O Ministério Público moveu uma ação civil pública contra o município de Lontras e outras partes por fraude em concurso público. A juíza concedeu tutela antecipada suspendendo a nomeação de 4 candidatos até a conclusão do processo, diante das evidências de que as vagas estavam previamente reservadas para eles.
1. Autos n.° 054.12.005898-0
Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu: Martina Zucatelli e outros
VISTOS, PARA DECISÃO.
A representante do MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DE SANTA CATARINA, em exercício e com atribuições na
moralidade pública, ingressou com a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA por ato
de improbidade administrativa em face de MARTINA ZUCATELLI, JOÃO
MARIA DE LIZ ROSA, DANILO MORITZ, ALAN DENIS SILVEIRA SILVANO,
ALCIDES TOMAZ MARTINS, MARCOS ADRIANO HANG, LIRIO JORGE
MENDES, GLAUCO ROLAND KUHL, MICHELE KNAPPMANN LAEMMLE,
INTELECTUS – INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO LTDA., ADS –
ASSESSORIA PÚBLICA E EMPRESARIAL LTDA e CENTRAL DE
PESQUISAS E MARQUETING LTDA-ME, todos qualificados nos autos,
alegando como causa de pedir da tutela jurisdicional:
- que em 18 de fevereiro de 2012, antes da
realização das provas do concurso público do Município de Lontras, foi
informado ao Ministério Público que o concurso seria fraudado, com a
indicação de pessoas que estavam previamente aprovadas;
- que após a realização do certame, quase a
totalidade dos candidatos listados lograram êxito na aprovação e, instaurado o
inquérito civil público, foi constatada fraude no processo licitatório para
contratação Intelectus – Instituto de Desenvolvimento Ltda., com a participação
das duas outras empresas listadas na inicial – ADS e Central de Pesquisas e
Marqueting Ltda;
- que os sócios proprietários das empresas Danilo
Mortiz e Alana Denis Silveira Silvano, participaram ativamente da fraude, sendo
que a escolha da empresa que iria vencer o certame – Intelectus, foi realizada
pelo requerido João Maria de Liz Rosa, Secretário da Administração, seguindo
determinação da Prefeita Martina Zucatelli, ambos do Município de Lontras;
- que o direcionamento da licitação foi para facilitar a
aprovação de candidatos indicados pela Prefeita Martina Zucatelli, sendo que
inclusive a requerida Michele Knappmann Laemmle, que participou da
comissão de licitação para contratação da empresa vencedora, participou e foi
aprovada no concurso público;
2. - que o inquérito civil indica o favorecimento dos
candidatos Marcos Adriano Hang, Lirio Jorge Mendes, Glauco Roland Kuhl e
Michele Knappmann Laemmle, vez que os mesmos já detinham vínculo com o
Município;
- que os requeridos Glauco e Lirio inclusive exercem
as funções dos cargos de Secretário Municipal do Planejamento e da Fazenda,
respectivamente, além da requerida Michele que trabalha no gabinete da
Prefeita como diretora do Departamento e Gerente de Expedientes;
- que o requerido Marcos, que era técnico
administrativo, foi aprovado para o cargo de biólogo, não se sabendo o porquê
da necessidade de tal cargo no Município de Lontras que conta com apenas
10.244 habitantes;
- que a empresa Intelectus já restou condenada por
fraudar concurso no Município de Guabiruba.
Ao final, fez os requerimentos de estilo, entre os
quais de tutela antecipada para suspender a nomeação dos candidatos sobre
os quais existem suspeitas, valorou a causa e juntou documentos.
Vieram-me os autos conclusos.
É o breve relato.
Decido.
Antes de ingressar na análise do pedido de tutela
antecipada, é necessário mencionar que, como citou a Promotora de Justiça na
inicial, citando Hely Lopes Meirelles: " O concurso público é o meio técnico
posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade,
eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar
igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da
lei.."1
Desta forma, não é o simples fato de algum servidor
que exerce cargo comissionado no Município, seja qual for a hierarquia, ter
sido aprovado em concurso público, para que seja entendido como maculado
o certame, até porque, a princípio, deveria se esperar que os cargos de livre
nomeação fossem exercidos por pessoas extremamente capacitadas, não
apenas apadrinhados políticos e, por consequência, estes pela sua capacidade
seriam os que logicamente seriam os com mais chances de passar em
concursos públicos.
É verdade também que, no imaginário popular,
sempre que alguém que já está trabalhando num órgão público passa em
concurso público para aquele órgão, de imediato levantam-se suspeitas de
irregularidades, porém nem sempre as mesmas são verdadeiras e, quando não
são, causam um prejuízo irreparável ao candidato que, com muito esforço,
conseguiu obter êxito no concurso que realizava.
Não desconheço da fábrica de empresas
criminosas, verdadeiras máfias, que fraudam licitações e, especialmente,
concursos públicos, vendendo vagas com ou sem o conhecimento da
administração que as contratou e, igualmente tenho ciência que nem sempre é
fácil separar o joio do trigo, contudo essa missão é de todos: da administração,
na utilização da melhor forma de licitação, evitando o compadrio, o loteamento,
o abuso; dos candidatos, fiscalizando e denunciando, com seriedade, os atos
1
Autor citado. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. P.403-404.
3. irregulares para que o Ministério Público possa apurar os fatos; do Ministério
Público para que, com isenção e perspicácia possa apurar os fatos e reunir as
provas necessárias para afastar, inclusive da sociedade, esses marginais que
maculam os concursos públicos.
Feitas as observações necessárias, volto me ater a
prova dos autos.
Para concessão da tutela antecipada de mérito, nos
termos do artigo 273, caput, do CPC, deve ficar comprovado, desde logo, a
verosimilhança do direito postulado, através de prova inequívoca e prejuízo de
dano irreparável, o que, a meu sentir, não está comprovado nos autos,
contudo, entendo ser possível o deferimento da tutela cautelar prevista no § 7º,
do mesmo dispositivo legal pois, naquela, basta o fumus boni juris e o
periculum in mora.
A prova até aqui produzida, é lógico sem passar
pelo crivo do contraditório, conduz a presunção de que efetivamente o
processo licitatório foi fraudado, não se sabendo informar ainda se pelos
agentes públicos em concurso com as empresas convidadas à participar do
processo licitatório ou, apenas pelas últimas, que utilizando-se da troca de
favores, buscaram dar uma ar de legalidade onde este não existe.
De igual modo, o que até aportou nos autos, leva a
presunção de que, efetivamente, várias das vagas em disputa no certame
estavam previamente definidas, pois dos 16 nomes indicados na denúncia de
fls.3-5, somente 3 foram reprovados.
A coincidência é grande ou efetivamente as vagas
estavam reservadas para que os requeridos pudessem acessar aos cargos
públicos que concorriam e, consta entre os que estariam, antes mesmo do
concurso com suas vagas reservadas, os nomes dos requeridos Marcos
Adriano Hang, Lirio Jorge Mendes, Glauco Roland Kuhl, Michele Knappmann
Laemmle, o que indica a necessidade de suspensão dos atos de nomeação
dos requeridos até solução final da presente, é lógico, com a reserva de suas
vagas, pois se ao final, nada ficar comprovado, os mesmos poderão acessar o
cargo público para o qual foram aprovados.
Por derradeiro, não conceder a tutela liminar,
importaria na nomeação e exercício do cargo pelos requeridos e, se
comprovado ao final a fraude em concurso público, estaria se beneficando
aqueles que em conluio com a empresa que realizou o concurso, fraudou e
causou sérios prejuízos à administração pública, deixando dúvidas quanto à
forma democrática de acesso ao serviço público.
Diante do exposto, comprovado o fumus boni juris e
o periculum in mora DEFIRO o pedido de TUTELA ANTECIPADA, na forma
requerida no item "a" dos pedidos (fl.21), para em consequência,
DETERMINAR que o MUNICÍPIO DE LONTRAS SUSPENDA a nomeação dos
requeridos MARCOS ADRIANO HANG, LIRIO JORGE MENDES, GLAUCO
ROLAND KUHL e MICHELE KNAPPMANN LAEMMLE, RESERVANDO as
vagas enquanto tramitar a presente demanda.
Notifiquem-se os requeridos, por mandado os com
domicílio nesta Comarca e por carta precatória, os com domicílios em
Comarcas diversas, para, no prazo de 15 dias, querendo, ofereçam
manifestação (art. 17, § 7º, da Lei 8.429/92.
4. Após as manifestações, voltem para os fins do
previsto no § 8º, da Lei 8.429/92.
Rio do Sul (SC), 03 de julho de 2012.
Edison Zimmer
JUIZ DE DIREITO