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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE – UFAC
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH
CURSO BACHARELADO EM GEOGRAFIA
Índios isolados na Pan Amazônia: povo Mashcos e seus territórios “sem limites” na
fronteira Brasil/Peru.
WAGNER DE JESUS GALLO
RIO BRANCO/AC
2016
WAGNER DE JESUS GALLO
Índios isolados na Pan Amazônia: povo Mashcos e seus territórios “sem limites” na
fronteira Brasil/Peru.
Trabalho monográfico, apresentado ao Curso
de Geografia da Universidade Federal do
Acre, como requisito para obtenção do título
de bacharel em Geografia da Universidade
Federal do Acre.
Orientadora: Dra. Maria de Jesus Morais
RIO BRANCO/AC
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE – UFAC
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH
CURSO BACHARELADO EM GEOGRAFIA
WAGNER DE JESUS GALLO
Índios isolados na Pan Amazônia: povo Mashcos e seus territórios “sem limites” na
fronteira Brasil/Peru.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria de Jesus Morais
CFCH
________________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Alves de Oliveira Júnior
CFCH
________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Lucilene Ferreira de Almeida
CFCH
Monografia apresentada em: 22/07/2016
Resultado: 9,5
RIO BRANCO/AC
2016
DEDICATÓRIA
Aos meus encantadores filhos: Pedro, Laura,
Catharina e Ana Clara. A minha maravilhosa
mãe, Gicélia, pela minha vida e formação de
mundo. A minha primorosa esposa, Sirlene,
por estar sempre ao meu lado e o seu
companheirismo nesta trajetória. Ao meu
saudoso e extraordinário Manoel Rosalino (in
memória). Ao meu grande pai Moacyr pela
minha vida e pelos bons ensinamentos. Aos
meus formidáveis irmãos: Anderson, Sirley,
Cristiane e Geiza que sempre me apoiaram e
foram parceiros nesta caminhada. Com amor
e carinho, dedico-lhes o resultado deste
trabalho.
AGREDECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar, ao meu todo poderoso DEUS, por me permitir a
realização de um sonho de infância, que é obter o título de Bacharel em Geografia. Pode ser
um sonho pequeno, mas para mim representa muito diante dos desafios que enfrentei. Em
segundo lugar agradeço a todas aquelas pessoas que estiveram comigo nesta longa e árdua
caminhada. Em especial a minha mãe e pai que sempre me direcionaram para os caminhos do
estudo. A minha esposa, guerreira, que sempre me incentivou a nunca desistir. Ao meu
professor Aderbal que fez com que despertasse em mim a importância da Geografia para a
sociedade. A gratidão se estende à Ivanise Rodrigues, colega de trabalho da Funai e à
Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, em especial aos colegas Marcelo
Torres, Lucas Viana, William Costa, Guilherme Siviero e Leonardo Lenin que sempre foram
prósperos aos pedidos de informações e estavam presentes em momentos de inquietações na
durante a pesquisa. À minha orientadora por ter abraçado a idéia, aproveito o momento para
parabenizá-la pelo admirável respeito e pela conduta responsável durante as realizações do
trabalho.
RESUMO
O presente trabalho teve como propósito realizar uma reflexão sobre os índios isolados
denominados Mashcos, uns dos povos em isolamento voluntário que habitam os limites na
fronteira Brasil/Peru. O povo Mashcos são índios que não mantém contato com a sociedade
envolvente e estão localizados ora em território peruano, ora em território brasileiro.
Misterioso seria a palavra mais acertada para definir os Mashcos, povo que parece buscar não
se integrar à sociedade. No entanto, esta sociedade tem si aproximado e sendo avistado por
meio de projetos de desenvolvimento que ocorrem na região que habitam, como o
extrativismo mineral e vegetal. Assim, o objetivo principal é compreender quem são eles e
onde estão localizados com vistas ao processo histórico de formação da fronteira Brasil/Peru,
pontuando as ameaças e desafios que os índios têm enfrentado em decorrência das
transformações que estão ocorrendo em seu espaço. Para construção do arcabouço teórico e
desenvolvimento dos temas abordados foram realizadas pesquisas bibliográficas a partir de
relatórios técnicos de órgãos de proteção oficial, legislações nacionais, teses e dissertações,
revistas, artigos científicos, publicações e periódicos de organizações indigenistas. Como
principal resultado, a pesquisa contribui para uma melhor compreensão do conjunto de
políticas de proteção para povos isolados de fronteira com a participação concomitante de
ambos os países envolvidos e de como tais politicas podem colocar estes grupos em uma
situação de extrema vulnerabilidade.
Palavras-Chave: Índios – Isolados – Mashcos – Território – Ameaças.
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo llevar a cabo una reflexión sobre los indígenas aislados
llamados Mashcos, uno de lo pueblo en aislamiento voluntario que habitan en los límites en el
Brasil / Perú. Las personas Mashcos son indios que no mantienen contacto con la sociedad
que lo rodea y están situadas en el territorio peruano, ahora en Brasil. Misteriosa sería la
derecha una palabra para definir los Mashcos, las personas que parecen mirar no integrarse en
la sociedad. Sin embargo, esta empresa se ha acercado el uno al otro y ser visto a través de
proyectos de desarrollo que se producen en la región que habitan, como la extracción de
minerales y vegetales. Por lo tanto, el objetivo principal es entender quiénes son y dónde están
ubicados, con vistas al proceso histórico de formación de la frontera Brasil / Perú, puntuando
las amenazas y los desafíos que los indios se han enfrentado como resultado de los cambios
que están teniendo lugar en su espacio. Para la construcción del marco teórico y el desarrollo
de los temas tratados se realizaron búsquedas en la literatura de los informes técnicos de los
organismos oficiales de protección, la legislación nacional, tesis y disertaciones, revistas,
periódicos, publicaciones periódicas y de las organizaciones indígenas. Como resultado
principal, la investigación contribuye a una mejor comprensión del conjunto de políticas
aisladas de protección de fronteras para las personas con la participación simultánea de los
dos países involucrados y cómo estas políticas pueden colocar estos grupos en una
extremadamente vulnerables.
Palabras clave: Indios - Aislado - Mashcos - Territorio - Amenazas.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. – Artigo
AIDESEP - Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana
COMARU - Consejo Machiguenga del río Urubamba
CORPIAA - Coordinadora Regional de Pueblos Indígenas AIDESEP - Atalaya
CPI/AC – Comissão Pró-Índio do Acre
FENAMAD - Federación Nativa del río Madre de Dios y Afluentes
Funai – Fundação Nacional do Índio
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ORAU - Organización Regional AIDESEP-Ucayali
RFN - Floresta e Rainforest Foundation Norway
SEMA – Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Acre
UFAC – Universidade Federal do Acre
TI – Terra Indígena
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Terras indígenas no Brasil destinado para uso exclusivo de índios isolados ..........22
Quadro 2: Terras indígenas no Brasil destinado para uso compartilhado de índios isolados
com outros povos......................................................................................................................22
Quadro 3: Reservas Territoriais no Peru destinado para uso exclusivo de índios em isolamento
voluntário e em situação de contato inicial...............................................................................24
Quadro 4: Ameaças para os povos indígenas isolados no lado brasileiro................................43
Quadro 5: Ameaças para os povos indígenas isolados no lado peruano ..................................44
Quadro 6: Espaço de diálogos da fronteira Brasil/Peru............................................................49
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Localização de terras indígenas para uso de povos isolados no Brasil ......................23
Mapa 2: Localização da reserva territorial indígena para uso de povos isolados no Peru ......25
Mapa 3: Principais Rotas que o povo isolado Mashcos utilizam na fronteira Brasil e Peru....31
Mapa 4: Proposta de construção de estrada que liga as cidade de Inapari e Puerto Esperanza
no Peru......................................................................................................................................45
Mapa 5: Proposta de criação do Corredor Territorial de Povos Indígenas Isolados e de
Recente Contato Pano, Aruak e Outros....................................................................................51
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Praia com tapiris onde os Mashcos reside provisoriamente .....................................37
Figura 2: Cultura material - colar dos Mashcos .......................................................................38
Figura 3: Estrada Jordão-Novo Porto ......................................................................................43
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
CAPÍTULO I - FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL/PERU, RECONHECIMENTO DE
TERRAS INDÍGENAS E RESERVAS TERRITORIAIS.......................................................14
1.1. Os indígenas e o processo histórico de formação da fronteira Brasil/Peru ..................14
1.2. As correrias e a nova configuração espacial da fronteira .............................................16
1.3. O Reconhecimento de Terras Indígenas no Brasil e Reservas Territoriais no Peru.....18
CAPÍTULO II: INDIOS ISOLADOS MASHCOS..................................................................26
2.1. Quem são os índios isolados Mashcos..........................................................................26
2.2. Onde estão localizados o povo Mashcos. .....................................................................29
2.3. Povo Mashcos: opção pelo não contato com a sociedade envolvente..........................32
2.4. Territórios e Territorialidades dos Índios Mashcos......................................................34
CAPÍTULO III: AMEAÇAS E OS PRINCIPAIS DESAFIOS DOS INDIOS ISOLADOS...39
3.1. O relacionamento interétnicos na fronteira Brasil/Peru................................................39
3.2. As ameaças que atingem os povos isolados .................................................................41
3.3. Os principais desafios para os índios isolados..............................................................46
3.4. Proposta do Corredor Territorial de Povos Isolados e de Recente Contato Pano, Aruak
e Outros é a solução?................................................................................................................49
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................53
Referências Bibliográficas........................................................................................................56
11
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico cujo título é “Índios isolados na Pan Amazônia:
povo Mashcos e seus territórios “sem limites” na fronteira Brasil/Peru” é um
compromisso desafiador enquanto aluno do curso de Bacharelado em Geografia, da UFAC.
Isso porque sua existência é desacreditada por várias instituições da República do Peru, e no
Brasil existem dificuldades quanto a uma efetiva política de promoção e proteção de seus
territórios. É provocante, também, porque esse povo isolado Mashcos possuem características
peculiares, ou seja, modo de viver que confrontam os sentidos da existência em um mundo
cada vez mais globalizado.
Como apresentarei ao longo do trabalho, os índios isolados Mashcos representam um
dos povos que ainda vivem em isolamento voluntário pela região da Pan Amazônia.
Levantamento da (OACNUDH1
, 2012) estima-se “que no continente americano existam cerca
de 200 povos indígenas isolados”. Os Mashcos são grupos considerados nômades e não
praticam a agricultura. Além do mais, são caçadores e coletores de frutos, sementes e recursos
naturais que a floresta oferece. Estão em constantes deslocamentos entre a Floresta
Amazônica brasileira e peruana. No Brasil, há confirmações do povo Mashcos nas cabeceiras
dos rios Acre, Envira, Chandless, Iaco, Purus e na TI Mamoadate. No Peru, também existem
confirmações nos rios Tahuamanu, Las Piedras, Los Amigos e Manu. É possível que o povo
Mashcos se divida em subgrupos, contudo faltam estudos mais profundos para confirmarem
essa possibilidade.
A ideia de realizar esse trabalho surgiu a partir de inquietações presentes durante meu
percurso enquanto servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai). Devo mencionar que em
2010 quando cheguei à cidade de Rio Branco/AC para trabalhar nesta Fundação, não tinha
nenhuma experiência em trabalhos com povos indígenas, nem muito menos sabia da
existência de índios isolados. Reconhecendo essa lacuna, busquei compreender sobre os
povos indígenas, sobretudo, os índios isolados. Foi onde começou o interesse pelo assunto e
surgiram muitas dúvidas, a qual ao longo da vida profissional não tinha encontrado respostas,
como por exemplo: por que essa região da fronteira Brasil/Peru há vários índios em
isolamento? Quem são os índios isolados? Sendo assim, pode-se dizer que para a escolha do
1
Oficina del Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, cujo objetivo é observar,
promover e proteger os direitos humanos em seis países da região: Argentina, Brasil, Chile, Peru, Uruguai e
Venezuela.
12
tema foi levado em consideração a minha experiência profissional e acadêmica, como aluno
do curso de Geografia.
Durante o desenvolvimento do trabalho, tentamos responder essas perguntas, levando
em consideração os aspectos históricos, políticos, econômicos e culturais dos países Brasil e
Peru. Na construção do trabalho utilizamos referências bibliográficas teóricas importantes
para as discussões do tema: relatórios técnicos de órgãos de proteção oficial dos dois países,
quais sejam, a Funai e o Ministério da Cultura, assim como as legislações federais, teses e
dissertações, revistas especializadas no assunto, artigos científicos, publicações e periódicos
de organizações indigenistas. Ressalta-se que o trabalho proposto aborda também, tema
relacionado aos territórios de fronteira, Becker afirma que fronteira deve ser compreendida
como “[...] um espaço não plenamente estruturado e, por isso mesmo, potencialmente gerador
de realidades novas [...]” (2007, p. 20). Partindo dessa premissa observamos que o território
que os índios isolados ocupam há milhares de ano é um grande celeiro de recursos naturais
onde despertam atenção e o desejo do modo de produção capitalista.
Isto posto, há ainda outra indagação: como respeitar os territórios dos índios isolados
que há séculos habitam esses lugares sem submetê-los ao interesse econômico? Certamente,
as dificuldades são tamanhas que serão analisadas a partir de distintas referências
bibliográficas. De maneira geral, o que se pretende com este trabalho de pesquisa é a partir de
uma análise do desenvolvimento das políticas protetivas do Brasil, compreender como este
tema relacionado aos índios isolados vem sendo tratado bem como os territórios que ocupam.
Pretendo também, aprofundar os conhecimentos acadêmicos em relação a esse povo,
que por sua vez carecem de produção cientifica, tanto no Brasil quanto no Peru, valorizando
seus aspectos sociais e culturais na produção e composição do espaço. No bojo desse
processo, procura-se entender ainda como se deslocam entre os territórios, uma vez que os
Mashcos transitam em longas áreas dessa fronteira. Em sua grande maioria, deve ser frisado
que esses lugares utilizados pelos índios isolados, sobretudo, os Mashcos são terras habitadas
há milhares de anos por outros grupos indígenas já em contato com a sociedade envolvente.
Desse modo, a estrutura do trabalho monográfico foi esquematizada da seguinte
forma: Introdução, abordagem em três capítulos das questões importantes e indispensáveis no
processo de construção das discussões e no desfecho com as considerações finais. No
primeiro capítulo buscamos abordar como se deu o processo de formação da fronteira
Brasil/Peru a partir da chegada dos conquistadores em busca de exploração da seringa e do
caucho frente aos habitantes originários da fronteira. Dentro desse capítulo apontamos ainda
13
os conceitos e o processo de reconhecimento de Terras Indígenas para índios isolados no
Brasil e Reservas Territoriais, forma usada no Peru. Já no segundo capítulo tratamos de
evidenciar uma abordagem sobre os índios isolados, especialmente, sobre povo Mashcos,
mostrando quem é e onde habitam. Discutimos ainda sobre as possíveis territorialidades desse
povo isolado Mashcos. O enfoque do terceiro capítulo foi mostrar as ameaças e os principais
desafios para as políticas de proteção aos índios isolados na região de fronteira Brasil/Peru,
além de analisar a proposta do Corredor Territorial de Povos Isolados e de Recente Contato
Pano, Arúak e Outros como uma solução para os índios isolados da fronteira. E por fim,
elaboramos as considerações finais do trabalho monográficos a partir dos resultados que
decorreram durante a pesquisa bibliográfica e os questionamentos feitos no inicio do trabalho.
14
CAPÍTULO I - FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL/PERU,
RECONHECIMENTO DE TERRAS INDÍGENAS E RESERVAS
TERRITORIAIS.
O objetivo principal do capítulo primeiro é compreender os acontecimentos históricos
relevantes na construção e formação da fronteira Brasil/Peru. Abordamos ainda, as
legislações, os conceitos, as classificações sobre Terras Indígenas e Reservas Territoriais para
índios isolados no Brasil e no Peru, respectivamente.
1.1. Os indígenas e o processo histórico de formação da fronteira Brasil/Peru
O processo de formação do espaço geográfico da fronteira Brasil/Peru está em
constante transformação. Essa mudança não se dá necessariamente aos aspectos físicos e
geográficos, mas sim ao contexto social e cultural, onde o espaço está sendo, constantemente,
ressignificado. Isso porque, as regiões de fronteira costumam ser caracterizadas por intensas e
rápidas transformações no que diz respeito à constituição do espaço geográfico. Todavia, ao
longo da história, essa fronteira Brasil/Peru foi marcada por um cenário de lutas,
acontecimentos e resistências, entre os conquistados e conquistadores. Uns dos exemplos
mais evidentes foram os processos de correrias iniciados a partir da chegada dos “novos”
moradores na região, em fluxo que ignorava os nativos que já habitavam o território. Pacheco
de Oliveira (1999, p.177-178) sustenta que as fronteiras territoriais dos povos indígenas são
razoavelmente flexíveis. Oscilam constantemente em razão de mudanças demográficas,
expedições guerreiras ou movimentos migratórios de natureza variada.
Neste sentido, uma nova configuração espacial e geográfica se inicia com a chegada
dos primeiros seringalistas nos altos cursos dos rios Acre, Juruá e Purus na década de 1870 no
Brasil e pelos caucheiros nos vales dos rios Madre de Dios e do Ucayali adentrando o Baixo
Purus até próximo a Ituxi em território peruano a partir de 1880. Ressalta-se que esses
conquistadores quando chegaram às regiões do Brasil e Peru massacraram as populações
originárias que habitavam na região. Mesmo assim, eles vieram com objetivo definido que foi
realizar a exploração de borracha em lado brasileiro e caucho no lado peruano, tendo em vista
a crescente demanda mundial por borracha, conforme vejamos:
En la segunda mitad del siglo XIX, el descubrimiento del proceso de
vulcanización del caucho por Goodyear, y con ello, su uso en la industria
automotriz, motivaron el incremento de su precio en más del 600% por
15
ciento. La rentabilidad de la venta del producto produjo entonces la mayor
invasión de la amazonia por miles de personas que con la ambición de
explotarlo se lanzaron en su búsqueda por toda la Amazonía. La llegada de
los caucheros empezó en Manaos, Brasil, y continuó hacia el oeste,
alcanzando la Amazonía peruana hacia el año 1894. (HUERTAS, 2014, p.
17)
A valorização da borracha no mercado global atrelado ao incremento inicial da
indústria automobilística fez com que houvesse crescente e interrupta demanda na extração de
seringa, a qual tornou a região de fronteira do Brasil/Peru bastante atraente, principalmente,
para os nordestinos, sobretudo, os sertanejos que enfrentavam uma estiagem sem precedentes,
gerando feições espaciais de miséria e muita pobreza no sertão nordestino. Afirma Arruda
que:
Os dois modos de extração de borracha, o caucho extraído de uma só vez
com a derrubada da árvore que o produz (castilloa eslástica) e a seringa,
extraída de forma regular ao longo do tempo mantendo-se o aproveitamento
das árvores por longo período (hevea brasiliensis), introduziram forma
diferenciadas de povoamento (2009, pág. 161).
Neste aspecto, o governo brasileiro incentivou o povoamento da região amazônica,
uma vez que era estratégico na região de fronteira sua ocupação. Assim, a Era Vargas para a
região da Amazônia se iniciou com ações que convergiam o interesse nacional voltado para as
politicas desenvolvimentistas. Da mesma forma, foram dados aos imigrantes incentivos para
ocupação das fronteiras, de modo que houvesse a integração com o restante do território
nacional. No entanto, as políticas de Estado com o propósito de ocupar região Amazônica não
consideraram e ignoraram moradores nativos da região.
Para viabilizar essa estratégia desenvolvimentista o Estado assumiu, a partir
da década de 60, uma política mais agressiva tanto no que se refere à
infraestrutura, priorizando interligações regionais com a abertura de grandes
eixos viários e as construções de hidrelétricas, como no tocante a estímulos
financeiros representados pelas políticas de crédito, de incentivos fiscais e de
toda uma série de vantagens financeiras adicionais, criando para tanto, novos
órgãos e regulamentando instituições que já agiam na região. (BRITO, 1995,
p.73).
A partir dos anos de 1970 os processos migratórios se intensificaram para a região
Amazônica, devido às campanhas publicitárias realizadas pelo governo militar, cujo slogan
era “INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR” a fim de ocupar os grandes vazios
demográficos existentes na região.
16
As primeiras incursões sistemáticas do tema Amazônia nos jornais estavam
associadas às riquezas produzidas pela cultura da borracha, um comércio em
processo de crescimento mundial desde a descoberta da vulcanização, em
1839. No final do século 19, o auge da economia cafeeira no Sudeste
brasileiro coincidiu com a expansão da indústria de extração de látex das
seringueiras da floresta amazônica. (...) Entre 1872 e 1920, a população
regional cresceu 4,3 vezes, passando de pouco mais de 330.000 para quase
1,5 milhão de pessoas. O crescimento mais acentuado aconteceu entre 1900
e 1920, quando a população mais que dobrou. Foi o primeiro grande
empreendimento comercial levado a cabo no Brasil sem utilização de
trabalho escravo. Beneficiada pelos altos preços da borracha no mercado
mundial, a economia regional cresceu em ritmo vertiginoso (ARBEX
JÚNIOR, 2005, p.31).
É interessante mencionar nestes projetos promovidos pelo Estado duas situações que
devem ser consideradas como ocasionadas pelas transformações ocorridas no espaço
geográfico ocupado pelos indígenas da região Brasil/Peru devido à chegada das frentes
econômicas de expansão da borracha. São elas as situações: que os indígenas foram inseridos
a essa nova forma de divisão de trabalho, anteriormente desconhecidos e o contexto dos
indígenas que não concordaram com as novas frentes de trabalhos. Esses indígenas que
ocupavam o território há séculos foram deslocados para os lugares mais remotos da fronteira
entre Brasil e Peru, as quais são as cabeceiras e os altos cursos dos rios. Nota-se que a
estratégia de ocupação realizada pelas frentes da borracha na região comandada pelos
seringalistas em vários pontos é semelhante à maneira que os portugueses invadiram o
território brasileiro no inicio do século XVI, tendo em vista que muitos grupos indígenas
perderam parte da cultura, costumes e tradições e exploraram os recursos ambientais dos
territórios habitados há milhares de anos.
