia, pois nao dizia respeico a dife- rern;asde fe; no entanto, imediatamence isso se cornou uma disputa estru- curalmente seria, uma vez que os donacistas nao aceitaram o bispo africano consagrado por Ceciliano, e, por isso, criaram uma hierarquia rival; por vo!ta de 335, havia 270 bispos donatiscas. Esse cisma permaneceu restrito a Africa, porem se arrastou por um seculo, com violencia de ambos OS lados e cambem com uma feroz polemica escrita (Agostinho redigiu parte dela), ate que uma persegui~ao siscematica aos donatistas, ap6s um debate formal em Cartago, em 411 (cf capiculo 3), os enfraqueceu substancialmeme. O donacismo foi a unica divisao interna que percurbou seriamen- te o Ocidente romano tardio. Esse faro era um problema para a lgreja la- tina mais do que para a grega: a pureza pessoal dos homens que consagra- vam oucros homens e que presidiam a eucaristia, a cerimonia central do culco cristao. 23 A pr6xima heresia ocidental, o "pelagianismo", declarado heretico pelo imperador Hon6rio, em 418, e (com bastante reticem:ia) pelo patriarca ocidenta l, o papa Z6simo de Roma, no mesmo ano, como resu!tado da pressio exercida por Agostinho e Alipio, foi tambem relacio- nada a questoes de pureza pessoal. Pelagio argumencava que um cristao convicco podia evitar o pecado atraves do livre-arbitrio dado por Deus, o que Agostinho considerava impossivel. No entanto, os pelagianos nunca foram mais do que uma minoria, e o mais duradouro efeito dessa divisao foi o desenvolvirnento, por Agostinho, de sua teoria da predestina~ao a salva~ao por meio da gra~a de Deus, que permaneceu concroversa (e ma! compreendida, parcicularmence na Galia e na Italia), mas nao resultou em posteriores declara~oes de heresia. 24 Pode ser relevance, aqui, notar que a questao da pureza dos clerigos permaneceu importance no Oci- dente. Ali, mas nao no Oriente, todo o clero suposramente devia evitar a atividade sexual, de acordo com condlios tao amigos quamo o ano 400 (no Oriente, isso s6 foi aplicado para os bispos e, mesmo assim, depois de 109
  • 8. 0 legado de Roma: lluminando a idade das trevas, 400-100 0 451).Com isso nao se quer dizer que o clero ocidental sempre obedeceu a essa teoria, pois, em varias regi6es ocidemais, houve derigos Iegalmente casados ate o final do seculo XI; no entanto, o prindpio de que 05 sacer- dotes deveriam ter um carater sagrado diferente de suas congregac;:6esfoi estabdecido desde cedo.i 5 No Oriente, a questao que mais causou divisao foi bem ourra: a natureza de Cristo. 26 Constantino tambem achou que havia dissensao entre o parr_iarcaAl~x~n~re de ~lexandria e seu presbitero Ario a respei- to de se o Ftlho era 1dem1eoou 1gual em substancia ao Pai, na Trindade; Alexandre susrentava que sim mas Ario dizia que nao C · _ _ , . onstantrno, que nao cons1deravaque o assunto fosse particularmente importance, convo- cou um condlio de bispos, em Niceia, no ano 325,0 Primeiro Concilio Ecumenico, que, notoriameme (foi o unico Concilio Ecumenico a alcan- c;:a-lo), co~seguiu que ambos os lados concordassem em uma formulac;:ao, o cred~ mceno, essencialmente apoiando Alexandre. Alguns seguidores e~trem1stas de Alexandre, comudo, principalmente seu sucessor, Atana- s10_(m.373),negaram-se a manter comunhao com Ario, apesar de deter ace1tadoo credo niceno, e a disputa recomec;:ou. Outras vers6es de fe crista ~a~s pr6ximas do que Atanasio chamava de "arianos" eram populares em vanas ~artes do Oriente, sobretudo em Constantinopla, incluindo, entre des, os1mperadores Constancio II e Valence;nao era absolucameme obvio para todos que os membros da Trindade eram iguais. Atanasio era cambem pessoalmeme_impopular,por seu estilo violenco, e tinha um extenso apoio apenas no Oc1deme. Porem, uma nova gerac;:ao de apoiadores do credo ni- ceno ganhou _forc;:a na decada de 370,particularmeme grac;:as a Basilio, bis- po de Cesare1a, na Anatolia (m. 379),e aos seus associados. Com a morte de Valence,em Adrianopolis, em 378,Teod6sio I, um aliado ocidental d B 'l· d e asi 10,tornou-se impera or do Orieme, e o seu Concilio Ecumenico, em ~onstantinopla, no ano 381,finalmente declarou que o credo niceno era a fe ortodoxa. :aradoxalmente (mas nao o unico caso entre as heresias), foi essa declarac;:aoque, pela primeira vez, cristalizou O pr6prio "arianismo" enquamo um sistema religioso elaborado de fato. Consequentemente, de perdeu o patrocinio imperial e portanco dai em diame, um apoio mais amplo iapesar de_ que, na capital oriental, isso nio aconteceu are avigorosa pregac;:ao do patnarcaJoao Crisostomo, em 398-404)s6 foi evidente entre os godos e, por extensio, os outros grupos "barbaros" 110 norte.27 110 Cultura e crenOano mundo cristiio romano A vit6ria do credo niceno signi:ficavaque Cristo, apesar de huma- no e passivel de sofrimento, era visto completamente como divino tam- bem; no entanto, como eram combinadas a humanidade ea divindade? Esse era O maior nucleo dos debates do seculo V, que con:figuravam, por varios aspectos, disputas de poder entre Alexandria e Antioquia, tendo Constantinopla, geralmeme, do lado de Antioquia. 0 patriarca Cirilo de Alexandria (412-444)argumentava que os elementos humano e divi- no, na natureza de Crisco, nao podiam ser separados; antioquenos, como Nest6rio, patriarca de Constantinopla (428-431),via-os como distintos. 0 perigo na postura de Cirilo, a que chamamos de "monofisita", era que Cristo perderia completamente a sua humanidade; o perigo na postura de Nest6rio era que Cristo se tornaria duas pessoas. Nenhum desses riscos tinha sido percebido ainda, mas os oponentes de cada lado acreditavam que sim. O Terceiro Concilio Ecumenico, em Efeso, em 431,p~lco de ~1:1a nocavele cfnica manobra por parte de Cirilo, condenou e depos Nestono. Efeso tambem legitimou o culto da Virgem Maria como Iheotokos,"mae de Deus", uma formulac;:aoa que Nest6rio, em particular, se opos, mas que dominou a maioria das igrejas cristas naquele momenco; os grandes condlios como um todo nao discutiram apenas a cristologia. Mas a ten- tativa alexandrina de ir atras de todos os antioquenos, um por um (noto- riamente, Teodoreto, bispo de Cirro, que foi, brevemenre, destituido em 449), repercutiu ndes, principalmente pela oposic;:aoocidenral, centrada nas a<;6ese nos escritos do papa Lea.a I (440-461),e tambem porq_ueos alexandrinos afastaram a imperatriz Pulqueria, sua apoiadora em Efeso. Um quarto condlio, em Calcedonia, em 451.rejeitou a posic;:ao "mono:fi- sita" alexandrina (aomesmo tempo que manteve a rejeic;:ao de Nest6rio), e impos a norma de que Cristo existiu "em duas naturezas", divina e huma- na, porem em uma s6 pessoa. Isso estabeleceu uma ortodoxia que, a partir de entio, dominou o Ocidente e O centro bizantino. Mas nao pos :fimas disputas, pois o mono- :fisismotinha O apoio popular de que careciam as interpretac;:6esanterior- mente derrotadas, em particular na maior parte do Egito, cada vez mais na Siria e na Palestina, e tambem na Armenia. Os imperadores que por vezes simpatizavam pessoalmente com o monofisismo (como aconteceu com Anastacio e tambem com a imperatriz Teodora, a poderosa esposa de Justiniano) viram a divisao calcedoniana-mono:fisira como uma questao 111
  • 9. O legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400- 1000 politica e nao reol6gica, e tentaram varias vezes promover posis:oesinte r- mediarias entre as duas: oHenotikon, de Zenao, em 482, o quinco condlio deJustiniano, celebrado em Constancinop la, em 553, o pronunciamenco "monotelista" de Heraclio - a Ekthesis - em 638. Esses nao funcionaram porque havia cada vez menos terreno comum entre os dois lados (mesmo que as quest6es em jogo se cornassem cada vez mais arcanas); no final do seculo VI, de faro, as provincias monofisiras estavam estabelecendo uma hierarquia episcopal paralela para enfrentar os calcedonianos. Os impe- radores viram-se anat:ematizados por ambos os lados, e tambem enfren- taram um cisma com o Ocideme, que era intransigememente calcedonia- no (quando os papas de Roma foram intimidados a aceitar o conci.lio de Constantinopla, em 554, des tambem enfrentaram a oposis:aode grande pane do Ocidente, o chamado cisma "dos Ti:es Capfrulos", o que levou 150 anos para terminar). 