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NOTA PRÉVIA


O livro A Lua de Joana contou, desde a primeira hora, com uma entusiástica adesão por parte das mais
variadas pessoas e instituições (entre elas, inúmeros estabelecimentos de ensino, o Instituto Camões e o
Instituto Português do Livro e das Bibliotecas) a quem, naturalmente, estarei para sempre muito grata.
A Editorial Verbo não se poupou a esforços para divulgar a referida obra e fê-lo com um empenho que eu
não poderia deixar de salientar. Mas muito me surpreende verificar que tantas pessoas fora do meio edito-
rial se têm também interessado por este livro, ao ponto de colaborarem directamente na sua promoção.
Pelo importante contributo que, tão generosamente, quiseram dar, não posso deixar de destacar a Excelen-
tíssima Senhora Doutora Manuela Eanes, dedicada Presidente do IAC — Instituto de Apoio à Criança, e o
Senhor Padre Vítor Feytor Pinto, que, na altura do lançamento do livro, assumia, entre outras, as funções
de Alto Comissário para o Projecto Vida e se dispôs a redigir o texto para a contracapa.
Depois, veio ainda a inestimável colaboração de outras pessoas cujo papel na sociedade portuguesa é
indiscutivelmente relevante, como é o caso de vários profissionais da Comunicação Social, entre os quais
seria injusto não salientar o Senhor Dr. Carlos Pinto Coelho, responsável pelo programa cultural «Acon-
tece», no qual, entre outras formas de divulgação, foi exibido um vídeo promocional de A Lua de Joana.
Naturalmente, estou também muito grata aos livreiros portugueses, pelo destaque que quiseram dar a este
livro e pela sua presença em várias feiras do livro nas escolas, de Norte a Sul do País.
Muitos têm sido os bibliotecários portugueses que me convidam a participar em encontros com grupos de
jovens nas bibliotecas municipais, actividades que são, evidentemente, um estímulo para mim e uma
oportunidade de reflexão e diálogo, em espaços privilegiados, onde o livro é sujeito e objecto.
O facto de A Lua de Joana ter suscitado o interesse de editoras estrangeiras constituiu outra agradável
surpresa para mim, tanto mais que não podia esperar ver um livro da minha autoria publicado em países
como a Albânia, a Bulgária ou... a China! Muito grata estou, especialmente, às senhoras tradutoras, Pro-
fessora Doutora Margaritta Drenska (Bulgária) e Doutora Iliriana Agallia (Albânia), pelo seu empenho,
que tanto me sensibilizou.
Devo, igualmente, uma palavra de reconhecimento aos autores de manuais de Língua Portuguesa que qui-
seram incluir nos seus livros excertos de A Lua de Joana, seguidos de interessantes propostas de activi-
dades pedagógicas a desenvolver nas aulas.
Por último, mas com toda a consideração e muita emoção, devo agradecer publicamente a todos os pro-
fessores das escolas portuguesas (públicas e particulares) que viram neste livro um ponto de partida para
reflexões com os alunos, bem como para outro tipo de actividades — plenas de criatividade! — que tive o
prazer de conhecer nos encontros que, semanalmente, tenho com alunos e professores dos ensinos básico
e secundário. Foi, justamente, nas visitas às escolas que nasceu em mim a vontade de escrever a peça de
teatro Os Herdeiros da Lua de Joana, dado que tantos têm sido os grupos de alunos e professores que
levaram aos palcos das escolas dramatizações inspiradas no livro A Lua de Joana. Muitas dessas drama-
tizações deixaram-me profundamente sensibilizada e, sem desprimor para as restantes escolas (e são tan-
tas!), gostaria de evidenciar aqui o meu enorme apreço pela peça levada à cena pêlos alunos da Escola Se-
cundária Infanta D. Maria, de Coimbra, cidade onde nasci.
Assim, foi com o maior prazer que resolvi aventurar-me pelo texto dramático, procurando retomar as per-
sonagens de A Lua de Joana, no momento do seu luto pela perda irreparável que sofreram. Pareceu-me
interessante confrontá-las entre si e levá-las a transmitir uma mensagem que se me afigura cada vez mais
importante.
Espero, sinceramente, não decepcionar os leitores de A Lua de Joana, a quem tanto devo — são eles tam-
bém os «Herdeiros da Lua de Joana»! Gostaria que esta peça servisse como instrumento sobretudo para a
actividade de expressão dramática nas escolas, bem como para bons momentos de convívio entre todos
aqueles (e, segundo tenho visto, são muitos!) que gostam de teatro. E... da Joana!


                                                                                               A Autora
«Altas marés no tumulto me ressoam
E paredes de silêncio me reflectem
(…)»


Sophia de Mello Breyner Andresen,
Obra Poética III
PERSONAGENS


DR. BRITO, pai de Joana
BE, mãe de Joana
JORGE BRITO, irmão de Joana
DIOGO, irmão de Marta
ALICE, mãe de Marta
DR. GOMES, psicólogo
JOÃO PEDRO, colega e amigo de Joana
LUÍS, colega e amigo de Joana
PROFESSORA MARGARIDA, directora de turma de Joana
ALUNA DO SECUNDÁRIO




GUARDA-ROUPA
Vestem-se de luto carregado as seguintes personagens:
Pai, Mãe e Irmão de Joana; Mãe e Irmão de Marta;


Vestem-se de cinzento as restantes personagens, excepto a aluna do Secundário, que veste uma túnica
comprida preta (do lado esquerdo, onde deverá ser cosida uma meia-lua branca) e branca (do lado direito)
e usa um sapato preto (o esquerdo) e outro branco.




CENÁRIO
A - Sala da casa de Joana


Vê-se, em primeiro plano, no chão, do lado esquerdo do palco, um baloiço em forma de lua, preso a uma
corrente metálica e comprida. Constituem outros elementos deste espaço cénico: um sofá e dois cadei-
rões; uma mesa pequena, na qual se encontra, do lado esquerdo, uma jarra com uma flor branca; sob a
mesa, há um tapete de cor lisa e escura.


B - Consultório do Psicólogo
Um cadeirão (para o psicólogo) atrás de uma mesa de trabalho, onde se encontra um pequeno candeeiro,
alguns livros empilhados, um cinzeiro e um pequeno vaso com uma planta verde; três cadeirões.
ACTO I
                                                  CENA l


                                   CENÁRIO A -   Sala da casa de Joana


A sala está parcamente iluminada, incidindo um foco de luz branca sobre a flor e outro sobre o baloiço
em forma de meia-lua.


DR. BRITO
(Entra cabisbaixo, senta-se no sofá, trazendo na mão as cartas de Joana, e começa a reler a última, pau-
sadamente.)


«... Não está ninguém em casa...» (Faz uma pausa breve, olhando em seu redor.) «Acho que vou telefo-
nar a alguém. Talvez à Rita. O Lucas é óptima companhia, mas não fala...» (Paz nova pausa e sorri tris-
temente.) «Pode ser que, dentro de alguns anos, com o avanço da tecnologia, dêem voz humana aos cães.
E toda a gente ficará menos só.» (Pausa) «Um beijo da tua amiga Joana.» (Tira um lenço de assoar do
bolso das calças e limpa os olhos; volta a pegar na carta e relê.) «Não está ninguém em casa...» (Olha
novamente em redor e, abanando a cabeça em jeito de negação, repete, em voz mais alta, dirigindo-se ao
público.) Não está ninguém em casa!... (Levanta-se, sempre com as canas na mão, e dirige--se para o
baloiço em forma de lua; baixa-se e permanece acocorado por algum tempo, a olhar a lua; depois, aca-
ricia o baloiço. Levanta-se devagar e volta a olharem redor, antes de repetir, abanando a cabeça) Não
está ninguém em casa...




                                                 CENA 2
BE
(Entrando na sala e vendo o marido de pé, com papéis na mão, franze o sobrolho e senta-se no cadeirão
mais afastado do sofá.)


Voltaste a ir buscar as... cartas... (Eleva o tom de voz.) Para quê? Para quê?! Não as saberás ainda de cor?!
(Abana a cabeça, em jeito de reprovação.)
DR. BRITO
(Agarrando as cartas contra o peito, senta-se no sofá.) Não percebes, Be? Será que não percebes?! Estas
cartas são tudo quanto nos resta da Joana... São a única coisa a que posso agarrar-me para tentar com-
preender... Para tentar...
BE
(Irritada) Para tentares o quê?! Não vês que não há nada mais a tentar; nada mais a fazer?!
DR. BRITO
(Em tom solene) Enganas-te, Be. Enganas-te redondamente.
BE
(Em tom de ironia) Como sempre... Mas explica lá, para ver se eu entendo, já que nunca compreendo
nada...
DR. BRITO
Ora, Be! Tu não queres compreender! (Com vos: desolada) Tu preferes esquecer...
BE
(Indignada) Esquecer?! Esquecer?! Como é que eu me posso esquecer?! Como?!, se Cu não falas de outra
coisa, não pensas noutra coisa?! Achas que é da nossa filha que quero esquecer-me, achas?! É isso que
pensas de mim?!
DR. BRITO
(Atabalhoadamente) Não, Be! Não é isso...
BE
(Em tom muito amargo) O que eu quero, o que eu preciso é de me esquecer do horror, da aflição por que
passámos! Esquecer o túmulo em que esta casa se tornou! (Olhando para o baloiço, levanta-se, aproxi-
ma-se dele e aponta-o com a mão.) O que faz isto aqui na sala?! Que disparate! Quem trouxe isto para
aqui?
DR. BRITO
(Timidamente) Não fui eu... Também me surpreendi ao dar com o... baloiço que estava no quarto dela...
Não fui eu, Be.
BE
(Voltando a sentar-se no mesmo lugar) Então, quem foi?




                                               CENA 3


JORGE
(Entrando na sala com cara de enfado) Já não se pode estar sossegado, nesta casa?! 'Tão aos gritos outra
vez... Tss... Que paranóia...
BE
(Virando-se para o filho) É que alguém teve a ideia absurda de trazer para aqui aquilo (Aponta o baloiço
com o indicador espetado.) Deve ter sido a Clementina, que tem sempre ideias disparatadas...
JORGE
(Sentando-se no cadeirão vazio) Não, não foi a Clementina, mãe. A desgraçada 'tá sempre a levar com as
culpas em cima... Tss...
BE
(Indignada) Não me digas que foste tu, Jorginho!
JORGE
(Descontraidamente) Fui. Fui eu mesmo.
DR. BRITO
(Com bons modos) E o que foi que te fez trazer para o meio da nossa sala a lua da Joana, filho?
BE
Diz lá! Não faz sentido nenhum, Jorge!
JORGE
(Elevando o tom de voz) O que não faz sentido nenhum é essa lua ou esse baloiço ou lá o que é essa cena
continuar à porta do quarto que era da Joana, fogo! De cada vez que entro ou saio do meu quarto, tenho
de gramar com essa cena! 'Tou farto.
BE
(Amuada) Não posso ser sempre eu a fazer tudo, nesta casa! Fui eu que tive de entrar no quarto dela; fui
eu que tive de meter tudo em sacos; fui eu que tive de dar destino às coisas dela; fui eu que arrumei tudo...
Faltou-me a lua, pronto! Não sabia o que fazer daquilo, se querem saber. Pensei que haveria de ter uma
ideia, uma solução, sei lá...
JORGE
(Com ironia) E achaste que a solução era pores a lua à porta do quarto, no corredor... Fixe, mãe! A tua
imaginação não pára de me surpreender... Julgava que até sabias umas tretas sobre decoração, passas a
vida a ler revistas de gente beta... Só que te esqueceste de um pormenor: eu não tenho de gramar com
essa lua de cada vez que passo no corredor, okay?
DR. BRITO
(Virando-se para a mulher) E então? O que é que se faz com esta lua?
BE
(Irritada) Sei lá! Se soubesse, já lhe teria dado um destino, não acham?! Francamente!
JORGE
(Virando-se para a mãe) Não foste tu que mandaste fazer essa cena para a Joana, quando ela fez anos?
BE
(Virando-se para o filho) Fui. Foi ela que me pediu, sei lá bem porquê... Enfim, ideias da tua irmã...
Aliás, foi ela que fez o desenho para eu levar ao marceneiro. Foi ela que quis! E insistiu, que eu lembro-
me perfeitamente! Eu bem lhe disse que era uma ideia sem pés nem cabeça, mas sabes como a tua irmã
era... Teimosa!...
JORGE
(Encolhendo os ombros) Foste tu que mandaste fazer aquela cena; agora, vê-te livre dela! O problema é
teu. (Virando-se para o pai, em quando se levanta para sair) O problema é vosso.
(Saem Jorge e o pai.)
CENA 4
BE
(Sozinha na sala, levanta-se devagar e ajeita o cabelo com a mão. Depois, lentamente, aproxima-se do
baloiço em forma de lua e fica a observá-lo por uns segundos. Virando-se para o público) Que hei-de
fazer com esta lua?!...




                                                 ACTO II
                                                  CENA l


                                 CENÁRIO B —    Consultório do Psicólogo


(O psicólogo, Dr. Gomes, está sentado à mesa, onde se vê o candeeiro aceso. Um f oco de luz incide
sobre o cadeirão onde está sentado Jorge.)
JORGE
(Levanta-se, nervoso, dá uns passos e volta a sentar-se, roendo as unhas.) Aquela casa 'tá a pôr-me
maluco, doutor Gomes! (Com ironia) Mais ainda do que já era...
DR. GOMES
(Acenando afirmativamente com a cabeça) Já é a terceira vez que dizes isso, hoje... Seria bom avançar-
mos, Jorge. Precisamos de fazer progressos, lembras--te?
JORGE
(Sorrindo ironicamente) Progressos, pois... Progressos... Para si, que é psicólogo e não faz parte da minha
família, se é que se lhe pode chamar família..., é fácil falar de progressos! É que não dá, percebe?
DR. GOMES
(Em tom paciente) O que é que não dá, Jorge?
JORGE
(Elevando um pouco o tom de voz) Na minha família não há progressos; só retrocessos! (A beira do
desespero) 'Tá tudo a andar pra trás! Tudo a andar pra trás...
DR. GOMES
Explica-te melhor.
JORGE
(Encolhendo os ombros) Não adianta.
DR. GOMES
(Com alguma autoridade na voz) Faz um esforço!
JORGE
(Nervoso, passa as mãos pela cabeleira.) Por que razão é que hei-de ser eu a fazer um esforço, hein?! Pra
variar, seria bom pedir um esforço aos meus pais! Eles é que pararam no tempo! Desistiram de tudo... Já
não são os meus pais, são zombies... (Elevando o tom de voz) Zombies, percebe?!
DR. GOMES
(Franzindo o sobrolho) Porque é que dizes que eles desistiram de tudo, Jorge?
JORGE
(Indignado) Porquê?! Porque é a verdade. (Elevando o tom de voz) A verdade! Não é disso que se trata?
Não me pediu que dissesse a verdade? Pois aí a tem, a verdade nua e crua. Não gosta, paciência. Não pos-
so fazer nada... (Com ironia) A não ser que me queira receitar umas pastilhas para ver tudo de outra
maneira, tudo cor-de-rosa; cor-de-rosa não, que não é o meu género; pra ver tudo menos... negro. E isso!
Arranje-me aí uns comprimidos fixes! Pode ser, quem sabe?, que possa voltar a ver o mundo às cores...
E que, pra ser sincero, há muito tempo que não vejo uma cor na minha casa, na minha vida... (Pausa bre-
ve) Lembro-me de que, quando éramos pequenos, a Joana e eu íamos à janela ver o arco-íris, nos dias cin-
zentos... (Sorri tristemente) A Joana... era tão apanhada, a minha irmã... A Joana dizia que o arco-íris nas-
cia sempre no quarto da avó Ju e que era dali que crescia e se estendia até ao outro lado do mundo... E
dizia que a avó era a fada das cores; que era ela quem as tinha inventado...
DR. GOMES
Sabes que é normal os teus pais estarem deprimidos, não sabes, Jorge?
JORGE
Os meus pais não estão deprimidos, doutor Gomes; para isso precisavam de se encontrar no estado sólido,
como a maioria das pessoas... Eles passaram para o estado gasoso, 'tá a ver? (Pensativo, como quem fala
sozinho) São fantasmas feitos de vapor. Uma espécie de nuvens... Há alturas em que fico à espera que se
desfaçam e caia uma carga de água lá em casa; que haja um dilúvio que leve tudo... que lave tudo... (Ele-
vando o tom de voz) Uma enxurrada que arraste pra bem longe a lua!
DR. GOMES
(Incrédulo) A lua?!
JORGE
A lua da Joana... A minha irmã, com as paranóias dela, mandou fazer um baloiço branco, em forma de
meia-lua, para suspender do tecto do quarto dela, com uma corrente. Psicadélico, não é? A Joana era
assim... Houve um tempo em que eu pensava que ela era original, tipo artista, 'tá a ver? Depois...
DR. GOMES
Depois o quê?
JORGE
(Encolhendo os ombros) Passou-se. E eu também 'tou quase a passar-me. Mas pior do que eu 'tá o meu
pai! O meu pai 'tá numa de querer, à força, perceber o que aconteceu... Passa a vida agarrado a umas
cenas que a minha irmã escreveu e lê aquilo os dias inteiros!
DR. GOMES
O teu pai contou-me que a tua irmã mantinha correspondência com uma amiga que já tinha morrido... Era
disso que estavas a falar, Jorge?
JORGE
Iá. Sabe, quando o meu pai me falou daquelas cartas, fiquei a pensar que é preciso 'tar muito maluco... ou
muito só para se escrever cartas a quem já morreu... (Muito triste) E o cúmulo da solidão... (Pausa breve)
E eu não fazia a mínima ideia de que a Joana... enfim, de que a Joana se sentia assim; não imaginava que
ela 'tava na pior...(Pausa breve) Ela até não era feia; tinha sempre notas fixes; saía-se bem no desporto,
chegou mesmo a ganhar umas medalhas, parece-me; tinha amigos... (Desolado) Não percebo!
DR. GOMES
(Sorrindo) Os teus pais também não. Talvez seja por isso que o teu pai está a tentar compreender agora o
que aconteceu na vossa vida, Jorge. Já que ninguém se deu conta do que estava, realmente, a suceder na
vossa casa, talvez ele precise de encontrar algumas explicações.
JORGE
(Indignado) Para quê?!
DR. GOMES
Para poder continuar a viver, Jorge...
JORGE
(Levanta-se, dá uns passos e volta a sentar-se. Sorri com amargura.) Sabe o que é mais ridículo? Quando
a Joana era viva, não dávamos por ela lá em casa; agora, sei lá... Dá ideia de que está mais viva do que
nunca! (Pensativo) É estranho como o caraças, mas até parece que a Joana continua lá em casa, em todas
as divisões da casa! Todas! Até...
DR. GOMES
Até... onde, Jorge?
JORGE
(Tentando disfarçar a comoção) Até no meu quarto...
DR. GOMES
Isso não é assim tão estranho como te parece. Acontece nas famílias que sofreram uma perda im-
portante...
JORGE
(Incrédulo) Acha?!
DR. GOMES
(Acenando afirmativamente com a cabeça) Tenho a certeza disso.
JORGE E... como é que se faz para voltar tudo ao normal?
DR. GOMES
(Sorrindo) Define «normal».
JORGE
(Coçando a cabeça, atrapalhado) Eu sei que nunca fomos lá muito normais... Mas também não éramos
como hoje! Pelo menos, vivíamos! E estávamos no estado sólido (sorri), embora a minha mãe tenha vivi-
do sempre no gasoso, um gasoso tipo perfumado, no meio das futilidades lá da loja dela, no meio das
dondocas, das betas, das tias... A minha mãe nunca teve os pés, ou melhor, os saltos altíssimos que ela
usa, na terra. Viveu sempre aí a uns dez centímetros do solo... Já o meu pai é diferente, aliás, era! Agora
também não 'tá cá. Transformou-se em urso, hibernou. 'Tá a viver numa caverna escura, no meio das car-
tas da Joana. (Pensativo) Acho que... tem medo de acordar...
DR. GOMES
E tu, Jorge?
JORGE
Eu o quê?
DR. GOMES
Queres acordar?
JORGE
(Elevando o tom de voz) Lógico que quero!
DR. GOMES
E o que é que gostarias de ver, ao acordares?
JORGE
(Pensativo) Acho que... (Pausa breve) Gostaria de acordar noutro lugar.
DR. GOMES
Que lugar?
JORGE
(Em voz alta) Num lugar qualquer, desde que não fosse a minha casa... Ou então, na minha casa, mas
depois de uma grande mudança.
DR. GOMES
O que é que mudarias, em primeiro lugar, Jorge?
JORGE
Tiraria lá de casa a lua... (Sorri com tristeza.) Podia ser que, assim, a Joana desaparecesse com ela e ficas-
se, para sempre, no céu...
ACTO III
                                                 CENA l


                                   CENÁRIO A -   Sala da casa de Joana
                                   Mantém-se a iluminação do ACTO I.


(João Pedro e Luís estão sentados nos dois cadeirões, à espera do dono da casa.)
JOÃO PEDRO
Pois é, Luís, não esperava nada encontrar-te aqui, meu!
LUÍS
Eu também fiquei admirado quando o pai da Joana me ligou a dizer que gostava de conversar comigo...
JOÃO PEDRO
O doutor Brito pareceu-me muito em baixo de forma, ao telefone...
LUÍS
A mim também. Mas é normal, não é?...
JOÃO PEDRO
Iá.
LUÍS
(Intrigado) O que será que ele nos quer dizer, João Pedro?
JOÃO PEDRO
Deve ser sobre a Joana. Só pode.
LUÍS
Lógico...
JOÃO PEDRO
(Pensativo) Sabes, quando ele me telefonou, fiquei um bocado à rasca, meu... No dia do funeral da Joana,
fui cumprimentá-lo, mas nem sequer fui capaz de lhe dar os meus sentimentos... Fui um básico...
LUÍS
Oh! Ele deve ter compreendido que a gente não sabia o que lhe havia de dizer. Além do mais, isso de dar
os sentimentos é uma cena que eu nunca percebi muito bem, João Pedro.
JOÃO PEDRO
Eu também não! (Ri-se.) Aliás, os sentimentos são das poucas coisas que a gente não pode dar, não é?
(Sorri com tristeza.) Até é pena... Às vezes, dava jeito... A Joana, por exemplo, tinha montes de senti-
mentos! E mostrava-os!
LUÍS
(Com voz triste) Eu sei! (Pausa) Eu cá sempre tive dificuldade em mostrar o que sinto. Acho que é uma
coisa hereditária: os meus pais também são assim...
JOÃO PEDRO
Os cotas são todos assim! Ou melhor, só mostram os sentimentos quando 'tão furiosos... Nessas alturas,
toda a gente fica a saber o que eles sentem... De resto, fecham-se. (Pausa breve) Acho que têm vergonha
de mostrar que sentem orgulho dos filhos; de dar a entender que os amam...
LUÍS
(Sorrindo) Continuas um intelectual, meu! Aposto que, desde que entraste para o secundário, já leste os
poetas e os filósofos todos! Ainda por cima, foste pró quarto agrupamento... (Ironicamente) Ouve lá, ...
ainda andas a reler Marx?
JOÃO PEDRO
(Um pouco embatucado) Tenho lido bastante... E é por isso que...
LUÍS
(Em tom de brincadeira) Só sabes que nada sabes e... do que sabes não tens a certeza!
JOÃO PEDRO
(Descontraído) Errado! Só sei que nada sei e... o que sei ainda não me serviu pra nada, meu... Quero
dizer, serviu apenas pra mostrar ao professor de Filosofia que não sou tão básico como pareço. (Ri-se.)
LUÍS
(Pensativo) Eu gramava que algum filósofo soubesse explicar por que razão é que uma pessoa como a
Joana decide destruir-se... É um enigma!
JOÃO PEDRO
(Pausadamente) A Joana não decidiu destruir-se, Luís. Ela simplesmente, deixou-se levar, meu... Lem-
bras--te daquela peça de teatro que fizemos a propósito do que aconteceu com a Marta, «Os amigos da
onça»? Pois é... As companhias que ela escolheu não eram recomendáveis, como costuma dizer a minha
mãe...
(Sorri.) Acho que 'tou a ficar velho! Já cito a minha mãe pra lhe dar razão e tudo! Fogo!... 'Tou a ficar
senil...
LUÍS
(Consultando o relógio de pulso) E o pai da Joana? 'Tá atrasado...
JOÃO PEDRO
Ele é médico... Sabes como é...
LUÍS
(Levanta-se e vai ver o baloiço em forma de meia-lua.) O que será esta cena, meu?
JOÃO PEDRO
(Levanta-se e vai ter com o amigo.) Não faço ideia, Luís! Parece um... baloiço.
LUÍS (Com ironia) Até aí, já tinha chegado...
JOÃO PEDRO
(Baixando-se para mexer no baloiço) Não sei porquê, mas tenho um feeling de que isto devia ser da Joa-
na. Ela era tipo artista... Um bocado original... Fazia uns desenhos bué fixes. Até me deu uns... Tinha
talento!
LUÍS
(Intrigado) Mas o que é que isto estará aqui a fazer no chão da sala?!




                                                  CENA 2


DR. BRITO
(Entra na sala, poisa uma pasta no chão e cumprimenta os dois jovens, que imediatamente se dirigem a
ele para lhe estenderem a mão.) Desculpem o meu atraso! Estava um trânsito infernal! (Senta-se no sofá.)
Vocês querem tomar alguma coisa?
JOÃO PEDRO e LUÍS
(Em simultâneo e com um certo acanhamento) Não, obrigado.
DR. BRITO
Sentem-se! Sentem-se! Desculpem, uma vez mais, ter-vos feito esperar... (Pausa breve) Devem ter ficado
um pouco... surpreendidos com o meu telefonema, suponho.
JOÃO PEDRO
Um pouco, sim, doutor Brito...
LUÍS
Enquanto esperávamos, não resistimos e fomos dar uma olhada por aquela... coisa que ali está no chão.
(Aponta o baloiço.) Achámos... curioso.
DR. BRITO (Com um sorriso triste) É a lua da Joana...
JOÃO PEDRO e LUÍS (Intrigados) A lua da Joana?!
DR. BRITO
É um baloiço que a Joana pediu que mandássemos fazer para ela pendurar no quarto. Era lá que ela se
sentava para ler, para escrever, para pensar... Quando estava alegre, punha a lua em quarto crescente;
quando estava triste, punha-a em posição de quarto minguante. (Pausa breve) Eu sei isto porque tenho
andado a ler umas cartas que a minha filha deixou... Devo confessar que, se não fosse pelas cartas, não
saberia o significado daquela meia-lua (com muita tristeza); aliás, não saberia praticamente nada...
JOÃO PEDRO
A Joana deixou umas cartas para a família, foi?
DR. BRITO
Não. A Joana escrevia, quase diariamente, para a melhor amiga dela...
LUÍS
A... Marta, que era vossa vizinha e andou na nossa turma?
JOÃO PEDRO
(Incrédulo) A que morreu com uma overdose.
DR. BRITO
Essa mesmo.
LUÍS
(Surpreendido) E a Joana não mandou essas cartas à Marta porquê, doutor Brito?
DR. BRITO
Porque a Marta já tinha falecido... (O João Pedro e o Luís olham-se espantados.)
JOÃO PEDRO (Perplexo) A Joana escreveu para...?!
DR. BRITO
Para alguém que já tinha morrido, sim. (Pausa) A minha filha... (emocionado) sentia-se muito só... Muito
só! Era com a Marta que ela mais convivia. Cá em casa, era com a avó que se abria... (Pausa) Depois da
morte da Marta e da avó, a Joana entrou em ruptura...
LUÍS
(Desolado) Não fazia ideia... Sabia que ela andava meio estranha, mas...
JOÃO PEDRO
(Emocionado) Eu, a certa altura, também percebi que ela estava com problemas, mas já foi tarde de
mais... Lamento...
DR. BRITO
Eu também! Como lamento! (Pausa) Vocês eram apenas colegas de escola, amigos... Eu... era o pai dela!
(Muito desolado, abanando a cabeça negativamente) E também não me apercebi a tempo do sofrimento
da minha filha... (Pausa breve) Mas eu pedi que cá viessem hoje para vos dizer que encontrei muitas coi-
sas agradáveis a vosso respeito nas... cartas da Joana. Para ser sincero, não sei se, moralmente, tinha o
direito de ler essas cartas, mas a verdade é que, vendo-as no quarto dela, não resisti. Fiquei tão perdido,
tão desorientado, que precisei urgentemente de encontrar um fio da meada.
LUÍS
(Timidamente) E... encontrou?
DR. BRITO
Encontrei algumas respostas para as minhas perguntas, sim... Mas só algumas... A Joana escrevia as car-
tas como quem faz um diário, sabem? Assim, acabei por tomar conhecimento de uma data de coisas que
se iam passando na vida dela, desde a morte da Marta...
LUÍS
(Sorrindo com tristeza) Ela era tão boa aluna!...
JOÃO PEDRO
(Com convicção) Além disso, toda a gente gostava dela!
DR. BRITO
(Desolado) Só que a Joana, pêlos vistos, não sentiu isso... (Muito consternado) Eu não lhe fiz sentir isso!
LUÍS
(Cabisbaixo) Eu acho que também não..
JOÃO PEDRO
(Em voz baixa) Provavelmente, nem eu.
DR. BRITO
Mas eu não vos chamei aqui para vos deprimir! Não fiquem assim, por favor! Conforme vos disse, a Joa-
na gostava de vocês e creio que, no fundo, ela sabia que vocês eram amigos dela. Vocês não têm culpa de
nada. Nem pensem numa coisa dessas! Só quis... enfim, só quis conhecer-vos um pouco melhor, conver-
sar um pouco convosco... E, claro, agradecer-vos a vossa presença no funeral da Joana. (Pausa breve) Na
verdade, fiquei surpreendido com a quantidade de jovens que lá apareceram! Foi muito impressionante...
Não me lembrava de ter conhecido algum deles... Mas, claro, eu nunca tinha tempo para ir à escola...
(Elevando um pouco o tom de voz) Nunca tinha tempo para nada! Nunca chegava a horas a lugar nenhum!
E o mais ridículo é que passava a vida a oferecer relógios à minha filha... Como se eu, nessa altura, tives-
se alguma noção do que o tempo significava...
LUÍS
O meu pai também é mais ou menos assim... Trabalha numa multinacional e está sempre a viajar...
JOÃO PEDRO
O meu não viaja muito, mas também só o vemos quando ele chega para jantar, lá pràs nove e tal...
DR. BRITO
Eu queria pedir-vos uma coisa, embora não me sinta com esse direito...
JOÃO PEDRO e LUÍS (Em simultâneo) Diga!
DR. BRITO
Queria pedir-vos que se lembrem sempre do que aconteceu com a Joana, para que, um dia, não tenham de
lamentar uma tragédia como a que se abateu sobre mim e a minha família... Se, um dia, tiverem filhos,
lembrem-se de que eles não vão ficar convosco para sempre... (Pausa breve) Era isto que eu queria dizer-
vos.
LUÍS
(Levantando-se) E... aquela lua? Vai ficar por aqui?
DR. BRITO
Não sei. Parece que, nesta casa, ainda ninguém sabe o que fazer com essa lua...
ACTO IV
CENA l
CENÁRIO B   - Consultório do Psicólogo
Mantém-se a iluminação do ACTO 2


DR. GOMES
(Sentado à mesa, virando-se para Be) Finalmente, tenho o prazer de a conhecer, minha senhora! Já cá
esteve o seu marido... e, claro, o Jorge, mas esse já o conheço há uns tempos, como sabe...
BE
E como vai o meu filho, doutor Gomes? Parece-me tão... desorientado!
DR. GOMES
Eu diria... revoltado. Mas a revolta do Jorge já vem de longe.
BE
(Indignada) Não sei porquê! Teve sempre tudo o que quis!
DR. GOMES
(Sorrindo) Talvez por isso mesmo.
BE
(Abanando a cabeça negativamente) Não compreendo! Aliás, ultimamente, tenho a sensação de que já
não compreendo nada nem ninguém!
DR. GOMES
Quer exemplificar, senhora dona Isabel?
BE
Por favor, trate-me por Bé, como toda a gente. Nunca gostei do meu nome, sabe?
DR. GOMES
(Sorrindo) Fiquei agora a saber... Mas estava a dizer...
BE
Ainda no outro dia houve uma discussão lá em casa por causa de uma coisa sem importância. (Pausa bre-
ve) A minha filha, a Joana... tinha um baloiço no quarto dela; era uma coisa especial para ela, julgo... Foi
ela quem me pediu que o mandasse fazer, de acordo com as indicações que me deu. Quando a Joana...
desapareceu...
DR. GOMES
(Corrigindo delicadamente) Morreu...
BE
(Morde o lábio inferior e respira fundo.) Sim, claro... Bem, como deve calcular, tivemos de dar um desti-
no às coisas dela; ou melhor, quem fez isso fui eu, o que já era de esperar...
DR. GOMES
Porquê?
BE
(Irritada) Ora! Porque o meu marido não teve coragem de decidir para onde iriam as coisas da filha! Se
fosse por ele, não nos tínhamos desfeito de nada...
(Elevando um pouco o tom de voz) E claro que era preciso decidir o que fazer com as coisas da Joana!
DR. GOMES
Mas não deixa de ser um processo muito doloroso...
BE
(Nervosa) Evidentemente!
DR. GOMES
Mas continue, por favor.
BE
Fui eu que dei um destino a tudo, quero dizer... a quase tudo. Ficou...
DR. GOMES
O tal baloiço...
BE
Pois foi. (Pausa breve) Sabe, é um baloiço muito original: tem a forma de uma meia-lua pintada de bran-
co; de resto, todo o quarto da Joana era branco, completamente branco, até... enfim, até ela começar a...
desnortear-se...
DR. GOMES
E a discussão foi sobre essa lua...
BE
Pois foi. Não sabia o que fazer dela e deixei-a no corredor lá de casa, até encontrar uma solução... (Pausa
breve) Ora, o meu filho, irritadiço como tem andado, embirrou com aquilo e resolveu levar o baloiço para
a sala! (Elevando o tom de voz) Uma coisa sem cabimento...
DR. GOMES
E como é que a BÉ interpreta essa atitude do Jorge?
BE
(Irritada) Sei lá! Foi para nos enervar ainda mais, a mim e ao pai! Como se não bastasse o que nos acon-
teceu...
DR. GOMES
(Corrigindo delicadamente) O que vos aconteceu a todos! O Jorge também sofreu e está a sofrer muito...
BE
(Cabisbaixa) Sim, eu sei.
DR. GOMES
E não lhe ocorreu que o Jorge pode ter levado o baloiço da irmã para a sala para chamar a vossa atenção
para alguma coisa que ele gostaria de ver mudada?
BE
(Intrigada) O quê?
DR. GOMES
(Pausadamente) Esse baloiço... essa tal lua... de certa maneira, representa a Joana, não será?
BE
Bem, talvez... (Pausa breve) Nunca tinha pensado nisso, mas faz algum sentido, sim...
DR. GOMES
Eu acho que faz muito sentido. Pelo que tenho ouvido acerca da sua filha, a visão que tenho dela pode
bem ser materializada nessa tal meia-lua branca: a outra metade, como no astro, fica invisível, mas pode-
mos visualizá-la facilmente... Ora, por aquilo que o seu marido me transmitiu, a Joana sentia-se muito...
incompleta. Muito... só. (Pausa breve) Faltava-lhe a tal metade...
BE
(Perplexa) Qual?!
DR. GOMES
(Sorrindo com condescendência) Vejo que ainda não pensou nisso, Be, mas há-de chegar lá...
BE
(Abespinhada) Mas eu dei atenção à minha filha, ora essa! Atenção e muitos mimos! (Irritada) Se o meu
marido lhe disse o contrário, mentiu!
DR. GOMES
Não, o seu marido nem me falou de si...
BE
(Com ironia) Era de esperar... Ele vive obcecado com a Joana... Só pensa nela, só fala dela... Para ele,
nada mais existe... Esquece-se de que era ele quem passava menos tempo a dar-lhe atenção!...
DR. GOMES
(Pausadamente) Não, Bé. Está enganada. O seu marido nunca mais se vai esquecer disso... É, aliás, isso
que mais lamenta, para além do que aconteceu à Joana, evidentemente.
BE
(Preocupada) E... quanto ao Jorge? Como é que posso ajudá-lo?
DR. GOMES
Primeiro, se me permite um conselho, cada um de vós terá de aprender a aceitar a perda que sofreu... E
aceitar que cada um levará o seu tempo até isso acontecer e reagirá de forma diferente até que esse
momento venha...
BE
(Com alguma ironia) O seu conselho é fácil de perceber, mas difícil de pôr em prática...
DR. GOMES
E para isso que podem contar com a minha ajuda.
BE
(Emocionada, elevando o tom de voz) Mas como é que havemos de aceitar uma brutalidade como a que
nos atingiu?! Como vamos viver até conseguirmos aceitar?!
DR. GOMES
(Sorrindo com ternura) Um dia de cada vez... Procurando deixar para trás o que não se pode recuperar e
retendo aquilo que vale a pena...
BE
(Com tristeza) Um dia de cada vez... (Pausa breve) Um dia é um século, naquela casa... (Sorrindo com
ironia) E por isso que nós os três temos envelhecido tanto... Até o Jorge!
DR. GOMES
Envelhecer não é assim tão mau, desde que, ao mesmo tempo, se vá crescendo... E eu acredito que têm
crescido. Todos! São todos sobreviventes de uma tragédia e isso prova que têm energia para continuar a
lutar.
BE
(Sorrindo com tristeza) De facto, sobrevivemos todos... (Suspira longamente.) Nem sei como! (Pausa
breve) Só o Lucas não sobreviveu à morte da Joana...
DR. GOMES
(Intrigado) O...
BE
Era o cão da Joana. (Sorrindo com ternura) A minha filha apareceu, um dia, com ele, todo sujo, esquelé-
tico, faminto... Eu confesso que não o queria lá em casa, mas a Joana insistiu tanto!... Na verdade, dedi-
cou-se a ele como se o tivesse desde sempre! (Pausa breve) E o cão, de facto, era-lhe muito chegado.
Queria ir com ela para todo o lado...
DR. GOMES
(Sorrindo) Os cães costumam ser assim com quem lhes quer bem, com quem lhes dá atenção...
BE
Pois é... E o pobre do Lucas não resistiu às saudades... (Pesarosa) Deixou de comer... Já nem queria sair à
rua... Deixou-se abater por completo. Até me fez impressão! (Pausa breve; suspira.) Sabe, chego a pensar
que o Lucas era o único amigo da Joana, o seu único amigo verdadeiro. Os outros...
ACTO V
                                                  CENA l


                                    CENÁRIO A -   Sala da casa de Joana
                                    Mantém-se a iluminação do ACTO I


(O Dr. Brito e o Diogo estão sentados na sala. Sobre a mesa de apoio ao sofá, há dois copos de refresco
e as cartas da Joana, presas por um clipe.)


DR. BRITO
Folgo em saber que estás muito melhor, Diogo! Já há muito tempo que não te via... A tua mãe tem-me
dado notícias tuas, quando nos cruzamos à entrada do prédio ou no elevador.
DIOGO
(Acabando de dar um gole no refresco) Estive fora uns tempos, como deve ter sabido... Estive numa clí-
nica de desintoxicação... Desta vez, acho que correu tudo bastante bem, doutor Brito. Sinto-me, realmen-
te, melhor.
DR. BRITO
(Sorrindo com satisfação) E muito bom ouvir-te dizer isso, rapaz! