O documento discute os Conselhos Gestores de Políticas Públicas no Brasil como potenciais espaços para a coprodução dos serviços públicos. Ele argumenta que, apesar de limitações, esses conselhos podem promover a interação entre sociedade e Estado e permitir a participação ativa dos cidadãos na formulação e gestão de políticas públicas.
Conselhos Gestores: Potenciais Espaços para Coprodução de Serviços Públicos
1. Recebido em 31/03/2011, aprovado em 03/10/2011
disponível em 22/12/2011
Avaliado pelo sistema double blind review
Editor científico: Janann Joslin Medeiros ISSN: 1984-3925
Conselhos Gestores de Políticas Públicas: Potenciais Espaços para a Coprodução dos Serviços Públicos
Conselhos Gestores de Políticas Públicas:
Potenciais Espaços para a Coprodução dos
Serviços Públicos
Contabilidade,
Gestão e Public Policy Management Councils: Spaces of
Governança
encounter for the Co-production of public services
Luciana Francisco de Abreu Ronconi1, Emiliana Debetir2, Clenia De Mattia3
RESUMO
A institucionalização dos Conselhos, como espaços públicos de participação, discussão e deliberação, no âmbito
das políticas públicas, torna-se relevante nos processos de democratização da gestão das políticas públicas
e de controle da sociedade sobre os governos. Esse ensaio teórico pretende argumentar que os Conselhos
Gestores de Políticas, apesar de limitações e desafios, podem ser espaços de encontro entre a sociedade e o
Estado, ou seja, espaços para a coprodução dos serviços públicos. A coprodução do bem público é um conceito
desenvolvido no final da década de setenta. Refere-se à produção de forma conjunta (sociedade, Estado e setor
privado) de certo bem ou serviço que seja de interesse público. Os componentes principais da coprodução são
a descentralização e a interação entre Estado e a sociedade civil em um processo de ressignificação da esfera
pública. Assim, os processos de coprodução dentro dos Conselhos podem reafirmar os valores da democracia,
da cidadania e do interesse público ao colocar ênfase na participação ativa, ação conjunta e inclusão dos
cidadãos na comunidade política. Ao gerar espaços públicos de participação, debate e controle, os Conselhos
tornam-se um espaço potencialmente fértil para os processos de coprodução dos serviços públicos.
Palavras chave: Conselhos gestores. Coprodução. Políticas públicas. Gestão participativa.
ABSTRACT
The institutionalization of policy management councils in Brazil as public spaces for participation, discussion and
deliberation with respect to public policy has relevance for the democratization of policy management and for societal
control of government action. This theoretical essay argues that policy management councils, despite limitations and
challenges, can serve as spaces where society and State can come together for the co-production of public services. Co-
production of public services is a concept developed in the late seventies having to do with the joint production by
society, the state and the private sector of determined goods or services of public interest. The principal features of co-
production are decentralization and the interaction between the state and civil society in redefining the public sphere.
Co-production processes within public management councils can serve to reaffirm the values of democracy, citizenship
and public interest by emphasizing active participation, joint action and inclusion of the broader citizenry in the political
community. By creating public spaces for citizen participation, debate and control, these councils offer a potentially fertile
ground in which co-production of public services can take place.
Keywords: Policy management councils. Co-production. Public policies. Participative governance.
1 ESAG/UDESC - lucianaronconi20@yahoo.com.br
2 ESAG/UDESC - emilianadebetir@yahoo.com.br
3 ESAG/UDESC - cleniademattia@gmail.com
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2. Luciana Francisco de Abreu Ronconi, Emiliana Debetir, Clenia De Mattia
1 INTRODUÇÃO mentos populares nas esferas públicas institu-
cionais objetivava, assim, a participação na con-
A Constituição de 1988, ao criar espaços dução da vida política do país (Paula, 2005).
públicos de discussão e deliberação e ampliar a Cabe ressaltar que a criação de espaços pú-
participação popular nas decisões públicas, blicos de participação, como a implantação dos
abriu novas perspectivas para o exercício da Conselhos Gestores de Políticas Públicas e de ex-
democracia participativa. No campo de ação periências de Orçamentos Participativos, foi re-
das políticas sociais possibilitou, com base na sultado desse contexto democrático do país.
sua regulamentação, a institucionalização dos No caso do orçamento participativo, as
Conselhos (compostos por representantes dos experiências implementadas nos municípios de
diferentes segmentos da sociedade) para cola- Santo André, Recife, Belo Horizonte e Porto
borar na implementação e controle dessas polí- Alegre, entre outros, pretendiam romper “com
ticas; reconheceu o nascimento de novos a tradição patrimonialista de gestão do orça-
direitos, em estreita consonância com as trans- mento público e também com o monopólio tec-
formações sociopolíticas que se processavam nocrático das decisões orçamentárias” (Paula,
na sociedade brasileira. 2005, p. 165). De acordo com Luchmann (2002a),
Os movimentos sociais, sindicais, pasto- o orçamento participativo “é uma modalidade
rais e dos partidos políticos de esquerda, que alternativa de tratamento dos recursos públicos,
desempenharam papel fundamental nesse pro- por introduzir a população no processo de dis-
cesso de democratização, reivindicavam cida- cussão e definição da peça orçamentária muni-
dania e abertura de novos espaços de partici- cipal” (p. 69). Algumas críticas, segundo Paula
pação da sociedade civil no âmbito do Estado e (2005), têm sido feitas ao orçamento participa-
questionavam a ideia do Estado como o prota- tivo. Entre elas, a predominância do Poder Exe-
gonista da gestão pública (Ronconi, 2003). Foi cutivo no processo, dependência em relação às
diante da chamada crise do Estado, identificado autoridades municipais para a continuidade da
como ineficiente e corrupto, e do agravamento experiência, risco de corporativismo local e dis-
da questão social e da luta pela democratização puta de espaço político entre o orçamento parti-
do país, que o texto constitucional definiu os cipativo e as câmaras de vereadores.