28 0 arianismo cominuou sendo o crisrianismo dos grupos "barbaros", particularmente dos godos, dos vindalos e, even- tualmente, dos lombardos, ate o seculo VII. 0 "nestorianismo" continuou tambem - em formas mais extremas do que Nest6rio jamais propuse- ra -, mas principalmente fora do Imperio, na Persia, e tao ao leste quamo a China. Mas foi o monofisismo que dividiu os cristaos romanos de forma mais radical e cornpleta, e a divisao nunca foi curada. Eimpossivel caracterizar esses conflitos com precisao em poucas palavras, visto que a teologia em questao e incrivelmente intrincada, de- pendendo de definis:oes apuradas e de desenvolvimentos filos6fico-pla- t6nicos de conceitos que requereriam rnuitas paginas para ser exposros em ingles (alern disso, era um debate que s6 fazia pleno sentido na lingua grega, inclusive naquela epoca; Lea.a I foi o ultimo latino-falante que realmente o compreendeu e contribuiu para ele). Essas caracterizas:oes tao detalhadas nio cabem aqui. Mase importante ressaltar que elas erarn realrnente significativas. Para os observadores pagaos, esses debates eram ridiculos, ate mesmo insanos, assim como acompanhados de comporta- mentos surpreendenternence negativos; mas, para os cristios, encre 300 e 550, ter uma definis:aoexata e universalmente aceita sabre Deus tornou-se cada vez mais importante, uma vez que o poder politico dos bispos nio deixava de crescer. Erelevante que tivessem mais importancia no Oriente, onde o debate tecnico-filos6fico estava mais ancorado na vida intdectual ' mas com as conquistas "barbaras", as quest6es cristol6gicas, da mesma 112 Cultura e crern;: a no mundo cristao rom ano forma, chegaram ao Ocide nce, e os debates entre os arianos e os cat61icos tambem foram intensos; de qualquer forma, a problema tica agostiniana, que dominava a teologia no Ocidente, centrada na predestinas:ao e na gras:adivina, nao era menos complexa, embora evitasse o debare cristo- l6gico. Eclam que e impossivel dizer quamas pessoas cornpreenderam corretamente as quest6es que escavam em jogo em Calced6nia, por exem- plo: talvez apenas algumas cencenas (embora nao devessernos subestimar a sofisticas:ao ceol6gica dos cidadios das grandes cidades) que estavam expostas aos serm6es de alguns grandes pensadores. Conrudo, o proble- ma da verdadeira divindade de um deus humano - que inclusive tinha morrido, na Crucifixao - era uma questao que teria senrido ao menos no mundo romano tardio, onde o culto dos impe radores coma deuses ainda era lembrado (inclusive, ate era praticado por alguns) e o ser divino nio escava,no seculo V, tao discante da humanidade como ele (ou eles)estaria em alguma s vers6es do cristianismo . Essas divis6es tambem sio importances porquc mobilizaram um grande numero de pessoas. 0 cristianismo do seculo Vera uma religiao de massas, chegando cada vez mais ao campesinato. Seus parricipante s eram muito leais a seus bispos ea outros lideres religiosos locais, e em seu apoio era possivel rnobilizar uma cidade contra outra ou uma provincia contra outra. A luta das facs:6espolicicas podia ser expressa tambem em termos religiosos, e oslideres seculares locais viam-se envolvidos em dispu- tas eclesiasticas durance toda a sua vida politica. Nas cidades, as multid6es chegavam a atracar-se em luta corporal; em Alexandria, onde os cumultos tinham uma longa tradis:ao, Cirilo era bem conhecido pelo jeito como as manipulava. 29 Os donatistas tinham um bras:oarmada, os cir~umceLliones, camponeses asceticosou trabalhadores sazonais. Os monges rurais tambem foram usados como tropas de choque, geralmente no !ado monofisita;Je- rusalern era um lugar perigoso por causa do nurnero de mosteiros em seu enrorno, que poderiam ser rapidamente mobilizados, coma quando Juve- nal, patriarca deJerusalem, 30 foi expulso por manges, em 452, por um ano, porque tinha aceitado o condlio de Calced6nia; foi necessario o exercito pararestabelece-lo no posco. Os monges nio eram normalmente educados, mas certamente eram fervorosos. A aspereza de seu protagonisrno politico quebrava as regras de decoro da elite rornana cardia e perturbava os obser- vadores mais polidos, como acontece cambem com alguns historiadores 113
  • 10. O legado de Roma: J1uminando a idade das trevas , 400-1000 modernos. Esses manges parecem demasiado fundamentalistas e faniti- cos, e eles eram mesmo; mas representavam, ao menos, um sinal de que o cristianismo havia penetrado no campo eque suasdivis6es envolviam mais pessoas do que elites reduzidas. Isso nos leva a uma ultima inovac;aocrista: o desenvolvimento de novas esferas de comporramenco social. Em geral, o cristianismo compro- metido envolvia um estilo de vida pessoalmente piedoso, o que, na verda- de, importava mais do que as disputas teol6gicas para a maioria de seus adeptos; mas os rigoristas podiam e iam, realmente, muito alem da mera piedade. No cristianismo, desde cedo a autoprivac;ao de alimento ou con- forco, 0 autodesprezo e a evasao da sociedade hurnana foram considerados, por algumas pessoas, como maneiras pelas quais os sereshumanos podiam aproximar-se de Deus. Essasformas de ascetismo foram popularizadas pela extremamente influence Vida de Antao, de Acanasio, escrita por ocasiao da morte de Antao, o eremita do deserto egipcio, em 357, e traduzida do grego para o latim quase de imediato. 31 "O deserto", um local fisico para Antao, rornou-se uma imagem para coda a ascese, e homens e mulheres podiam criar seus pr6prios desertos locais ao se isolarem em lugares afas- cados, ou permanecendo no alto de colunas, muitas vezes por decadas, como fizeram muicos estilicas desde Simao, o Velho (m. 459) - inacessiveis (exceto por escada), mas, de codo modo, claramente visiveis,o que resul- tava na aquisic;aode interesse publico. Um estilita influence, Daniel (m. 493), tinha sua coluna ao lado de um dos principais portos do B6sforo, ao leste de Constantinopla - ele, cercamente, estava no centro das atenc;oes (alguem ate perguncou-lhe como ele defecava: de forma muito seca, como uma ovelha, de respondeu); mas Simao cambem [inha sua coluna no meio das ricas colinas de produc;ao de oliveiras do norte da Sfria, e multid6es o observavam tocar, repecidamente, os dedos dos pes com a cabec;a,contan- do 1.244 desses movimentos em uma ocasiao, como Teodoreto de Cirro narrou. 32 Obispo Teodoreto escreveu um relato sistematico das fac;anhas ascecicas - notaveis e, com frequencia, segundo pensava, absurdas - que os santos sirios praticavam, e enfatizava o quanta des eram respeimsos para com ele. Os ascetas asvezes causavam ressentimento na hierarquia da lgreja comum, ja que seus poderes espirirnais (conselhos precisos, orac;6es particularmente eficazes e de vez em quando milagres) eram o resulcado de seus pr6prios esforc;os,em vez de serem concedidos pelos bispos. Con- 114 Cultura e cren,a no mundo cristao romano rudo, a maioria contava com apoio e patrodnio episcopal, e alguns deles (como Teodoro de Sykeon) tornaram-se bispos. A influencia dessesascetasquebrou codasas regras sociaisromanas: poucos eram ariscocratas, poucos eram educados, mas as pessoas procura- vam seu conselho persistentemente. Conservamos as respostas que Bar- sanufio eJoao, dois eremitas idosos que viviam nos arredores de Gaza no inicio do seculo VI, deram para 850 perguntas, de todos os tipos, formula- das por leigos,clerigos emanges (podemos entende-las coma o equivalente desse seculo amoderna coluna de consultas e conselhos de DearAbby*). Se eu quiser dar cereais e vinho aos pobres, devo lhes dar produtos da melhor qualidade? (Nao, voce nao precisa.) Uma vez que nao devemos matar, devo mentir para permitir que um assassino escape apena de morte? (Talvez, desde que voce tenha a tendencia a mentir em outras circunstancias.) Posso comprar no mercado de pagios? (Pode.) Posso comer com um pagao? (Nao pode.) E quando ele euma pessoa importance? (Ainda assim, nao, mas ofere<ra-lheuma desculpa educada.) Eu realmente tenho que dar o meu manto para cada men- digo, e seguir nu? (Nao tern.) E, talvez, a consulta mais fraca de todas: eu naoconsigo me decidir, o que devo fazer? (aissoseguiu-se uma resposta provavelmente exasperada: ore a Deus, ou, entao, consulce-nos novamente.) Eclaro, em tudo isso,que seconfiava no conhecimento dos ascetas; educados ou nao, tinham aces;o averdade espiricual.33 Os santos homens e mulheres do ascetismo cristao tern, na acua- lidade, um nicho estabelecido na historiografia moderna, e e importance nao se deixar seduzir por Teodorem e outros que nos levam a pensar que estavam em toda parte; como Peter Brown escreveurecentemente, elesocu- pavam "pouco do espac;opublico da sociedade romano-tardia", mesrno no Oriente, e, no Ocidente, nunca foram tao comuns. 34 Mas elescriaram um estilo de automortificac;ao que os potenciais santos buscariam sistematica- mente copiar no futuro, coma camisas de pelos, cintos apertados ate ferir a carne, correnres e coisas do genera. Seus atos menos extremos podiam ser copiados por todo o mundo, coma as piedosas mulheres aristocraticas * Trata-se de uma coluna publicada em diversosjornais norte-americanos com opinioes e conselhos de narureza v:l.ria,fundada em 1956, por Pauline Phillips. (N. da T.) 115
