O documento discute os elementos essenciais dos negócios jurídicos de acordo com o Código Civil brasileiro. Apresenta os requisitos da capacidade das partes, do objeto lícito e determinado, e da forma do negócio. Também aborda a interpretação dos negócios jurídicos segundo a boa-fé e os usos locais, e a representação por lei ou mandato.
1. NEGÓCIO JURÍDICO COMENTADO
ARTS. 104 A 120 DO CÓDIGO CIVIL
ART. 104. A v alidade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II — objeto lícito, possív el, determinado ou determináv el;
III — forma prescrita ou não defesa em lei.
Comentário
Elementos essenciais do ato negocial : Os elementos essenciais são imprescindív eis à existência e
v alidade do ato negocial, pois formam sua substância; podem ser gerais, se comuns à generalidade dos
negócios jurídicos, dizendo respeito à capacidade do agente, ao objeto lícito e possív el e ao consentimento
dos interessados; e particulares, peculiares a determinadas espécies por serem concernentes à sua forma e
prov a.
Capacidade do agente: Como todo ato negocial pressupõe uma declaração de vontade, a capacidade
do agente é indispensável à sua participação válida na seara jurídica. Tal capacidade poderá ser: a) geral,
ou seja, a de exercer direitos por si, logo o ato praticado pelo absolutamente incapaz sem a dev ida
representação será nulo (CC, art. 167 , I) e o realizado pelo relativ amente incapaz sem assistência será
anulável (CC, art. 171, I); b) especial, ou legitimação, requerida para a validade de certos negócios em dadas
circunstâncias (p. ex., pessoa casada é plenamente capaz, embora não tenha capacidade para v ender
imóv el sem autorização do outro consorte ou suprimento judicial desta (CC, arts. 1.649 e 1 .650), exceto se o
regime matrimonial de bens for o de separação.
Objeto lícito, possível, determinado ou determinável: O negócio jurídico v álido dev erá ter,
como diz Crome, em todas as partes que o constituírem, um conteúdo legalmente permitido Dev erá ser
lícito, ou seja, conforme a lei, não sendo contrário aos bons costumes, à ordem pública e à moral. Se tiver
objeto ilícito será nulo (CC Art. 166). E o que ocorrerá, p. ex., com a compra e venda de coisa roubada.
Dev erá ter ainda objeto possív el, física ou juridicamente.
Se o ato negocial contiver prestação impossível, como a de dar volta ao mundo em
uma hora ou de vender herança de pessoa viva (CC, art. 426), deverá ser declarado nulo
(CC arts. 104, II, e 166, II). Deverá ter objeto determinado ou, pelo menos, suscetível de
determinação, pelo gênero e quantidade, sob pena de nulidade absoluta (CC art. 166, lI).
Consent imento dos interessados: As partes deverão anuir, expressa ou tacitamente, para a formação
de uma relação jurídica sobre determinado objeto, sem que se apresentem quaisquer v ícios de
consentimento, como erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão, ou v ícios sociais, como simulação e
fraude contra credores.
Forma prescrita ou não defesa em lei: Às v ezes será imprescindív el seguir determinada forma de
manifestação de v ontade ao se praticar ato negocial dirigido à aquisição, ao resguardo, à modificação ou
extinção de relações jurídicas. O princípio geral é que a declaração de v ontade independe de forma especial
(CC, art. 107), sendo suficiente que se manifeste de modo a tornar conhecida a intentio do declarante,
dentro dos limites em que seus direitos podem ser exercidos. Apenas, excepcionalmente, a lei vem a exigir
determinada forma, cuja inobserv ância inv alidará o negócio.
Art . 105. A incapacidade relativ a de uma das partes não pode ser inv ocada pela outra em beneficio
próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, for indiv isív el o objeto do direito
ou da obrigação comum.