instrumentos capazes de publicizar os meca- Crantschaninov (2010) corrobora a autora
nismos para a formulação e gestão das políticas ao questionar em que grau os Conselhos de Po-
públicas (Raichelis, 2000). líticas Públicas conseguem se tornar um meca-
A democracia política aparecia nos anos nismo legítimo de participação social. Segundo
de 1980, vinculada à democracia social fundada a autora
na maior equidade; buscava-se a ampliação dos
Esta legitimação, aparentemente presente por
direitos sociais, a elevação dos graus de univer- força de lei, é frágil quando se analisam questões
salismo, a extensão da cobertura dos programas como a transparência nas eleições dos conselhos,
e a melhoria da efetividade social do gasto. No o próprio perfil dos eleitos (se representam a
plano institucional, procurava-se maior descen- comunidade de forma igualitária), o processo de
deliberação dos conselhos (ou seja, a real propor-
tralização, transparência nos processos decisó-
ção entre as decisões tomadas entre conselheiros
rios e ampliação da participação social. da população e conselheiros governamentais),
Assim, foi no contexto das transformações entre outros aspectos (p.6).
do Estado e da sociedade civil que emergiram
novos movimentos sociais organizados e se Na mesma direção, a partir do final dos
constituíram fóruns de organização e partici- anos 1980, surgem os fóruns temáticos, como o
pação da sociedade civil relacionados às deci- Fórum da Reforma Urbana, o Fórum Nacional
sões e à gestão das políticas sociais. O campo da Participação Popular nas Administrações
dos movimentos, apesar de sua heterogenei- Municipais e o Fórum Ação da Cidadania
dade, questionava o protagonismo do Estado na (Paula, 2005). Estes atuam paralelamente ao
gestão pública e a concepção de público como poder público, no sentido de troca, debate e
sinônimo de estatal. A participação dos movi- criação de ideias. Embora não se envolvam com
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os processos de decisão, os Fóruns têm adqui- ções legalmente estabelecidas no plano da for-
rido importância na definição das agendas e de mulação e implementação das políticas na
políticas públicas. Enquanto tipos de movi- respectiva esfera governamental, compondo as
mentos sociais, os fóruns, têm o papel de “fazer práticas de planejamento e fiscalização das
política, publicizar os conflitos, armar os inter- ações. São concebidos como fóruns públicos de
locutores sociais de argumentos, de diagnós- captação de demandas e negociação de inte-
ticos das carências, de denúncia das graves la- resses específicos dos diversos grupos sociais e
cunas” (Oliveira, 2000, p. 40). Fazer política no como forma de ampliar a participação dos seg-
sentido de buscar constantemente a “agregação mentos com menos acesso ao aparelho de Es-
de forças e articulação – um esforço reiterada- tado (Comunidade Solidária, 1997).
mente dedicado a atrair parceiros, a trabalhar A implementação dos Conselhos Munici-
em termos unitários, a criar espaços de entendi- pais aponta para a consolidação de processos
mento ampliado” (Nogueira, 2004, p. 246). democráticos no país, pois têm sido conside-
A institucionalização dos Conselhos Ges- rados “formas inovadoras de gestão pública
tores de Políticas Públicas apresenta “uma natu- que permitem o exercício de uma cidadania
reza jurídica que imprime um caráter legal ao ativa, incorporando as forças vivas de uma co-
seu status deliberativo na definição, decisão e no munidade à gestão de seus problemas e à im-
controle das principais diretrizes e ações gover- plementação de políticas públicas que possam
namentais nas diferentes áreas de políticas so- solucioná-los” (Carvalho & Teixeira, 2000, p. 8).
ciais” (Lüchmann, 2002b, p. 12). Embora se cons- Ainda, de acordo com os referidos autores, a so-
tituam como fóruns institucionalizados e se ciedade ao atuar nos Conselhos “tem a possibi-
encontrem disseminados pelas diversas áreas de lidade de contribuir para a publicização das de-
política social dentro do país, a existência desses cisões políticas”. Gohn (2000, p. 35-36) chama a
espaços não é garantia de participação nos pro- atenção para o fato de os Conselhos serem
cessos de decisão política de determinada área “novos instrumentos de expressão, represen-
da administração pública. A interação entre Es- tação e participação, dotados de potencial de
tado e sociedade civil em um processo de ressig- transformação política”.
nificação da esfera pública está posto, mas muitos Embora a literatura dos anos de 1980
desafios precisam ser vencidos para que os Con- aposte no protagonismo da sociedade civil e,
selhos possam se consolidar como verdadeiros assim, na construção de espaços de coprodução
espaços para a coprodução do bem público. de serviços públicos, no campo dos Conselhos
Gestores, a literatura mais recente, baseada em
2 OS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS estudos empíricos, que não serão o foco prin-
PÚBLICAS: POSSIBILIDADES E LIMITES cipal desse estudo, pontua que muitos conse-
lhos têm apenas ratificado as decisões já to-
Os conselhos podem ser divididos em três madas pelo governo.