1.2. As correrias e a nova configuração espacial da fronteira
Os povos indígenas da região de fronteira entre o Brasil e Peru, mais especificamente
no sudoeste amazônico guardam na memória as histórias a respeito do período conhecido
como correria. Acontecimento marcante que ficou registrado nas memórias dos indígenas da
região e nos livros de histórias. Neste sentido, Silva (2002 p.12) afirma:
As correrias constituíram expedições armadas, organizadas por seringalistas
e caucheiros para cercar as malocas e matar as famílias que nelas viviam.
Aqueles que conseguiam sair eram perseguidos e baleados com tiros de rifle.
Mulheres e crianças que sobreviviam ao ataque eram capturadas e levadas
para viver com seus algozes.
17
As correrias proporcionavam, principalmente, a retirada dos caminhos daqueles
indígenas que poderiam importunar na exploração de seringas e cauchos:
Os Kaxinawá sofreram as mesmas correrias que os outros povos indígenas
do Acre também sofreram. As correrias feitas pelos seringalistas e pelos
caucheiros peruanos obrigaram os Kaxinawá a abandonar suas terras
tradicionais e fugir para as cabeceiras de vários rios, como o Purus, Envira,
Muní, Tarauacá, Jordão e Breu. Quando chegaram os nawá, os Kaxinawá se
espalharam, por causa das correrias, da invasão das aldeias e das doenças.
(CPI/AC, 1996 p.37)
Como em outros momentos da história, as correrias marcaram, de maneira dramática,
os povos indígenas da fronteira Brasil/Peru, as quais viviam em seus territórios de forma
equilibrada com a natureza. Além de revelar como únicos donos das florestas e de seus
recursos naturais, os seringalistas contratavam “os peões ”, figuras conhecidos pelos indígenas
como pessoas que davam segurança aos seringueiros que cortavam a seringa nos centros, com
medo de retaliações dos indígenas considerados brabos.
Para os povos indígenas, as correrias resultaram na invasão de seus
territórios tradicionais, na chegada de doenças desconhecidas, em massacres,
na captura de mulheres e crianças e na dispersão dos sobreviventes pelos
fundos dos seringais e pelas terras firmes das cabeceiras dos afluentes dos
rios Juruá e Purus. (CPI/AC, 1996 p.12)
Em decorrência dos processos de correrias, vários grupos indígenas foram obrigados a
trabalhar para os seringalistas. Todavia, os conflitos aconteceram e nesse processo alguns
grupos foram inseridos pouco a pouco a cultura e os costumes dos brancos. Ao longo do
tempo, já eram mão de obra nos seringais passando a ser escravizados pela empresa
seringalista. Segundo Correia (2001), os índios:
Passaram, além de cortar seringa, a desempenhar uma série de atividades
necessárias ao funcionamento do seringal, a saber, fazer transporte de
borracha e mercadorias nas costas, varejar balsas abarrotadas de borracha até
as cidades, abrir e zelar estradas de seringa, campos e pastagem, construir
ubás, edificar casas e currais, levantar cercas, extrair madeiras-de-lei, fazer
farinhadas, movimentar os engenhos de cana-de-açúcar para o fabrico de
mel, rapadura e gramixó (açúcar mascavo), colocar roçados, caçar e pescar
para o abastecimento do barracão do patrão.
Tornaram-se trabalhadores indispensáveis ao funcionamento dos seringais. As
correrias foram responsáveis também por dizimar vários outros povos que habitavam o
território antes da chegada das frentes econômicas extrativistas. Os dados de Curt Nimuendajú
18
(IBGE, 1997) apontam que “pouco antes da chegada de caucheiros e seringueiros, havia cerca
de 50 (cinquenta) povos indígenas habitando o que, pouco depois, viria a ser tornar o
Território Federal do Acre”. Contudo, houve grupos indígenas que não aceitaram a nova
configuração do espaço incorporada pelas frentes econômicas extrativistas da borracha, tanto
em território brasileiro quanto em território peruano e escolheram fugir para os altos cursos
dos rios da região. Devido à necessidade de permanecer em isolamento, estas populações, a
exemplo de outros grupos tradicionais, têm como principais características a persistência
cultural de práticas e valores que combinam o passado com o presente e o futuro
(ZANIRATO E RIBEIRO, 2007), bem como a conservação de ecossistemas em risco de
degradação e destruição, com pensamentos diferentes daqueles que acabava de chegar. Neste
viés, (HUERTAS, 2002) argumenta que, em comparação com o boom da borracha, parte da
população Mashco Piro foi forçada a mudar para áreas mais remotas do contato com pessoas
de fora.
Nada obstante, como em qualquer sociedade teve povos que não aceitaram a nova
configuração do espaço incorporada pelas frentes econômicas da borracha, tanto em território
brasileiro quanto em território peruano. Neste sentido a Revista Povos Indígenas no Acre
afirma que:
Mas alguns povos indígenas não quiseram entrar em contato com os brancos.
E à medida que os seringais se instalavam cada vez mais para as cabeceiras
dos rios, estes povos procuraram se refugiar nas terras firmes, distantes dos
seringais. Em alguns rios do Acre, como Iaco e o Chandless, no Envira e em
outros afluentes do Juruá e do Purus, não existe a seringueira. Onde não
existe seringueira, não existe seringal; e onde não existe seringal, não
existem homens brancos. Foi exatamente aí, que esses povos indígenas
conseguiram se esconder e sobreviver. (ACRE, 2010 p. 48).
1.3. O reconhecimento de Terras Indígenas no Brasil e Reservas Territoriais no Peru
A modalidade de Terras indígenas são propriedades do Estado brasileiro destinadas à
posse permanente dos povos indígenas para usufruto exclusivo dos recursos naturais
disponíveis e reprodução física e cultural e estão garantidos na Constituição Federal do Brasil.
Assim, “a atual Constituição rompeu com a perspectiva integracionista ao afirmar que são
reconhecidas aos indígenas suas identidades étnicas, suas práticas culturais, sociais,
educacionais, religiosas e também é resguardado a estes o usufruto exclusivo sobre as terras
tradicionais que habitam” (CIMI, 2015 p. 2). Vale lembrar que a noção de Terra Indígena diz
respeito ao processo político-jurídico conduzido sob a égide do Estado (GALLOIS, 2004, p.
39).
19
Por outro lado, o Estado peruano reconhece o direito de identidade étnica e cultural em
Constituição Política, protegendo a pluralidade dos povos e garantindo o direito pela
propriedade da terra. Neste sentido, o antropólogo Echeverri afirma que:
Los territorios para los pueblos indígenas, aunque abarcan áreas de vivienda,
productivas y de extracción de recursos, pueden incluir otras áreas no
necesariamente ligadas a la reproducción económica. “Um territorio
indígena, aunque puede llegar a demarcarse y limitarse, se defie no tanto por
sus fronteras y límites como por marcas geográfias que señalan la ligazón de
un grupo humano con un paisaje y una historia (2004, p. 261).
Neste mesmo viés, pode-se entender que as Reservas Territoriais são terras
delimitadas pelo Estado peruano, com proposito de garantir aos povos indígenas em
isolamento voluntário ou em contato inicial que habitam em determinados territórios com
propósito de garantir seus modos e costumes de vida. Neste proposito a legislação peruano
que o objetivo da Reserva Territoriais é “y en tanto mantengan tal situación, para proteger sus
derechos, su hábitat y las condiciones que aseguren su existencia e integridad como pueblos”
(PERU a, 2006).
Para tanto, é importante destacar os indígenas que mantém relações com a sociedade
envolvente não garantem a ocupação em Reservas Territoriais, sendo apenas uma prerrogativa
dos povos que vivem em isolamento voluntário ou estão em estágio de contato recente. Sendo
assim, esses indígenas fazem partes de comunidades nativas da nação.
No lado brasileiro, existem as Terras Indígenas, as quais são classificadas como:
Tradicionalmente Ocupadas2
, Reservas Indígenas3
, Terras Dominiais 4
e Aéreas Interditadas5
,
2
São as terras indígenas de que trata o art. 231 da Constituição Federal de 1988, direito originário dos povos
indígenas, cujo processo de demarcação é disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96. Disponível em:
http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016.
3
São terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, que se destinam à posse permanente
dos povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da União, mas não se confundem com as
terras de ocupação tradicional. Existem terras indígenas, no entanto, que foram reservadas pelos estados-
membros, principalmente durante a primeira metade do século XX, que são reconhecidas como de ocupação
tradicional. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20
de julho de 2016.
4
São as terras de propriedade das comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do
domínio, nos termos da legislação civil. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-
brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016.
5
São áreas interditadas pela Funai para proteção dos povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento
de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área. A interdição da área pode ser realizada
concomitantemente ou não com o processo de demarcação, disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96. Disponível
em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016.
20
a qual tem como objetivo “... preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e
harmoniosamente, à comunhão nacional” (BRASIL, 1973). As terras indígenas para índios
isolados são consideradas como “terras tradicionalmente ocupadas”. Desse modo, o artigo
231, no parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988, elucida terras tradicionalmente
ocupadas da seguinte forma:
São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições. (BRASIL, 1988)
Por sua vez, o Peru também se ampara em legislações nacionais para definir as
comunidades nativas, a qual incluem os indígenas em contato com a sociedade e outros
grupos que preservam suas línguas, cultura, que produzam os elementos sociais e culturais em
um mesmo território. A segunda disposição transitória do Decreto Lei n° 22.175, de 09 de
maio de 1978 diz:
Para la demarcación del territorio de las comunidades nativas cuando se
encuentren en situación de contacto inicial y esporádico con los demás
integrantes de la sociedad nacional se determinará un área territorial
provisional, de acuerdo a sus modos tradicionales de aprovechamiento de los
recursos naturales, hasta que se defina una de las situaciones a las que se
refieren los incisos a) y b) del artículo 10° de la presente Ley… a) Cuando
hayan adquirido carácter sedentario, la superficie que actualmente ocupan
para desarrollar sus actividades agropecuarias, de recolección, caza y pesca y
b) cuando realicen migraciones estacionales, la totalidad de la superficie
donde se establecen al efectuarlas. (PERU, 1978)
Essa definição na legislação peruana é a que se equipara com a legislação brasileira no
que se refere ao reconhecimento e demarcação de Terras Indígenas. Porém, quando se trata de
território para indígenas isolados ou em contato inicial a legislação peruana está à frente da
legislação brasileira, uma vez que há um marco referencial específico que é a Lei n° 28.736,
de 16 de maio de 2006. O objetivo dessa lei é estabelecer um regime especial, integrados com
diversos setores do governo peruano a fim de garantir os direitos a vida e a saúde, com vistas
para assegurar sua existência e integridade aos indígenas isolados e de contanto inicial da
Amazônia Peruana. Sendo assim, a letra “d”, art. 2, da Lei n° 28.736, de 16 de maio de 2006,
também insere um ordenamento jurídico sobre as Reservas Territoriais quando destinadas à
proteção dos povos isolados, sendo assim definidas:
21
Tierras delimitadas por el Estado peruano, de intangibilidad transitoria, a
favor de los pueblos indígenas en situación de aislamiento o en situación de
contacto inicial, y en tanto mantengan tal situación, para proteger sus
derechos, su hábitat y las condiciones que aseguren su existencia e
integridad como pueblos. (PERU a, 2006)
No outro lado da fronteira em território brasileiro, há informações de que constam
vinte e cinco referências de povos isolados confirmadas (ver mapa 1) e ainda indicações de
que há nove Terras Indígenas destinadas, exclusivamente, para indígenas isolados (ver quadro
1), as quais somam cerca de 2.595.849 de hectares (Funai a, 2015, p. 15-25). Há ainda, outras
onze Terras Indígenas com presença de isolados, porém, compartilhadas com outros povos
indígenas (ver quadro 2), que somam cerca de 24.267.605 hectares. Ressalta-se que no Estado
do Acre, nas proximidades da fronteira com o Peru, há sete Terras Indígenas de uso
compartilhados e exclusivas, as quais duas são reservadas exclusivamente para indígenas
isolados e cinco para uso dos indígenas isolados e com outros povos contatados. Tais terras
estão descritas nos quadros abaixo:
Terras Indígenas Exclusivas
para Índios Isolados
Localização
Situação
Fundiária
Tamanho da
Aérea
Alto Tarauacá Acre Regularizada6
142.619 hectares
Igarapé Taboca Acre Restrição de Uso7
287 hectares
Hi Merimã Amazonas Regularizada 677.840 hectares
Jacareuba/Katawixi Amazonas Restrição de Uso 647.386 hectares
Kawahiva do rio Pardo Mato Grosso Delimitada8
411.848 hectares
Piripkura Mato Grosso Restrição de Uso 242.500 hectares
Massaco Rondônia Regularizada 421.895 hectares
Tanaru Rondônia Restrição de Uso 8.070 hectares
Pirititi Roraima Restrição de Uso 43.404 hectares
6
Terras que, após o decreto de homologação, foram registradas em Cartório em nome da União e na Secretaria
do Patrimônio da União. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas.
Acesso em 20 de julho de 2016
7
Áreas Interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de povos indígenas isolados.
Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de
2016
8
Terras que tiveram os estudos aprovados pela Presidência da Funai, com a sua conclusão publicada no Diário
Oficial da União e do Estado, e que se encontram na fase do contraditório administrativo ou em análise pelo
Ministério da Justiça, para decisão acerca da expedição de Portaria Declaratória da posse tradicional indígena.
Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de
2016
22
TOTAL 2.595.849 hectares
Quadro 1: Terras indígenas no Brasil destinado para uso exclusivo de índios isolados
Fonte: FUNAI a, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016.
Terras Indígenas com uso
compartilhado de índios
Isolados com outros povos
Localização
Situação
Fundiária9
Tamanho da Aérea
Kampa e Isolados do Rio Envira Acre Regularizada 232.795 hectares
Kaxinawá do Rio Humaitá Acre Regularizada 127.384 hectares
Kulina do Rio Envira Acre Regularizada 84.365 hectares
Mamoadate Acre Regularizada 313.647 hectares
Riozinho do Alto Envira Acre Homologada10
260.972 hectares
Vale do Javari Amazonas Regularizada 8.544.482 hectares
Waimiri Atroari Amazonas/Roraima Regularizada 2.585.912 hectares
Yanomami Amazonas/Roraima Regularizada 9.664.975 hectares
Araribóia Maranhão Regularizada 413.288 hectares
Caru Maranhão Regularizada 172.667 hectares
Uru-Eu-Wau-Wau Rondônia Regularizada 1.867.118 hectares
TOTAL 24.267.605 hectares
Quadro 2: Terras indígenas no Brasil destinado para uso compartilhado de índios isolados com outros povos
Fonte: FUNAI a, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016.
9
Nas fases dos procedimentos demarcatórios das terras tradicionalmente ocupadas há ainda as terras Em
estudo: Realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que
fundamentam a identificação e a delimitação da terra indígena. Disponível em:
http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016
10
Terras que possuem os seus limites materializados e georreferenciados, cuja demarcação administrativa foi
homologada por decreto Presidencial. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-
indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016
23
Mapa 1: Localização11
de terras indígenas para uso de povos isolados no Brasil
Fonte: FUNAI a, 2015
11
Os pontos em laranja indicam informações registradas de índios isolados não confirmados. Os pontos em vermelho são referências registradas já confirmadas de povos de
índios isolados já confirmados. E os traços em vermelhos são referências.
24
Já em relação às Reservas Territoriais em lado peruano, Huertas (2015) indica que
existem cinco Reservas Territoriais destinadas, exclusivamente, para indígenas em isolamento
voluntário ou em contato inicial (2015, p. 96), (ver quadro 3). Destaca-se que a Reserva
Territorial Mashco Piro (ver mapa 2), que apesar de ter seu nome Mashco Piro é destinada
para os povos Mashcos e Mastanahuas, localizada no Departamento de Ucayali com tamanho
de 768.848 hectares a segunda maior área destinada a povos isolados no Peru, as quais se
encontram em estágio de isolamento.
Reservas Territoriais Localização Tamanho
Kugapakori Nahua
Nanti y otros
Províncias de Atalaya e La Convención,
departamentos de Ucayali e Cusco, respectivamente.
456.672,73 hectares
Mashco Piro Província de Purus, região de Ucayali. 768.848 hectares
Murunahua Província de Atalaya, região de Ucayali. 481.560 hectares
Madre de Dios
Províncias de Tahuamanu, Tambopata e Manu,
departamento de Madre de Dios.
829.941 hectares
Reserva Territorial
Isconahua
Província de Coronel Portillo, região de Ucayali,
275.665 hectares
TOTAL
2.340.608,29
hectares
Quadro 3: Reservas Territoriais no Peru destinado para uso exclusivo de índios em isolamento voluntário e em
situação de contato inicial
Fonte: HUERTAS, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016
25
Mapa 2: Localização da reserva territorial indígena para uso de povos isolados no Peru
Fonte: Ministério da Cultura - Peru12
12
Disponível em: http://www.cultura.gob.pe/sites/default/files/paginternas/tablaarchivos/2014/03/reservaterritorialmashcopiro.jpg . Acesso em 19 de junho de 2016.
26
CAPITÚLO II: INDIOS ISOLADOS MASHCOS.
Neste segundo capítulo falaremos sobre os índios isolados, sobretudo, povo Mashcos:
quem é, onde estão localizados – compreender os possíveis motivos pelo afastamento em
relação à sociedade envolvente e seus territórios e territoriedades que estabelece na região de
fronteira do Brasil e Peru.
2.1. Quem são os índios isolados Mashcos.
Nos dias atuais, e em pleno século XXI, há mais de 500 anos da invasão portuguesa ao
território brasileiro e do quase extermínio pelos espanhóis perante a civilização originária no
Peru, é possível afirmar ainda que existem em ambos os países índios que vivem,
principalmente na região amazônica de maneira isolada. Ou seja, sem manter contato e
relação com o homem branco e os indígenas que habitam próximo aos territórios de uso. A
denominação de povos isolados se refere ao fenômeno dos grupos indígenas com ausência de
relações frente às sociedades nacionais ou com baixas mostras de relação e contato (TOLEDO
2007, p. 322).
A decisão de isolamento desses povos é resultado dos encontros com efeitos
negativos para suas sociedades, como infecções, doenças, epidemias e morte,
atos de violência física, espoliação de seus recursos naturais ou eventos que
tornam vulneráveis seus territórios e entorno natural, ameaçando suas vidas,
seus direitos e sua continuidade histórica” (COMEGNA 2008, p. 2).
Uns desses exemplos, atualmente são os índios isolados Mashcos, os quais:
A diferencia de otro sujetos de derechos, los pueblos indígenas en
aislamiento, por definición, no abogar por sus propios derechos ante
instancias nacionales o internacionales. Por esto, la protección de sua vida y
cultura cobran particular relevância para el sistema interamericano de
derechos humanos. (OACNUDH, 2012 p.9)
Antes de abordar os pressupostos conceituais para tentarmos construir uma definição
de quem é o povo Mashcos, acredito que seja de interesse neste primeiro momento tentar
entender a dinâmica territorial que esses povos estão inseridos. Destaca-se que os índios
isolados Mashcos não são do Peru e nem são do Brasil. São povos que ora estão no Peru, ora
no Brasil, uma vez que à proximidade com a fronteira de ambos os países, além das pressões
que o território sofre e os hábitos culturais se deslocam em determinadas épocas do ano em
fuga e/ou em busca de algo.
27
Mas afinal, quem são povos isolados Mashcos? Os índios isolados denominados
Mashcos para Lyon, (1975) “(...) aparentemente, eles eram um bando de Piro, e foram
diversamente chamados Masco, Piro-Mashco, Mashco e Mashco-Piro (...)”. Ressalta-se ainda
que “o termo Mashco é usado pelos brancos da região do Madre de Dios de um modo
pejorativo, significando selvagem, maligno, incivilizado, beligerante, etc. Ela apresenta o
importante argumento de que, nessa região, “Mashco substitui o termo chuncho, com o
significado de povos indígenas que resistem às incursões dos brancos” (LYON, 1975).
De posição mais enigmática coloca Gow (2011 p. 11) “Os Mashco são a mais mítica
das entidades, um povo indígena amazônico em isolamento voluntário; são ainda mais
perturbadores por serem perfeitamente reais”. Ou melhor, são povos indígenas que o homem
com toda sabedoria e sapiência ainda tem dificuldade de explicar suas relações sociais. Da
mesma maneira, os Mashcos são, sem dúvida, uma representação peculiar de povos isolados.
Uma vez que os referidos índios, cultuam o nomadismo e perambulam por vários lugares
diferentes, logo necessitam de grandes faixas territoriais para reprodução de suas relações
espaciais. Neste sentido, afirma Huertas (2015 p. 69):
Es uno de los pueblos en aislamiento más numerosos y extendidos de la
Amazonía peruana. Se organiza em grupos residenciales conformados por
familias extensas. Mantiene uma alta movilidad por los bosques que
conforman su territorio y vive principalmente de la caza de animales de
monte y aves y la recolección de huevos de tortugas, frutos y una diversidad
de productos del bosque con fies alimenticios, de salud, construcción de
flechas, implementos, viviendas, etc.
Sob essa mesma perspectiva o relatório técnico da Funai, explicita que “geralmente
são denominados “Mashco”, mas essa terminologia não se refere à língua, e sim ao modo de
vida que essas populações levam, pois não se fixam num lugar especifico, sendo considerados
povos nômades”. (2011 p. 4). E em relação à língua falada pelo povo Mashcos onde no
presente momento ainda não é possível definir com exatidão. Há grande possibilidade que a
língua dos Mashcos seja a mesma do povo Yine ou um dialeto desta, que faz parte do tronco
linguístico Arúak. Os poucos momentos registrados por outros povos em relação aos Mashcos
não remetem à segurança em classificar com uma língua Yine. Além do mais, a classificação
de línguas não é tarefa fácil, devida, principalmente, aos dilemas que uma língua enfrenta em
suas definições. Mediante relato de indígenas da comunidade Monte Salvado em Porto
Maldonado, Peru, os Mashcos, fisicamente:
28
(...) São em sua maioria altos e magros. Os homens possuem cabelo preto e
liso na altura dos ombros, alguns possuem barba e bigode, utiliza um cinto
grosso feito de cipó, braceletes de cipó amarrados nas juntas dos braços e
pernas, alguns possuem colares com dente (onça, jacaré...), alguns estavam
pintados de urucum e um com jenipapo em todo seu corpo. As mulheres
possuem a mesma cinta que os homens, mas colocam folhas para protegerem
as partes íntimas (não cobrem os seios), algumas estavam com uma faixa
pintada de urucum na altura dos olhos, carregam seus filhos com uma tipoia
(...) (Funai, 2013, p. 04)
Neste sentido, as investigações dão conta que os povos isolados Mashcos são índios
coletores e caçadores. É de se perceber que no mundo moderno os povos que praticam esses
hábitos culturais são cada vez mais raros. Uma forte tendência transformou diversos povos
tradicionais a adotarem este comportamento e ao longo dos anos foram substituindo por
práticas agricultáveis. No entanto, essa propensão não se manteve com os índios Mashcos,
que nos dias atuais coletam sementes, frutos, plantas medicinais, pupunha, palmeiras,
paxiuba, ouricuri, jarina, cipós, envira, entre outros. Ou seja, recursos, uma diversidade de
materiais indispensáveis para sobrevivência das populações na floresta. Da mesma forma, em
relação às caças, “(...) foi observado como cultura alimentar: anta, macaco, jacu, mutum,
capivara e jabuti (...)” (Funai b, 2015, p. 11).