Comentário
Incapacidade relativa como exceção pessoal: Por ser a incapacidade relativa uma exceção pessoal,
ela somente poderá ser formulada pelo próprio incapaz ou pelo seu representante. Como a anulabilidade
do ato negocial praticado por relativamente incapaz é um beneficio legal para a defesa de seu patrimônio
contra abusos de outrem, apenas o próprio incapaz ou seu representante legal o dev erá invocar. Assim,
se num negócio um dos contratantes for capaz e o outro incapaz, aquele não poderá alegar a incapacidade
deste em seu próprio proveito, porque devia ter procurado saber com quem contratava e porque se trata de
proteção legal oferecida ao relativamente incapaz. Se o contratante for absolutamente incapaz, o ato por ele
praticado será nulo (CC, art. 166, 1), pouco importando que a incapacidade tenha sido invocada pelo capaz
ou pelo incapaz, tendo em vista que o Código Civ il, pelo art. 1 68, parágrafo único, não possibilita ao
magistrado suprir essa nulidade, nem mesmo se os contratantes o solicitarem, impondo-se-lhe até mesmo
o dev er de declará-la de ofício.
Invocação da incapacidade de uma das partes ante a indivisibilidade da objeto do direito ou
da obrigação comum: Se o objeto do direito ou da obr igação comum for indiv isív el, ante a
impossibilidade de separar o interesse dos contratantes, a incapacidade de um deles poderá tornar
anulável o ato negocial praticado, mesmo que inv ocada pelo capaz, aprov eitando aos cointeressados
2. capazes, que porventura houver. Logo, nesta hipótese, o capaz que veio a contratar com relativ amente
incapaz estará autorizado legalmente a inv ocar em seu fav or a incapacidade relativ a deste, desde que
indiv isív el a prestação, objeto do direito ou da obrigação comum.
Art . 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativ a, ou se cessar
antes de realizada a condição a que ele estiv er subordinado.
Comentário
Impossibilidade relativa do objeto: Se a impossibilidade do objeto for relativa, isto é, se a prestação
puder ser realizada por outrem, embora não o seja pelo dev edor, não inv alida o negócio jurídico.
Cessação da impossibilidade do objeto negocial antes do implemento da condição: Se o
negócio jurídico contendo objeto impossível, tiver sua eficácia subordinada a um evento futuro e incerto, e
aquela impossibilidade cessar antes de realizada aquela condição v álida será a av ença.
Art . 107. A v alidade da declaração de v ontade não dependera de forma especial, senão quando a lei
expressamente a exigir.
Comentário
Forma livre: Nosso Código Civil inspira-se no princípio da forma livre, o que quer dizer que a validade
da declaração da vontade só dependerá de forma determinada quando a norma jurídica explicitamente o
exigir. A forma livre é qualquer meio de exteriozação da v ontade nos negócios jurídicos, desde que não
prev isto em norma jurídica como obrigatório: palavra escrita ou falada, gestos, e até mesmo o silêncio.
Por exemplo, a doação de bens móveis de pequeno v alor (CC, art. 541 , parágrafo único).
Art . 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos
que v isem à constituição,transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóv eis de v alor
superior a trinta v ezes maior salário mínimo v igente no País.
Comentário
Forma única: É aquela que, por lei, não pode ser pretenda por outra. Assim, para um negócio jurídico
que v ise constituir, transferir , modificar ou renunciar direitos reais sobre imóveis de v alor superior a trinta
v ezes o maior salário mínimo vigente no Pais, exige-se que ele se efetive mediante escritura pública, sob
pena de invalidade, desde que inscrita em registro competente para dar -lhe publicidade e oponibilidade
contra terceiro.Ocorre forma única em que a lei exige a escritura pública sob pena de invalidade. A exceção
aos imóv eis de v alor inferior a trinta v ezes o salário mínimo v igente no país.
ART. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da
substância do ato.
Comentário
Trata-se de forma contratual, isto é, a convencionada pelas partes. A emissão da vontade é dotada de poder
criador; assim sendo, se houver cláusula negocial estipulando a invalidade do negócio jurídico, se ele não
se fizer por meio de escritura pública, esta passará a ser de sua substância. Logo, tal declaração de v ontade
somente terá eficácia jurídica se o ato negocial revestir a forma prescrita contratualmente. Com efeito,
assev era Mar ia Helena Diniz qu e “ o Código Civ il estabelece qu e os contr aentes num contrato podem
determinar, mediante uma cláusula, o instrumento público para a validade do negócio jurídico desde que
não haja imposição legal quando à forma daquele contrato.
ART. 110. A manifestação de v ontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserv a mental de não
querer o que manifestou, salv o se dela o destinatário tinha conhecimento.
Comentário
Reserva mental lícita: A reserva mental é a emissão de uma intencional declaração não querida em seu
conteúdo, nem tampouco em seu resultado, pois o declarante tem por único objetiv o enganar o
declaratário. Logo, se conhecida da outra parte, não toma nula a declaração da vontade, pois esta inexiste,
e, consequentemente, não se forma qualquer ato negocial, uma vez que não havia intentio de criar direito,
mas apenas de iludir o declaratário. Se for desconhecida pelo destinatário, subsiste o ato.
Reserva mental ilícita conhecida do declaratário: Se, além de enganar, houv er intenção de
prejudicar, ter -se-á v ício social similar à simulação, ensejando nulidade do ato negocial. É preciso
esclarecer que o conhecimento da reserva mental que acarreta a inv alidade do negócio somente pode ser
admissível até o momento da consumação do ato negocial, pois se o declaratário comunicar ao reservante,
antes da efetivação do negócio, que conhece a reserva, não haverá esta figura, que tem por escopo enganar
o declaratário.
ART. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de v ontade expressa.
Comentário
Silêncio como fato gerador de negócio jurídico: O silêncio pode dar origem a um negócio
jurídico,v isto que indica consentimento, sendo hábil para produzir efeitos jurídicos, quando certas
circunstâncias ou os usos o autorizarem, não sendo necessária a manifestação expressa da v ontade. Caso
contrário, o silêncio não terá força de declaração volitiva. Se assim é, o órgão judicante deverá averiguar se
3. o silêncio tr aduz, ou não, v ontade. Logo, a parêmia “ qu em cala consente” não tem ju r idicidade. O puro
silêncio apenas terá valor jurídico se a lei à determinar, ou se acompanhado de certas circunstâncias ou de
usos e costumes do lugar, indicativos da possibilidade de manifestação da v ontade, e desde que não seja
imprescindív el a forma expressa para a efetiv ação negocial.
ART. 112. Nas declarações de v ontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao
sentido literal da linguagem.
Comentário
Interpretação declaratória do negócio jurídico: A interpretação do ato negocial situa-se na seara
do conteúdo da declaração v olitiva, pois o intérprete do sentido negocial não deve ater -se, unicamente, à
exegese do negócio jurídico, ou seja, ao exame gramatical de seus termos, mas sim em fixar a v ontade,
procurando suas consequências jurídicas, indagando sua intenção, sem se v incular, estritamente, ao teor
linguístico do ato negocial. Caberá, então, ao intérprete investigar qual a real intenção dos contratantes,
pois sua declaração apenas terá significação quando lhes traduzir a v ontade realmente existente. O que
importa é a vontade real e não a declarada; daí a importância de desvendar a intenção consubstanciada na
declaração.
Art . 113. Os negócios jurídicos dev em ser interpretados conforme a boa -fé e os usos do lugar de sua
celebração.
Comentário
Interpretação baseada na boa-fé e nos usos do local de sua celebração: O princípio da boa-fé
está intimamente ligado não só à interpretação do negócio jurídico, pois segundo ele o sentido literal da
linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção infer ida da declaração da v ontade das partes, mas
também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma v ez que as partes dev em agir com
lealdade e também de conformidade com os usos do local em que o ato negocial foi por elas celebrado.
ART. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.
Comentário
Interpretação restritiva de negócio jurídico beneficio e de renúncia: Os negócios jurídicos
benéficos e a renúncia deverão ser interpretados restritivamente, isto é, o juiz não poderá dar a esses atos
negociais interpretação ampliativ a, dev endo limitar -se, unicamente, aos contornos traçados pelos
contraentes, v edada a interpretação com dados alheios ao seu texto.
Da Representação
ART. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.
Comentário
Conceito de representação: A representação é a relação jurídica pela qual certa pessoa se obriga
diretamente perante terceiro, por meio de ato praticado em seu nome por um representante, cujos poderes
são conferidos por lei ou por mandato.
Representante legal: O representante legal é aquele a quem a norma jurídica confere poderes para
administrar bens alheios, como o pai, ou mãe, em relação a filho menor (CC, arts. 115, P pane, 1 .634, V, e
1 .690), tutor, quanto ao pupilo (CC, art. 1.747,1) e curador, no que concerne ao curatelado (CC, art 1.774). A
representação legal serv e aos interesses do incapaz.
Representante convencional ou voluntário: O representante conv encionado é o munido de
mandato expresso ou tácito, v erbal ou escrito, do representante, como o procurador, no contrato de
m andato (CC, ar ts. 1 1 5, 2 ’ par te, 6 53 a 6 9 2 e 1 2 0, 2 a par te).
Art . 116. A Manifestação de v ontade pelo representante, nos limites de seus poderes , produz efeitos em
relação ao representado.
Comentário
Efeitos da representação ; A manifestação da vontade pelo representante ao efetiv ar um negócio em
nome do representado, nos limites dos poderes que lhe foram conferidos, produz efeitos jurídicos
relativamente ao representado, que adquirirá os direitos dele decorrentes ou assumirá as obrigações que
dele adv ierem. Logo, uma v ez realizado o negócio pelo representante, os direitos serão adquiridos pelo
representado, incorporando-se em seu patrimônio ; igualmente os dev eres contraídos em nome do
representado dev em ser por ele cumpridos , e por eles responde o seu acerv o patrimonial.
Art . 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anuláv el o negócio que o representante, no seu
interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele
em quem os poderes houv erem sido subestabelecidos.
4. Comentário
Anulabilidade de negócio jurídico celebrado consigo mesmo: Se o representante vier a efetiv ar
negócio jurídico consigo mesmo no seu interesse ou por conta de outrem anuláv el será tal ato, exceto se
houv er permissão legal ou autorização do representado.
Consequência jurídica do substabelecimento: Se, em caso de representação v oluntária, houv e
substabelecimento de poderes, o ato praticado pelo substabelecido reputar-se-á como tendo sido celebrado
pelo substabelecente, pois não houve transmissão do poder, mas mera outorga do poder de representação.
É preciso esclarecer que o poder de representação legal é insuscetív el de substabelecimento. Os pais, os
tutores ou os curadores não podem substabelecer os poderes que têm em v irtude de lei.
Art . 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a
sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes
excederem.
Comentário
Necessidade de comprovação da qualidade de representante e da extensão dos poderes
outorgados: Como os negócios jurídicos realizados pelo representante são assumidos pelo representado,
aquele terá o dever de provar àqueles, com quem v ier a tratar em nome do representado, não só a sua
qualidade, mas também a extensão dos poderes que lhe foram conferidos, sob pena de, não o fazendo, ser
responsabilizado civ ilmente pelos atos que excederem àqueles poderes.
Art . 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado,
se tal fato era ou dev ia ser do conhecimento de quem com aquele tratou.
Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da
incapacidade, o prazo de decadência para pleitear -se a anulação prev ista neste artigo.
Comentário
Conflito de interesses existente entre representante e representado: Se, porv entura, o
representante concluir negócio jurídico, havendo conflito de interesses com o representado, com pessoa
que dev ia ter conhecimento desse fato, aquele ato negocia! dev erá ser declarado anuláv el.
Prazo decadencial para anulação de ato efetuado por representante em conflito de
interesses com o representado: Pode-se pleitear anulação do negócio celebrado com terceiro, pelo
representante em conflito de interesses com o representado, dentro de cento e oitenta dias, contados da
conclusão do negócio jurídico ou da cessação da incapacidade do representado.
Papel do curador especial: Hav endo conflito de interesses entre representado e representante, os atos
negociais dev erão, para ser v álidos, ser celebrados por curador especial.
Art . 120. Os requisitas e os efeitos da representação legal são os estabelecidos nas narinas respectiv as; os
da representação v oluntária são os da Parte Especial deste Código.
Comentário
Normas disciplinadoras dos efeitos e dos requisitos da representação: Os requisitos e os
efeitos da representação legal regem-se pelos arts. 1.634, V, 1.690, 1.747,1, e 1 .7 7 4 do Código Civ il e os da
representação v oluntária pelos arts. 653 a 692 do Código Civ il, alusiv os ao contrato de mandato.