tipos principais, e nem todos apresentam ca- Côrtes (2007) destaca que a posição favo-
ráter deliberativo ou estão amparados por legis- rável ou não das autoridades municipais sobre
lação federal: conselhos de programas, conse- participação pode ser um fator determinante do
lhos temáticos e conselhos de políticas. Quanto êxito de processos participativos. Para a autora,
à área de atuação, podem ser articulados com as os principais condicionantes da natureza de
esferas locais, estaduais e federais e, quanto ao processos participativos em Conselhos munici-
poder de decisão, podem ser deliberativos, con- pais de políticas públicas são: a) a estrutura ins-
sultivos e de assessoria (Lüchmann, 2002b). titucional da área de política pública em que se
Estão ligados às políticas públicas mais localizam; b) a organização do movimento po-
estruturadas ou concretizadas em sistemas na- pular e sindical e dos grupos de interesses de
cionais. São, em geral, previstos em legislação usuários no município; c) as posições das auto-
nacional, tendo ou não caráter obrigatório, e ridades municipais em relação à participação;
considerados parte integrante do sistema na- d) a natureza da policy network setorial, que pode
cional. Os Conselhos de Políticas têm atribui- comportar a existência de policy community na
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qual se aliam profissionais da área e lideranças Municipais de Assistência Social. O Conselho
populares (p. 129). Nacional de Assistência Social – CNAS - tem
Cabe destacar que, ao reconhecer o nasci- sido, entre outros Conselhos, um dos “princi-
mento de novos direitos, a Carta de 1988 se co- pais instrumentos da gestão descentralizada e
locou em estreita consonância com as transfor- participativa da sociedade civil no sistema de
mações sociopolíticas que se processavam na assistência social, incorporando funções de con-
sociedade brasileira. Esse processo conduziu à trole social sobre a política do setor” (Raichelis,
aprovação de diferentes marcos legais que regu- 2000, p. 178). Dessa forma, o CNAS, instituído
lamentam artigos da Constituição de 1988, como pela Lei Orgânica da Assistência Social em seu
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), artigo 17, tem sido espaço privilegiado de re-
aprovado em Julho de 1990, a Lei Orgânica da presentação da sociedade política e da socie-
Assistência Social (Loas), aprovada em dezembro dade civil na definição e controle da política de
de 1993, o Sistema Único de Saúde (SUS), entre Assistência Social.
outros. Assim, é na Constituição Federal de 1988 A composição mista e paritária do Con-
que se encontram perspectiva de abertura de selho Nacional de Assistência Social assim como
novos espaços de participação da sociedade civil a natureza deliberativa de suas funções consti-
no âmbito do Estado e é a partir desse período tuíram um avanço democrático no campo das
que se tem a consolidação do Conselho da Assis- políticas sociais no país. Integrado por repre-
tência social, da Saúde, e da Defesa dos Direitos sentantes governamentais e da sociedade civil
da Criança e do Adolescente. – constituída por representantes das entidades
Embora as experiências de participação prestadoras de serviços assistenciais e de asses-
tenham se disseminado ao longo dos últimos soria, representantes dos usuários e represen-
anos, em várias regiões do país, estudos em- tantes dos trabalhadores da assistência Social -
píricos pontuam “um conjunto de desafios e compete ao CNAS as tarefas de aprovar a
limites em sua capacidade de promover altera- Política Nacional de Assistência Social, norma-
ções significativas em direção ao aprofun- tizar as ações de natureza pública (estatal e pri-
damento democrático” (Lüchmann, 2008, p. 2). vada), apreciar e aprovar a proposta orçamen-
Esse artigo não tem a pretensão de fazer tária, aprovar critérios de transferência de
um levantamento e/ou uma análise de todos os recursos para outras esferas de governo e acom-
conselhos existentes no país. Trata-se apenas de panhar e avaliar a gestão dos recursos e a quali-
pontuar alguns deles de modo a sustentar a hi- dade dos programas e projetos aprovados.
pótese de que os Conselhos Gestores de Polí- Além disso, aprovar e fiscalizar a execução dos
ticas Públicas, na forma em que foram conce- programas do FNAS, dar publicidade de suas
bidos (ou na sua concepção teórica) podem ser decisões, pareceres e das contas do fundo por
possíveis espaços de encontro para a copro- intermédio do Diário Oficial da União, além de
dução dos serviços públicos. Como destacam convocar, a cada quatro anos, a Conferência Na-
Abers e Keck (2008), embora os Conselhos Ges- cional de Assistência Social.
tores possam se diferenciar no que se refere à Para Gomes (2000, p. 24) o Conselho Na-
origem legal, à composição, às atribuições for- cional de Assistência Social, assim como os
mais e à influência nas decisões estatais, eles Conselhos estaduais e municipais são “instân-
“têm certa autoridade formal sobre normas, cias permanentes, sistemáticas, institucionais,
planos e, ocasionalmente, sobre o orçamento formais e criadas por lei com competências
nas suas áreas de atuação” (p.100). claras [...] são canais de participação social, ins-
A Lei Orgânica da Assistência Social titucionalmente reconhecidos, com competên-
(Loas), citada anteriormente, por exemplo, de- cias definidas no estatuto legal para realizar o
talha instâncias deliberativas que integram o controle social da gestão da política de Assis-
sistema descentralizado e participativo de assis- tência Social.”
tência social: o Conselho Nacional de Assis- Raquel Raichelis, em seu trabalho Esfera
tência Social, os Conselhos Estaduais, o Con- Pública e Conselhos de Assistência Social, in-
selho do Distrito Federal e os Conselhos daga sobre o significado desse espaço institu-
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cional e sobre a contribuição do Conselho de elaborar suas próprias leis que visem à criação
Assistência na conformação da esfera pública de Conselhos Municipais de Saúde
no âmbito de ação da política de assistência so- O Conselho da Criança e do Adolescente
cial. Com base na pesquisa realizada nos es- (COMANDA), por sua vez, foi criado pela Lei
paços do CNAS, a autora considera que os n°. 8.242, de 12 de outubro de 1991. O CO-
dados apontam a importância do Conselho MANDA é integrado por representantes do
para a participação da sociedade civil e para a Poder Executivo, assegurada a participação dos
democratização da gestão governamental das órgãos executores das políticas sociais básicas na
políticas sociais. Entre muitos aspectos arro- área de ação social, justiça, educação, saúde, eco-
lados pela autora, salientam-se os seguintes: as nomia, trabalho e previdência social e, em igual
possibilidades de descentralização da partici- número por representantes de entidades não go-
pação e das decisões, a oportunidade de a so- vernamentais de âmbito nacional de atendi-
ciedade civil organizada participar diretamente mento dos direitos da criança e do adolescente.
da discussão das políticas públicas e de am- Os Conselhos Municipais de Educação são
pliação da democracia, o exercício do controle criados por lei instituída por cada município.
social sobre a máquina do Estado e o acesso às Suas leis, assim como as que criaram os Conse-
informações para fazer avançar o processo or- lhos Estaduais de Educação frequentemente re-
ganizativo da sociedade civil. Além disso, o produzem o formato do Conselho Nacional de
CNAS contribui para facilitar o trânsito entre o Educação. Esse, por sua vez, foi criado com a
Executivo e a sociedade civil, para o avanço da nova LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
democracia participativa no acompanhamento, cação de 1996 (Gohn, 2000). Conforme a Consti-
fiscalização e controle, não só da política execu- tuição Federal de 1988 cabe ao município optar
tada pelas várias esferas de governo, mas prin- por sistemas de ensino próprio ou por integrar o
cipalmente da aplicação dos recursos (Rai- sistema estadual de educação (IBGE, 2009).
chelis, 2000, p. 179-180). As competências dos Conselhos Munici-
Outro conselho que se pode destacar é o pais de Educação correspondem, de maneira
Conselho da Saúde, que tem caráter perma- geral, à participação na formulação da política
nente e deliberativo e foi criado pela Lei n°. educacional do município; à diligência pelo
8.142, de 28 de dezembro de 1990. É composto cumprimento das leis e normas de ensino e
por representantes do governo, usuários e pres- orientação da ação educacional municipal.
tadores de serviços profissionais de saúde. Atua Além disso, deve manter relações interligadas
na formulação de estratégias e no controle da com instituições oficiais de educação e com o
execução da política de saúde na instância cor- setor privado educacional, e ainda acatar,
respondente, inclusive nos aspectos econômicos quando conveniente, a colaboração de toda a
e financeiros; tem, portanto, como principal ob- comunidade e de pessoas isoladamente (Matos,
jetivo discutir, elaborar e fiscalizar a política de 2007). Assim como nos outros Conselhos muni-
saúde em cada esfera do governo. As decisões cipais, a composição é paritária, ou seja, deve
são homologadas pelo chefe do poder legal- ter tanto representantes do governo, quanto da
mente constituído em cada esfera do governo. sociedade. Na área da educação, os Conselhos
Suas funções são: “formular estratégias para as são de natureza consultiva e, em alguns casos,
políticas públicas de saúde, discutir como gastar são deliberativos (Gohn, 2000).
melhor os recursos financeiros públicos, admi- Muitos estudos têm sido realizados em re-
nistrá-los para garantir mais benefícios à popu- lação aos Conselhos, mas poucos têm avaliado o
lação, em sinergia ou concorrência com o poder impacto dos mesmos na qualidade de vida da
federal, estadual ou municipal” (Santos, 2000, população ou na implementação de políticas
p.15). Além disso, o autor ressalta que os Conse- públicas. Para Cruz (2000), um importante as-
lhos devem ficar responsáveis por cuidar para pecto que deve ser analisado se refere à institu-
que o orçamento seja efetivado, visando resul- cionalização dos Conselhos. Sua grande maioria
tados para a população. Diante dessas dire- é criada por força de lei. Antes de ser criada a
trizes, cada município tem o dever e o direito de lei, acontece toda a discussão sobre a matéria,
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envolvendo a sociedade e o legislativo local. lhos têm sua composição conforme orienta a lei,
Como já houve ampla discussão antes da criação o que gera diversas irregularidades (Cruz,
da lei, fica difícil fazer alterações nos Conselhos 2000). A lei assegura que um Conselho Muni-
depois de criados. Diante disso, as entidades cipal deve ter paridade na representação, mas
que trabalham com os conselhos e conselheiros, isso não significa necessariamente 50% de um
como a Fundação Prefeito Faria Lima, deveriam lado e de outro. Conforme explica Raichelis
ampliar a orientação aos municípios sobre a (2000, p. 44) “paridade não se reduz a uma
forma de criação dos Conselhos e sobre as im- questão numérica, de metade-metade”. Para a
plicações de serem criados por meio de decretos autora “paridade implica correlação de forças,
e/ou portarias (Cruz, 2000). luta pela hegemonia, alianças que devem ser es-
Alguns Conselhos são constituídos para tabelecidas para consolidar um determinado
ser órgão de deliberação. Desse modo, depois projeto e uma determinada proposta de encami-
das devidas discussões, as decisões tomadas nhamento no âmbito dos Conselhos.”
pelos conselheiros deveriam ser seguidas. Entre- Observa-se ainda a existência do pro-
tanto, a realidade mostra que muitas vezes, o blema de disparidade de informações entre os
que se decide no Conselho acaba por não ter ca- conselheiros do Estado e os conselheiros re-
ráter deliberativo, uma vez que, chegando ao presentantes da sociedade. Esta assimetria é
executivo, o que foi decidido não é colocado em causada, entre outros motivos, pelo aparato
prática. Conforme explica Bonfim (2000), alguns burocrático disponível ao primeiro grupo.
conselhos deliberativos, criados por legislação, Por isso é preciso que haja organização da so-
têm deliberado, inclusive, sobre o montante de ciedade na representação dentro dos Conse-
recursos e o tipo de programa a ser executado. lhos Municipais.
Todavia, isso não garante que o governo execute Diante dessa constatação, percebe-se a
estas deliberações. A desconsideração por parte importância dos conselheiros representantes
dos governos em relação às deliberações dos da sociedade para a “construção de um espaço
Conselhos tem sido foco de muitas pesquisas. público onde os distintos atores sociais nego-
Abers e Keck (2008), retomando os estudos de ciam a partilha de recursos, de riquezas e as po-
Tatagiba (2002), Labra e Figueiredo (2002) e Paz líticas” (Bava, 2000, p.68). O autor chama a
(2003), destacam que, mesmo tendo a possibili- atenção não só para o fato de os representantes
dade de controlar os processos decisórios, “go- da sociedade civil terem baixa escolaridade e
vernos municipais frequentemente resistem a até mesmo pouca vivência em movimentos so-
conferir poder efetivo aos conselhos” (p.104). ciais, maspara a necessidade de que “haja por
Nesta questão, Frischeisen (2000) sugere trás deste representante um movimento orga-
que se pense no Ministério Público para asse- nizado, uma associação, uma confederação,
gurar a efetividade dos Conselhos. A autora uma articulação social que dê peso político à
lembra que o papel do Ministério Público é fis- sua participação” (Ibid., p. 68).
calizar os direitos que as leis asseguram. Nesse Nessa mesma direção, Raichelis (2000)
sentido, no que se refere aos Conselhos, o papel destaca que os conselheiros não repassam às en-
do Ministério Público é verificar se eles estão tidades que representam as discussões reali-
funcionando de forma legal. Pode-se dizer que zadas nas reuniões do Conselho. Desse modo, o
o conselho foi o modelo administrativo encon- que se constata é que os Conselhos também pre-
trado para garantir a inclusão no governo e cisam de controle social, isto é a sociedade pre-
tornar prática a participação prevista constitu- cisa, por meio de seus canais autônomos de
cionalmente (Lüchmann, 2002b). participação, exercer o controle sobre os Conse-
Outro fator relevante apontado na litera- lhos. Segundo Crantschaninov (2010), o fato de
tura e nos trabalhos empíricos relata a dispari- a representação acontecer no estrato social não é
dade existente entre os aspectos legais refe- garantia para uma dinâmica real de represen-
rentes aos conselhos e à prática desenvolvida tação, o que pode advir das próprias mazelas da
pelos mesmos bem como à composição e repre- instituição per si, como daqueles que realizam o
sentação dos Conselhos. Nem todos os Conse- jogo do poder.
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Na visão de Bonfim (2000), o problema sário pensar a legitimidade da representação da
está na falta de preparo dos conselheiros, uma sociedade civil de uma forma diferente, a saber,
vez que nos Conselhos Municipais não se tem baseada na representação por afinidade. O que
informação do que é ser conselheiro. “Para ser fornece a legitimidade da representação por afi-
conselheiro, a vivência política não é suficiente, nidade “é a legitimidade do representante entre
é preciso conhecer como funciona o Conselho e outros atores que atuam da mesma maneira que
a máquina pública” (p. 63). Diante dessa reali- ele” (p.458). Assim, Avritzer (2007) considera
dade, muitos conselheiros entram em conflito e que a legitimação se dá pela relação que o repre-
acabam desistindo da participação, o que passa sentado tem com o tema.
a gerar um rodízio de conselheiros. Outra Embora possam se constituir como instru-
questão a que esse mesmo autor faz referência é mentos de participação popular, muitos Conse-
quanto à vinculação do conselheiro com a co- lhos foram criados apenas como ferramenta que
munidade que o elegeu. É preciso haver uma garante o recebimento dos recursos de outras
relação próxima entre eles, pois os Conselhos esferas. Outros desafios e limites referem-se à
são o meio para alcançar determinada política e partilha do poder, à exigência de qualificação
não o fim em si. técnica e política dos conselheiros, à rotativi-
Sob esses aspectos, Abers e Keck (2008) dade da representação nesses espaços, à clareza
argumentam que a estrutura organizacional do papel da representação e ao compartilha-
dos conselhos limita a expansão da participação mento de projeto político participativo e demo-
direta dos cidadãos no processo de decisão pú- crático. Todavia, a literatura tem apontado que
blica e gera um grande desafio que se refere à mesmo apresentando limites os Conselhos têm
questão da legitimidade da representação, tanto sido um espaço de encontro entre o Estado e a
dos indivíduos apontados por associações da sociedade civil e podem ser considerados canais
sociedade civil como daqueles indicados pelo institucionalizados de participação social; uma
Estado, já que muitos representantes repre- forma de controle social no qual a sociedade
sentam interesses de grupos ou causas especí- pode participar e controlar os rumos das polí-
ficas ou são do mesmo partido político ou de ticas públicas sociais. Como advertem Abers e
organizações conveniadas com o governo. Keck (2008, p. 101), mesmo não correspondendo
Lüchmann (2007, p.166) considera que a ao previsto pelos modelos teóricos dominantes,
“qualidade e a legitimidade da representação os conselhos “são importantes como fontes de
vão depender do grau de articulação e organi- novas práticas e de novos procedimentos e
zação da sociedade civil, ou seja, da partici- constituem-se em arenas para o debate e a to-
pação”. Para a autora, os fóruns de discussão de mada de decisão”
políticas públicas e de definição e escolha dos De acordo com dados do Instituto Brasi-
representantes podem ser exemplos de espaços leiro de Geografia e Estatística – IBGE (2009) co-
públicos que promovem a conexão entre repre- letados com base na pesquisa de Informações
sentantes e representados. Básicas Municipais – MUNIC, 2009 que inves-
No campo da teoria política contempo- tigou 5565 municípios implantados no Brasil
rânea, diversos autores apontam os limites da em 2009, existem Conselhos em 19 áreas ou se-
forma como a representação tem se desenvol- tores de governo, a saber: Saúde; Educação; As-
vido nas atuais democracias. Avritzer (2007) sistência Social; Direitos da Criança e do Ado-
em seu trabalho intitulado “Sociedade civil, ins- lescente; Emprego/Trabalho; Turismo; Cultura;
tituições participativas e representação: da au- Habitação; Meio Ambiente; Transportes; Polí-
torização à legitimidade da ação” aborda três tica Urbana; Promoção do Desenvolvimento
tentativas de propor uma nova concepção de Econômico; Orçamento; Direitos Humanos; do
representação, a saber: “a virtual, feita por Idoso; da Juventude; de Direitos da Pessoa com
Houtzager, Gurza Lavalle e Castello; a de repre- Deficiência; de Igualdade Racial; de Lésbicas,
sentação além da dimensão eleitoral, feita por Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
Nadia Urbinati; e a discursiva, feita por John (LGBTT). Esse último existe em apenas quatro
Dryzek” (p.449). Para Avritzer (2007), é neces- municípios. Os resultados apresentados pela
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8. Luciana Francisco de Abreu Ronconi, Emiliana Debetir, Clenia De Mattia
pesquisa corroboraram a expectativa de uma composição paritária e o caráter não delibera-
grande disseminação dos Conselhos na gestão tivo estão presentes na maioria dos Conselhos
das políticas públicas municipais. A pesquisa em diversas áreas.
aponta que, em 2009, 98,3% dos municípios ti- Dessa forma, os Conselhos podem ser
nham Conselhos Tutelares e 91,4% tinham Con- considerados espaços, ainda em construção, de
selhos de Direitos da Criança e do Adolescente. atuação conjunta entre Estado e sociedade
Dez anos antes, os percentuais eram de 55,0% e civil, onde projetos políticos podem ser com-
71,9%, respectivamente. Em 2009, 3.135 municí- partilhados. Sob essa ótica, os Conselhos
pios brasileiros (56,3%) tinham Conselho Muni- podem ser um potencial espaço para a copro-
cipal de Meio Ambiente (CMMA). Foi a pri- dução do bem público.
meira vez em que mais da metade dos
municípios declararam a existência desse con- 3 A COPRODUÇÃO DO BEM PÚBLICO
selho. Entretanto, ainda era baixa a presença de
CMMA comparativamente a outros tipos de A coprodução do bem público é um con-
conselhos, como os de Assistência Social (99,3% ceito desenvolvido no final da década de 1970.
dos municípios), Saúde (97,3%), Direitos da Consiste no envolvimento de diversos seg-
Criança e do Adolescente (91,4%) e Educação mentos da comunidade na produção dos ser-
(79,1%), de acordo com dados do IBGE (2009). viços públicos, incluindo a participação direta
Cabe salientar que a pesquisa coletou pela pri- do cidadão, em conjunto com outros agentes
meira vez informações sobre estruturas organi- públicos e privados. Os seus componentes prin-
zacionais voltadas à temática de gênero. cipais são a descentralização, a desconcentração
Os Conselhos de Assistência Social, Tute- e a participação (Nadir Júnior, Salm, & Mene-
lares e de Saúde, mais presentes nos municípios gasso, 2007; Witt, 2007).
brasileiros, além de serem objeto de políticas pú- Segundo Witt (2007, p. 67), a definição de
blicas que devem ter caráter universal, fazem coprodução “baseia-se no reconhecimento da
parte das políticas setoriais, cuja descentralização importância da interação entre o Estado e a so-
para o nível de governo local é cada vez mais es- ciedade civil na ressignificação da esfera pú-
timulada pelo próprio governo federal e para as blica”. E completa afirmando que:
quais o repasse de recursos de outras esferas de
governo pressupõe a criação de Conselhos. A produção do bem público é algo que interessa
Os dados indicam que, embora os Conse- a todos dentro da população; e assumindo-se que
lhos Municipais, em sua maioria, estejam efeti- há, na sociedade, forças poderosas que podem
vamente funcionando, é significativo o percen- ser mobilizadas para esse objetivo, forças essas
que se localizam fora do aparato estatal, cumpre
tual de Conselhos que parecem estar constituídos então examinar um design alternativo para o
apenas para cumprir um dispositivo legal, não estado que permita a utilização de tais forças na
se caracterizando, assim, como espaço de diá- busca de um melhor atendimento das necessida-
logo e compartilhamento de poder entre socie- des dos seres humanos (p. 68).
dade e Estado
A pesquisa do IBGE (2009) conclui que A coprodução do bem público refere-se,
existe um movimento dos municípios em di- portanto, à produção de forma conjunta de certo
reção ao aprofundamento de democratização bem ou serviço que seja de interesse público.
da gestão de suas políticas públicas. Isso se re- Podem ser considerados atores dessa copro-
vela não apenas pela numerosa institucionali- dução o Estado, a sociedade e ainda o setor pri-
zação de Conselhos em áreas de governo onde vado. É a união desses atores, num trabalho de
são obrigatórios por lei, mas também pela sua confiança e ação conjunta, que possibilita que a
gradual, disseminação por outras áreas onde prestação do serviço público seja realizada de
não há obrigatoriedade de instituí-los. Outra forma eficiente e eficaz (Ronconi, 2008).
constatação se refere ao fato de que, mesmo não Nadir Júnior, Salm e Menegasso (2007, p.
havendo regulamentação no nível federal que 65) destacam que na coprodução os “governos
obrigue à paridade em todos os Conselhos, a locais assumem um papel de coordenação e li-
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9. Conselhos Gestores de Políticas Públicas: Potenciais Espaços para a Coprodução dos Serviços Públicos
derança, mobilizando atores governamentais e zido entre os agentes dos serviços e os consumi-
não governamentais, assim como diversos inte- dores é problemático.
resses e recursos para a produção do bem pú- A coprodução coletiva, por fim, é muito
blico”. Destacam, ainda, que a coprodução do semelhante à coprodução em grupo, com a
bem público possibilita a “mobilização de di- principal diferença de que as atividades re-
versas instâncias da sociedade em torno da so- sultam em bens coletivos, cujos benefícios
lução de um problema de interesse público, cujo podem ser apreciados tanto pela cidade quanto
enfrentamento ultrapassa a capacidade de ação pela coletividade. Neste caso, o grau de copro-
isolada do Estado”. dução é significativo, sendo que as ações podem
Brudney e England (1983, p. 63-64) de- estar baseadas em doações aos cofres públicos
fendem uma tipologia para a coprodução, ba- ou mediante o trabalho voluntário de cidadãos.
seada no modo de organização das pessoas. Os Nesse caso, existe a participação conjunta dos
autores identificam três níveis de envolvimento cidadãos com a administração pública.
nos processos de coprodução: individual, em Os mesmo autores ressaltam que a copro-
grupo e coletiva. dução é um conceito que diz respeito ao pro-
No nível individual, há duas formas de cesso de prestação de serviços públicos; prevê o
atividade coprodutora, a depender da natureza envolvimento direto dos cidadãos, junto com os
do serviço prestado: a primeira ocorre quando a agentes públicos, no desempenho e na entrega
pessoa é a beneficiária da ação, a exemplo da de serviços públicos de uma localidade. Con-
educação e do atendimento médico. A segunda siste numa estratégia que visa à participação ci-
consiste nos comportamentos que os cidadãos dadã na construção da democracia. Para Mars-
voluntariamente realizam para seu próprio con- chal (2004), trata-se de um processo no qual
sumo, como acionar alarmes de incêndio e in- cidadãos e governo compartilham da responsa-
formar policiais de falhas nos equipamentos de bilidade conjunta de produzir serviços públicos.
controle de tráfego. Embora estas atividades en- Cabe destacar a importância do papel do
volvam participação ativa dos cidadãos, sem cidadão nos processos de coprodução. Os cida-
organização e coordenação, os benefícios agre- dãos deixam de apenas executar as políticas pú-
gados para a cidade são mínimos. Segundo os blicas, e passam a fazer parte do processo de
autores, estas atividades são de tão baixo nível formulação, implementação e avaliação das
dentro do contexto mais amplo do significado e mesmas. Para Marschal (2004 como citado em
propósito da coprodução que é difícil distingui- Salm, Ribeiro & Menegasso, 2007), sem a parti-
-los da noção de dever cívico. cipação ativa do cidadão, a capacidade do go-
O segundo nível envolve a participação verno em prover bens e serviços públicos é se-
ativa de um grupo de cidadãos voluntários, po- veramente comprometida.
dendo requerer mecanismos de coordenação Nesse sentido a coprodução deve ser en-
formais entre os agentes oficiais e os grupos de tendida como ativo envolvimento do público
cidadãos. O exemplo mais apropriado é o das geral e, especialmente, daqueles que serão dire-
associações de bairro onde pessoas unem es- tamente beneficiados pelo serviço (Whitaker,
forços para melhorar a quantidade e/ou quali- 1980). Para o autor, os cidadãos podem e devem
dade dos serviços quem utilizam. exercer importante influência na política por
Embora potencialmente efetiva, os au- meio de sua participação na execução de pro-
tores apontam três limitações a esse tipo de co- gramas públicos, o que se dá mediante o ajusta-
produção. Primeiro, uma vez que os serviços mento das expectativas dos agentes públicos
produzidos se limitam ao nível de um grupo, os com a dos cidadãos.
benefícios podem ser incorporados apenas por A coprodução, na condição de estratégia
aqueles poucos seletos. Segundo, esses poucos para que os serviços públicos sejam produzidos
indivíduos que recebem os benefícios podem já de maneira eficiente e eficaz, mostra-se uma
gozar de uma melhor qualidade de vida em grande alternativa para responder aos anseios
comparação a outros subgrupos da cidade. Por da sociedade. Como destacado anteriormente,
fim, o grau de cooperação e coordenação produ- com base na Constituição Federal de 1988, tem-
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10. Luciana Francisco de Abreu Ronconi, Emiliana Debetir, Clenia De Mattia
-se no Brasil as diretrizes e orientações para que solicitar sua opinião, ou ainda uma simples par-
haja maior envolvimento da população no pro- ticipação no processo de tomada de decisão.
cesso de formulação, implementação e ava- Pressupõe, na verdade, a parceria entre a admi-
liação das políticas públicas. Um instrumento nistração pública, as organizações sociais e a
amparado em lei e que busca efetivar na prática população. Para a autora,
tais orientações são os Conselhos gestores de
políticas públicas ou Conselhos Municipais. a rede de coprodução do bem público pode ser
Diante das características dos Conselhos, prin- considerada uma rede política, na qual se busca
atender às necessidades e aos problemas de uma
cipalmente no que se refere à sua composição sociedade multicêntrica como mecanismo para
paritária, percebe-se que estes podem ser um fortalecer os relacionamentos entre diversos
grande instrumento para a prática da copro- atores, de forma a construir diferentes capa-
dução. Para Brudney & England (1983 como ci- cidades na comunidade para abordar as suas
tado em Menegasso & Medeiros, 2006), as ativi- necessidades críticas e propiciar uma melhoria
na eficiência e eficácia dos serviços públicos. Da
dades coprodutivas são aquelas que (1) mesma forma que o homem é constituído de
envolvem a participação ativa do cidadão na diferentes dimensões que não podem ser separa-
produção dos serviços públicos (e não uma par- das, as instituições em suas diferentes instâncias
ticipação passiva); (2) envolvem a cooperação podem (e deveriam) se articular em rede para
voluntária dos cidadãos (ao invés de obriga- coproduzir o bem público (p. 71).
tória) e (3) envolvem a produção de serviços pú-
blicos (e não destruição). Percebe-se aqui que o Witt (2007) destaca, no entanto, que nem
envolvimento da população dentro dos Conse- toda rede social é uma rede de coprodução de
lhos municipais expressa as características das bens públicos. Nesta, o Estado estabelece vín-
atividades coprodutivas. culos com a comunidade e realiza práticas vi-
A coprodução reafirma os valores da de- sando o bem comum e, com isso, “aumenta a
mocracia, da cidadania e do interesse público ao qualidade e a eficiência do bem e/ou serviço
colocar ênfase na participação ativa, ação con- público, pois a comunidade deixa de ser recep-
junta e inclusão dos cidadãos na comunidade tora para ser participativa” (p. 72). O Estado,
política; reconhece os excluídos como cidadãos portanto, é o elemento articulador e fomentador
e gera espaços públicos de participação e con- nas redes de coprodução, o que não acontece
trole social (Ronconi, 2010). necessariamente nas redes sociais.