  • 11. O Jegado de Roma: Jluminando a idade das trevas, 400-1000 romanas, Paula e Melania, cuja escolha de caminhar pela Roma do seculo IV em trapos, sujas e makheirosas foi elogiada pot Jeronimo em termos perturbadoramente exuberantes. 35 E essesatos foram regularizados e gene- ralizados pelo monasticismo. lsso nao significa que a maioria dos manges imitasse um compleco extremismo ascetico, porem o desenvolvimento de grnpos de celibararios, vivendo separados (no "deserto"), foi influenciado por Antao e deitou raizes, em grande escala, primeiro no Egico; de faro, os pr6prios ascetas, eventualmente, percebiam que havia surgido uma comu- nidade moniscica ao redor deles, ou encao procuravam eles mesmos por uma. A ascesedos manges consistia principalmence na obediencia absoluca as regras de um abade, em uma rotina cocidiana estabelecida, e tais regras foram sendo colocadas por escrito desde cedo:por ou para Pacomio, no Egi- to, e por Basilio, na Anatolia, no seculo IV,por Shenouce, no Egico,eJoao Cassiano, na Galia, no seculo V,por Bento de Nursia (amoderna Norcia), na Italia do seculo VI. 36 No Ocidente, a regra benedicina cornou-se, even- cualmente, o padrao supremo; no Oriente, era a de Basilio.A regra benedi- tina, mais humana do que muitas outras, e tao marcante por sua insistencia no tratamemo igualirario de monges de status social diferente, assim como por sua ascese moderada (apenas vegetais, exceco quando doente; apenas roupas leves, exceto no inverno): o igualitarismo era tao dificil no mundo hierarquico da Anciguidade Tardia como foi a autopriva<;:ao. 37 Por outra parte, nem todos os mosteiros eram igualicarios, em absoluto; muicos se assemelhavam as confortiveis casas de retiro para homens e mulheres da aristocracia. Mas a imagem de igualdade (ou de sujei<;:ao) era intrinseca a regula<;:ao monastica e, nesse sencido, mesmo que nao existisse em nenhu- ma oucra parte da Roma tardia, a igualdade era teoricameme possivel ali; acemesmo tinha sido criado um espa<;:o social para isso. Um resulcado simples desses processes e que os escricorescristaos nos dizem mais sobre amaioria dos camponeses do que os escritores pagaos jamais tinham feito. Os camponeses podiam se rornar santos, se fossem muiro excepcionais; tambem testemunharam os noraveis aros de homens e mulheres rurais, que viviam longe das elites urbanas, de modo que asvidas dos santos nos dao indicios da sociedade de aldeia que era quase inteira- mente ausence na literatura anterior. Afinal de comas, os pobres podiarn ir para o ceu tao facilmente quanto os ricos (na reoria crista, ainda mais facilrnente), e ate mesmo os bispos mais aristocraticos e esnobes - como 116 Cultura e cren~a no mundo cristao romano Gregorio de Tours, na Galia do seculo VI, por exernplo - regularmente pregavarn para eles e, as vezes, tambern OS ouviarn. Nas ultimas decadas, os historiadores abandonaram sua cautela anterior sobre as historias de milagres; e corn razao, dado que elas nos dizern rnuico rnais sobre a socie- dade nao aristocratica e os valores culturais e religiosos do que podemos obter em outras fontes. Nao sao uma janela direca asociedade campesina, nenhum rexto e assim, e raramente foram escritas por campesinos (embora um ou dois cenham sido, comoA Vidade Teodoro deSykeon).Maso faro e que tais cexrns sao o melhor guia que temos e, por mais estudados que hajarn sido, ainda tern rnais a nos comar. Se os ascetas ocuparam uma pequena por<;:ao do espa~o publico romano, isso se deve, em pane, ao faro de que esse espa<;:o era enorme. Mesmo quando nos afastamos de urn foco especificamence religioso, devernos reconhecer que os romanos viviam uma grande pane de suas vidas poliricas no ambito publico. Nas cidades, o ano estava repleto de prociss6es publicas; de faro, o pr6prio planejamenro urbano era afetado por isso, pois as ruas largas e retas das cidades romanas (no Orience, alem disso, guarnecidas com colunatas) eram especificarnence construidas as- sim, e se mancinham livres de obstru<;:6es, de modo apermitir as procissoes (quando , ap6s a conquista arabe, as procissoes cessaram no Oriente, as ruas se encheram rapidamente: vejaabaixo, capitulo 9).38 0 poder politico estruturava-se em rorno das vers6es mais formais de tais cortejos, corfio, por exemplo, os rituais para a chegada de um imperador a uma cidade (adventus), que, mais tarde, foram emulados pelas enrradas cerimoniais, mais elaboradas, do Renascimenro. Um caso famoso - a chegada de Cons- tancio II em Roma, em 357, descrita em decalhes por Amiano - moscra o imperador em um carro enfeicado por joias, com um vasro sequito mi- litar; Constancio nao virou a cabe<;:a, nem os olhos, nem as maos - nem sequer cuspiu - durance coda a procissao ate o f6rum. 39 Tratava-se de um desfile triunfal (imerecido, segundo Amiano, que detestava Constancio), que tinha urna longa tradi~ao por tras e um longo fucuro pela frente, ao menos no Oriente, pois nas principais ruas com sencido oeste-lesce, de Constantinopla, viram-se desfiles regulares desse tipo ate o final dope- rfodo coberto por este livro e alem: o Livro de Cerimonias, do seculo X, compilado a pedido do pr6prio imperador da epoca, Constantino VII (913-959), descreve-os em grande detalhe, fase por fase (cf capitulo 12), 117
  • 12. O legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-1000 e esta longe de ser a unica fonte. Porem, OS principais momentos politicos e religiosos de todos os tipos foram marcados por prociss6es nas cidades. Aqui, o cristianismo simplesmence se apropriou da pratica, e os bispos desenvolverarn procissoes formais entre as igrejas urbanas como parte da exibii;aode seu poder local; essescortejos muitas vezes assumiam aspectos penitenciais ou protetivos, tornando-se comum que os bispos rodeassem as muralhas da cidade com relfquias ou simbolos religiosos para protege-la quando siriada, como aconteceu durance o cerco a Clermont, por volta de 525, ou no cerco a Constantinopla, em 626 (de acordo com nossas fontes hagiograficas, eles foram sempre bem-sucedidos). 40 As peregrinai;6es as rumbas dos Santos locais, comumeme orquestradas pelos bispos - como fez Gregorio de Tours para o cumulo de Sao Martinho -, rinham alga da mesma formalidade publica, pelo menos nas principais fescasdo santo. 41 A esfera publica nao se limitava as prociss6es. Constancio, apos sua chegada em 357, organizou jogos; assim rambem o fez o oscrogodo Teoderico, em sua visita formal a Roma, em 500.420 Circa Maximo, o maior estadio de corridas de carros de Roma, encontrava-se logo abaixo do palacio imperial, no monte Palatino, de onde o governante podia con- templa-lo; tambem em Constantinopla, o hipodromo escava ao lado do palacio, com uma entrada posterior direta ao camaroce imperial. Esse era o local (particularmente em Constantinopla, ja que os imperadores real- mente viviam la) para um dialogo estruturado entre o imperador e o povo. Geralmente, eram os imperadores que controlavam esses enconcros, mas permitiam algum tipo de resposca popular que ficava a cargo dos Hderes das principais "faci;6es" do circa, os Verdes e os Azuis (as cores das equi- pes), seja arraves do dialogo verbal ou por meio de tumulros_ Em certas ocasi6es, as coisas saiam de controle, coma ocorreu com os disturbios de Nika, que rnfrentaram as faci;6es de Constantinopla, em 532, durante os quais grande pane da cidade foi saqueada eJustiniano quase foi derruba- do; mas os tumultos de circa, nas principais cidades, tenderam a ser mais uma valvula de segurani;a, uma advercencia de descontentamento, que os imperadores ocasionalmeme levavam em considerai;ao; assim mesmo, e talvez mais normalmente, eram apenas um fator de divertimento. Na tomada de decis6es politicas, o publico cambem tinha um peso enorme. Havia discuss6es publicas (parcicularmente sabre religiao ou filosofia), realizavam-se discursos no forum, e uma mulcidao dirigiu-se 118 Cultura e cren~a no mundo cristiio romano para ouvir Sidonia quando este escolheu o bispo de Bourges. A comuni- dade politica significava a elite, claro, e nao havia nada nem remotamente democratico nos procedimentos politicos romanos; mas seus resultados eram comunicados verbalmem:e em publica, muiras vezes com bastante rapidez, ao menos nas cidades. As leis imperiais tambem eram proclama- das; quando Anastacio aboliu o impopular imposto sabre comerciames e artesaos, em 498, o decreto foi lido em voz alta em Edessa - um impor- tance entreposto comercial, mas muito distante de Constantinopla - no . - , 43 mesmo ano e ocas1onou uma comemorai;ao espontanea. O imperador tinha uma relai;ao ambfgua com o mundo publico. O Imperio Romano tardio foi um periodo no qual o cerimonial imperial rornou-se cada vez mais elaborado, em parte para distanciar o imperador de outras pessoas, "presas dentro dos limites do palacio", segundo uma ex- pressao de Sidonio.44 No palacio, a etiqueta tambem era muico daborada. Comer com o imperador - uma grande honra - era um ato cuidadosa- mente controlado, e Sidonia relata uma dessas refeii;6es com Majoriano, em 461, em Ades, na qual o imperador conversou por turnos com cada um dos sete convidados, que se esperava que brilhassem em suas respos- cas,e eram aplaudidos caso o fizessem (um aspecto dos persas que parecia muito estranho aos olhos romanos era que seus rituais religiosos os proi- biam de falar nas refeii;oes).45 Mas essa fonnalidade se equilibrava com a presuni;ao de que o imperador era acessivel.A pratica de peticionar ao ifh- perador, por auxilio ou contra uma injustip, era antiga no mundo roma- no, e nao se enfraqueceu de forma alguma no Imperio tardio; de faro, as leis dos c6digos imperiais sao muitas vezes respostas explkitas a perii;6es. Os peticionarios raramente se encontravam com o imperador em pessoa, e, obviamente, quern realmenre lidava com os seus pedidos (ou entao os ignorava) era a burocracia, mas o prindpio da resposca direta era preser- vado.46Em 475,Daniel, o Estilita, deixou momentaneamente sua coluna para procestar contra o apoio de Basilisco, imperador usurpador, ao mo- nofisismo, dirigindo-lhe cartas criticas, e, finalmente, conseguiu que este se rerratasse publicamente na propria catedral de Constantinopla; na sua hagiografia, a imagem do dialogo deve ter sido plausfvel, mesmo que os deralhes tenham sido inventados. 47 E esse tipo de imagem funcionava. A autoridade imperial continuou sendo popular e garantida. Os enviados ro- manos a carte de Atila, em 449,ofenderam muito os hunos quando disse- 119
  • 13. L 0 legado de Roma: Jlumi.nando a idade das trevas, 400-1000 ram que, embora Acila fosse um homem, Teod6sio II era um deus; essa era uma afirmas:ao evidence aos olhos romanos, embora essesenviados fossem, sem duvida, em sua grande maioria cristaos. 48 Os deuses tinham desapare- cido, mas o statusimperial mantivera-se inalterado - divinuspermanecera um termo tecnico que significava "imperial". A posis:ao do imperador era canto mais central pelo fato de que o lmperio Romano era considerado, por defini<;ao,sempre vitorioso, uma crern;:aque sobreviveu, inclusive, aos desastres do seculo V, De fato, a cristianizas:ao refors:ou isso: SeO Imperio cafsse, muitos acreditavam que o mundo acabaria. Nao se pode negar que os romanos eram confiantes. Os rornanos tra<;aramuma clara linha enrre o publico e o privado. A poHtica, em sentido formal, ocorria fora da habita<;ao privada, que era considerada, em parte, separada da atividade publica.49 Os palacios senato- riais podiam ser frequentados por quase qualquer um, e la eram negociadas muitas quesr6es politicas, mas continham espai;:os cuidadosamente calibra- dos, comunais e mais personalizados, para a recepi;:aode diences e potenciais dientes; e, exceto no caso de crimes extremos, o comporrarnento dos mem- bros da familia dentro das paredes de uma casa era de responsabilidade do paterfamilias,o chefe masculino da casa, e escavafora da competencia do direito publico. A casa era a unidade basica, chamada de domus,em latim, quando se enfatizava sua localizai;:aoflsica, efamilia, quando se referia as pessoas. Estava centrada numa familia nuclear composca por marido, es- posa, filhos; outros parentes eram, normalmente, mais distantes, pane de aliani;:aspoliticas mais do que pane da estrutura familiar, embora os pais, sevivas, ainda tivessem umagrande influencia. Os escravostambem faziam pane dafamilia, porem coma empregados dornesticos nao livres, e eram onipresentes em qualquer familia que dispusesse das minimas condi<;6es para te-los.Afamilia era muito hierarquica; esperava-sedopaterfamiliasque batessc, rotineiramente, nos escravos e nas crians:as. 0 relato de Agostinho acercade seu violento pai, Patricio, em suas autobiogrificas Conjissoes - uma importante fonte -, mostra que ele considerava comum que os maridos tambem agredissern as esposas, embora golpear a mulher pares:a ter sido considerado normal apenas no Ocidence latino - no leste grego erajulgado com maior hostilidade; nas pecii;:6esegipcias de div6rcio que sobreviveram, raramente se faz mens:ao aviolencia.50 Na lei, a autoridade dos paterfami- liasnao se estendia realmente as esposas, que ainda estavam sujeitas a seus 120 Cullum e crenya no mundo cristiio romano pr6prios pais (enquanto estivessem vivas), mas e claro que, na pd.cica, os maridos governavam. Agostinho, mais uma vez, retrata sua mae, Monica (que nao tinha escrupulos em cemar dominar seu filho),repreendendo suas vizinhas, em Tagaste, por reclamarem de seus maridos, dizendo que seus contratos de casamento "asobrigavam a servir aos maridos",51 e isso nao era simples ret6rica: os concratos egipcios de matrimonio obrigavam sistema- cicameme os maridos a proteger, e as esposas a servir. Agostinho criticou cercaEcdicia por sercelibataria, vestir roupas de viuva e dar sua propriedade aos pobres enquanco seu marido era vivo e sem a permissao dele: essa falca de submissao anulava a virtude que ela buscava alcani;:ar.0 estado podia parar diante dos muros da casa, mas os valores romanos, nao; e, em ambos os casos, a hierarquia era cncendida coma evidence. A esse respeito, nem o cristianismo fez mudans:a significativa alguma. Nao seria difkil argumentar que avida familiar do periodo roma- no-cardio era tensa e scm amor. Os casamentos eram quase sempre arranja- dos pelos pais com a intens:ao, afinal das comas, de salvaguardar e ampliar a propriedade; os maridos costumavam ser dez anos mais velhos do que suas esposas. Os escravos domesticos podiam minar a estabilidade da famflia de seus amos mediante fofocas maliciosas, e, em geral, pensava-se (talvez com razao) que scriam profundamente hostis aos seus senhores: no Que- rolus,umacomediado seculo V,um escravo diz: "£de conhecimento geral que todos os amos sao maus''.52 Nas narrativas tacdo-romanas, as crians:-as cosmmam aparecer ressentidas e rejeitando as restrii;:6espaternas (parti- cularmente, naqueles relatos nos quais pais e maridos fori;:avamas jovens de espirito virginal ao casamenco e, em seguida, a ter filhos). Agosrinho, cercamente, nao gostava de seu pai, e, apesar de reverenciar sua mae, teve que recorrer ao engano para escapar dela quando deixou Cartago para ir a Roma, quando tinha 28 anos.53 Mesmo assim, na Roma tardia, como em ourros lugares, as familias fdizes dao aos autores rnenos mocivos para escrever. Pode ser que o amor idilico e a conc6rdia, comemorados pelos aristocratas romanos pagaos Ptetextato (m. 384) e Paulina em poernas que, supostamente, escreviam um para o outro, e que foram gravados numa es- tela ap6s a morte de Pretextato, nao sejam cocalmence estereotipados ou atfpicos: "Eu sou feliz porque sou cua, fui cua, e logo - ap6s a morte - serei tua".54 Os "las:osamigaveis e decorosos" do casamento eram normalmente desiguais, mas nao necessariamente davam errado par causa disso. 121
  • 14. O legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-1000 Legalmente, as mulheres estavam sujeicasaos pais, e, efetivamen- te, a seus maridos.55 No encanco,elas tinham plenos direitos de heran'ra sa- bre a propriedade paterna e materna, do mesmo modo que seus irmaos, e, no casamenco, controlavam legalmente suas pr6prias propriedades. Espe- rava-se que os maridos atuassem em name das esposas em assuntos pt.'1bli- cos,coma casosjuddicos, mas asmulheres contavam com todos os direitos legais para agir par coma pr6pria, caso quisessem. Ate o final do seculo IV, as viuvas nao podiam ser guardias legais de crian'ras, e seuspoderes es- cavam circunscricos; mas, na pratica, muicas vezes o faziam (certamente, ap6s a morte de Patricio, em 372, Monica controlava o dinheiro do quase adulco Agostinho). 56 As mulheres nao eram consideradas parte da esfera publica e nao podiam ocupar cargos. Mas hi pelo menos um exemplo de uma governadora de cidade, Patricia, em Antaiopolis, no Egito, em 553;57 e Hipitia de Alexandria, como a principal inceleccual da cidade, tinha um papel formal nos rituais publicos, recebendo visitas cerimoniais de funcionirios. 58 De faro, imperatrizes poderosas eram comuns no final do Imperio (particularmente no Oriente, nos seculos Ve VI; cf. capitulo 3), e nao esd. claro se esse poder era recebido com ressentimento, apesar da ret6rica dos opositores politicos e de alguns extremiscas cristaos. Nope- dodo romano tardio, o lar era universalmente considerado coma a esfera das mulheres: elas dirigiam a economia domestica. Mas as mulheres nao estavam impedidas de ser agentes economicos. Evidencias egipcias mos- cram viuvas comprando e vendendo propriedades sem consemimenco ou incerven'rao masculina (as mulheres foram proprietirias de 17 a 25% da terra do Egito, no seculo IV, o que nao era uma quantia trivial), e tambem alugando propriedade, emprestando dinheiro e atuando coma artesas in- dependemes e donas de lojas.59 Das mulheres (excecodas prostitutas e das dan'rarinas) esperava-se que se vestissem modestamence, mas elas nao per- maneciam veladas no dia a dia; podiam exibir ou reivindicar status social com roupas caras, e nao parecem ter sofrido isolamento. 0 duplo padrao de comportamento sexual era normal e sancionado pela lei (os homens, geralmente, tinham concubinas, mas esperava-se que as noivas fossem vir- gens e o adulterio feminino era considerado indefensavel); a imperacriz Teodora pode cersido atriz, o que significava que escavaautomacicamente em uma categoria legal semelhance aprostitui'rao - embora os relacossen- sacionalistas de suas acividades, feitos por Procopio, sejam flagrantemente 122 Cultura e cren~a no rnundo cristao romano re(oricos -, sem que isso haja restringido sua autoridade posterior. 60 As mulheres eram consideradas fracas e ignorantes, mas, mesmo excluindo Hipicia, ha muicas evidencias de alfabetiza'rao e dedica'rao literaria femi- nina, parcicularmence, mas nao apenas, entre a aristocracia. Como avaliamos essa rede de contradi'roes? Com as evidencias a nossa disposi'rao, nao e possivel dizer o que era cipico na pritica em cada caso,sea restri'rao ou a auconomia feminina. Sem duvida, como em muicas sociedades, poderiamos esperar autonomia para algumas mulheres bem- -sucedidas, que, no entanto, estariam mais exposcas a um maior escrudnio do que os homens, assim como acerca condena'rao moral, especialmente se seus maridos estivessem vivas; a maioria era, talvez, mais sujeita e passiva, voluntariamente (coma Monica) ou nao. Esse quadro geral pode muico hem ser valido para todos os nfveis da hierarquia social, pois o material egfpcio, ocasionalmente, se estende aos camponeses e artesaos. E o espa'ro que o criscianismo dava aascese permiciu que um pequeno, mas visivel, numero de mulheres escapasse complecamente das pressoes familiares, enquanto mancivessem o celibato e um comportamento disciplinado, de preferencia entre quatro paredes e em grupos. 61 No entanto, a mera quamidade desses direicos e limita'roes, comradit6rios entre si, era maior do que ern muicas sociedades: o Ocidente da Alta Idade Media irnpos, frequentemente, rescri'roeslegais e sociais mnito mais intransigences sobre o agir feminino, corno veremos no capitulo 7. Demro das concradi'roes, havia espa'ro para que as mulheres da Roma (ardia construissem suas pr6prias imagens sociais, se quisessem e tivessem sorte. 62 Mas o faziam em um mundo repleto de um imaginirio marcado pelo genera, que era negativo em rela'rao as mulheres ,propagado pelo mundo publico secular assim coma pela Igreja, com a masculinidade e as vircudes masculinas vistas como a norma (virtus significa canto "masculinidade" quanta "vir- tude") e a feminilidade associada com a fraqueza e ate mesmo o perigo, em particular entre os ascetas masculinos, para quern a sexualidade fe- minina representava, compreensivelmence, uma das maiores amea'ras. 63 Os homens tambem enfrencavam sinais contraditorios no mun- do em que viviam. A sociedade romano-tardia era muito hierarquica e a mobilidade social, em muitos casos, limitada pela lei, como vimos, embora fosse tambem bastante comum; a mistura de hipoteticas desigualdades, similares as cascas,ea presen'ra de "homens novos" sempre criam tensoes. 123
  • 15. O Jegado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-1000 Os homens rornanos erarn rnuito propensos a se ofenderem guando arri- vistas e forasteiros nao curnpriam corn a etiquera; eles se irritavarn rnuito facilmente e, nesses casos, podiam se tornar violencos.64 Fausto, bispo de Riez (m. c. 490), observou amargamence, em um serrnao, que se um ho- rnem poderoso nos causa dano ou abusa furiosamence de nos, sofremos em silencio a fim de evitar maiores danos, porem, se uma pessoa inferior abusa de n6s, ficamos foriosos e buscamos vingan4ra.65 A violencia da praci- ca policica ejudiciaria romano-tardia significava que rais amea4raspodiarn serperigosas. Mas as elites instruidas rambem eram educadas segundo um comporramenco formal, decoroso e cortes; isso fazia parre da educa4rao da dice, de faro, e incluia nunca perder o temperamento e se esfor<rar para convencer - ou humilhar - pela habilidade ret6rica e nao pela arnea(j'.a. Como alguem podia fazer as duas coisas? Nao podia, e claro. Os homens instruidos do pedodo romano tardio ficavarnhorrorizados corn os manges justiceiros, com a turba de Alexandria, ou corn os homens poderosos com uma forma4raomilitar, coma Valentiniano I, par sua falcade autoconcrole e sua violencia.GG Em pequena escala, Sidonia ficou encantado quando, em seujantar com Majoriano, seu inimigo Peonio ficou visivelmente aborreci- do com uma ligeira gafe diante do imperador, urna viola4raocondenat6ria da etiqueta; a decorosa porem divercida risada do imperador foi suficiente para Sidonia, que se referia a ela coma "vingan4ra".Maso decoro era ainda mais importance porque os hornens cram reconhecidos como passionais. E a c6lera tambem podia ser usada politicamente, rompendo as barreiras do decoro, para fazer valer um ponto de vista, para mostrar que a pessoa devia ser levada a serio, ranco mais efecivamente por causa da formalidade do comportamenco politico "normal". No Ocidente p6s-romano, a poli- tica se tornou menos formalizada, mas a fori;:apolitica da ira continuou a ser uma arma poderosa para reis e pdncipes. Este capitulo e o anterior apresentam urn mundo rardo-romano estavel; isso nao quer dizer imud.vel (essefoi, sobretudo, um periodo de notavel inova4raoreligiosa),nem, naturalmence, livre de conB.itos,mas, mes- mo assim, de forma alguma estava condenado adissolu4rao.No capitulo seguinte, veremos como o poder politico romano sedesfez no Ocidente do seculo V, apesar dessa estabilidade interna. Mas tambem vale a pena per- guntar, nesre ponto, o que, dencre os padr6es politicos, sociais e culturais descritos ate agora, sobreviveria para formar aherarn;:aromana nos seculos 124 Cultura e cren~a no muudo cristao romano futuros. Isso e rnais facil de responder pelo que se disse no presence capitu- lo: a maioria dos padr6es descritos aqui sobreviveu. As estrurnras da Igreja foram as instancias que menos mu4ararn quando o Ocidente romano se despeda'.ou, e somente se tornaram politicamente rnarginais no sudeste e no sul do Mediterraneo, com as conquistas mu<rulrnanasdo seculo VII. A imporcancia da fe correta sobreviveu em Bizancio e em partes do Ocidente, como veremos em cap.irnlosposteriores. 0 compromisso religioso ascetico e as crfricas religiosas da sociedade secular nunca perderam sua for<ranos seculos vindouros, e os veremos reaparecer constancemente. Esses foram um legado especificamence cristao-romano para os tempos futuros. Por sua vez, as institui<r6espublicas do Imperio Romano sobreviveram como um modelo politico fundamental canto para Bizancio guamo para o califado irabe, ainda baseado em urn siscernacontinua de impastos sobre a cerra. No em:anco,cada vezmais, a tributa(j'.aosedegradou no Ocidente p6s-roma- no e as institui4r6espoliticas se simplificararn radicalmente. Mesmo assim, o guadro politico e inscicucional do lmperio Romano era tao complexo que essas novas vers6es mais simples ainda podiam fornecer um sistema governamental bisico, de esciloromano, para os reinos "romano-germani- cos",em particular para os francos na Galia, os visigodos na Hispania e os lombardos na Italia, os principais sistemas politicos dos dois seculos ap6s 550.E isso foi acompanhado de um senso de poder publico assim com:..o de um espa'.opublico para a pratica politica, que eram, em grande parce, uma heran4rade Roma. Essa polftica publica durou, no Ocidente, ate de- pois de findado o periodo carolingio, no minimo ate o seculo X, e muitas vezes ate mais tarde; sua desagrega4rao,onde ocorreu (patticularmente na Francia), foi importante. Esse momenta certamenre marcara o fim deste livro, pois, ao menos no Ocidente, representa o fim da Alta Idade Media. Muitas coisas,de faro, mudaram ao principiar a Alea Idade Media. As cominuidades religiosase culturais nao podem ocultar aimportancia da ruptura das estruturas estatais; aeconomia de troca tambem setornou muito mais localizada no Orience e no Ocideme, assim como menos tecnicamente complexa pelo menos no Ocidente. A sociedade aristocratica militarizou-se mais, e uma educa4rao literaria secular perdeu muito de sua importancia, par- ticularmente no Ocideme. Como resultado, nossasfontes escritas saornuito mais religiosas,tanto no Oriente quanta no Ocidente. A identidade arisco- cratica tambem mudou em coda pane, com as transforma'.6es politicas do 125
  • 16. O legado de Roma: Iluminando a idade das trevas, 400-rnoo Ocideme, no seculo V, e do Orieme , no seculo VII; a riqueza aristocd.tica conjuma se contraiu na maioria dos lugares, ea elite senatorial de Roma, ex- tremamenre rica, desapareceu. Nao se deve exagerar essa contrac;ao, pois os aristocratas com ancestrais romanos continuaram a ser os principais acores, mas, dadas as mudanc;as culturais que acabamos de referir, sua antecedencia romana se rorna muiro mais dificil de ver. Os camponeses cambem se to. c- naram mais auconomos, na medida em que diminuiu a propriedade aristo- cratica global e se reduziu o poder estatal no Ocidente; em contrapartida, pode-se dizer que aumentaram as restric;oes impostas as mulheres. E, acima de tudo, cada regiao do lmperio Romano ceve,doravante, um desenvolvimen- to politico, social, economico e cultural separado. Antes de 550, o Oriente e o Ocidente sao tracados juncos, neste livro, mas depois disso des devem ser discutidos separadamente; e as hist6rias das terras francas, da Hispania, da Italia, da Britania, do Bizancio e do mundo arabe receberao uma analise individual, assim como as das terras nao romanas do none. Acima de todo o resto, essa localizac;ao e essa simplificac;ao geral caracterizam a Alta Idade Media. No entanto, como base de todos os sistemas politicos que veremos no restante deste livro, com excec;aodo sistema do extrema none, estava o peso do passado romano que, por mais fragmemado que se encontrasse, criou os elementos constitutivos para a pratica politica, social e cultural de codas as socicdades p6s-romanas nos seculos vindouros. Notas Enquanto incrodm;:6es,quase todos os livros cicadas no capkulo 1 sao igua!mente importances. P. Garnsey & C. Humfress, TheEvolution of the Late Antique World (Cambridge, 2001), pp. 132-215; e P. Brown, Power and Persuasion in Late Anti- quity (Madison, 1992); sao releiruras originais dos dados. Sabre o cristianismo, A. Cameron, Christianity and the Rhetoric ofEmpire (Berkeley, 1991); P.Brown, The RiseoJWestern Christendom, 2. ed. (Oxford, 1997); eR. Markus, TheEnd ofAncient Christianity (Cambridge, 1990); sao poncos de referencia fundame.ntais. Sidonius, Letters, ed. etrad. W. B.Anderson, Poemsand Letters (Cambridge, Mass., 1962-1965),4.25 (Chalan), 7.5, 8, 9 (Bourges); cf.J.Harries, Sidonius Apollinaris and the Fall ofRome (Oxford , 1994), pp. 179-186. Para concextualizac;ao,ebasico R. Van Dam, Leadership and Community in Late Antique Gaul (Berkeley, 1985). Para a complexidade das func;6ese da autoridade dos bispos, cf.sobrerudo C. Rapp, Holy Bishopsin Late Antiquity (Berkeley,2005). 126 Cultura e cren,a no mundo cristao romano · C pondance ed e trad A- Garzya & D. Roques (Paris, 2000) nn. Synes10s, orres , · · , .. ( b ) lo. 15 16· 46· 81· 124· 154 (a Hipatia); para Teofila e Cmlo, 105 carta a crta ; , - , , ' ' C H Alexandria in Late Antiquity (Baltimore, 1997), pp. 159-169; 295-316; . aas, d B E . (P . I f D Roques Synesiosde Oyreneet la Cyrenai'que u as- mpire ans, no gera, c • • , 2000), pp. 301-316. . . _ "Pagio" euma palavra insatisfat6ria. A religiao gre~o-romana crad1c1onal nao , enhuma palavra para denominar seus prat1cantes; contudo, pagan us, possu1a n . " _ . - · · J nte si·gni·ficava"rustico" i·aeucilizado para des1gnar nao cnstao que ongma me ' ( en (ou judeu)" no come<;odo seculo III, e se tornou comum no final do IV e.g. 1 , 8 370) "Helena" eoutra palavra tardo-romana que ve10 a ser 16.2.1 , para o ano • ' " utilizada para designar "pagao". Alguns autores modernos preferem o termo po- liteista", mas nem rodos os "pagaos" eram polireistas. Sabre O paganismo tardio, cf. G. W. Bowersock,Hellenism in~ate Andquity (Cam- bridge, 1990); F.R. Trombley, Hellenic Religion and Chmtzamzatwn c.370-529: 2 vols. (Leiden, 1993-1994); G. Fowden, CAH, vol. 13,PP· 53~-560; _Garnsey_ & Humfress, Evoltttion of the Late Antique World, PP·152-160;Joao do Efeso,Eale- siasticalHistory, ed. e trad. E. W Brooks (Louvain, 1935-1936), 2.44; 3.36. S b · d f s T Katz (ed) The Cambridue History ofJudaism, vol.4 (Cam- o re osJU eus, c . . . · , o bridge, 2006), pp. 67-82; 404 -456; 492-518. _ b 1· CTh 16 10 10 12(391-392) er 1.11.10(Justiniano). Para Edessa,Joao So re as e1s, , , • • - ' :J' do Efeso,EcclesiasticalHistory, 3.27-8. Para as celebrac;6esdo Pri meiro de Janeiro: Markus, End ofAncient Christianity, PP·103-106, e, em geral, para fesrivais, pp. 97-135. Greg6rio de Tours, "The Miracles of the Bishop Sr.1:artin", trad. em R. Van Dam, Saints and their Miracles in Late Antique Gaul (Prmceton, 1993), PP· 199-303, e.g.2.24; 3.29; 4.45. - 10 Augustine, Letters, trad. W. Parsons & R. B. Eno, 6 vols. (Washington, 1951- 1989), carta 29. 11 Van Dam, Saints and their Miracles, pp. 41-48. Sabre a bebida em cima da tumba d , c· Augusci"ne Letters 22· Augustine, Confessions,trad. H. Chadwick os mar ues: , ' ' './' , • l (Oxford, 1991),6.2.2. Gregorio Magno: Bede, HE, 1.30. Para uma anali;e ger~ do espa<;:o religioso e seus conrextos no Meditcrraneo, cf. P.Harden & N. urce , The Corrupting Sea (Oxford, 2000), pp. 403-460. 12 N. Gauthier, "La Topographie chretienne entre ideologie et pragmacisme", in: G. P. Brogiolo & B. Ward-Perkins (ed.), TheIdea and Ideal of the Town between Late Antiquity and theEarly Middle Ages (Leiden, 1999), pp. 195-209. 13 R. Kraurheimer, Rome: Profile ofa City, 312-1308 (Princeton, 1980), pp. 71; 75. 14 Para uma analise dos enrerros inrramuros e scus desenvolvimentos na Italia, cf.N. Christie From Constantine to Charlemagne (Aldershot, 2006), PP·252-259. Para os santo; falecidos, cf. P.Brown, The Cult of the Saints (Chicago, 1981). 1s Cf. B.Caseau, in: G. Bowersock et al. (ed.), Late Antiquity (Cambridge, Mass., 1999), pp. 406-407. 127
  • 17. O legado de Roma: Iluminando a idade <lastrevas, 400-1000 16 Vie de Theodorede Sykt!on, ed. e trad. A. J.Fcsrugiere (Bruxelas, 1970), cc. 37; 43; 91-94; 103; 114-116; 162 etc. 17 M. Foucault.Discipline and Punish (London, 1977). Para os modelos de cristianismo cotidiano, cf.esp. P. Brown, CAH, vol. 13,pp. 632-664. 18 Garnsey & Humfress,Evo!ution ofthe Late Antique World, pp. 207-210. '9 SelectLetters ofStJerome, ed. e trad. F.A. Wright (Cambridge, Mass., 1963);a carta 22 eum bom exemplo. 20 A. Arjava, Women and Law in Late Antiquity (Oxford, 1996), pp. 177-192; G. Clark, Women in Late .Antiquity {Oxford, 1993), pp. 21-27; A. Giardina, CAH, vol. 14, pp. 392-398. 21 D. Goodblatt, in: Katz, Cambridge History o_/}udaism,vol. 4, pp. 416-423. 12 Rapp, Ho{v Bishops,pp. 172-207. 23 W. H. C. Frend, 1heDonatist Church (Oxford, 1952),p. 167,para os bispos; P.Brown, Religion and Society in theAge of Saint Augustine (London, 1972), pp. 237-331. 24 Brown, Religionand Society,pp. 183-226; B.R. Rees,Pelagius, 2. ed. (London, 1998). 2 ' R. Gryson, Les Origines du celibat ecclesiastique du premier au septieme siecle (Gembloux, 1970). ir, Para os debates criscol6gicos oriemais: H. Chadwick, C.AH, vol. 13, pp. 561-600, e P.Allen, CAH, vol. 14,pp. 811-834, ofrrecem narracivas uteis. A hiscoriografia e enorme; achei parcicularmente utcis as nitidas e incisivas introdu~6es teologicas de F.M. Young, From Nicaea to Chalcedon (London, 1983). Para o "arianismo", cf o mais receme crabalho, D. M. Gwynn, Ihe Eusebians (Oxford, 2007). 27 J. H. W. G. Liebeschuetz, Barbarians and Bishops (Oxford, 1990), pp. 157-189. 28 D. D. Bundy, "Jacob Baradaeus",LeMuseon, 91 (1978), pp. 45-86; L. Van Rompay, in: M. Maas (ed.), The Cambridge Companion to the Age ofJustinian (Cambridge, 2005), pp. 239-266. 29 Haas, Alexandria, pp. 258-330; Frend, Donatist Church, pp. 172-177.Mas ha um debate grande sobre quem exatamentc eram os circumcel!iones:cf. B. D. Shaw, in: A.H. Merrills (ed.), Vandals, Romans and Berbers (Aldershot, 2004), pp. 227-258; T. E. Gregory, VoxPopuli (Columbus, Ohio, 1979). 30 Sohre o patriarca Juvenal, Evagrios, TheEcclesiastical History ofEvagrius Scho- lasticus, trad. M. Whitby (Liverpool, 2000), 2.5; Cirilo de Cit6polis, "Life of Euchymios", Lives ofthe Monks ofPalestine, trad. R. M. Price (Kalamazoo, Mich., 1991), pp. 1-83, cc. 27-30. ' 1 P.Brown, Societyand the Holy inLate Antiquity (London, 1982),pp. I03-152, aruali- zado em CAH, vol. 14,pp .780-810; a recencee muico subscanciosabibliografia sobre ascecase sancosresume-sea duas conferencias, publicadas comoJ. Howard-Johnston & P. Hayward (ed.), Ihe Cult ofSaints in Late Antiquity and theEarly Middle Ages (Oxford, 1999), cjournal ofEarly Christian Studies, 6 (1998), pp. 343-671. 32 Lift ofDaniel the Stylite, crad. E. Dawes & N. H. Baynes, 1hreeByzantine Saints (London, 1948),pp. 7-71,c. 62; Teodoreco de Cirro, A History oftheMonks ofSyria, 128 Cultura e cren~a no mundo cristiio romano rrad. R. M. Price (Kalamazoo, Mich., 1985),26.22. Para Teodoreco, cf.T. Urbainc- zyk. Iheodoret ofCyrrhus (Ann Arbor, 2002), esp. pp. 115-147. l3 Barsanouphios & John, Correspondance, ed. e trad. F. Neyr et al., 3 vols. (Paris, 1997-2002), nn. 636; 671; 777; 775; 776; 669; 841. J4 P. Brown, C.AH, vol. 14,p. 806. 35 Jerome, Letters, 45. 36 Sohre monascicismo, cf. em geral D. J. Chitty, The Desert a City (Oxford, 1966); P.Rousseau, Ascetics, Authority and the Church in the Age ofJerome and Cassian (Oxford, 1978); C. Leyser,Authority and.Asceticismfrom Augustine to Gregorythe Great (Oxford, 2000). 37 1heRuleofSt Benedict, ed. e crad.J. McCann (London, 1952). Deve-se consulta-la. 3~ H. Kennedy, "From polis comadina", Past and Present, 106 (1985), pp. 3-27. 39 Ammianus Marcellinus, Res Gestae,ed. e trad.J. C. Rolfe, 3vols. (Cambridge, Mass., 1935-1939), 16.10.4-13; S. G. MacCormack, Art and Ceremony in Late Antiquity (Berkeley, 1981), pp. 33-61; M. McCormick, Eternal Victory (Cambridge, 1986), pp. 189-230 para Constantino VII e outros relatos pom:riorcs. 40 Gregorio de Tours,Lifa ofthe Fathers, crad. £.James (Liverpool, 1985),4.2; sabre o sitio de Conscancinopla, cf. capitulo 10. 41 Van Dam, Saints and their Miracles, pp. 116-149. 42 A. Cameron, CircusFactions (Oxford, 1976), pp. 225-296. /' 3 The Chronicle of Pseudo-Joshuathe Stylite, trad. F.R. Trombley &J. W. Watt (Li- verpool, 2000), c. 31. 44 Sidonius, Letters, 2.13.4 (cica<;ao), 1.ll (Majoriano). 45 Ammianus, Res Gestae, 23.6.80. 46 J. Harries, Law and Empire in Late Antiquity (Cambridge, 1999), pp. 82-84; 184-187. 47 Lift ofDaniel the Stylite, cc. 70-84. 48 Priskos, fragmenco 11.2, ed. e trad. em R. C. Blackley, TheFragmentary Ciassicizing Historians of the Later Roman Empire, vol. 2 (Liverpool, 1983),pp. 247-249; 257. 4~ S.Ellis, Roman Housing(London, 2000), esp. pp. 166-183; B. Polci, in: L. Lavan & W. Bowden (ed.), Theory and Practice in Late Antique Archaeology (Leiden, 2003), pp. 79-89; K. Cooper, "Closely Watched Households", Past and Present, 197 (2007), pp. 3-33. 50 Augustine, Confessions,9.9;Letters, 262 (aEcdicia); cf. esp. B. Shaw,"The Family in LaceAnriquity", Past and Present, 115(1987), pp. 3-51. Cf. rambem G. Nathan, Ihe Family in-Late Antiquity (London, 2000). Sabre as acitudes oriemais em rcla<;aoa violencia familiar, cf L. Dossey,"Wife-beating in Late Antiquity", Past and Present, 199 (2008), pp. 3-40. ' 1 J.Beaucamp,Le Statutde lafemmeaByzance (4'-?siecle), 2 vols. (Paris, 1990-1992), vol. 2, pp. 139-158; 127-129. 129
  • 18. O legado de Roma: lluminando a idade das trevas, 400-1000 52 Augustine, Confessions, 9.9; Quero/us, ed. e trad. C. Jacquemard-le Saos (Paris, 1994), C. 67. 53 Augustine, Confessions, 2.3; 5.8. 54 Corpus fnscriptionum Latinarum, 6.1 (Berlin , 1876), n. 1779, com trad. parcial e comentario em K. Cooper, The Virgin and the Bride (Cambridge, Mass., 1996), pp. 97-103. 55 Arjava, Women and Law; Beaucamp, Le Statut, vol. 1. 56 Augustine, Confessions,3.4. 57 GreekPapyri in the British Museum, ed. F.G. Kenyon & H. l. Bell, 5 vols. (London , 1893-1917), vol. 5, n. 1660. 58 M. Dzielska, Hypatia ofAlexandria (Cambridge, Mass., 1995). 59 Beaucamp,Le Statut, vol. 2, pp. 227-247; R.Bagnall.Egypt in Late Antiquity (Prin- ceton, 1993), pp. 92-99; 130-133. 60 Beaucamp, Le Statut, vol. 1,pp. 206-208; V Neri, I marginali nell'Occidente tar- doantico (Bari, 1998), pp. 233-250. Sobre Teodora, nosso problema eque a unica fame arespeito da sua carreira coma atriz eProcopio [Prokopios},SecretHistory, ed. e trad. H.B. Dewing (Cambridge, Mass., 1935), c. 9, que euma denuncia retorica e independente: cf. L. Brnbaker, "Sex, Lies and Textuality", in: L. Brubaker &J.M. H. Smith (ed.), Gender in the EarlyMedieval World (Cambridge, 2004), pp. 83-101. Sena arnscado assumir que isso, inclusive, tinha algnm fnndo de verdade. 61 E. A. Clark, AsceticPiety and Women's Faith (Lewisron, NY, 1986), esp.pp. 175-208. 62 J.M. H. Smirh, "Did Women have a Transformarion of the Roman World?", Gender andHist0ty, 12.3 (2000), pp. 22-41. 63 Clark, Women, pp. 56-62; 119-126. 64 Brown, Power and Persuasion, pp. 35-61. 65 R.Mathisen, Roman Aristocrats in Barbarian Gaul (Anstin, Tex., 1993), pp. 50-51. 66 Ammianus, Res Gestae,30.8; Sidonia: Letters, 1.11, esp. 11.12. 130 3 CRISE E CONTINUIDADE, 400-550 1 Em 25 de fevereiro de 484, Hunerico, rei dos vandalos e dos alanos, egovernante das antigas provincias roman as do no rte de Africa, emitiu um decreto contra a heresia "homousiana" (diriamos aqui cat6lica) da popula- <rioromana de seu reino. Os vandalos eram cristaos arianos, e, portanto, consideravam as cren<rasda maioriaromanaincorrecas o suficiente a ponto de precisarem ser expurgadas. Hunerico, por consequencia, adaptou a lei do imperador Hon6rio , de 412, contra os donatistas de Africa - que tinha sido uma grande arma cat6lica nos dias de Agoscinho - ea empregou con- tra os pr6prios cat6licos. Hunerico foi explicito quanto a isso: Ebem sabido que devolver maus conselhos aqueles que os aconselharam e um atributo de majestade triunfante efor<;aregia... Enecessirio, emuito justo, virar contra eles o que esti concido nessas leis que foram promulgadas pelos impera- dores de diversas epocas que, com elas, tinham sido induzidos ao erro. 2 A conduta de Hunerico nesse decreto e na perseguiiy:aoque dele se originou (a qual parece terse aquietado ap6s suamorte, em dezembro 131
  • 19. O legado de Roma: Jluminando a idadc das trevas, 400-1000 do mesmo ano) era de um consistente deboche: voces fizeram isso por coma pr6pria; portanco, eapenas justo que isso seja feito contra voces agora. Com efeito, coda sua prepara-;:ao para isso era um eco delibera- do da decada de 410. Hon6rio, em 410, havia convocado uma conlatio, um debate formal, entre bispos donatistas e cat6licos, que ocorreu em Carcago, em junho de 411; grande parte de suas atas sobreviveu, e elas apresentam uma impressionante mistura de jogos de poder cerimoniais, argumenta-;:6es e injurias, seguidos por um julgamento contra os dona- cistas, e, entao, pela repressao, um ano depois. Os donaciscas deviam sa- ber que, provavelmente, algo estava sendo armado contra eles, e quando, em maio de 483, Hunerico chamou os bispos cat6licos para um debate similar, em Carcago, em fevereiro do ano seguinte, estes certamente sa- biam o que escavapor vir. Os donatistas, em 41 l, e os cat6licos, em 484, cencaram evitar a discussao apresentando um manifesto, mas Hunerico, se acreditarmos no relato de seu fervoroso rival, Victor de Vita, ja tinha preparado seu decreto, encurtando assim o debate. Se isso for verdade, foi o unico desvio de Hunerico em sua reencenas:ao do drama honoriano. Hunerico gostava de ser um imperador romano no modo de perseguir, ato por ato, e os cat6licos sabiam bem o que ele estava fazendo. Os vandalos de Africa representam um paradoxo que e resumido por essa explicas:ao.3 0 uso moderno de seu nome mosrra a ma reputas:ao que des ja.tinham, manifestada, principalmente, no polemico relato de Victor sobre sua crueldade e sua opressao. A maior parte dos relatos con- cemporaneos sobre os vandalos era realmente negativa, do testemunho ocular de Possidio sobre a chegada violenta dessesgrupos aAfrica, em 429, as criticas do historiador romano-oriental Procopio ao seu estilo de vida luxurioso, no momenro da reconquista romana de 533-534. Sob o coman- do de seu mais bem-sucedido rei, Genserico (428-477), pai de Hunerico - que os levou da Espanha para a Numidia, e, depois, em 439, a Cartago e ao cencro cerealista africano -, seus navios (ex-navios graneleiros, sem duvida) pilharam a Sicilia, conquistaram a Sarden ha e saquearam Roma em 455. Hunerico nao foi o unico rei a perseguir os cac6licos. Trasamun- do (496--523) fez o mesmo por volta de 510. No encanco, ao concrario do que sepode imaginar, hi evidencias que mostram que os vandalos acredi- cavamser muito romanos. Todos aqueles dos quais cemosnoticia falavam latim. Hunerico casou-se com a sobrinha-neta de Hon6rio, e tinha pas- 132 Crise e conlinuidadc sado um tempo na Italia. A administra-;:ao vandala parece ter sido quase idencica aadminiscra-;:ao roman a da provincia de Africa e composca por africanos (no maximo, des devem cer adotado o c6digo de vestimencas vandalo); a moeda era uma adapca-;:aocriativa de modelos romanos; os reis aplicavam os tributos corno os romanos tinham feito e, por consequencia, as elites vandalas acumulavam grandes fortunas, que gascavam amanei- ra romana, em luxuosas residencias urbanas e igrejas, como nos contam canto as fonces escritas quamo as arqueologicas. A arqueologia, de fato, indica poucas mudan-;:asna maior parte dos aspeccos da cultura material africana em codo o seculo vandalo. E, e claro, sua persegui(j:a.O religiosa era inteiramence romana. Outros povos conquistadores germanicos eram tambem arianos, notadamente os godos, como vimos, mas eles viam sua religiao, na maior parte, como uma demarcas:ao de suapr6pria idemidade vis-a-visa seus novos sudicos romanos, que podiam continuar cat6licos. Apenas os vandalos assumiram que sua versao do cristianismo deveria ser a universal e que as outras deveriam ser extirpadas, como os pr6prios romanos fizeram: dai entao o tom negativo dos relacoscontemporaneos, que sio todos escricos por cat6licos. Assim, e possivel ver os vandalos como uma versa.ados pr6prios romanos. Na verdade, eles poderiam ser viscoscomo um exercito renega- do que tomou o poder em uma provincia romana ca administrou de uma maneira romana; embora os vandalos nunca tenham sido cropas federa- das imperiais, eles se assemelhavam bascante a elas, e qualquer um teria di6culdades para idemificar algum elemento nas suas praticas policicas ou sociais que tivesse raizes nao romanas. Mas estadamos enganados caso pensa.ssemos que nada mudou quando Genserico encrou rnarchando em Carcago. Houve duas grandes diferens:as. Em primeiro lugar, os vandalos governaram a Africa como uma aristocracia fundiaria milicar, que conci- nuava a ver-secomo etnicamente distinta. Exercitos romanos que comaram o poder antes do seculo V comencavam-se em criar seupr6prio imperador e retornar aos quarceis com ricos presences; mas os vandalos tornaram-se uma elite politica, substituindo e expropriando a aristocracia senatorial, em grande pane ausente (e, tambem, alguns proprietirios romanos que viviam no norte de Africa, embora a maioria destes tenha sobrevivido). Em segundo lugar, os vandalos dividiram a infraestrutura mediterranea do lmperio tardio; des tomaram o concrole da maior provfncia exporta- 133
  • 20. 0 legado de Roma: fluminando a idade das trevas, 400-1000 dora de graos e azeite do Ocideme, principal fornecedora de alimentos da cidade de Roma. A comida costumava ser, em grande parte, fornecida gratuitamente, grac;:asaos impastos; no emanco, os vandalos eram auto- nomos e mamiveram a produc;:aoafricana para si - embora estivessem preparados para vende-la. A espinha dorsal de impostos Cartago-Roma chegava ao fim. A populac;:ao da cidade de Roma comec;:oua diminuir vertiginosamente depois da metade do seculo V; no seculo seguinte ela provavdmente caiu mais de 80%.4 E um grande rombo apareceu no cui- dadosamente balanceado sistema focal do Imperio Ocidental; os roma- nos enfrencaram uma crise fiscal, justamente quando mais precisavam gastar com as tropas. Nao ter previsto gue Genserico comaria Cartago, apesar de ~n-1tracado firmado em 435, e indiscutivelmente 0 principal erro escrateg1codo governo imperial no seculo V: foi O momento em gue o desmembramento politico do lmperio Ocidental, pela primeira vez, se cornou uma s~riapossibilidade. Dai os tardios mas intensos esfon;:ospara recapcurar a Africa em 441, 460 e, especialmente, a grande mobilizac;:ao de 468, que falharam desastrosamence, apesar de a forc;:a militar vandala nao ser, ate onde se pode observar, inusitadamente grande. No final, a re- conquista em 533-534foi facil; mas o Imperio Ocidental, nesse momenta ja deixara de exiscir.Nao obstante o faco de serem muico romanizados 0 ; vandalos foram agentes de grandes mudanc;:as. ' Essa ea caracteristica-chave dos acontecimentos do seculo v,pelo menos no Imperio Ocidental. Repetidas vezes OSexercitos "barbaros" ocuparam provincias romanas, as quais eles administravam de manei- ras romanas; nada mudou, mas tudo mudou. No ano 400, os Imperios Roma~~s, Ocid~~tal e Or~ental, eram gemeos, governados por irmaos (Honono e Arcad10, os dots filhos de Teod6sio I, que governaram em:re 395 e 423 e 395 e 408, respectivamente), com pouca diferenc;:aestrutural entre des e, coma vimos no capitulo I, nenhuma fraqueza interna funda- mental. Em 500, o Oriente quase nao tinha sido alterado (na verdade, de estava passando por um boomeconomico), mas o Ocidente se enconcrava d_i~id,i~o em meia duzia de grandes sec;:6es: a Africa vandala, a Espanha vmgotrca e o sudoesre da Galia, a Burgundia (sudeste da Galia), 0 nor- te franc~ da Galia, a Italia ostrog6tica (induindo a regiao dos Alpes) e uma sene de unidades autonornas menores na Britania e em 0utras zonas rnais rnarginais em outros cantos. Os rnaiores sistemas politicos ociden- 134 Crise e continuidade tais eram codos regidos por uma cradic;:aorornana, embora fossem mais rnilitarizados, suas estrucuras fiscais estivessem mais fracas, tivessem me- nos incer-relac;:6es economicas, e suas economias internas se revelassem, muitas vezes, rnais simples. Uma grande mudanc;:ahavia ocorrido sern que ninguem, em particular, a planejasse. 0 prop6siro d~ste capitulo e_ inves- cigarcomo essamudanc;:aocorreu - mas nao de maneira recrospecnva: Os acontecirnentos do seculo V nao eram inevitaveis, e nao foram perceb1dos como ral pelas pessoas que os vivenciaram. Nesse periodo, ninguem ~ia ue O lmperio do Ocidence estava "caindo": o primeiro autor a espec1fi- ~amente datar seu fim (em 476) foi um cronista residence em Constanti- nopla, Marcelino comes,que escreveu por volta de 518.5 Varnos olhar para esses evemos em quatro divis6es cronologicas: ate 425, ate 455, ate 500 e ate 550,de modo a centar fixar quais foram as principais rnudanc;:as,mas cambem as permanencias, em cada um <lessesescagios. Depois, entao, li- daremos com a questao do significado dessas mudanc;:as. 6 Honoria e Arcadio nao tiveram nenhum tipo de procagonisrno olitico, nem carnpouco seus sucessores no cargo imperial, e somence por p 1 . - volta da decada de 470 governantes eficazes vo caram a ocupar pos1c;:oes politicas supremas. Queros governavam atraves deles. No Oc~d-ente,oh~- rnernforce,no inkio do seculo V,era Estilicio, comandante m1htar (mag/S- termilitum praesentalis)dos exerciros ocidentais desde 394: um poderoso negociador, como eleprecisava ser. Durante o tempo de sua influencia, de enfremou Alarico, rei dos godos (cercade 391-410),que tentava estabelecer um local permanente para seu povo. Os grupos godos emr~ram n~ l~~erio pela primeira vez em 376 (como vimos no capitulo l); apos sua v1tona em Adrian6polis, em 378, eles forarn deixados em paz, na decada_de 380, na Iliria e na Tricia, os Ba.leasmodernos. Alarico foi o primeiro chefe godo a servir, com seus pr6prios seguidores, em urn exerciro rornano, sob o co- rnando de Teodosio, em 394. Porem, esse acordo militar deixou de existir por volta de 396, e os godos de Alarico (referimo-nos ades corno visigodos para evitar confusao com ourros grupos g6ticos, embora eles nao se cha- massem assim) passaram duas decadas tentando reconquiscar, pela forc;:a, uma posic;:ao de reconhecirnento no lmperio- Eles atacaram a G_recia,em seguida se moveram para o norce, e adencraram a Italia Setenrnonal, em 401. Escilicao os derrotou e empurrou-os de volta aIliria, em 402, mas eles recornararn em 408. Nesse momenta, eles nao eram os unicos "barbaros" 135