No final do século XIX, os Mashco Piro viviam de agricultura, caça e pesca
em aldeias grandes no alto Rio Manu, mas foram massacrados na “Praia
Mashco” pelos operários do infame “Rei da Borracha” Carlos Fermin
Fitzcarraldo em 1894. Os sobreviventes fugiram para o mato, perdendo seus
cultivos e voltando para uma vida nômade de caça e coleta. Mas apesar
dessa redução drástica na sua vida econômica e cultural, os Mashco-Piro
mantiveram o jogo de “cabeçabol” — esporte com bola de borracha
praticado por outros grupos Arawak, como os Paresi e os Enawenê-Nawê.
Entre os itens coletados pelo Shaco no seu intercâmbio com os Mashco-Piro
antes de morrer está incluído uma pequena bola de borracha13
.
Pode-se perceber também que o hábito relacionado ao nomadismo reporta-se à
disponibilidade de alimentos em determinados lugares. Ainda mais quando há um número
considerado de índios naquele grupo. Os Mashcos sabem que em determinada época do ano
vai haver uma maior abundância de animais naqueles e/ou em lugares próximo passados por
eles anteriormente. “Nos seus acampamentos provisórios, foram encontrados muitos ossos e
dentes de caças (anta, veado, queixada, porquinho, diversos tipos de macaco, jacu, mutum,
jacamim e outros), além de muitos cascos de jabuti e cocos quebrados, notadamente ouricuri e
13
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/os -mashco-piro-a-beira-do-contato-
4315.html, Acesso em 17 de Maio de 2016.
29
cocão. Mas não foram avistadas escamas e espinhas de peixes, tampouco vestígios de ovos e
cascos de tracajás e tartarugas, indicando condições de vida típicas dos grupos caçadores e
coletores nômades da floresta” (BOLETIM INFORMATIVO, 2014 p. 8).
Na estação chuvosa, quando os níveis de água são elevados, as tribos, que
geralmente não usam canoas, vivem longe dos rios, floresta a dentro.
Durante a estação seca, no entanto, quando os níveis de água são baixos e
praias surgem na beira dos rios, eles acampam nas praias e pescam14
.
2.2. Onde estão localizados o povo Mashcos.
É importante frisar que os índios isolados Mashcos estão localizados ao longo da
fronteira entre o Brasil e Peru. O modo de viver, as relações que se estabeleceram nessa
fronteira foram construídas ao longo do tempo, logo, culturalmente, é possível afirmar que,
esses índios não são do Peru e nem são índios do Brasil. São povos que ora estão no Peru, ora
no Brasil, uma vez que há proximidade com a fronteira de ambos os países, favorece as
migrações, atreladas as pressões territoriais, além dos hábitos culturais de deslocamento em
determinadas época do ano em fuga e/ou em busca de algo que esse povo pratica (ver mapa
3). Neste sentido, Nogueira (2007, p. 44) afirma que:
A expressão fronteira vem sendo utilizada em diversos sentidos, que vão
desde o limite entre dois Estados nacionais, talvez o sentido mais comum,
até em diversos sentidos figurados, como superação de tabus culturais,
diferença entre as ciências, o limiar entre a vida e a morte, barreiras de
determinados assuntos, diferenças socioeconômicas, e outros.
Também,
Os povos indígenas, em particular os que estão divididos por
fronteiras internacionais, têm o direito de manter e desenvolver
contatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter
espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus próprios
membros, assim como com outros povos através das fronteiras. (ONU,
2007 p. 18)
As incertezas sobre índios Mashcos são muitas, sobretudo, em relação aos grupos e
subgrupos, tendo em vista que já foram confirmadas referencias em distintos lugares. “(...)
Diferentes grupos extensos percorrem as florestas de terra firme das nascentes de quatro
grandes bacias hidrográfica da Amazônia peruana: Madre de Dios, Purús, Yurua (Juruá) e
Ucayali. Entram em território acreano pelos rios Iaco (TI Mamoadate), Reserva Biológica Rio
14
Disponível em: http://www.survivalinternational.org/povos/indios-isolados-peru , Acesso em 15 de Junho de
2016.
30
Acre, Chandless (Parque Estadual Rio Chandless) e Envira (TI Kampa e Isolados do Rio
Envira), que são rios binacionais. ” (BOLETIM INFORMATIVO, 2014 p. 7-8). Existem
suposições de que a divisão em grupos são estratégias de sobrevivência que os Mashcos
realizam, tendo em vista os grandes números de indígenas que são por grupo em relação às
disponibilidades de recursos que a floresta pode oferecer. Há quem arisque que esses grupos
sabem da existência dos outros e que se encontram em determinadas épocas do ano.
Já em relação às referências de localização em lado brasileiro já atestaram grupos nos
seguintes lugares: praias dos Rios Acre, Envira, Iaco, Purus, dentro da TI Momoadate e do
Parque Estadual do Chandless. No outro lado, em território peruano, há confirmação que
estão nas Reservas Territoriais Mashco Piro, Madre de Dios e Murunahua. Nesta perspectiva,
Huertas (2015 p. 70) atesta que os Mashcos habitam e percorrem:
Desde los ríos Yurúa y Envira por el norte hasta el río Alto Madre de Dios
por el sur y desde los ríos alto Chandless, Yaco, Acre, Tahuamanu, Las
Piedras y Pariamanu por el este hasta las cabeceras de los aflentes derechos
del río Manu por el oeste, traspasando probablemente el límite departamental
de Madre de Dios con Cusco. Su territorio abarca los sectores Yurúa,
Raimondi-Sepahua, Breu-Envira, Chandless-Acre, Tahuamanu, Tambopata
y Manu.
Na época chuvosa de inverno (de novembro a abril), concentram-se nas cabeceiras do
Madre de Dios e de seus principais afluentes, os rios Tahuamanu, los Amigos e las Piedras,
em território peruano fronteiriço (BOLETIM INFORMATIVO, 2014 p. 8). Todavia, não
existem estudos simultâneos de localização de ambos os países com o propósito de
estabelecer se são ou não os mesmos grupos. Mas por outro lado, a lógica temporal dos
acontecimentos de um lugar para outro, conotam que sejam grupos diferentes. Desse modo, é
notório e não adequado estimar ou fazer qualquer previsão de quantidade de índios isolados
do povo Mashcos, uma vez que a urgência é melhorar o sistema de monitoramento e
localização de ambos os países das referencias que já se trabalha para só assim ter um
estimativo de população e grupos que compõem os povos indígenas isolados Mashcos.
31
Mapa 3: Principais Rotas15
que o povo isolado Mashcos utilizam na fronteira Brasil e Peru
Fonte: ProPurús, 2014
15
As linhas tracejadas em forma de elipse indicam as principais rotas que o povo isolado Mashco utiliza
32
2.3. Povo Mashcos: opção pelo não contato com a sociedade envolvente.
Nos fins do século XX, o escritor Euclides da Cunha andou pelo rio Purus e narraram
os acontecimentos acerca de um massacre coordenado pelo explorador Carlos Fitzcarraldo
contra os povos indígenas Mashcos. Naquela época pregava-se a política do contato pelos
exploradores. Os Mashcos são tidos como povos bravos, guerreiros, resistentes à luta e para o
explorador eram uma “pedra no caminho” nas realizações dos seus objetivos. Há razões de
sobras para os Mashco preferirem a distância da sociedade que os cerca. Tais razões podem
ser explicadas pelo contato feito pelo explorador Carlos Fiscarrald, em 1892, relatado por
Cunha (1994, p.317):
Por única resposta o Mashco perguntou-lhe pelas flechas que trazia. E
Fiscarrald entregou-lhe, sorrindo, uma cápsula de Winchester. O selvagem
examinou-a, longo tempo, absorto ante a pequenez do projétil. Procurou,
debalde, ferir-se, roçando rijamente a bala contra o peito. Não o
conseguindo, tomou uma de suas flechas; cravou-a de golpe, no outro braço,
varando-o. Sorriu, por sua vez, indiferente à dor, contemplando com orgulho
o seu próprio sangue que esguichava... e sem dizer palavra deu as costas ao
sertanista surpreendido, voltando para o seu tolderio com a ilusão de uma
superioridade que a breve trecho seria inteiramente desfeita. De fato, meia
hora depois, cerca de cem Mashcos, inclusive o chefe recalcitrante e
ingênuo, jaziam trucidados sobre a margem, cujo nome, Playamashcos,
ainda hoje relembra este sanguinolento episódio. Assim vai desbravando-se
a região bravia. Varejadas as redondezas, mortos ou escravizados num raio
de poucas léguas os aborígines, os caucheiros agitam-se febrilmente na
azáfama estonteadora. Em alguns meses ao lado do primitivo tambo
multiplicam-se outros; a casucha solitária transmuda-se em amplo barracone
ou embarcadero ruidoso; e adensam-se por vezes as vivendas em caserios, a
exemplo de Cocama e Curanja, à margem do Purus, a espelharem,
repentinamente, no deserto, a miragem de um progresso que surge se
desenvolve e acaba num decênio.
Mais à frente o Boletim Informativo para povos indígenas isolados (2014, p. 9) fala
que “o século XXI começou tão violento para os povos indígenas dessa região peruana
fronteiriça, sobretudo para os chamados “isolados”, quanto o início do século passado, que foi
marcado pelas “correrias”, massacres e epidemias promovidos pelos integrantes das frentes
extrativistas do caucho e da seringa”. Estes relatos mostram como os diferentes contatos
ocorridos ao longo da história entre não índios e os povos isolados foram traumáticos para os
índios até então sem contato. Para Gow (2011 p. 12) “o isolamento voluntário dos Mashco é
uma recusa a um certo tipo de relação social, uma ação intencional, e seu sentido é dado na
interlocução”. Não há respostas claras em relação a esse distanciamento, porém, existem
suposições contundentes que justifica o isolamento. Presumisse que:
33
Os registros históricos demonstram que a decisão de isolamento desses
povos pode ser o resultado dos encontros com efeitos negativos para suas
sociedades, como infecções, doenças, epidemias e morte, atos de violência
física, espoliação de seus recursos naturais ou eventos que tornam
vulneráveis seus territórios, ameaçando suas vidas, seus direitos e sua
continuidade histórica como grupos culturalmente diferenciados16
.
“Eu não creio que haja nenhum grupo indígena isolado no Brasil que não saiba de
nossa existência, entende? Todos sabem! Porque, em algum momento da história deles, eles
tiveram encontros fortuitos ou choques com essas frentes pioneiras, por aí afora”.
(POSSUELO in UnB, 1999:195). Uma linha de investigação para isolamento junto à
sociedade foi às maneiras que aconteceram no passado e ainda acontecem na floresta
amazônica, ou seja, os traumas do contato. Os índios isolados são desrespeitados quando
homens brancos, sobretudo, aventureiros adentraram seus territórios de uso em busca de
explorações dos recursos naturais de maneira ilícita, agem com atrocidade, despreparo e falta
de humanidade com os povos isolados.
Esse ato de vontade de isolamento também se relaciona com a experiência
de um estado de autossuficiência social e econômica, quando a situação os
leva a suprir de forma autônoma suas necessidades sociais, materiais ou
simbólicas, evitando relações sociais que poderiam desencadear tensões ou
conflitos interétnicos17
.
É importante lembrar que a respeito das legislações indígenas que asseguram os
direitos aos índios isolados a manterem seus costumes e modo de viver da maneira que deseja,
a legislação peruana é clara ao dizer que o Estado deve:
Respetar su decisión en torno a la forma y el proceso de su relación con el
resto de la sociedad nacional y con el Estado. (PERU, 2006).
No Brasil é diferente, além da Constituição Federal (artigo 231, §1º), há outros
instrumentos jurídicos que afirma que o Estado tem como finalidade:
16
Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-
contato?limitstart=0# . Acesso em 18 de Julho de 2016.
17
Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-
contato?limitstart=0# - 1 de 2, Acesso em 17 de maio de 2016.
34
Garantir aos povos indígenas isolados do exercício de sua liberdade e de
suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los. (BRASIL,
2012)
Em ambos os países fica comprovado que o Estado deve garantir aos índios isolados o
direito em permanecer de forma isolada. Todavia, o Estado também é um dos principais
promotores de ações integracionistas em regiões onde estão localizados os índios isolados.
Tanto em lado brasileiro, que vão desde obras de infraestrutura quanto em território peruano
com exploração de petróleo e concessões de madeiras com impactos diretos aos territórios dos
isolados.
2.4. Territórios e Territorialidades dos Índios Mashcos
Para compreender as territorialidades do povo Mashcos é preciso ter uma
compreensão dos conceitos sobre território em visões geográfica e antropológica. Em sentido
geográfico, o território está condicionado a um espaço concreto, delimitado, essencial para
qualquer sociedade estabelecer relações. Por outro lado, em um viés antropológico, a
explicação do território parte de uma visão mais voltada para as práticas vivenciadas no
cotidiano, a partir de características indispensáveis à reprodução de culturas, costumes e
tradição de determinado povo.
Para os indígenas o território é um princípio permanente de socialização. É nele que
“trocam-se notícias sobre caçadas, abundância ou escassez de um determinado produto, sobre
os aspectos sobrenaturais da floresta, dos rios ou das montanhas, acerca do encontro com
espíritos na mata, etc. O território não é, afinal, apenas fonte da subsistência material, mas
também lugar onde os índios constroem sua realidade social e simbólica” (RAMOS, 1986). O
território indígena tem um significado muito mais valioso, pois “(...) o rio não é simplesmente
o rio, mas inclui todos os seres, espíritos que nele habitam (...) uma montanha não é somente
uma montanha, ela tem significado e importância cosmológica sagrada” (BANIWA, 2006
p.102). Todavia, uma vez isolados os Mashcos devem ter consigo essas representações
cosmológica, porém desconhecem todos esses conjuntos de métodos construídos pelo homem
não indígena, nem tão poucos isolados para justificar todas essas definições acerca da palavra
território. Neste sentido, (SILVA, 2009 p. 109, apud BOLIGIAN; ALMEIDA, 2003) define:
Território é o espaço das experiências vividas, onde as relações entre os
atores, e destes com a natureza, são relações permeadas pelos sentimentos e
pelos simbolismos atribuídos aos lugares. São espaços apropriados por meio
de práticas que lhes garantem uma certa identidade social/cultural.
35
Desse modo, o território para os Mashcos pode ser entendido com lugares intangíveis
ou melhor, um recinto abstrato que Haesbaert & Limonad (2007, p. 43) denominam
“consciência, apropriação ou mesmo em alguns casos, identidade territorial”. Ao mesmo
tempo em que "o território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma dimensão simbólica,
cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de
controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de
apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e
ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos”
(HAESBAERT, 1997:42).
Nesta mesma linha de pensamento, Haesbaert, (2004, p. 40) afirma que o território é
“o produto da valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido”. De modo
geral, o território pode ser considerado como “a configuração territorial ou geográfica é o
conjunto formado pelos sistemas naturais de uma determinada área e pelos “acréscimos que
os homens “superimpuseram” a esses sistemas naturais” (SANTOS, 2006, p. 38)”.
Por sua vez, o significado de território do ponto de vista dos indígenas é definido por
Ramos (1986), como sendo “a terra é um bem coletivo, destinada a produzir a satisfação das
necessidades de todos os membros da sociedade. Todos têm o direito de utilizar os recursos
do meio ambiente, através da caça, pesca, coleta e agricultura. Nesse sentido, a propriedade
privada não cabe na concepção indígena de terra e território. Embora o produto do trabalho
possa ser individual, as obrigações existentes entre os indivíduos asseguram a todos o
usufruto dos recursos”. Por conseguinte, “a noção de “território” remete à construção e à
vivência, culturalmente variável, da relação entre uma sociedade específica e sua base
territorial” (GALLOIS, 2004, p. 39).
Superado alguns dos pressupostos conceituais sobre territórios podemos avançar
acerca das possíveis territorialidades dos povos isolados Mashcos. Como sabemos não existe
território sem povo, contudo, em tempos atuais é comum presenciarmos diversos povos sem
território. Como exemplos podem os citar: os Palestinos, os Curdos e Tibetanos. Ao mesmo
modo que os povos isolados Mashcos são um excelente exemplo: uma vez que são indígenas
reconhecidos pelo Estado peruano e brasileiro, conhecem-se os lugares que habitam,
compreendem-se seus modos de vida, portanto é evidente que suas territorialidades estejam
presentes no dia-dia.
Por não perpetrar a cultura da moradia fixa e o Peru dispor de uma Reserva Territorial
destinada aos Mashcos suas territorialidades que são praticadas dentro da reserva são também
36
levadas para outras regiões onde percorrem. Logo, devemos entender que as noções de
territorialidades dos indígenas isolados Mashcos são outras. “A expressão dessa
territorialidade, então, não reside na figura das leis ou títulos, mas se mantém viva nos
bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões simbólicas e identitárias na relação
do grupo com sua área, o que dá profundidade e consistência temporal ao território”
(LITTLE, 2002, p.11).
Além do mais que esse território é ocupado de forma tradicional, Little (2002, p.3)
pensa da maneira que “o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se
identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-se assim em
seu território”. Por sua vez, Souza, (2001 p. 99) explica a territorialidade como “certo tipo de
interação entre o homem e o espaço”. Pressupõe que a territorialidade para os índios isolados
Mashcos é um lugar onde mantém interação com o ambiente: cabeceiras dos rios, nascentes
de aguas, caminhos percorridos, praias, os lugares onde coletam sementes, locais das florestas
de influência constante. A territorialidade é ainda o lugar onde o indígena se sente em casa,
espaço considerado de intimidade, convívio e identidade. Para melhor esclarecer essa
afirmação, Raffestin diz:
(...) territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se
originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de
atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema.
(1993 p. 160)
Casimir, (1992 apud LITTLE, 2002) define a territorialidade como “uma força latente
em qualquer grupo, cuja manifestação explícita depende de contingências históricas. O fato de
que um território surge diretamente das condutas de territorialidade de um grupo social
implica que qualquer território é um produto histórico de processos sociais e políticos”
(LITTLE 2002, p.3). Neste sentido, Sack, (1986) ressalta que a territorialidade está
“intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se
organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar”.
Assim, pode-se apreender que os Mashcos expressam sua territorialidade através da
ocupação das praias, faixas de areia muito frequente na época das vazantes dos rios da região
utilizada por esses indígenas em períodos sazonais. A praia (ver figura 1) é o lugar que os
Mashcos sempre estão acampados em seus tapiris em determinado período do ano, época
conhecida como o inverno amazônico. Em novembro de 2015, no rio Chandless “foram
contabilizados 23 tapiris, semicirculares e/ou estilo rabo de jacu formando um semicírculo – a
37
base das folhas de palmeiras é presa ao solo. Dos 23 tapiris, 03 são aparentemente de crianças
pelo porte reduzido; proteção da chuva feita com palhas de paxiuba, auricuri e jarina,
amarrações com cipós e enviras – nítido uso de ferramenta afiada estilo terçado”. (FUNAI b,
2015 p. 10).
Figura 1: Praia onde tapiris que os Mashcos reside provisoriamente
Fonte: Fenamad, 2014.
Outra territorialidade possível do povo Mashcos são os lugares de caça. Como outros
povos indígenas em contato com a sociedade envolvente a caça está presente no cotidiano das
comunidades. Os elementos levados em consideração para prevê essa territorialidade são os
vestígios deixados pelos Mashcos em seus acampamentos pelas praias dos rios Acre, Envira,
Iaco e Purus. O povo Mashcos prefere como hábitos alimentares: antas, jabutis, porcos-do-
mato, tracajá, tartaruga do guapo, jabuti, mutum, macaco e capivara. A terceira
territorialidade habitual dos isolados Mashcos diz respeito à coleta de recursos que a floresta
dispõe: para fabricação de arcos (pupunha) e flechas (tacana e taboca) com objetivo de defesa,
caça e pesca, sementes, frutos e ervas e seivas para uso medicinal. Uma característica peculiar
entre os Mashcos é utilizar colares (ver figura 2) com vários dentes animais: onça, porco-do-
mato, macacos, jacaré e outros.
38
Figura 2: Cultura material - colar dos Mashcos
Fonte: Acervo material da FPEE, 2016.
Os isolados Mashcos são povos que habitam os territórios compreendidos entre o
Brasil e o Peru tem seus trajetos definidos. Sendo assim, é possível que a quarta
territorialidade dos Mashcos seja os caminhos que eles transitam pela Floresta Amazônica,
seja pela proximidade com a fronteira de ambos os países, pressões que o território sofre e os
hábitos culturais as quais fazem que aconteçam os deslocamentos em determinadas época do
ano. Esses caminhos são bastantes conhecidos pelo povo Mashcos que regulamente utilizam
essas rotas. Eles teriam abandonado a agricultura para facilitar à mobilidade a floresta e evitar
contato com pessoas de fora. (SHEPARD, 1999).
Devo mencionar que para se chegar nessas possíveis territorialidades de um povo
isolado foram levados em considerações outros povos já relacionados com as sociedades
envolventes. E que, sem dúvidas, há outras várias territorialidades entre o povo Mashcos que
aqui não foram evidenciadas. Não obstante, o fato de estarem de maneira isolada faz com que
o conhecimento sobre tal prática não seja mais aprofundado, mas saiba que a prática da
territorialidade exista. É valido destacar que “na realidade o universo conhecido (e explorado
materialmente) pelos índios virtualmente não tem limites, incorporando áreas periféricas ao
seu habitat e tendencialmente abarcando até mesmo pontos míticos, sem possibilidades de
39
traçar uma fronteira precisa entre geografia e a sua cosmologia” (OLIVEIRA & ALMEIDA,
1998 p. 90).
CAPITÚLO III: AMEAÇAS E OS PRINCIPAIS DESAFIOS DOS INDIOS ISOLADOS
No terceiro capítulo abordaremos temas acerca dos relacionamentos interétnicos da
fronteira, como também os enfrentamentos, as ameaças e os principais desafios dos índios
isolados levando em consideração os contextos políticos, econômicos, sociais e ambientais
nos dois países Brasil/Peru.
3.1. O relacionamento interétnicos na fronteira Brasil/Peru
É notório que a fronteira Brasil/Peru, mais especificamente desde o Estado do Acre até
os Departamentos de Madre de Dios e Ucayali é uma das regiões que concentra uma das
maiores biodiversidade do planeta. Território considerado de pertencimento para os diversos
povos que habitam o ambiente. Neste mesma direção o Boletim Informativo (2014, p. 8) fala
que “trata-se, provavelmente, de uma das maiores concentrações de povos indígenas
resistentes ao contato interétnico na Amazônia brasileira”. Além de que são grupos que se
apossar do espaço de maneira completamente diferentes um dos outros. Neste ponto de vista,
Coradini (1992, p.5) diz que “o espaço assume vários significados conforme os indivíduos e
os grupos dele se apropriam o tipo de apropriação e o tempo”, o que envolve a dimensão
étnica cultural; assim, a interação social constitui-se, portanto, “em um campo privilegiado de
estudos das representações sociais e de análise antropológica”. Sem sombra de dúvidas é um
território onde a expressão do multiculturalismo se apresenta de forma veemente.
No estudo do multiculturalismo,
Afirma-se o reconhecimento do valor inerente a cada cultura [...], aquilo que
é exclusivamente humano, como criação, e próprio de certo grupo. Nesse
sentido, cada cultura tem sua história, condicionantes, características, não
cabendo qualquer classificação que sobreleve uma em detrimento da outra.
A variabilidade [...] presente em cada cultura [...] torna possível
compreender variáveis formas de organização humana, convivendo dentro
de visões de mundo semelhantes (BRASIL, 1997, pp. 42 e 43).
Vários povos, com especificidades e níveis de interações com as sociedades nacionais
distintas fazem uso do território para reprodução física e cultural. Na fronteira de ambos
países há os grupos indígenas contatados, aqueles que já estabelecem relações frequentes com
40
as sociedades nacionais. Eles se localizam ao longo da fronteira e deslocam sempre aos
municípios ou províncias de referências das terras indígenas ou comunidades nativas para
tratarem de assuntos relacionados às organizações dos povos e pessoal. É interessante
observar que alguns grupos indígenas utilizam no seu cotidiano várias línguas, em função das
relações socioculturais e econômicas que mantém entre etnias e/ou com regiões de fronteira”
(CIMI, 2015 p. 2).
Outros grupos presente nos limites da fronteira são os povos indígenas de “recente
contato18
” nomenclatura utilizada no Brasil e “contato inicial19
” nomenclatura utilizada no
Peru. No lado brasileiro Vaz (2011 p. 20) afirma que “... grupos indígenas com reduzida
compreensão dos códigos e valores das sociedades nacionais majoritárias para fazer frente às
situações de vulnerabilidade que ameaçam a integridade física, social ou psicológica desses
povos.”. Já no lado peruano, OACNUDH (2012 p. 6) define os indígenas de contato inicial:
Los pueblos en contacto inicial son pueblos que mantienen un contacto
reciente con la población mayoritaria; pueden ser también pueblos que a
pesar de mantener contacto desde tiempo atrás, nunca han llegado a conocer
con exactitud los patrones y códigos de relación de la población mayoritaria.
Esto puede deberse a que estos pueblos mantienen una situación de semi
aislamiento, o a que las relaciones con la población mayoritaria no son
permanentes, sino intermitentes. Los pueblos "en contacto inicial" son
pueblos que previamente permanecían "en aislamiento" y que bien forzados
por agentes externos, bien por decisión del grupo, o por factores de otro tipo
entran en contacto con la población mayoritaria.
Além dos povos indígenas que já mantém contato com a sociedade envolvente, os
grupos de recente contato e contato inicial o território conta ainda com um grande número de
vivem em isolamento voluntário. As quais são denominadas povos indígenas isolados20
ou
18
A denominação utilizada no Brasil para considerar índios "de recente contato" aqueles povos ou grupos
indígenas que mantêm relações de contato permanente e/ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e
que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade
nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. São, portanto, grupos que mantêm
fortalecidas suas formas de organização social e suas dinâmicas coletivas próprias, e que definem sua relação
com o Estado e a sociedade nacional com alto grau de autonomia. Disponível em:
http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 18 de julho de 2016
19
A denominação utilizada no Peru para povos em Contacto inicial.- Situación de un pueblo indígena, o parte de
él, que ocurre cuando éste ha comenzado un proceso de interrelación con los demás integrantes de la sociedad
nacional. Art. 2°, Ley nº 28736/2006.
20
A denominação utilizada no Brasil para considerar "povos indígenas isolados" que se refere especificamente a
grupos indígenas com ausência de relações permanentes com as sociedades nacionais ou com pouca frequência
de interação, seja com não-índios, seja com outros povos indígenas. Disponível em:
http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 18 de julho de 2016
41
Pueblos en aislamiento21
. Pessoas que utilizam esses espaços como moradia e outros usam
para realizar atividades ilícitas, as quais agem sem a proteção necessária dos Estados. Em
decorrência da fragilidade de atuação da presença do Estado na fronteira do Brasil/Peru é
possível que os conflitos de proporções pouca conhecidas sejam habituais acontecer. Isso
entre povos isolados e de recentes contatos; entre não indígenas e indígenas isolados e de
recente contato; entre indígenas integrados e indígenas isolados.
Neste sentido, é preciso que ambos os países Brasil/Peru qualifiquem quais são os
principais conflitos étnicos e interétnicos que acontecem na região e promovam acordos
bilaterais para conter essa situação. A fim de garantir e minimizar aquelas dificuldades que é
possível de fazer, como por exemplo: sensibilizar os indígenas que mantém contato com a
sociedade mostrando que são isolados e como eles se comportam no território e se reproduz
culturalmente. Objetivando o respeito entre uns com os outros dentro do território,
despromovendo o ódio e rancor. Junto aos povos indígenas de recente contato os Estados
devem aprimorar as políticas publicas, sobretudo, na saúde, uma vez que esse estágio de
contato, o indígena está bastante vulnerável a diversos tipos de doenças. Já em relação aos
isolados, especialmente, os Mashcos pouco se pode fazer a não ser conhecer sempre mais o
uso do território, através dos sistemas de aprimoramentos de localização e vigilância dos
vestígios deixados pelos mesmos.
A partir do momento que se conhece a tradição dos isolados na utilização dos
territórios indígenas dos Mashcos, o Estado tem por obrigação o dever de protegê-lo. Uma
vez que as legislações internacionais garantem o direito em isolamento voluntário. Porém, se
as politicas de Estado voltadas para o povo Mashcos forem cumpridas, certamente, terão
vantagens de proteção em relação aos demais povos da região. As quais podem se intensificar
muito mais os conflitos étnicos da fronteira.
3.2. As ameaças que atingem os povos isolados
Aquelas regiões mais remotas dos países Brasil/Peru, lugares que limitam as fronteiras
politicas, onde ainda a paisagem natural sobrepõe à paisagem “artificial” foram os lugares de
refugio que os índios isolados foram empurrados. As frentes de expansões econômicas do
caucho pelo lado Peru e da borracha pelo lado do Brasil foram as grandes responsáveis por
21
A denominação utilizada no Peru para povos em Aislamiento.- Situación de un pueblo indígena, o parte de él,
que ocurre cuando éste no ha desarrollado relaciones sociales sostenidas con los demás integrantes de la
sociedad nacional o que, habiéndolo hecho, han optado por descontinuarlas. Art. 2°, Ley nº 28736/2006.
42
essa migração. Durante centenas de anos as áreas que foram tão atrativas pelo grande capital e
hoje são territórios tradicionalmente ocupados pelos índios isolados sofrem pressões externas
e em muito dos casos amparadas pelo governo. A partir de 2006, houve um significativo
reordenamento territorial entre os povos “isolados” ao longo da fronteira Brasil-Peru, levando
alguns deles, ou partes deles, a migrarem do lado peruano para terras indígenas acreanas, a
exemplo dos “isolados do Xinane22
” e de vários grupos nômades Mashco Piro. BOLETIM
INFORMATIVO (2014, p. 10).
Este espacio es su último refugio ante el avance de la actividad extractiva
impulsada por una visión y práctica gubernamental avasalladora, que atenta
permanentemente contra la integridad y los territorios de los pueblos
indígenas. (HUERTAS, 2015 p. 7)
Por ser uma região de difícil acesso com densidade demográfica baixa comparada, aos
importantes centros dos países Brasil e Peru, os territórios ocupados pelos indígenas isolados
na fronteira ficam vulneráveis as práticas ilícitas (desmatamento, invasão de caçadores e
pescadores, rotas de narcotraficantes, entre outros). As vulnerabilidades enfrentadas pelos
povos isolados vãos desde empreendimentos financiados pelos Estados até tráfico de drogas.
Tal situação constitui se uma ameaça às condições necessárias que estes grupos necessitam
para a reprodução física e cultural (VAZ, 2013 p. 25). Como também, essas transformações
econômicas provocaram impactos significativos nas populações indígenas, sobretudo nas
últimas áreas de refúgio dos povos “isolados” BOLETIM INFORMATIVO (2014, p. 10). Em
um viés territorial a Funai, (2015 a p. 24-25) demonstram-nos os quadros 4 e 5 e a figura 3 as
principais repreensões sofridas pelos índios isolados tanto no Brasil, quanto no Peru.
Brasil:
1 Abertura de Estrada Jordão-
Novo Porto
Trata-se de estrada recém-aberta que, apesar de ser
localizada fora dos limites de Terras Indígenas, é região de
presença de povos isolados, inclusive do povo indígena do
Xinane. A estrada foi aberta sem qualquer estudo de
impacto ambiental, com 40 km de extensão, interliga a sede
da cidade de Jordão até à comunidade do antigo seringal
Novo Porto, no alto rio Muru.
2 Invasão de caçadores e
pescadores não indígenas
Há bastante pressão de caçadores e pescadores nos rios
Douro e Muru. Essas iniciativas ilegais potencializam
22
Os integrantes do grupo de índios isolados que estabeleceram contato no último dia 26 de junho já retornaram
às suas malocas, depois de receberem atendimento médico. O contato foi estabelecido com os servidores da
Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Envira da Fundação Nacional do Índio e indígenas do Povo Ashaninka,
na Aldeia Simpatia, da Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, estado do Acre. Disponível em:
http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 21 de julho de 2016
43
conflitos, transmissão de doenças e diminuição do estoque
de caça e pesca.
3 Narcotráfico Nos anos de 2011 e 2012 houve ocorrências de invasão de
narcotraficantes no rio Envira, que culminou inclusive com
a desativação, por motivos de segurança, da Base do
Xinane.
4 Missionários Há uma crescente pressão por parte de grupos missionários
em ações proselitistas.
Quadro 4: Ameaças para os povos indígenas isolados no lado brasileiro
Fonte: Funai a, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016.
Figura 3: Estrada Jordão-Novo Porto
Foto de José Carlos Meirelles em setembro de 2013
Peru:
1 Bloco 169 (Petróleo, empresa) Apesar do lote ser localizado fora da RT Murunahua, ela
abrange cursos de água que correm tanto para a RT
Murunahua, quanto para o lado brasileiro, em pleno território
de isolados.
2 Exploração ilegal de madeira É bastante conhecida e noticiada a exploração ilegal de
madeira no lado peruano. A época de mais intensa atividade
ocorreu em meados da década de 2000, devido ao alto preço
de madeiras de lei. A exploração abrangeu parte da RT
Murunahua e do Parque Nacional do Alto Purus. Além da
degradação da cobertura vegetal, as numerosas equipes de
madeireiros se alimentam de caça da região, acarretando em
drástica diminuição do estoque de caça para os grupos
isolados. A presença intensa de madeireiros potencializa
44
contatos furtuitos, conflitos e transmissão de doenças aos
isolados.
3 Narcotráfico Atualmente o Peru é um dos maiores produtores de pasta
base do mundo. A plantação, refino e transporte ocorrem em
regiões afastadas e, em muitos casos, em região de fronteira,
em meio à floresta. Em muitos casos, como é o exemplo da
região em pauta, essas atividades ocorrem em território de
índios isolados.
4 Missionários proselitistas Apesar da aparente diminuição da pressão de grupos
proselitistas no lado peruano, as ameaças dessas iniciativas
continuam latentes. As ações desses grupos desencadeiam
processos forçados de contato que acarretam na transmissão
de doenças, esbulho territorial e potencializa a
vulnerabilidade sociocultural, fatos de fácil comprovação
histórica, inclusive na região em tela, como o que ocorreu
com os Mastanahua e Chitonahua de contato inicial.
5 Aplicação de Política Publica Em comparação com a política adotada no Brasil, o Peru tem
bastante dificuldade em implementar os marcos legais
existentes.
6 Estrada Inapari – Puerto
Esperanza
A proposta da estrada é passar justamente nos territórios de
deslocamento dos indígenas isolados entre Brasil e Peru (ver
mapa 3).
Quadro 5: Ameaças para os povos indígenas isolados no lado peruano
Fonte: Funai a, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016.
Vale destacar que o Congresso Constituinte Democrático da República do Peru
aprovou a Lei n° 26505, de 17 de Julho de 2006, cujo objetivo principal é promover o
investimento privado no desenvolvimento das atividades econômicas nas terras do território
nacional e as comunidades camponesas e nativas. Ou seja, terras ocupadas por aqueles
indígenas que estão em contato com a sociedade envolvente. Nesta mesma direção De La
Blache afirma:
“(...) pela crescente complexidade das demandas da organização industrial e
comercial, o que emerge cada vez mais é que o Estado não está em posição
de conduzir a bom termo ― até o necessário grau de detalhe, nem com a
rapidez de execução que se impõe ― os empreendimentos para os quais ele
deu a impulsão geral. Ele encontra dois obstáculos principais: a rigidez
administrativa que vem dos gabinetes e o provincianismo que vem de outros
lugares” (2012:324 [1917]).
Nota-se que as ameaças existentes em ambos os países são parecidas. Os territórios
para indígenas isolados necessitam de ambientes estáveis e distantes de intervenções
antrópicas, pois é deles que os povos em isolamento voluntário sobrevivem. A desarmonia
entre o meio natural coloca esse grupo em risco, uma vez que habitam as últimas fronteiras e
refúgios dos países. Todas essas pressões fazem com que as dinâmicas espaciais dos povos
isolados sejam completamente modificadas, fazendo com que os contatos forçados aconteçam
45
mais constatemente, os espaços para a pesca, coleta de material da floresta e caça diminua,
que os conflitos se acentuem, os períodos de deslocamentos modifiquem, alterando assim a
vida das populações em isolamento voluntário. Neste sentido é interessante saber que:
A política em âmbito regional é a mesma: impulso às atividades econômicas
que afetam diretamente a vida, os territórios e os direitos dos povos indígenas
em geral e, ainda mais sensivelmente, dos isolados. Essas são políticas
internacionais, estabelecidas pela demanda internacional por recursos
naturais, como a busca por madeira, minério e biocombustíveis. Nesse
aspecto, não houve uma mudança maior, e esse é um grande problema que
afeta ao conjunto dos países. A fragilização das legislações que amparam os
direitos dos povos indígenas e das instituições que têm obrigação de garantir
esses direitos também é um fenômeno que se vê em todos os países.23
Mapa 4: Proposta de construção de estrada que liga as cidade de Inapari e Puerto Esperanza no Peru
Fonte: ProPurús, 2012
23
Disponível em: http://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/2015/12/09/desafiosnasfronteiras-entrevista-
com-beatriz-huertas/, Acesso em 15 de junho de 2016.
46
Porém, nessa disputa ideológica, predomina o argumento de que os índios, enquanto
isolados, estão protegidos e vivendo de forma harmoniosa com a natureza, e que os problemas
físicos e sociais de uma comunidade indígena só ocorrem a partir do contato com a sociedade
nacional. No entanto, não é isso que acontece uma vez desprotegido por politicas públicas de
proteção os indígenas isolados, sobretudo, o povo Mashcos que percorrem vários lugares da
fronteira Brasil/Peru. Estão sozinhos e, totalmente, vulneráveis a todos esses “inimigos” que
querem se apropriar desses territórios como se fosse seus, ignorando-os que sobrevivem ali a
centenas de anos. É certo que:
A pressão dos madeireiros peruanos em territórios tradicionais do povo
Mashco-Piro, inclusive nas duas reservas criadas para sua proteção (Mashco-
Piro e Madre de Dios), tem alterado as formas tradicionais de migração deste
povo e provocado conflitos com madeireiros e com outros grupos indígenas,
como os Mastanahua, Amahuaca e Ashaninka. As ameaças têm levado os
Mashco a migrar e a permanecer, com maior frequência e por temporadas
mais longas, inclusive no período do inverno, em terras indígenas no lado
acreano da fronteira. (ACRE, 2010 p. 47)
3.3. Os principais desafios para os índios isolados
Como sabemos o povo isolado Mashcos são índios com características nômades que
ora estão no território peruano, ora encontram-se em território brasileiro, divididos em grupos
e com uma particularidade a mais nos conceitos de povos que vivem em isolamento
voluntário. Quando os países Brasil e Peru reconhecem em sua norma principal a pluralidade
étnica de sua sociedade ficam os Estados obrigados a atender com politicas públicas voltadas
a esses povos, assegurando o bem estar, a segurança e harmonia social. Além do mais, ambos
os países Brasil e Peru assinaram e ratificaram a Convenção n° 169 sobre os povos indígenas
e tribais, a qual na parte II, Art. 14, n° 1, diz:
Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de
posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos
apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos
povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente
ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para
suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser
dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores
itinerantes. (OIT, 1997, grifo do autor)
47
Ou seja, comprova-se que existem instrumentos jurídicos que garantem aos povos
indígenas isolados com aptidão ao nomadismo terem seus territórios reconhecidos pelos
Estados. Porém, é notável que seja mais cômodo para o mesmo Estado ignorar as normas
existentes, uma vez que reconhecer tais áreas é estancar as politicas desenvolvimentistas que
afloram nos territórios dos índios isolados. Porque também, o perfil do povo Mashcos é
ocupar grandes faixas territoriais a fim de usufruir dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, a qual
também é uma afronta à expansão do capital e da cultura globalizada. Cabe mencionar que
uma alta porcentagem de povos em isolamento desenvolve sua vida em ecossistemas únicos e
de importância mundial. Esses povos se constituem “devido ao conhecimento acumulado
através do tempo, em um dos principais atores na gestão e uso sustentável da biodiversidade”
(COMEGNA 2006, p. 147).
As tribos isoladas devem ter o direito de decidir se preferem viver em
isolamento ou não. Mas, a fim de exercer esse direito, elas precisam de
tempo e espaço para desempenhá-lo. Elas só sobreviverão caso suas terras,
às quais têm direito perante leis internacionais e nacionais, sejam protegidas.
Deve-se deixá-las viver em paz, sem medo de extermínio e de contatos
desastrosos. 24
.
É preciso que o Brasil e o Peru evidenciem esforços para compreender o modo de
vida, de forma nômade, praticados pelos povos isolados Mashcos a partir das experiências da
Reserva Territorial Mashco Piro área, destinada pelo governo peruano aos Mashcos para
proteção dos seus direitos, do seu habitat e condições que garantam a sua existência e
integridade como povos. Para ajudar clarear os conceitos de nômade, Deleuze e Guattari
(1997), afirmam que o nomadismo opõe-se às formas de captura do Estado, distribuindo-se
em um espaço aberto, não indo de um ponto a outro, mas preservando a possibilidade de
surgir em qualquer ponto. Neste contexto, faz necessária construção de pesquisas a fim de
constatar se modelo de delimitar território realizado pelo Estado peruano ao povo Mashcos
foram benéficos ou não.
Vale lembrar ainda que as discussões sobre índios isolados na região de fronteira
Brasil/Peru já originou a criação de GT, Fórum, Comitê, ou seja, espaços de diálogos com
objetivos genéricos, mas todos envolvendo índios isolados (ver quadro 6). Já que esses
espaços já estão criados e o contexto transfronteriço é altamente complexo daí a necessidade
24
Disponível em: http://www.survivalinternational.org/povos/indios-isolados-brasil, Acesso em 15 de junho de
2016.
48
de pactuar acordos para a politica de proteção dos isolados. Além do mais, é um desafio para
proteção de povos indígenas isolados e de recente contato em áreas de fronteira Brasil/Peru
colocar em prática o termo de cooperação assinado no ano de 2014, entre representantes dos
governos do Brasil e Peru.
Ressalta-se que o termo de cooperação é um marco para o entendimento
interinstitucional sobre a politica de proteção de povos isolados e de recente contato entre os
dois países, o qual tem por objetivo tratar de temas, como:
Proteção territorial de povos indígenas pode contribuir para discussões mais
amplas, relacionadas com a presença efetiva dos Estados em áreas de
fronteiras, o combate a ilícitos, o desenvolvimento de ações de promoção aos
seus direitos, e o estabelecimento de diálogos interculturais sobre grandes
projetos e investimentos econômicos que afetem suas condições e modos
tradicionais de vida25
.
Nome Criação/integrantes Objetivo
Grupo de Trabalho
Transfronteiriço
(GTT)
Criado em 2005, constituído
por organizações,
associações indígenas e de
mobilização social, e órgãos
públicos.
O Grupo discute as políticas públicas e os
grandes projetos de infraestrutura em curso
e previstos, na fronteira internacional
Brasil-Peru, analisando seus impactos
socioambientais sobre as terras indígenas e
as unidades de conservação da região. (...)
O objetivo é elaborar uma pauta e monitorar
as ameaças da fronteira, construindo
mecanismos que ajudem o poder público
dos dois países.
Comitê Indígena
Internacional para la
Protección de los
Pueblos en
Aislamiento y
Contacto Inicial de la
Amazonía, el Gran
Chaco y la Región
Oriental de Paraguay
(CIPIACI)
Criado em 2006 e constituído
formalmente em 2007. É
formado por 13 organizações
indígenas de seis países da
América do Sul.
Sensibilizar populações indígenas do
entorno; monitorar as políticas e ações
adotadas pelos governos, empresas e
agentes da sociedade civil; articular alianças
com organismos locais, nacionais e
internacionais da sociedade civil para a
proteção dos povos isolados e recém-
contatados.
Grupo Técnico de
Trabajo para el
Monitoreo
Georreferenciado de
Pueblos Indígenas en
Aislamiento
Voluntario (PIAV) en
Em 2012 a FENAMAD,
CPIAC, SEMA, FUNAI e
comunidades indígenas
localizadas em área de
fronteira firmaram uma Acta
de intenção para a criação.
Formulação de estratégias de proteção dos
povos indígenas isolados da fronteira, a
partir do mapeamento de evidencias de sua
presença, monitoramento das ameaças,
análise dos problemas sócios ambientais,
assim como o intercambio de informação
geográfica produzida pelas organizações.
25
Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/2621-funai-assina-cooperacao-com-
ministerio-da-cultura-do-peru-para-protecao-de-povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato-em-areas-de-
fronteira . Acesso em 18 de julho de 2016.
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Índios isolados Mashcos na fronteira Brasil-Peru

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE – UFAC CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH CURSO BACHARELADO EM GEOGRAFIA Índios isolados na Pan Amazônia: povo Mashcos e seus territórios “sem limites” na fronteira Brasil/Peru. WAGNER DE JESUS GALLO RIO BRANCO/AC 2016
  • 2. WAGNER DE JESUS GALLO Índios isolados na Pan Amazônia: povo Mashcos e seus territórios “sem limites” na fronteira Brasil/Peru. Trabalho monográfico, apresentado ao Curso de Geografia da Universidade Federal do Acre, como requisito para obtenção do título de bacharel em Geografia da Universidade Federal do Acre. Orientadora: Dra. Maria de Jesus Morais RIO BRANCO/AC 2016
  • 3. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE – UFAC CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH CURSO BACHARELADO EM GEOGRAFIA WAGNER DE JESUS GALLO Índios isolados na Pan Amazônia: povo Mashcos e seus territórios “sem limites” na fronteira Brasil/Peru. BANCA EXAMINADORA: ________________________________________________ Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria de Jesus Morais CFCH ________________________________________________ Prof. Dr. Gilberto Alves de Oliveira Júnior CFCH ________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Lucilene Ferreira de Almeida CFCH Monografia apresentada em: 22/07/2016 Resultado: 9,5 RIO BRANCO/AC 2016
  • 4. DEDICATÓRIA Aos meus encantadores filhos: Pedro, Laura, Catharina e Ana Clara. A minha maravilhosa mãe, Gicélia, pela minha vida e formação de mundo. A minha primorosa esposa, Sirlene, por estar sempre ao meu lado e o seu companheirismo nesta trajetória. Ao meu saudoso e extraordinário Manoel Rosalino (in memória). Ao meu grande pai Moacyr pela minha vida e pelos bons ensinamentos. Aos meus formidáveis irmãos: Anderson, Sirley, Cristiane e Geiza que sempre me apoiaram e foram parceiros nesta caminhada. Com amor e carinho, dedico-lhes o resultado deste trabalho.
  • 5. AGREDECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar, ao meu todo poderoso DEUS, por me permitir a realização de um sonho de infância, que é obter o título de Bacharel em Geografia. Pode ser um sonho pequeno, mas para mim representa muito diante dos desafios que enfrentei. Em segundo lugar agradeço a todas aquelas pessoas que estiveram comigo nesta longa e árdua caminhada. Em especial a minha mãe e pai que sempre me direcionaram para os caminhos do estudo. A minha esposa, guerreira, que sempre me incentivou a nunca desistir. Ao meu professor Aderbal que fez com que despertasse em mim a importância da Geografia para a sociedade. A gratidão se estende à Ivanise Rodrigues, colega de trabalho da Funai e à Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, em especial aos colegas Marcelo Torres, Lucas Viana, William Costa, Guilherme Siviero e Leonardo Lenin que sempre foram prósperos aos pedidos de informações e estavam presentes em momentos de inquietações na durante a pesquisa. À minha orientadora por ter abraçado a idéia, aproveito o momento para parabenizá-la pelo admirável respeito e pela conduta responsável durante as realizações do trabalho.
  • 6. RESUMO O presente trabalho teve como propósito realizar uma reflexão sobre os índios isolados denominados Mashcos, uns dos povos em isolamento voluntário que habitam os limites na fronteira Brasil/Peru. O povo Mashcos são índios que não mantém contato com a sociedade envolvente e estão localizados ora em território peruano, ora em território brasileiro. Misterioso seria a palavra mais acertada para definir os Mashcos, povo que parece buscar não se integrar à sociedade. No entanto, esta sociedade tem si aproximado e sendo avistado por meio de projetos de desenvolvimento que ocorrem na região que habitam, como o extrativismo mineral e vegetal. Assim, o objetivo principal é compreender quem são eles e onde estão localizados com vistas ao processo histórico de formação da fronteira Brasil/Peru, pontuando as ameaças e desafios que os índios têm enfrentado em decorrência das transformações que estão ocorrendo em seu espaço. Para construção do arcabouço teórico e desenvolvimento dos temas abordados foram realizadas pesquisas bibliográficas a partir de relatórios técnicos de órgãos de proteção oficial, legislações nacionais, teses e dissertações, revistas, artigos científicos, publicações e periódicos de organizações indigenistas. Como principal resultado, a pesquisa contribui para uma melhor compreensão do conjunto de políticas de proteção para povos isolados de fronteira com a participação concomitante de ambos os países envolvidos e de como tais politicas podem colocar estes grupos em uma situação de extrema vulnerabilidade. Palavras-Chave: Índios – Isolados – Mashcos – Território – Ameaças.
  • 7. RESUMEN Este estudio tiene como objetivo llevar a cabo una reflexión sobre los indígenas aislados llamados Mashcos, uno de lo pueblo en aislamiento voluntario que habitan en los límites en el Brasil / Perú. Las personas Mashcos son indios que no mantienen contacto con la sociedad que lo rodea y están situadas en el territorio peruano, ahora en Brasil. Misteriosa sería la derecha una palabra para definir los Mashcos, las personas que parecen mirar no integrarse en la sociedad. Sin embargo, esta empresa se ha acercado el uno al otro y ser visto a través de proyectos de desarrollo que se producen en la región que habitan, como la extracción de minerales y vegetales. Por lo tanto, el objetivo principal es entender quiénes son y dónde están ubicados, con vistas al proceso histórico de formación de la frontera Brasil / Perú, puntuando las amenazas y los desafíos que los indios se han enfrentado como resultado de los cambios que están teniendo lugar en su espacio. Para la construcción del marco teórico y el desarrollo de los temas tratados se realizaron búsquedas en la literatura de los informes técnicos de los organismos oficiales de protección, la legislación nacional, tesis y disertaciones, revistas, periódicos, publicaciones periódicas y de las organizaciones indígenas. Como resultado principal, la investigación contribuye a una mejor comprensión del conjunto de políticas aisladas de protección de fronteras para las personas con la participación simultánea de los dos países involucrados y cómo estas políticas pueden colocar estos grupos en una extremadamente vulnerables. Palabras clave: Indios - Aislado - Mashcos - Territorio - Amenazas.
  • 8. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. – Artigo AIDESEP - Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana COMARU - Consejo Machiguenga del río Urubamba CORPIAA - Coordinadora Regional de Pueblos Indígenas AIDESEP - Atalaya CPI/AC – Comissão Pró-Índio do Acre FENAMAD - Federación Nativa del río Madre de Dios y Afluentes Funai – Fundação Nacional do Índio PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais OIT – Organização Internacional do Trabalho ORAU - Organización Regional AIDESEP-Ucayali RFN - Floresta e Rainforest Foundation Norway SEMA – Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Acre UFAC – Universidade Federal do Acre TI – Terra Indígena
  • 9. LISTA DE QUADROS Quadro 1: Terras indígenas no Brasil destinado para uso exclusivo de índios isolados ..........22 Quadro 2: Terras indígenas no Brasil destinado para uso compartilhado de índios isolados com outros povos......................................................................................................................22 Quadro 3: Reservas Territoriais no Peru destinado para uso exclusivo de índios em isolamento voluntário e em situação de contato inicial...............................................................................24 Quadro 4: Ameaças para os povos indígenas isolados no lado brasileiro................................43 Quadro 5: Ameaças para os povos indígenas isolados no lado peruano ..................................44 Quadro 6: Espaço de diálogos da fronteira Brasil/Peru............................................................49 LISTA DE MAPAS Mapa 1: Localização de terras indígenas para uso de povos isolados no Brasil ......................23 Mapa 2: Localização da reserva territorial indígena para uso de povos isolados no Peru ......25 Mapa 3: Principais Rotas que o povo isolado Mashcos utilizam na fronteira Brasil e Peru....31 Mapa 4: Proposta de construção de estrada que liga as cidade de Inapari e Puerto Esperanza no Peru......................................................................................................................................45 Mapa 5: Proposta de criação do Corredor Territorial de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato Pano, Aruak e Outros....................................................................................51 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Praia com tapiris onde os Mashcos reside provisoriamente .....................................37 Figura 2: Cultura material - colar dos Mashcos .......................................................................38 Figura 3: Estrada Jordão-Novo Porto ......................................................................................43
  • 10. SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................11 CAPÍTULO I - FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL/PERU, RECONHECIMENTO DE TERRAS INDÍGENAS E RESERVAS TERRITORIAIS.......................................................14 1.1. Os indígenas e o processo histórico de formação da fronteira Brasil/Peru ..................14 1.2. As correrias e a nova configuração espacial da fronteira .............................................16 1.3. O Reconhecimento de Terras Indígenas no Brasil e Reservas Territoriais no Peru.....18 CAPÍTULO II: INDIOS ISOLADOS MASHCOS..................................................................26 2.1. Quem são os índios isolados Mashcos..........................................................................26 2.2. Onde estão localizados o povo Mashcos. .....................................................................29 2.3. Povo Mashcos: opção pelo não contato com a sociedade envolvente..........................32 2.4. Territórios e Territorialidades dos Índios Mashcos......................................................34 CAPÍTULO III: AMEAÇAS E OS PRINCIPAIS DESAFIOS DOS INDIOS ISOLADOS...39 3.1. O relacionamento interétnicos na fronteira Brasil/Peru................................................39 3.2. As ameaças que atingem os povos isolados .................................................................41 3.3. Os principais desafios para os índios isolados..............................................................46 3.4. Proposta do Corredor Territorial de Povos Isolados e de Recente Contato Pano, Aruak e Outros é a solução?................................................................................................................49 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................53 Referências Bibliográficas........................................................................................................56
  • 11. 11 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico cujo título é “Índios isolados na Pan Amazônia: povo Mashcos e seus territórios “sem limites” na fronteira Brasil/Peru” é um compromisso desafiador enquanto aluno do curso de Bacharelado em Geografia, da UFAC. Isso porque sua existência é desacreditada por várias instituições da República do Peru, e no Brasil existem dificuldades quanto a uma efetiva política de promoção e proteção de seus territórios. É provocante, também, porque esse povo isolado Mashcos possuem características peculiares, ou seja, modo de viver que confrontam os sentidos da existência em um mundo cada vez mais globalizado. Como apresentarei ao longo do trabalho, os índios isolados Mashcos representam um dos povos que ainda vivem em isolamento voluntário pela região da Pan Amazônia. Levantamento da (OACNUDH1 , 2012) estima-se “que no continente americano existam cerca de 200 povos indígenas isolados”. Os Mashcos são grupos considerados nômades e não praticam a agricultura. Além do mais, são caçadores e coletores de frutos, sementes e recursos naturais que a floresta oferece. Estão em constantes deslocamentos entre a Floresta Amazônica brasileira e peruana. No Brasil, há confirmações do povo Mashcos nas cabeceiras dos rios Acre, Envira, Chandless, Iaco, Purus e na TI Mamoadate. No Peru, também existem confirmações nos rios Tahuamanu, Las Piedras, Los Amigos e Manu. É possível que o povo Mashcos se divida em subgrupos, contudo faltam estudos mais profundos para confirmarem essa possibilidade. A ideia de realizar esse trabalho surgiu a partir de inquietações presentes durante meu percurso enquanto servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai). Devo mencionar que em 2010 quando cheguei à cidade de Rio Branco/AC para trabalhar nesta Fundação, não tinha nenhuma experiência em trabalhos com povos indígenas, nem muito menos sabia da existência de índios isolados. Reconhecendo essa lacuna, busquei compreender sobre os povos indígenas, sobretudo, os índios isolados. Foi onde começou o interesse pelo assunto e surgiram muitas dúvidas, a qual ao longo da vida profissional não tinha encontrado respostas, como por exemplo: por que essa região da fronteira Brasil/Peru há vários índios em isolamento? Quem são os índios isolados? Sendo assim, pode-se dizer que para a escolha do 1 Oficina del Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, cujo objetivo é observar, promover e proteger os direitos humanos em seis países da região: Argentina, Brasil, Chile, Peru, Uruguai e Venezuela.
  • 12. 12 tema foi levado em consideração a minha experiência profissional e acadêmica, como aluno do curso de Geografia. Durante o desenvolvimento do trabalho, tentamos responder essas perguntas, levando em consideração os aspectos históricos, políticos, econômicos e culturais dos países Brasil e Peru. Na construção do trabalho utilizamos referências bibliográficas teóricas importantes para as discussões do tema: relatórios técnicos de órgãos de proteção oficial dos dois países, quais sejam, a Funai e o Ministério da Cultura, assim como as legislações federais, teses e dissertações, revistas especializadas no assunto, artigos científicos, publicações e periódicos de organizações indigenistas. Ressalta-se que o trabalho proposto aborda também, tema relacionado aos territórios de fronteira, Becker afirma que fronteira deve ser compreendida como “[...] um espaço não plenamente estruturado e, por isso mesmo, potencialmente gerador de realidades novas [...]” (2007, p. 20). Partindo dessa premissa observamos que o território que os índios isolados ocupam há milhares de ano é um grande celeiro de recursos naturais onde despertam atenção e o desejo do modo de produção capitalista. Isto posto, há ainda outra indagação: como respeitar os territórios dos índios isolados que há séculos habitam esses lugares sem submetê-los ao interesse econômico? Certamente, as dificuldades são tamanhas que serão analisadas a partir de distintas referências bibliográficas. De maneira geral, o que se pretende com este trabalho de pesquisa é a partir de uma análise do desenvolvimento das políticas protetivas do Brasil, compreender como este tema relacionado aos índios isolados vem sendo tratado bem como os territórios que ocupam. Pretendo também, aprofundar os conhecimentos acadêmicos em relação a esse povo, que por sua vez carecem de produção cientifica, tanto no Brasil quanto no Peru, valorizando seus aspectos sociais e culturais na produção e composição do espaço. No bojo desse processo, procura-se entender ainda como se deslocam entre os territórios, uma vez que os Mashcos transitam em longas áreas dessa fronteira. Em sua grande maioria, deve ser frisado que esses lugares utilizados pelos índios isolados, sobretudo, os Mashcos são terras habitadas há milhares de anos por outros grupos indígenas já em contato com a sociedade envolvente. Desse modo, a estrutura do trabalho monográfico foi esquematizada da seguinte forma: Introdução, abordagem em três capítulos das questões importantes e indispensáveis no processo de construção das discussões e no desfecho com as considerações finais. No primeiro capítulo buscamos abordar como se deu o processo de formação da fronteira Brasil/Peru a partir da chegada dos conquistadores em busca de exploração da seringa e do caucho frente aos habitantes originários da fronteira. Dentro desse capítulo apontamos ainda
  • 13. 13 os conceitos e o processo de reconhecimento de Terras Indígenas para índios isolados no Brasil e Reservas Territoriais, forma usada no Peru. Já no segundo capítulo tratamos de evidenciar uma abordagem sobre os índios isolados, especialmente, sobre povo Mashcos, mostrando quem é e onde habitam. Discutimos ainda sobre as possíveis territorialidades desse povo isolado Mashcos. O enfoque do terceiro capítulo foi mostrar as ameaças e os principais desafios para as políticas de proteção aos índios isolados na região de fronteira Brasil/Peru, além de analisar a proposta do Corredor Territorial de Povos Isolados e de Recente Contato Pano, Arúak e Outros como uma solução para os índios isolados da fronteira. E por fim, elaboramos as considerações finais do trabalho monográficos a partir dos resultados que decorreram durante a pesquisa bibliográfica e os questionamentos feitos no inicio do trabalho.
  • 14. 14 CAPÍTULO I - FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL/PERU, RECONHECIMENTO DE TERRAS INDÍGENAS E RESERVAS TERRITORIAIS. O objetivo principal do capítulo primeiro é compreender os acontecimentos históricos relevantes na construção e formação da fronteira Brasil/Peru. Abordamos ainda, as legislações, os conceitos, as classificações sobre Terras Indígenas e Reservas Territoriais para índios isolados no Brasil e no Peru, respectivamente. 1.1. Os indígenas e o processo histórico de formação da fronteira Brasil/Peru O processo de formação do espaço geográfico da fronteira Brasil/Peru está em constante transformação. Essa mudança não se dá necessariamente aos aspectos físicos e geográficos, mas sim ao contexto social e cultural, onde o espaço está sendo, constantemente, ressignificado. Isso porque, as regiões de fronteira costumam ser caracterizadas por intensas e rápidas transformações no que diz respeito à constituição do espaço geográfico. Todavia, ao longo da história, essa fronteira Brasil/Peru foi marcada por um cenário de lutas, acontecimentos e resistências, entre os conquistados e conquistadores. Uns dos exemplos mais evidentes foram os processos de correrias iniciados a partir da chegada dos “novos” moradores na região, em fluxo que ignorava os nativos que já habitavam o território. Pacheco de Oliveira (1999, p.177-178) sustenta que as fronteiras territoriais dos povos indígenas são razoavelmente flexíveis. Oscilam constantemente em razão de mudanças demográficas, expedições guerreiras ou movimentos migratórios de natureza variada. Neste sentido, uma nova configuração espacial e geográfica se inicia com a chegada dos primeiros seringalistas nos altos cursos dos rios Acre, Juruá e Purus na década de 1870 no Brasil e pelos caucheiros nos vales dos rios Madre de Dios e do Ucayali adentrando o Baixo Purus até próximo a Ituxi em território peruano a partir de 1880. Ressalta-se que esses conquistadores quando chegaram às regiões do Brasil e Peru massacraram as populações originárias que habitavam na região. Mesmo assim, eles vieram com objetivo definido que foi realizar a exploração de borracha em lado brasileiro e caucho no lado peruano, tendo em vista a crescente demanda mundial por borracha, conforme vejamos: En la segunda mitad del siglo XIX, el descubrimiento del proceso de vulcanización del caucho por Goodyear, y con ello, su uso en la industria automotriz, motivaron el incremento de su precio en más del 600% por
  • 15. 15 ciento. La rentabilidad de la venta del producto produjo entonces la mayor invasión de la amazonia por miles de personas que con la ambición de explotarlo se lanzaron en su búsqueda por toda la Amazonía. La llegada de los caucheros empezó en Manaos, Brasil, y continuó hacia el oeste, alcanzando la Amazonía peruana hacia el año 1894. (HUERTAS, 2014, p. 17) A valorização da borracha no mercado global atrelado ao incremento inicial da indústria automobilística fez com que houvesse crescente e interrupta demanda na extração de seringa, a qual tornou a região de fronteira do Brasil/Peru bastante atraente, principalmente, para os nordestinos, sobretudo, os sertanejos que enfrentavam uma estiagem sem precedentes, gerando feições espaciais de miséria e muita pobreza no sertão nordestino. Afirma Arruda que: Os dois modos de extração de borracha, o caucho extraído de uma só vez com a derrubada da árvore que o produz (castilloa eslástica) e a seringa, extraída de forma regular ao longo do tempo mantendo-se o aproveitamento das árvores por longo período (hevea brasiliensis), introduziram forma diferenciadas de povoamento (2009, pág. 161). Neste aspecto, o governo brasileiro incentivou o povoamento da região amazônica, uma vez que era estratégico na região de fronteira sua ocupação. Assim, a Era Vargas para a região da Amazônia se iniciou com ações que convergiam o interesse nacional voltado para as politicas desenvolvimentistas. Da mesma forma, foram dados aos imigrantes incentivos para ocupação das fronteiras, de modo que houvesse a integração com o restante do território nacional. No entanto, as políticas de Estado com o propósito de ocupar região Amazônica não consideraram e ignoraram moradores nativos da região. Para viabilizar essa estratégia desenvolvimentista o Estado assumiu, a partir da década de 60, uma política mais agressiva tanto no que se refere à infraestrutura, priorizando interligações regionais com a abertura de grandes eixos viários e as construções de hidrelétricas, como no tocante a estímulos financeiros representados pelas políticas de crédito, de incentivos fiscais e de toda uma série de vantagens financeiras adicionais, criando para tanto, novos órgãos e regulamentando instituições que já agiam na região. (BRITO, 1995, p.73). A partir dos anos de 1970 os processos migratórios se intensificaram para a região Amazônica, devido às campanhas publicitárias realizadas pelo governo militar, cujo slogan era “INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR” a fim de ocupar os grandes vazios demográficos existentes na região.
  • 16. 16 As primeiras incursões sistemáticas do tema Amazônia nos jornais estavam associadas às riquezas produzidas pela cultura da borracha, um comércio em processo de crescimento mundial desde a descoberta da vulcanização, em 1839. No final do século 19, o auge da economia cafeeira no Sudeste brasileiro coincidiu com a expansão da indústria de extração de látex das seringueiras da floresta amazônica. (...) Entre 1872 e 1920, a população regional cresceu 4,3 vezes, passando de pouco mais de 330.000 para quase 1,5 milhão de pessoas. O crescimento mais acentuado aconteceu entre 1900 e 1920, quando a população mais que dobrou. Foi o primeiro grande empreendimento comercial levado a cabo no Brasil sem utilização de trabalho escravo. Beneficiada pelos altos preços da borracha no mercado mundial, a economia regional cresceu em ritmo vertiginoso (ARBEX JÚNIOR, 2005, p.31). É interessante mencionar nestes projetos promovidos pelo Estado duas situações que devem ser consideradas como ocasionadas pelas transformações ocorridas no espaço geográfico ocupado pelos indígenas da região Brasil/Peru devido à chegada das frentes econômicas de expansão da borracha. São elas as situações: que os indígenas foram inseridos a essa nova forma de divisão de trabalho, anteriormente desconhecidos e o contexto dos indígenas que não concordaram com as novas frentes de trabalhos. Esses indígenas que ocupavam o território há séculos foram deslocados para os lugares mais remotos da fronteira entre Brasil e Peru, as quais são as cabeceiras e os altos cursos dos rios. Nota-se que a estratégia de ocupação realizada pelas frentes da borracha na região comandada pelos seringalistas em vários pontos é semelhante à maneira que os portugueses invadiram o território brasileiro no inicio do século XVI, tendo em vista que muitos grupos indígenas perderam parte da cultura, costumes e tradições e exploraram os recursos ambientais dos territórios habitados há milhares de anos. 1.2. As correrias e a nova configuração espacial da fronteira Os povos indígenas da região de fronteira entre o Brasil e Peru, mais especificamente no sudoeste amazônico guardam na memória as histórias a respeito do período conhecido como correria. Acontecimento marcante que ficou registrado nas memórias dos indígenas da região e nos livros de histórias. Neste sentido, Silva (2002 p.12) afirma: As correrias constituíram expedições armadas, organizadas por seringalistas e caucheiros para cercar as malocas e matar as famílias que nelas viviam. Aqueles que conseguiam sair eram perseguidos e baleados com tiros de rifle. Mulheres e crianças que sobreviviam ao ataque eram capturadas e levadas para viver com seus algozes.
  • 17. 17 As correrias proporcionavam, principalmente, a retirada dos caminhos daqueles indígenas que poderiam importunar na exploração de seringas e cauchos: Os Kaxinawá sofreram as mesmas correrias que os outros povos indígenas do Acre também sofreram. As correrias feitas pelos seringalistas e pelos caucheiros peruanos obrigaram os Kaxinawá a abandonar suas terras tradicionais e fugir para as cabeceiras de vários rios, como o Purus, Envira, Muní, Tarauacá, Jordão e Breu. Quando chegaram os nawá, os Kaxinawá se espalharam, por causa das correrias, da invasão das aldeias e das doenças. (CPI/AC, 1996 p.37) Como em outros momentos da história, as correrias marcaram, de maneira dramática, os povos indígenas da fronteira Brasil/Peru, as quais viviam em seus territórios de forma equilibrada com a natureza. Além de revelar como únicos donos das florestas e de seus recursos naturais, os seringalistas contratavam “os peões ”, figuras conhecidos pelos indígenas como pessoas que davam segurança aos seringueiros que cortavam a seringa nos centros, com medo de retaliações dos indígenas considerados brabos. Para os povos indígenas, as correrias resultaram na invasão de seus territórios tradicionais, na chegada de doenças desconhecidas, em massacres, na captura de mulheres e crianças e na dispersão dos sobreviventes pelos fundos dos seringais e pelas terras firmes das cabeceiras dos afluentes dos rios Juruá e Purus. (CPI/AC, 1996 p.12) Em decorrência dos processos de correrias, vários grupos indígenas foram obrigados a trabalhar para os seringalistas. Todavia, os conflitos aconteceram e nesse processo alguns grupos foram inseridos pouco a pouco a cultura e os costumes dos brancos. Ao longo do tempo, já eram mão de obra nos seringais passando a ser escravizados pela empresa seringalista. Segundo Correia (2001), os índios: Passaram, além de cortar seringa, a desempenhar uma série de atividades necessárias ao funcionamento do seringal, a saber, fazer transporte de borracha e mercadorias nas costas, varejar balsas abarrotadas de borracha até as cidades, abrir e zelar estradas de seringa, campos e pastagem, construir ubás, edificar casas e currais, levantar cercas, extrair madeiras-de-lei, fazer farinhadas, movimentar os engenhos de cana-de-açúcar para o fabrico de mel, rapadura e gramixó (açúcar mascavo), colocar roçados, caçar e pescar para o abastecimento do barracão do patrão. Tornaram-se trabalhadores indispensáveis ao funcionamento dos seringais. As correrias foram responsáveis também por dizimar vários outros povos que habitavam o território antes da chegada das frentes econômicas extrativistas. Os dados de Curt Nimuendajú
  • 18. 18 (IBGE, 1997) apontam que “pouco antes da chegada de caucheiros e seringueiros, havia cerca de 50 (cinquenta) povos indígenas habitando o que, pouco depois, viria a ser tornar o Território Federal do Acre”. Contudo, houve grupos indígenas que não aceitaram a nova configuração do espaço incorporada pelas frentes econômicas extrativistas da borracha, tanto em território brasileiro quanto em território peruano e escolheram fugir para os altos cursos dos rios da região. Devido à necessidade de permanecer em isolamento, estas populações, a exemplo de outros grupos tradicionais, têm como principais características a persistência cultural de práticas e valores que combinam o passado com o presente e o futuro (ZANIRATO E RIBEIRO, 2007), bem como a conservação de ecossistemas em risco de degradação e destruição, com pensamentos diferentes daqueles que acabava de chegar. Neste viés, (HUERTAS, 2002) argumenta que, em comparação com o boom da borracha, parte da população Mashco Piro foi forçada a mudar para áreas mais remotas do contato com pessoas de fora. Nada obstante, como em qualquer sociedade teve povos que não aceitaram a nova configuração do espaço incorporada pelas frentes econômicas da borracha, tanto em território brasileiro quanto em território peruano. Neste sentido a Revista Povos Indígenas no Acre afirma que: Mas alguns povos indígenas não quiseram entrar em contato com os brancos. E à medida que os seringais se instalavam cada vez mais para as cabeceiras dos rios, estes povos procuraram se refugiar nas terras firmes, distantes dos seringais. Em alguns rios do Acre, como Iaco e o Chandless, no Envira e em outros afluentes do Juruá e do Purus, não existe a seringueira. Onde não existe seringueira, não existe seringal; e onde não existe seringal, não existem homens brancos. Foi exatamente aí, que esses povos indígenas conseguiram se esconder e sobreviver. (ACRE, 2010 p. 48). 1.3. O reconhecimento de Terras Indígenas no Brasil e Reservas Territoriais no Peru A modalidade de Terras indígenas são propriedades do Estado brasileiro destinadas à posse permanente dos povos indígenas para usufruto exclusivo dos recursos naturais disponíveis e reprodução física e cultural e estão garantidos na Constituição Federal do Brasil. Assim, “a atual Constituição rompeu com a perspectiva integracionista ao afirmar que são reconhecidas aos indígenas suas identidades étnicas, suas práticas culturais, sociais, educacionais, religiosas e também é resguardado a estes o usufruto exclusivo sobre as terras tradicionais que habitam” (CIMI, 2015 p. 2). Vale lembrar que a noção de Terra Indígena diz respeito ao processo político-jurídico conduzido sob a égide do Estado (GALLOIS, 2004, p. 39).
  • 19. 19 Por outro lado, o Estado peruano reconhece o direito de identidade étnica e cultural em Constituição Política, protegendo a pluralidade dos povos e garantindo o direito pela propriedade da terra. Neste sentido, o antropólogo Echeverri afirma que: Los territorios para los pueblos indígenas, aunque abarcan áreas de vivienda, productivas y de extracción de recursos, pueden incluir otras áreas no necesariamente ligadas a la reproducción económica. “Um territorio indígena, aunque puede llegar a demarcarse y limitarse, se defie no tanto por sus fronteras y límites como por marcas geográfias que señalan la ligazón de un grupo humano con un paisaje y una historia (2004, p. 261). Neste mesmo viés, pode-se entender que as Reservas Territoriais são terras delimitadas pelo Estado peruano, com proposito de garantir aos povos indígenas em isolamento voluntário ou em contato inicial que habitam em determinados territórios com propósito de garantir seus modos e costumes de vida. Neste proposito a legislação peruano que o objetivo da Reserva Territoriais é “y en tanto mantengan tal situación, para proteger sus derechos, su hábitat y las condiciones que aseguren su existencia e integridad como pueblos” (PERU a, 2006). Para tanto, é importante destacar os indígenas que mantém relações com a sociedade envolvente não garantem a ocupação em Reservas Territoriais, sendo apenas uma prerrogativa dos povos que vivem em isolamento voluntário ou estão em estágio de contato recente. Sendo assim, esses indígenas fazem partes de comunidades nativas da nação. No lado brasileiro, existem as Terras Indígenas, as quais são classificadas como: Tradicionalmente Ocupadas2 , Reservas Indígenas3 , Terras Dominiais 4 e Aéreas Interditadas5 , 2 São as terras indígenas de que trata o art. 231 da Constituição Federal de 1988, direito originário dos povos indígenas, cujo processo de demarcação é disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016. 3 São terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, que se destinam à posse permanente dos povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da União, mas não se confundem com as terras de ocupação tradicional. Existem terras indígenas, no entanto, que foram reservadas pelos estados- membros, principalmente durante a primeira metade do século XX, que são reconhecidas como de ocupação tradicional. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016. 4 São as terras de propriedade das comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no- brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016. 5 São áreas interditadas pela Funai para proteção dos povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área. A interdição da área pode ser realizada concomitantemente ou não com o processo de demarcação, disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016.
  • 20. 20 a qual tem como objetivo “... preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional” (BRASIL, 1973). As terras indígenas para índios isolados são consideradas como “terras tradicionalmente ocupadas”. Desse modo, o artigo 231, no parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988, elucida terras tradicionalmente ocupadas da seguinte forma: São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. (BRASIL, 1988) Por sua vez, o Peru também se ampara em legislações nacionais para definir as comunidades nativas, a qual incluem os indígenas em contato com a sociedade e outros grupos que preservam suas línguas, cultura, que produzam os elementos sociais e culturais em um mesmo território. A segunda disposição transitória do Decreto Lei n° 22.175, de 09 de maio de 1978 diz: Para la demarcación del territorio de las comunidades nativas cuando se encuentren en situación de contacto inicial y esporádico con los demás integrantes de la sociedad nacional se determinará un área territorial provisional, de acuerdo a sus modos tradicionales de aprovechamiento de los recursos naturales, hasta que se defina una de las situaciones a las que se refieren los incisos a) y b) del artículo 10° de la presente Ley… a) Cuando hayan adquirido carácter sedentario, la superficie que actualmente ocupan para desarrollar sus actividades agropecuarias, de recolección, caza y pesca y b) cuando realicen migraciones estacionales, la totalidad de la superficie donde se establecen al efectuarlas. (PERU, 1978) Essa definição na legislação peruana é a que se equipara com a legislação brasileira no que se refere ao reconhecimento e demarcação de Terras Indígenas. Porém, quando se trata de território para indígenas isolados ou em contato inicial a legislação peruana está à frente da legislação brasileira, uma vez que há um marco referencial específico que é a Lei n° 28.736, de 16 de maio de 2006. O objetivo dessa lei é estabelecer um regime especial, integrados com diversos setores do governo peruano a fim de garantir os direitos a vida e a saúde, com vistas para assegurar sua existência e integridade aos indígenas isolados e de contanto inicial da Amazônia Peruana. Sendo assim, a letra “d”, art. 2, da Lei n° 28.736, de 16 de maio de 2006, também insere um ordenamento jurídico sobre as Reservas Territoriais quando destinadas à proteção dos povos isolados, sendo assim definidas:
  • 21. 21 Tierras delimitadas por el Estado peruano, de intangibilidad transitoria, a favor de los pueblos indígenas en situación de aislamiento o en situación de contacto inicial, y en tanto mantengan tal situación, para proteger sus derechos, su hábitat y las condiciones que aseguren su existencia e integridad como pueblos. (PERU a, 2006) No outro lado da fronteira em território brasileiro, há informações de que constam vinte e cinco referências de povos isolados confirmadas (ver mapa 1) e ainda indicações de que há nove Terras Indígenas destinadas, exclusivamente, para indígenas isolados (ver quadro 1), as quais somam cerca de 2.595.849 de hectares (Funai a, 2015, p. 15-25). Há ainda, outras onze Terras Indígenas com presença de isolados, porém, compartilhadas com outros povos indígenas (ver quadro 2), que somam cerca de 24.267.605 hectares. Ressalta-se que no Estado do Acre, nas proximidades da fronteira com o Peru, há sete Terras Indígenas de uso compartilhados e exclusivas, as quais duas são reservadas exclusivamente para indígenas isolados e cinco para uso dos indígenas isolados e com outros povos contatados. Tais terras estão descritas nos quadros abaixo: Terras Indígenas Exclusivas para Índios Isolados Localização Situação Fundiária Tamanho da Aérea Alto Tarauacá Acre Regularizada6 142.619 hectares Igarapé Taboca Acre Restrição de Uso7 287 hectares Hi Merimã Amazonas Regularizada 677.840 hectares Jacareuba/Katawixi Amazonas Restrição de Uso 647.386 hectares Kawahiva do rio Pardo Mato Grosso Delimitada8 411.848 hectares Piripkura Mato Grosso Restrição de Uso 242.500 hectares Massaco Rondônia Regularizada 421.895 hectares Tanaru Rondônia Restrição de Uso 8.070 hectares Pirititi Roraima Restrição de Uso 43.404 hectares 6 Terras que, após o decreto de homologação, foram registradas em Cartório em nome da União e na Secretaria do Patrimônio da União. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016 7 Áreas Interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de povos indígenas isolados. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016 8 Terras que tiveram os estudos aprovados pela Presidência da Funai, com a sua conclusão publicada no Diário Oficial da União e do Estado, e que se encontram na fase do contraditório administrativo ou em análise pelo Ministério da Justiça, para decisão acerca da expedição de Portaria Declaratória da posse tradicional indígena. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016
  • 22. 22 TOTAL 2.595.849 hectares Quadro 1: Terras indígenas no Brasil destinado para uso exclusivo de índios isolados Fonte: FUNAI a, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016. Terras Indígenas com uso compartilhado de índios Isolados com outros povos Localização Situação Fundiária9 Tamanho da Aérea Kampa e Isolados do Rio Envira Acre Regularizada 232.795 hectares Kaxinawá do Rio Humaitá Acre Regularizada 127.384 hectares Kulina do Rio Envira Acre Regularizada 84.365 hectares Mamoadate Acre Regularizada 313.647 hectares Riozinho do Alto Envira Acre Homologada10 260.972 hectares Vale do Javari Amazonas Regularizada 8.544.482 hectares Waimiri Atroari Amazonas/Roraima Regularizada 2.585.912 hectares Yanomami Amazonas/Roraima Regularizada 9.664.975 hectares Araribóia Maranhão Regularizada 413.288 hectares Caru Maranhão Regularizada 172.667 hectares Uru-Eu-Wau-Wau Rondônia Regularizada 1.867.118 hectares TOTAL 24.267.605 hectares Quadro 2: Terras indígenas no Brasil destinado para uso compartilhado de índios isolados com outros povos Fonte: FUNAI a, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016. 9 Nas fases dos procedimentos demarcatórios das terras tradicionalmente ocupadas há ainda as terras Em estudo: Realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da terra indígena. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016 10 Terras que possuem os seus limites materializados e georreferenciados, cuja demarcação administrativa foi homologada por decreto Presidencial. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras- indigenas. Acesso em 20 de julho de 2016
  • 23. 23 Mapa 1: Localização11 de terras indígenas para uso de povos isolados no Brasil Fonte: FUNAI a, 2015 11 Os pontos em laranja indicam informações registradas de índios isolados não confirmados. Os pontos em vermelho são referências registradas já confirmadas de povos de índios isolados já confirmados. E os traços em vermelhos são referências.
  • 24. 24 Já em relação às Reservas Territoriais em lado peruano, Huertas (2015) indica que existem cinco Reservas Territoriais destinadas, exclusivamente, para indígenas em isolamento voluntário ou em contato inicial (2015, p. 96), (ver quadro 3). Destaca-se que a Reserva Territorial Mashco Piro (ver mapa 2), que apesar de ter seu nome Mashco Piro é destinada para os povos Mashcos e Mastanahuas, localizada no Departamento de Ucayali com tamanho de 768.848 hectares a segunda maior área destinada a povos isolados no Peru, as quais se encontram em estágio de isolamento. Reservas Territoriais Localização Tamanho Kugapakori Nahua Nanti y otros Províncias de Atalaya e La Convención, departamentos de Ucayali e Cusco, respectivamente. 456.672,73 hectares Mashco Piro Província de Purus, região de Ucayali. 768.848 hectares Murunahua Província de Atalaya, região de Ucayali. 481.560 hectares Madre de Dios Províncias de Tahuamanu, Tambopata e Manu, departamento de Madre de Dios. 829.941 hectares Reserva Territorial Isconahua Província de Coronel Portillo, região de Ucayali, 275.665 hectares TOTAL 2.340.608,29 hectares Quadro 3: Reservas Territoriais no Peru destinado para uso exclusivo de índios em isolamento voluntário e em situação de contato inicial Fonte: HUERTAS, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016
  • 25. 25 Mapa 2: Localização da reserva territorial indígena para uso de povos isolados no Peru Fonte: Ministério da Cultura - Peru12 12 Disponível em: http://www.cultura.gob.pe/sites/default/files/paginternas/tablaarchivos/2014/03/reservaterritorialmashcopiro.jpg . Acesso em 19 de junho de 2016.
  • 26. 26 CAPITÚLO II: INDIOS ISOLADOS MASHCOS. Neste segundo capítulo falaremos sobre os índios isolados, sobretudo, povo Mashcos: quem é, onde estão localizados – compreender os possíveis motivos pelo afastamento em relação à sociedade envolvente e seus territórios e territoriedades que estabelece na região de fronteira do Brasil e Peru. 2.1. Quem são os índios isolados Mashcos. Nos dias atuais, e em pleno século XXI, há mais de 500 anos da invasão portuguesa ao território brasileiro e do quase extermínio pelos espanhóis perante a civilização originária no Peru, é possível afirmar ainda que existem em ambos os países índios que vivem, principalmente na região amazônica de maneira isolada. Ou seja, sem manter contato e relação com o homem branco e os indígenas que habitam próximo aos territórios de uso. A denominação de povos isolados se refere ao fenômeno dos grupos indígenas com ausência de relações frente às sociedades nacionais ou com baixas mostras de relação e contato (TOLEDO 2007, p. 322). A decisão de isolamento desses povos é resultado dos encontros com efeitos negativos para suas sociedades, como infecções, doenças, epidemias e morte, atos de violência física, espoliação de seus recursos naturais ou eventos que tornam vulneráveis seus territórios e entorno natural, ameaçando suas vidas, seus direitos e sua continuidade histórica” (COMEGNA 2008, p. 2). Uns desses exemplos, atualmente são os índios isolados Mashcos, os quais: A diferencia de otro sujetos de derechos, los pueblos indígenas en aislamiento, por definición, no abogar por sus propios derechos ante instancias nacionales o internacionales. Por esto, la protección de sua vida y cultura cobran particular relevância para el sistema interamericano de derechos humanos. (OACNUDH, 2012 p.9) Antes de abordar os pressupostos conceituais para tentarmos construir uma definição de quem é o povo Mashcos, acredito que seja de interesse neste primeiro momento tentar entender a dinâmica territorial que esses povos estão inseridos. Destaca-se que os índios isolados Mashcos não são do Peru e nem são do Brasil. São povos que ora estão no Peru, ora no Brasil, uma vez que à proximidade com a fronteira de ambos os países, além das pressões que o território sofre e os hábitos culturais se deslocam em determinadas épocas do ano em fuga e/ou em busca de algo.
  • 27. 27 Mas afinal, quem são povos isolados Mashcos? Os índios isolados denominados Mashcos para Lyon, (1975) “(...) aparentemente, eles eram um bando de Piro, e foram diversamente chamados Masco, Piro-Mashco, Mashco e Mashco-Piro (...)”. Ressalta-se ainda que “o termo Mashco é usado pelos brancos da região do Madre de Dios de um modo pejorativo, significando selvagem, maligno, incivilizado, beligerante, etc. Ela apresenta o importante argumento de que, nessa região, “Mashco substitui o termo chuncho, com o significado de povos indígenas que resistem às incursões dos brancos” (LYON, 1975). De posição mais enigmática coloca Gow (2011 p. 11) “Os Mashco são a mais mítica das entidades, um povo indígena amazônico em isolamento voluntário; são ainda mais perturbadores por serem perfeitamente reais”. Ou melhor, são povos indígenas que o homem com toda sabedoria e sapiência ainda tem dificuldade de explicar suas relações sociais. Da mesma maneira, os Mashcos são, sem dúvida, uma representação peculiar de povos isolados. Uma vez que os referidos índios, cultuam o nomadismo e perambulam por vários lugares diferentes, logo necessitam de grandes faixas territoriais para reprodução de suas relações espaciais. Neste sentido, afirma Huertas (2015 p. 69): Es uno de los pueblos en aislamiento más numerosos y extendidos de la Amazonía peruana. Se organiza em grupos residenciales conformados por familias extensas. Mantiene uma alta movilidad por los bosques que conforman su territorio y vive principalmente de la caza de animales de monte y aves y la recolección de huevos de tortugas, frutos y una diversidad de productos del bosque con fies alimenticios, de salud, construcción de flechas, implementos, viviendas, etc. Sob essa mesma perspectiva o relatório técnico da Funai, explicita que “geralmente são denominados “Mashco”, mas essa terminologia não se refere à língua, e sim ao modo de vida que essas populações levam, pois não se fixam num lugar especifico, sendo considerados povos nômades”. (2011 p. 4). E em relação à língua falada pelo povo Mashcos onde no presente momento ainda não é possível definir com exatidão. Há grande possibilidade que a língua dos Mashcos seja a mesma do povo Yine ou um dialeto desta, que faz parte do tronco linguístico Arúak. Os poucos momentos registrados por outros povos em relação aos Mashcos não remetem à segurança em classificar com uma língua Yine. Além do mais, a classificação de línguas não é tarefa fácil, devida, principalmente, aos dilemas que uma língua enfrenta em suas definições. Mediante relato de indígenas da comunidade Monte Salvado em Porto Maldonado, Peru, os Mashcos, fisicamente:
  • 28. 28 (...) São em sua maioria altos e magros. Os homens possuem cabelo preto e liso na altura dos ombros, alguns possuem barba e bigode, utiliza um cinto grosso feito de cipó, braceletes de cipó amarrados nas juntas dos braços e pernas, alguns possuem colares com dente (onça, jacaré...), alguns estavam pintados de urucum e um com jenipapo em todo seu corpo. As mulheres possuem a mesma cinta que os homens, mas colocam folhas para protegerem as partes íntimas (não cobrem os seios), algumas estavam com uma faixa pintada de urucum na altura dos olhos, carregam seus filhos com uma tipoia (...) (Funai, 2013, p. 04) Neste sentido, as investigações dão conta que os povos isolados Mashcos são índios coletores e caçadores. É de se perceber que no mundo moderno os povos que praticam esses hábitos culturais são cada vez mais raros. Uma forte tendência transformou diversos povos tradicionais a adotarem este comportamento e ao longo dos anos foram substituindo por práticas agricultáveis. No entanto, essa propensão não se manteve com os índios Mashcos, que nos dias atuais coletam sementes, frutos, plantas medicinais, pupunha, palmeiras, paxiuba, ouricuri, jarina, cipós, envira, entre outros. Ou seja, recursos, uma diversidade de materiais indispensáveis para sobrevivência das populações na floresta. Da mesma forma, em relação às caças, “(...) foi observado como cultura alimentar: anta, macaco, jacu, mutum, capivara e jabuti (...)” (Funai b, 2015, p. 11). No final do século XIX, os Mashco Piro viviam de agricultura, caça e pesca em aldeias grandes no alto Rio Manu, mas foram massacrados na “Praia Mashco” pelos operários do infame “Rei da Borracha” Carlos Fermin Fitzcarraldo em 1894. Os sobreviventes fugiram para o mato, perdendo seus cultivos e voltando para uma vida nômade de caça e coleta. Mas apesar dessa redução drástica na sua vida econômica e cultural, os Mashco-Piro mantiveram o jogo de “cabeçabol” — esporte com bola de borracha praticado por outros grupos Arawak, como os Paresi e os Enawenê-Nawê. Entre os itens coletados pelo Shaco no seu intercâmbio com os Mashco-Piro antes de morrer está incluído uma pequena bola de borracha13 . Pode-se perceber também que o hábito relacionado ao nomadismo reporta-se à disponibilidade de alimentos em determinados lugares. Ainda mais quando há um número considerado de índios naquele grupo. Os Mashcos sabem que em determinada época do ano vai haver uma maior abundância de animais naqueles e/ou em lugares próximo passados por eles anteriormente. “Nos seus acampamentos provisórios, foram encontrados muitos ossos e dentes de caças (anta, veado, queixada, porquinho, diversos tipos de macaco, jacu, mutum, jacamim e outros), além de muitos cascos de jabuti e cocos quebrados, notadamente ouricuri e 13 Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/os -mashco-piro-a-beira-do-contato- 4315.html, Acesso em 17 de Maio de 2016.
  • 29. 29 cocão. Mas não foram avistadas escamas e espinhas de peixes, tampouco vestígios de ovos e cascos de tracajás e tartarugas, indicando condições de vida típicas dos grupos caçadores e coletores nômades da floresta” (BOLETIM INFORMATIVO, 2014 p. 8). Na estação chuvosa, quando os níveis de água são elevados, as tribos, que geralmente não usam canoas, vivem longe dos rios, floresta a dentro. Durante a estação seca, no entanto, quando os níveis de água são baixos e praias surgem na beira dos rios, eles acampam nas praias e pescam14 . 2.2. Onde estão localizados o povo Mashcos. É importante frisar que os índios isolados Mashcos estão localizados ao longo da fronteira entre o Brasil e Peru. O modo de viver, as relações que se estabeleceram nessa fronteira foram construídas ao longo do tempo, logo, culturalmente, é possível afirmar que, esses índios não são do Peru e nem são índios do Brasil. São povos que ora estão no Peru, ora no Brasil, uma vez que há proximidade com a fronteira de ambos os países, favorece as migrações, atreladas as pressões territoriais, além dos hábitos culturais de deslocamento em determinadas época do ano em fuga e/ou em busca de algo que esse povo pratica (ver mapa 3). Neste sentido, Nogueira (2007, p. 44) afirma que: A expressão fronteira vem sendo utilizada em diversos sentidos, que vão desde o limite entre dois Estados nacionais, talvez o sentido mais comum, até em diversos sentidos figurados, como superação de tabus culturais, diferença entre as ciências, o limiar entre a vida e a morte, barreiras de determinados assuntos, diferenças socioeconômicas, e outros. Também, Os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais, têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos através das fronteiras. (ONU, 2007 p. 18) As incertezas sobre índios Mashcos são muitas, sobretudo, em relação aos grupos e subgrupos, tendo em vista que já foram confirmadas referencias em distintos lugares. “(...) Diferentes grupos extensos percorrem as florestas de terra firme das nascentes de quatro grandes bacias hidrográfica da Amazônia peruana: Madre de Dios, Purús, Yurua (Juruá) e Ucayali. Entram em território acreano pelos rios Iaco (TI Mamoadate), Reserva Biológica Rio 14 Disponível em: http://www.survivalinternational.org/povos/indios-isolados-peru , Acesso em 15 de Junho de 2016.
  • 30. 30 Acre, Chandless (Parque Estadual Rio Chandless) e Envira (TI Kampa e Isolados do Rio Envira), que são rios binacionais. ” (BOLETIM INFORMATIVO, 2014 p. 7-8). Existem suposições de que a divisão em grupos são estratégias de sobrevivência que os Mashcos realizam, tendo em vista os grandes números de indígenas que são por grupo em relação às disponibilidades de recursos que a floresta pode oferecer. Há quem arisque que esses grupos sabem da existência dos outros e que se encontram em determinadas épocas do ano. Já em relação às referências de localização em lado brasileiro já atestaram grupos nos seguintes lugares: praias dos Rios Acre, Envira, Iaco, Purus, dentro da TI Momoadate e do Parque Estadual do Chandless. No outro lado, em território peruano, há confirmação que estão nas Reservas Territoriais Mashco Piro, Madre de Dios e Murunahua. Nesta perspectiva, Huertas (2015 p. 70) atesta que os Mashcos habitam e percorrem: Desde los ríos Yurúa y Envira por el norte hasta el río Alto Madre de Dios por el sur y desde los ríos alto Chandless, Yaco, Acre, Tahuamanu, Las Piedras y Pariamanu por el este hasta las cabeceras de los aflentes derechos del río Manu por el oeste, traspasando probablemente el límite departamental de Madre de Dios con Cusco. Su territorio abarca los sectores Yurúa, Raimondi-Sepahua, Breu-Envira, Chandless-Acre, Tahuamanu, Tambopata y Manu. Na época chuvosa de inverno (de novembro a abril), concentram-se nas cabeceiras do Madre de Dios e de seus principais afluentes, os rios Tahuamanu, los Amigos e las Piedras, em território peruano fronteiriço (BOLETIM INFORMATIVO, 2014 p. 8). Todavia, não existem estudos simultâneos de localização de ambos os países com o propósito de estabelecer se são ou não os mesmos grupos. Mas por outro lado, a lógica temporal dos acontecimentos de um lugar para outro, conotam que sejam grupos diferentes. Desse modo, é notório e não adequado estimar ou fazer qualquer previsão de quantidade de índios isolados do povo Mashcos, uma vez que a urgência é melhorar o sistema de monitoramento e localização de ambos os países das referencias que já se trabalha para só assim ter um estimativo de população e grupos que compõem os povos indígenas isolados Mashcos.
  • 31. 31 Mapa 3: Principais Rotas15 que o povo isolado Mashcos utilizam na fronteira Brasil e Peru Fonte: ProPurús, 2014 15 As linhas tracejadas em forma de elipse indicam as principais rotas que o povo isolado Mashco utiliza
  • 32. 32 2.3. Povo Mashcos: opção pelo não contato com a sociedade envolvente. Nos fins do século XX, o escritor Euclides da Cunha andou pelo rio Purus e narraram os acontecimentos acerca de um massacre coordenado pelo explorador Carlos Fitzcarraldo contra os povos indígenas Mashcos. Naquela época pregava-se a política do contato pelos exploradores. Os Mashcos são tidos como povos bravos, guerreiros, resistentes à luta e para o explorador eram uma “pedra no caminho” nas realizações dos seus objetivos. Há razões de sobras para os Mashco preferirem a distância da sociedade que os cerca. Tais razões podem ser explicadas pelo contato feito pelo explorador Carlos Fiscarrald, em 1892, relatado por Cunha (1994, p.317): Por única resposta o Mashco perguntou-lhe pelas flechas que trazia. E Fiscarrald entregou-lhe, sorrindo, uma cápsula de Winchester. O selvagem examinou-a, longo tempo, absorto ante a pequenez do projétil. Procurou, debalde, ferir-se, roçando rijamente a bala contra o peito. Não o conseguindo, tomou uma de suas flechas; cravou-a de golpe, no outro braço, varando-o. Sorriu, por sua vez, indiferente à dor, contemplando com orgulho o seu próprio sangue que esguichava... e sem dizer palavra deu as costas ao sertanista surpreendido, voltando para o seu tolderio com a ilusão de uma superioridade que a breve trecho seria inteiramente desfeita. De fato, meia hora depois, cerca de cem Mashcos, inclusive o chefe recalcitrante e ingênuo, jaziam trucidados sobre a margem, cujo nome, Playamashcos, ainda hoje relembra este sanguinolento episódio. Assim vai desbravando-se a região bravia. Varejadas as redondezas, mortos ou escravizados num raio de poucas léguas os aborígines, os caucheiros agitam-se febrilmente na azáfama estonteadora. Em alguns meses ao lado do primitivo tambo multiplicam-se outros; a casucha solitária transmuda-se em amplo barracone ou embarcadero ruidoso; e adensam-se por vezes as vivendas em caserios, a exemplo de Cocama e Curanja, à margem do Purus, a espelharem, repentinamente, no deserto, a miragem de um progresso que surge se desenvolve e acaba num decênio. Mais à frente o Boletim Informativo para povos indígenas isolados (2014, p. 9) fala que “o século XXI começou tão violento para os povos indígenas dessa região peruana fronteiriça, sobretudo para os chamados “isolados”, quanto o início do século passado, que foi marcado pelas “correrias”, massacres e epidemias promovidos pelos integrantes das frentes extrativistas do caucho e da seringa”. Estes relatos mostram como os diferentes contatos ocorridos ao longo da história entre não índios e os povos isolados foram traumáticos para os índios até então sem contato. Para Gow (2011 p. 12) “o isolamento voluntário dos Mashco é uma recusa a um certo tipo de relação social, uma ação intencional, e seu sentido é dado na interlocução”. Não há respostas claras em relação a esse distanciamento, porém, existem suposições contundentes que justifica o isolamento. Presumisse que:
  • 33. 33 Os registros históricos demonstram que a decisão de isolamento desses povos pode ser o resultado dos encontros com efeitos negativos para suas sociedades, como infecções, doenças, epidemias e morte, atos de violência física, espoliação de seus recursos naturais ou eventos que tornam vulneráveis seus territórios, ameaçando suas vidas, seus direitos e sua continuidade histórica como grupos culturalmente diferenciados16 . “Eu não creio que haja nenhum grupo indígena isolado no Brasil que não saiba de nossa existência, entende? Todos sabem! Porque, em algum momento da história deles, eles tiveram encontros fortuitos ou choques com essas frentes pioneiras, por aí afora”. (POSSUELO in UnB, 1999:195). Uma linha de investigação para isolamento junto à sociedade foi às maneiras que aconteceram no passado e ainda acontecem na floresta amazônica, ou seja, os traumas do contato. Os índios isolados são desrespeitados quando homens brancos, sobretudo, aventureiros adentraram seus territórios de uso em busca de explorações dos recursos naturais de maneira ilícita, agem com atrocidade, despreparo e falta de humanidade com os povos isolados. Esse ato de vontade de isolamento também se relaciona com a experiência de um estado de autossuficiência social e econômica, quando a situação os leva a suprir de forma autônoma suas necessidades sociais, materiais ou simbólicas, evitando relações sociais que poderiam desencadear tensões ou conflitos interétnicos17 . É importante lembrar que a respeito das legislações indígenas que asseguram os direitos aos índios isolados a manterem seus costumes e modo de viver da maneira que deseja, a legislação peruana é clara ao dizer que o Estado deve: Respetar su decisión en torno a la forma y el proceso de su relación con el resto de la sociedad nacional y con el Estado. (PERU, 2006). No Brasil é diferente, além da Constituição Federal (artigo 231, §1º), há outros instrumentos jurídicos que afirma que o Estado tem como finalidade: 16 Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente- contato?limitstart=0# . Acesso em 18 de Julho de 2016. 17 Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente- contato?limitstart=0# - 1 de 2, Acesso em 17 de maio de 2016.
  • 34. 34 Garantir aos povos indígenas isolados do exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los. (BRASIL, 2012) Em ambos os países fica comprovado que o Estado deve garantir aos índios isolados o direito em permanecer de forma isolada. Todavia, o Estado também é um dos principais promotores de ações integracionistas em regiões onde estão localizados os índios isolados. Tanto em lado brasileiro, que vão desde obras de infraestrutura quanto em território peruano com exploração de petróleo e concessões de madeiras com impactos diretos aos territórios dos isolados. 2.4. Territórios e Territorialidades dos Índios Mashcos Para compreender as territorialidades do povo Mashcos é preciso ter uma compreensão dos conceitos sobre território em visões geográfica e antropológica. Em sentido geográfico, o território está condicionado a um espaço concreto, delimitado, essencial para qualquer sociedade estabelecer relações. Por outro lado, em um viés antropológico, a explicação do território parte de uma visão mais voltada para as práticas vivenciadas no cotidiano, a partir de características indispensáveis à reprodução de culturas, costumes e tradição de determinado povo. Para os indígenas o território é um princípio permanente de socialização. É nele que “trocam-se notícias sobre caçadas, abundância ou escassez de um determinado produto, sobre os aspectos sobrenaturais da floresta, dos rios ou das montanhas, acerca do encontro com espíritos na mata, etc. O território não é, afinal, apenas fonte da subsistência material, mas também lugar onde os índios constroem sua realidade social e simbólica” (RAMOS, 1986). O território indígena tem um significado muito mais valioso, pois “(...) o rio não é simplesmente o rio, mas inclui todos os seres, espíritos que nele habitam (...) uma montanha não é somente uma montanha, ela tem significado e importância cosmológica sagrada” (BANIWA, 2006 p.102). Todavia, uma vez isolados os Mashcos devem ter consigo essas representações cosmológica, porém desconhecem todos esses conjuntos de métodos construídos pelo homem não indígena, nem tão poucos isolados para justificar todas essas definições acerca da palavra território. Neste sentido, (SILVA, 2009 p. 109, apud BOLIGIAN; ALMEIDA, 2003) define: Território é o espaço das experiências vividas, onde as relações entre os atores, e destes com a natureza, são relações permeadas pelos sentimentos e pelos simbolismos atribuídos aos lugares. São espaços apropriados por meio de práticas que lhes garantem uma certa identidade social/cultural.
  • 35. 35 Desse modo, o território para os Mashcos pode ser entendido com lugares intangíveis ou melhor, um recinto abstrato que Haesbaert & Limonad (2007, p. 43) denominam “consciência, apropriação ou mesmo em alguns casos, identidade territorial”. Ao mesmo tempo em que "o território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma dimensão simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos” (HAESBAERT, 1997:42). Nesta mesma linha de pensamento, Haesbaert, (2004, p. 40) afirma que o território é “o produto da valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido”. De modo geral, o território pode ser considerado como “a configuração territorial ou geográfica é o conjunto formado pelos sistemas naturais de uma determinada área e pelos “acréscimos que os homens “superimpuseram” a esses sistemas naturais” (SANTOS, 2006, p. 38)”. Por sua vez, o significado de território do ponto de vista dos indígenas é definido por Ramos (1986), como sendo “a terra é um bem coletivo, destinada a produzir a satisfação das necessidades de todos os membros da sociedade. Todos têm o direito de utilizar os recursos do meio ambiente, através da caça, pesca, coleta e agricultura. Nesse sentido, a propriedade privada não cabe na concepção indígena de terra e território. Embora o produto do trabalho possa ser individual, as obrigações existentes entre os indivíduos asseguram a todos o usufruto dos recursos”. Por conseguinte, “a noção de “território” remete à construção e à vivência, culturalmente variável, da relação entre uma sociedade específica e sua base territorial” (GALLOIS, 2004, p. 39). Superado alguns dos pressupostos conceituais sobre territórios podemos avançar acerca das possíveis territorialidades dos povos isolados Mashcos. Como sabemos não existe território sem povo, contudo, em tempos atuais é comum presenciarmos diversos povos sem território. Como exemplos podem os citar: os Palestinos, os Curdos e Tibetanos. Ao mesmo modo que os povos isolados Mashcos são um excelente exemplo: uma vez que são indígenas reconhecidos pelo Estado peruano e brasileiro, conhecem-se os lugares que habitam, compreendem-se seus modos de vida, portanto é evidente que suas territorialidades estejam presentes no dia-dia. Por não perpetrar a cultura da moradia fixa e o Peru dispor de uma Reserva Territorial destinada aos Mashcos suas territorialidades que são praticadas dentro da reserva são também
  • 36. 36 levadas para outras regiões onde percorrem. Logo, devemos entender que as noções de territorialidades dos indígenas isolados Mashcos são outras. “A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura das leis ou títulos, mas se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e consistência temporal ao território” (LITTLE, 2002, p.11). Além do mais que esse território é ocupado de forma tradicional, Little (2002, p.3) pensa da maneira que “o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-se assim em seu território”. Por sua vez, Souza, (2001 p. 99) explica a territorialidade como “certo tipo de interação entre o homem e o espaço”. Pressupõe que a territorialidade para os índios isolados Mashcos é um lugar onde mantém interação com o ambiente: cabeceiras dos rios, nascentes de aguas, caminhos percorridos, praias, os lugares onde coletam sementes, locais das florestas de influência constante. A territorialidade é ainda o lugar onde o indígena se sente em casa, espaço considerado de intimidade, convívio e identidade. Para melhor esclarecer essa afirmação, Raffestin diz: (...) territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema. (1993 p. 160) Casimir, (1992 apud LITTLE, 2002) define a territorialidade como “uma força latente em qualquer grupo, cuja manifestação explícita depende de contingências históricas. O fato de que um território surge diretamente das condutas de territorialidade de um grupo social implica que qualquer território é um produto histórico de processos sociais e políticos” (LITTLE 2002, p.3). Neste sentido, Sack, (1986) ressalta que a territorialidade está “intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar”. Assim, pode-se apreender que os Mashcos expressam sua territorialidade através da ocupação das praias, faixas de areia muito frequente na época das vazantes dos rios da região utilizada por esses indígenas em períodos sazonais. A praia (ver figura 1) é o lugar que os Mashcos sempre estão acampados em seus tapiris em determinado período do ano, época conhecida como o inverno amazônico. Em novembro de 2015, no rio Chandless “foram contabilizados 23 tapiris, semicirculares e/ou estilo rabo de jacu formando um semicírculo – a
  • 37. 37 base das folhas de palmeiras é presa ao solo. Dos 23 tapiris, 03 são aparentemente de crianças pelo porte reduzido; proteção da chuva feita com palhas de paxiuba, auricuri e jarina, amarrações com cipós e enviras – nítido uso de ferramenta afiada estilo terçado”. (FUNAI b, 2015 p. 10). Figura 1: Praia onde tapiris que os Mashcos reside provisoriamente Fonte: Fenamad, 2014. Outra territorialidade possível do povo Mashcos são os lugares de caça. Como outros povos indígenas em contato com a sociedade envolvente a caça está presente no cotidiano das comunidades. Os elementos levados em consideração para prevê essa territorialidade são os vestígios deixados pelos Mashcos em seus acampamentos pelas praias dos rios Acre, Envira, Iaco e Purus. O povo Mashcos prefere como hábitos alimentares: antas, jabutis, porcos-do- mato, tracajá, tartaruga do guapo, jabuti, mutum, macaco e capivara. A terceira territorialidade habitual dos isolados Mashcos diz respeito à coleta de recursos que a floresta dispõe: para fabricação de arcos (pupunha) e flechas (tacana e taboca) com objetivo de defesa, caça e pesca, sementes, frutos e ervas e seivas para uso medicinal. Uma característica peculiar entre os Mashcos é utilizar colares (ver figura 2) com vários dentes animais: onça, porco-do- mato, macacos, jacaré e outros.
  • 38. 38 Figura 2: Cultura material - colar dos Mashcos Fonte: Acervo material da FPEE, 2016. Os isolados Mashcos são povos que habitam os territórios compreendidos entre o Brasil e o Peru tem seus trajetos definidos. Sendo assim, é possível que a quarta territorialidade dos Mashcos seja os caminhos que eles transitam pela Floresta Amazônica, seja pela proximidade com a fronteira de ambos os países, pressões que o território sofre e os hábitos culturais as quais fazem que aconteçam os deslocamentos em determinadas época do ano. Esses caminhos são bastantes conhecidos pelo povo Mashcos que regulamente utilizam essas rotas. Eles teriam abandonado a agricultura para facilitar à mobilidade a floresta e evitar contato com pessoas de fora. (SHEPARD, 1999). Devo mencionar que para se chegar nessas possíveis territorialidades de um povo isolado foram levados em considerações outros povos já relacionados com as sociedades envolventes. E que, sem dúvidas, há outras várias territorialidades entre o povo Mashcos que aqui não foram evidenciadas. Não obstante, o fato de estarem de maneira isolada faz com que o conhecimento sobre tal prática não seja mais aprofundado, mas saiba que a prática da territorialidade exista. É valido destacar que “na realidade o universo conhecido (e explorado materialmente) pelos índios virtualmente não tem limites, incorporando áreas periféricas ao seu habitat e tendencialmente abarcando até mesmo pontos míticos, sem possibilidades de
  • 39. 39 traçar uma fronteira precisa entre geografia e a sua cosmologia” (OLIVEIRA & ALMEIDA, 1998 p. 90). CAPITÚLO III: AMEAÇAS E OS PRINCIPAIS DESAFIOS DOS INDIOS ISOLADOS No terceiro capítulo abordaremos temas acerca dos relacionamentos interétnicos da fronteira, como também os enfrentamentos, as ameaças e os principais desafios dos índios isolados levando em consideração os contextos políticos, econômicos, sociais e ambientais nos dois países Brasil/Peru. 3.1. O relacionamento interétnicos na fronteira Brasil/Peru É notório que a fronteira Brasil/Peru, mais especificamente desde o Estado do Acre até os Departamentos de Madre de Dios e Ucayali é uma das regiões que concentra uma das maiores biodiversidade do planeta. Território considerado de pertencimento para os diversos povos que habitam o ambiente. Neste mesma direção o Boletim Informativo (2014, p. 8) fala que “trata-se, provavelmente, de uma das maiores concentrações de povos indígenas resistentes ao contato interétnico na Amazônia brasileira”. Além de que são grupos que se apossar do espaço de maneira completamente diferentes um dos outros. Neste ponto de vista, Coradini (1992, p.5) diz que “o espaço assume vários significados conforme os indivíduos e os grupos dele se apropriam o tipo de apropriação e o tempo”, o que envolve a dimensão étnica cultural; assim, a interação social constitui-se, portanto, “em um campo privilegiado de estudos das representações sociais e de análise antropológica”. Sem sombra de dúvidas é um território onde a expressão do multiculturalismo se apresenta de forma veemente. No estudo do multiculturalismo, Afirma-se o reconhecimento do valor inerente a cada cultura [...], aquilo que é exclusivamente humano, como criação, e próprio de certo grupo. Nesse sentido, cada cultura tem sua história, condicionantes, características, não cabendo qualquer classificação que sobreleve uma em detrimento da outra. A variabilidade [...] presente em cada cultura [...] torna possível compreender variáveis formas de organização humana, convivendo dentro de visões de mundo semelhantes (BRASIL, 1997, pp. 42 e 43). Vários povos, com especificidades e níveis de interações com as sociedades nacionais distintas fazem uso do território para reprodução física e cultural. Na fronteira de ambos países há os grupos indígenas contatados, aqueles que já estabelecem relações frequentes com
  • 40. 40 as sociedades nacionais. Eles se localizam ao longo da fronteira e deslocam sempre aos municípios ou províncias de referências das terras indígenas ou comunidades nativas para tratarem de assuntos relacionados às organizações dos povos e pessoal. É interessante observar que alguns grupos indígenas utilizam no seu cotidiano várias línguas, em função das relações socioculturais e econômicas que mantém entre etnias e/ou com regiões de fronteira” (CIMI, 2015 p. 2). Outros grupos presente nos limites da fronteira são os povos indígenas de “recente contato18 ” nomenclatura utilizada no Brasil e “contato inicial19 ” nomenclatura utilizada no Peru. No lado brasileiro Vaz (2011 p. 20) afirma que “... grupos indígenas com reduzida compreensão dos códigos e valores das sociedades nacionais majoritárias para fazer frente às situações de vulnerabilidade que ameaçam a integridade física, social ou psicológica desses povos.”. Já no lado peruano, OACNUDH (2012 p. 6) define os indígenas de contato inicial: Los pueblos en contacto inicial son pueblos que mantienen un contacto reciente con la población mayoritaria; pueden ser también pueblos que a pesar de mantener contacto desde tiempo atrás, nunca han llegado a conocer con exactitud los patrones y códigos de relación de la población mayoritaria. Esto puede deberse a que estos pueblos mantienen una situación de semi aislamiento, o a que las relaciones con la población mayoritaria no son permanentes, sino intermitentes. Los pueblos "en contacto inicial" son pueblos que previamente permanecían "en aislamiento" y que bien forzados por agentes externos, bien por decisión del grupo, o por factores de otro tipo entran en contacto con la población mayoritaria. Além dos povos indígenas que já mantém contato com a sociedade envolvente, os grupos de recente contato e contato inicial o território conta ainda com um grande número de vivem em isolamento voluntário. As quais são denominadas povos indígenas isolados20 ou 18 A denominação utilizada no Brasil para considerar índios "de recente contato" aqueles povos ou grupos indígenas que mantêm relações de contato permanente e/ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. São, portanto, grupos que mantêm fortalecidas suas formas de organização social e suas dinâmicas coletivas próprias, e que definem sua relação com o Estado e a sociedade nacional com alto grau de autonomia. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 18 de julho de 2016 19 A denominação utilizada no Peru para povos em Contacto inicial.- Situación de un pueblo indígena, o parte de él, que ocurre cuando éste ha comenzado un proceso de interrelación con los demás integrantes de la sociedad nacional. Art. 2°, Ley nº 28736/2006. 20 A denominação utilizada no Brasil para considerar "povos indígenas isolados" que se refere especificamente a grupos indígenas com ausência de relações permanentes com as sociedades nacionais ou com pouca frequência de interação, seja com não-índios, seja com outros povos indígenas. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 18 de julho de 2016
  • 41. 41 Pueblos en aislamiento21 . Pessoas que utilizam esses espaços como moradia e outros usam para realizar atividades ilícitas, as quais agem sem a proteção necessária dos Estados. Em decorrência da fragilidade de atuação da presença do Estado na fronteira do Brasil/Peru é possível que os conflitos de proporções pouca conhecidas sejam habituais acontecer. Isso entre povos isolados e de recentes contatos; entre não indígenas e indígenas isolados e de recente contato; entre indígenas integrados e indígenas isolados. Neste sentido, é preciso que ambos os países Brasil/Peru qualifiquem quais são os principais conflitos étnicos e interétnicos que acontecem na região e promovam acordos bilaterais para conter essa situação. A fim de garantir e minimizar aquelas dificuldades que é possível de fazer, como por exemplo: sensibilizar os indígenas que mantém contato com a sociedade mostrando que são isolados e como eles se comportam no território e se reproduz culturalmente. Objetivando o respeito entre uns com os outros dentro do território, despromovendo o ódio e rancor. Junto aos povos indígenas de recente contato os Estados devem aprimorar as políticas publicas, sobretudo, na saúde, uma vez que esse estágio de contato, o indígena está bastante vulnerável a diversos tipos de doenças. Já em relação aos isolados, especialmente, os Mashcos pouco se pode fazer a não ser conhecer sempre mais o uso do território, através dos sistemas de aprimoramentos de localização e vigilância dos vestígios deixados pelos mesmos. A partir do momento que se conhece a tradição dos isolados na utilização dos territórios indígenas dos Mashcos, o Estado tem por obrigação o dever de protegê-lo. Uma vez que as legislações internacionais garantem o direito em isolamento voluntário. Porém, se as politicas de Estado voltadas para o povo Mashcos forem cumpridas, certamente, terão vantagens de proteção em relação aos demais povos da região. As quais podem se intensificar muito mais os conflitos étnicos da fronteira. 3.2. As ameaças que atingem os povos isolados Aquelas regiões mais remotas dos países Brasil/Peru, lugares que limitam as fronteiras politicas, onde ainda a paisagem natural sobrepõe à paisagem “artificial” foram os lugares de refugio que os índios isolados foram empurrados. As frentes de expansões econômicas do caucho pelo lado Peru e da borracha pelo lado do Brasil foram as grandes responsáveis por 21 A denominação utilizada no Peru para povos em Aislamiento.- Situación de un pueblo indígena, o parte de él, que ocurre cuando éste no ha desarrollado relaciones sociales sostenidas con los demás integrantes de la sociedad nacional o que, habiéndolo hecho, han optado por descontinuarlas. Art. 2°, Ley nº 28736/2006.
  • 42. 42 essa migração. Durante centenas de anos as áreas que foram tão atrativas pelo grande capital e hoje são territórios tradicionalmente ocupados pelos índios isolados sofrem pressões externas e em muito dos casos amparadas pelo governo. A partir de 2006, houve um significativo reordenamento territorial entre os povos “isolados” ao longo da fronteira Brasil-Peru, levando alguns deles, ou partes deles, a migrarem do lado peruano para terras indígenas acreanas, a exemplo dos “isolados do Xinane22 ” e de vários grupos nômades Mashco Piro. BOLETIM INFORMATIVO (2014, p. 10). Este espacio es su último refugio ante el avance de la actividad extractiva impulsada por una visión y práctica gubernamental avasalladora, que atenta permanentemente contra la integridad y los territorios de los pueblos indígenas. (HUERTAS, 2015 p. 7) Por ser uma região de difícil acesso com densidade demográfica baixa comparada, aos importantes centros dos países Brasil e Peru, os territórios ocupados pelos indígenas isolados na fronteira ficam vulneráveis as práticas ilícitas (desmatamento, invasão de caçadores e pescadores, rotas de narcotraficantes, entre outros). As vulnerabilidades enfrentadas pelos povos isolados vãos desde empreendimentos financiados pelos Estados até tráfico de drogas. Tal situação constitui se uma ameaça às condições necessárias que estes grupos necessitam para a reprodução física e cultural (VAZ, 2013 p. 25). Como também, essas transformações econômicas provocaram impactos significativos nas populações indígenas, sobretudo nas últimas áreas de refúgio dos povos “isolados” BOLETIM INFORMATIVO (2014, p. 10). Em um viés territorial a Funai, (2015 a p. 24-25) demonstram-nos os quadros 4 e 5 e a figura 3 as principais repreensões sofridas pelos índios isolados tanto no Brasil, quanto no Peru. Brasil: 1 Abertura de Estrada Jordão- Novo Porto Trata-se de estrada recém-aberta que, apesar de ser localizada fora dos limites de Terras Indígenas, é região de presença de povos isolados, inclusive do povo indígena do Xinane. A estrada foi aberta sem qualquer estudo de impacto ambiental, com 40 km de extensão, interliga a sede da cidade de Jordão até à comunidade do antigo seringal Novo Porto, no alto rio Muru. 2 Invasão de caçadores e pescadores não indígenas Há bastante pressão de caçadores e pescadores nos rios Douro e Muru. Essas iniciativas ilegais potencializam 22 Os integrantes do grupo de índios isolados que estabeleceram contato no último dia 26 de junho já retornaram às suas malocas, depois de receberem atendimento médico. O contato foi estabelecido com os servidores da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Envira da Fundação Nacional do Índio e indígenas do Povo Ashaninka, na Aldeia Simpatia, da Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, estado do Acre. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 21 de julho de 2016
  • 43. 43 conflitos, transmissão de doenças e diminuição do estoque de caça e pesca. 3 Narcotráfico Nos anos de 2011 e 2012 houve ocorrências de invasão de narcotraficantes no rio Envira, que culminou inclusive com a desativação, por motivos de segurança, da Base do Xinane. 4 Missionários Há uma crescente pressão por parte de grupos missionários em ações proselitistas. Quadro 4: Ameaças para os povos indígenas isolados no lado brasileiro Fonte: Funai a, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016. Figura 3: Estrada Jordão-Novo Porto Foto de José Carlos Meirelles em setembro de 2013 Peru: 1 Bloco 169 (Petróleo, empresa) Apesar do lote ser localizado fora da RT Murunahua, ela abrange cursos de água que correm tanto para a RT Murunahua, quanto para o lado brasileiro, em pleno território de isolados. 2 Exploração ilegal de madeira É bastante conhecida e noticiada a exploração ilegal de madeira no lado peruano. A época de mais intensa atividade ocorreu em meados da década de 2000, devido ao alto preço de madeiras de lei. A exploração abrangeu parte da RT Murunahua e do Parque Nacional do Alto Purus. Além da degradação da cobertura vegetal, as numerosas equipes de madeireiros se alimentam de caça da região, acarretando em drástica diminuição do estoque de caça para os grupos isolados. A presença intensa de madeireiros potencializa
  • 44. 44 contatos furtuitos, conflitos e transmissão de doenças aos isolados. 3 Narcotráfico Atualmente o Peru é um dos maiores produtores de pasta base do mundo. A plantação, refino e transporte ocorrem em regiões afastadas e, em muitos casos, em região de fronteira, em meio à floresta. Em muitos casos, como é o exemplo da região em pauta, essas atividades ocorrem em território de índios isolados. 4 Missionários proselitistas Apesar da aparente diminuição da pressão de grupos proselitistas no lado peruano, as ameaças dessas iniciativas continuam latentes. As ações desses grupos desencadeiam processos forçados de contato que acarretam na transmissão de doenças, esbulho territorial e potencializa a vulnerabilidade sociocultural, fatos de fácil comprovação histórica, inclusive na região em tela, como o que ocorreu com os Mastanahua e Chitonahua de contato inicial. 5 Aplicação de Política Publica Em comparação com a política adotada no Brasil, o Peru tem bastante dificuldade em implementar os marcos legais existentes. 6 Estrada Inapari – Puerto Esperanza A proposta da estrada é passar justamente nos territórios de deslocamento dos indígenas isolados entre Brasil e Peru (ver mapa 3). Quadro 5: Ameaças para os povos indígenas isolados no lado peruano Fonte: Funai a, 2015 – Adaptação: GALLO, W. J. 2016. Vale destacar que o Congresso Constituinte Democrático da República do Peru aprovou a Lei n° 26505, de 17 de Julho de 2006, cujo objetivo principal é promover o investimento privado no desenvolvimento das atividades econômicas nas terras do território nacional e as comunidades camponesas e nativas. Ou seja, terras ocupadas por aqueles indígenas que estão em contato com a sociedade envolvente. Nesta mesma direção De La Blache afirma: “(...) pela crescente complexidade das demandas da organização industrial e comercial, o que emerge cada vez mais é que o Estado não está em posição de conduzir a bom termo ― até o necessário grau de detalhe, nem com a rapidez de execução que se impõe ― os empreendimentos para os quais ele deu a impulsão geral. Ele encontra dois obstáculos principais: a rigidez administrativa que vem dos gabinetes e o provincianismo que vem de outros lugares” (2012:324 [1917]). Nota-se que as ameaças existentes em ambos os países são parecidas. Os territórios para indígenas isolados necessitam de ambientes estáveis e distantes de intervenções antrópicas, pois é deles que os povos em isolamento voluntário sobrevivem. A desarmonia entre o meio natural coloca esse grupo em risco, uma vez que habitam as últimas fronteiras e refúgios dos países. Todas essas pressões fazem com que as dinâmicas espaciais dos povos isolados sejam completamente modificadas, fazendo com que os contatos forçados aconteçam
  • 45. 45 mais constatemente, os espaços para a pesca, coleta de material da floresta e caça diminua, que os conflitos se acentuem, os períodos de deslocamentos modifiquem, alterando assim a vida das populações em isolamento voluntário. Neste sentido é interessante saber que: A política em âmbito regional é a mesma: impulso às atividades econômicas que afetam diretamente a vida, os territórios e os direitos dos povos indígenas em geral e, ainda mais sensivelmente, dos isolados. Essas são políticas internacionais, estabelecidas pela demanda internacional por recursos naturais, como a busca por madeira, minério e biocombustíveis. Nesse aspecto, não houve uma mudança maior, e esse é um grande problema que afeta ao conjunto dos países. A fragilização das legislações que amparam os direitos dos povos indígenas e das instituições que têm obrigação de garantir esses direitos também é um fenômeno que se vê em todos os países.23 Mapa 4: Proposta de construção de estrada que liga as cidade de Inapari e Puerto Esperanza no Peru Fonte: ProPurús, 2012 23 Disponível em: http://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/2015/12/09/desafiosnasfronteiras-entrevista- com-beatriz-huertas/, Acesso em 15 de junho de 2016.
  • 46. 46 Porém, nessa disputa ideológica, predomina o argumento de que os índios, enquanto isolados, estão protegidos e vivendo de forma harmoniosa com a natureza, e que os problemas físicos e sociais de uma comunidade indígena só ocorrem a partir do contato com a sociedade nacional. No entanto, não é isso que acontece uma vez desprotegido por politicas públicas de proteção os indígenas isolados, sobretudo, o povo Mashcos que percorrem vários lugares da fronteira Brasil/Peru. Estão sozinhos e, totalmente, vulneráveis a todos esses “inimigos” que querem se apropriar desses territórios como se fosse seus, ignorando-os que sobrevivem ali a centenas de anos. É certo que: A pressão dos madeireiros peruanos em territórios tradicionais do povo Mashco-Piro, inclusive nas duas reservas criadas para sua proteção (Mashco- Piro e Madre de Dios), tem alterado as formas tradicionais de migração deste povo e provocado conflitos com madeireiros e com outros grupos indígenas, como os Mastanahua, Amahuaca e Ashaninka. As ameaças têm levado os Mashco a migrar e a permanecer, com maior frequência e por temporadas mais longas, inclusive no período do inverno, em terras indígenas no lado acreano da fronteira. (ACRE, 2010 p. 47) 3.3. Os principais desafios para os índios isolados Como sabemos o povo isolado Mashcos são índios com características nômades que ora estão no território peruano, ora encontram-se em território brasileiro, divididos em grupos e com uma particularidade a mais nos conceitos de povos que vivem em isolamento voluntário. Quando os países Brasil e Peru reconhecem em sua norma principal a pluralidade étnica de sua sociedade ficam os Estados obrigados a atender com politicas públicas voltadas a esses povos, assegurando o bem estar, a segurança e harmonia social. Além do mais, ambos os países Brasil e Peru assinaram e ratificaram a Convenção n° 169 sobre os povos indígenas e tribais, a qual na parte II, Art. 14, n° 1, diz: Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes. (OIT, 1997, grifo do autor)
  • 47. 47 Ou seja, comprova-se que existem instrumentos jurídicos que garantem aos povos indígenas isolados com aptidão ao nomadismo terem seus territórios reconhecidos pelos Estados. Porém, é notável que seja mais cômodo para o mesmo Estado ignorar as normas existentes, uma vez que reconhecer tais áreas é estancar as politicas desenvolvimentistas que afloram nos territórios dos índios isolados. Porque também, o perfil do povo Mashcos é ocupar grandes faixas territoriais a fim de usufruir dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, a qual também é uma afronta à expansão do capital e da cultura globalizada. Cabe mencionar que uma alta porcentagem de povos em isolamento desenvolve sua vida em ecossistemas únicos e de importância mundial. Esses povos se constituem “devido ao conhecimento acumulado através do tempo, em um dos principais atores na gestão e uso sustentável da biodiversidade” (COMEGNA 2006, p. 147). As tribos isoladas devem ter o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Mas, a fim de exercer esse direito, elas precisam de tempo e espaço para desempenhá-lo. Elas só sobreviverão caso suas terras, às quais têm direito perante leis internacionais e nacionais, sejam protegidas. Deve-se deixá-las viver em paz, sem medo de extermínio e de contatos desastrosos. 24 . É preciso que o Brasil e o Peru evidenciem esforços para compreender o modo de vida, de forma nômade, praticados pelos povos isolados Mashcos a partir das experiências da Reserva Territorial Mashco Piro área, destinada pelo governo peruano aos Mashcos para proteção dos seus direitos, do seu habitat e condições que garantam a sua existência e integridade como povos. Para ajudar clarear os conceitos de nômade, Deleuze e Guattari (1997), afirmam que o nomadismo opõe-se às formas de captura do Estado, distribuindo-se em um espaço aberto, não indo de um ponto a outro, mas preservando a possibilidade de surgir em qualquer ponto. Neste contexto, faz necessária construção de pesquisas a fim de constatar se modelo de delimitar território realizado pelo Estado peruano ao povo Mashcos foram benéficos ou não. Vale lembrar ainda que as discussões sobre índios isolados na região de fronteira Brasil/Peru já originou a criação de GT, Fórum, Comitê, ou seja, espaços de diálogos com objetivos genéricos, mas todos envolvendo índios isolados (ver quadro 6). Já que esses espaços já estão criados e o contexto transfronteriço é altamente complexo daí a necessidade 24 Disponível em: http://www.survivalinternational.org/povos/indios-isolados-brasil, Acesso em 15 de junho de 2016.
  • 48. 48 de pactuar acordos para a politica de proteção dos isolados. Além do mais, é um desafio para proteção de povos indígenas isolados e de recente contato em áreas de fronteira Brasil/Peru colocar em prática o termo de cooperação assinado no ano de 2014, entre representantes dos governos do Brasil e Peru. Ressalta-se que o termo de cooperação é um marco para o entendimento interinstitucional sobre a politica de proteção de povos isolados e de recente contato entre os dois países, o qual tem por objetivo tratar de temas, como: Proteção territorial de povos indígenas pode contribuir para discussões mais amplas, relacionadas com a presença efetiva dos Estados em áreas de fronteiras, o combate a ilícitos, o desenvolvimento de ações de promoção aos seus direitos, e o estabelecimento de diálogos interculturais sobre grandes projetos e investimentos econômicos que afetem suas condições e modos tradicionais de vida25 . Nome Criação/integrantes Objetivo Grupo de Trabalho Transfronteiriço (GTT) Criado em 2005, constituído por organizações, associações indígenas e de mobilização social, e órgãos públicos. O Grupo discute as políticas públicas e os grandes projetos de infraestrutura em curso e previstos, na fronteira internacional Brasil-Peru, analisando seus impactos socioambientais sobre as terras indígenas e as unidades de conservação da região. (...) O objetivo é elaborar uma pauta e monitorar as ameaças da fronteira, construindo mecanismos que ajudem o poder público dos dois países. Comitê Indígena Internacional para la Protección de los Pueblos en Aislamiento y Contacto Inicial de la Amazonía, el Gran Chaco y la Región Oriental de Paraguay (CIPIACI) Criado em 2006 e constituído formalmente em 2007. É formado por 13 organizações indígenas de seis países da América do Sul. Sensibilizar populações indígenas do entorno; monitorar as políticas e ações adotadas pelos governos, empresas e agentes da sociedade civil; articular alianças com organismos locais, nacionais e internacionais da sociedade civil para a proteção dos povos isolados e recém- contatados. Grupo Técnico de Trabajo para el Monitoreo Georreferenciado de Pueblos Indígenas en Aislamiento Voluntario (PIAV) en Em 2012 a FENAMAD, CPIAC, SEMA, FUNAI e comunidades indígenas localizadas em área de fronteira firmaram uma Acta de intenção para a criação. Formulação de estratégias de proteção dos povos indígenas isolados da fronteira, a partir do mapeamento de evidencias de sua presença, monitoramento das ameaças, análise dos problemas sócios ambientais, assim como o intercambio de informação geográfica produzida pelas organizações. 25 Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/2621-funai-assina-cooperacao-com- ministerio-da-cultura-do-peru-para-protecao-de-povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato-em-areas-de- fronteira . Acesso em 18 de julho de 2016.