Na coprodução desaparece a concepção Sob esses aspectos o Estado tem um papel
tradicional do Estado como núcleo exclusivo da fundamental na criação dos espaços de copro-
formulação e implementação das políticas pú- dução assim como para incrementar o capital
blicas; cidadãos passam a ser coprodutores e social. Ao criar espaços de participação da so-
parceiros, na perspectiva de compartilhamento ciedade na administração pública, investir na
de responsabilidades. Essa perspectiva não im- educação, fornecer bens públicos de qualidade
plica um Estado enxuto, mas um Estado que, e descentralizar o Estado de forma a permitir
sendo ativador das forças da sociedade civil, um fluxo mais rápido e eficiente de serviços, o
possibilita “a inclusão, na agenda das políticas Estado coopera para a revalorização do local.
públicas, dos interesses dominados, em um Coopera, ainda, para a promoção da democra-
processo simultâneo de transformação da insti- tização dos canais de participação, o controle
tucionalidade e construção de identidades cole- social da gestão pública e consequente incre-
tivas” (Fleury, 2006, p. 07). Assim, nos processos mento do capital social de uma determinada
de coprodução, o Estado não deixa de ser res- região (Ronconi, 2008).
ponsável último pela produção do bem público,
mas pode transferir ações para o setor privado, 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
ou agir em parceira com agentes sociais (Ron-
coni, 2010). Os Conselhos podem ser um espaço de
Segundo Witt (2007), a coprodução signi- experimento em que os processos sociais se de-
fica muito mais do que consultar a população, senvolvam por meio de uma ação negociada
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11. Conselhos Gestores de Políticas Públicas: Potenciais Espaços para a Coprodução dos Serviços Públicos
entre os diversos atores e por meio de uma re- “capital”), nem sociológico (como poderia su-
lação direta entre processo administrativo e gerir o termo “social”). É um conceito político,
participação social e política. Assim, nesse es- que tem a ver com os padrões de organização e
paço, as funções gerenciais, que se referem ao com os modos de regulação praticados por uma
planejamento, organização, direção e controle, sociedade (Franco, 1999). Do ponto de vista po-
seriam compartilhadas por todos os envolvidos lítico, o capital social tem a função de provocar
no processo de coprodução. os indivíduos a sair de sua preocupação exces-
Ao desenvolver um tipo de gestão com- siva com assuntos privados e envolver-se com
partilhada os Conselhos podem expressar pre- assuntos públicos.
dominantemente a dimensão substantiva da Capital social é um patrimônio político-
razão que tem como elementos característicos a -cultural que resulta da articulação política e so-
autorrealização – processo de concretização do cial de uma comunidade e a torna capaz de pro-
potencial inato do indivíduo, complementado mover o autodesenvolvimento sustentável ou o
pela satisfação; o entendimento – ações pelas bem comum para todos os seus membros. Essa
quais se estabelecem acordos e consensos racio- articulação se opera no interior de grupos e
nais mediados pela comunicação livre; o julga- redes, cujos integrantes se orientam pelas di-
mento ético – deliberação baseada em juízos de mensões que expressam sua natureza e eficácia
valor que se processa em debate racional; os va- (Politeia, 2006).
lores emancipatórios – valores de mudança e Nesse sentido, o conceito de coprodução,
aperfeiçoamento do social na direção do bem- assim como o de capital social são conceitos po-
-estar coletivo, da solidariedade, do respeito à líticos, pois permitem a articulação dos indiví-
individualidade, da liberdade e do comprome- duos, por meio de suas redes, em torno de seus
timento, presentes nos indivíduos e no contexto objetivos comuns.
normativo do grupo; a autenticidade – integri- Como destaca Baquero (2003), ao fazerem
dade, honestidade e franqueza dos indivíduos parte de associações, as pessoas desenvolvem
nas interações; e a autonomia – condição plena interações entre si, aumentam a possibilidade
para os indivíduos agirem e se expressarem li- de desenvolvimento de confiança recíproca
vremente nas interações (Serva, 1997). entre elas, aumentam sua capacidade de ação
Considera-se dessa forma que os Conse- coletiva e cooperação, e assim, têm seus obje-
lhos podem ser um espaço de encontro entre a tivos alcançados mais facilmente. Dessa forma,
sociedade e o Estado. Um espaço que manifesta ao serem membros de associações, as pessoas
a democracia, a flexibilidade, o envolvimento e a cultivam a tolerância e solidificam um civismo
comunicação entre os participantes. Um espaço público e, consequentemente, o fortalecimento
em que a coprodução pode se manifestar e con- da democracia; as associações proporcionam
tribuir para o incremento do capital social do um espaço para que as pessoas discutam a polí-
município. O capital social, compreendido como tica, estimulando a participação política. Pode-
a capacidade das pessoas trabalharem em con- -se considerar, assim, que a confiança se traduz
junto e se articularem em grupo e/ou organiza- em um componente básico do capital social e é
ções para o bem comum, pressupõe a copro- imperativo para o fortalecimento da demo-
dução dos serviços públicos. Baseadas, portanto, cracia. Nesse sentido, os Conselhos se colocam
no envolvimento dos indivíduos em atividades como espaços que possibilitam essa interação
coletivas é que as políticas públicas para o de- entre os indivíduos e a consequente produção
senvolvimento local, tanto na fase da formu- de novas práticas sociais.
lação quanto na da implementação, tornam-se Como bem destacam Dagnino et al. (2006),
mais eficientes. Desenvolvimento local pres- é inquestionável que a instituição da partici-
supõe, assim, a existência de redes de compro- pação da sociedade civil em condições paritá-
misso cívico, riqueza de tecido associativo e con- rias com a representação governamental nos
fiança entre os membros de uma comunidade. Conselhos tem representado, apesar de todos os
O conceito capital social não é um con- limites, uma transformação nos processos de
ceito econômico (como poderia sugerir o termo formulação, implementação e avaliação das po-
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12. Luciana Francisco de Abreu Ronconi, Emiliana Debetir, Clenia De Mattia
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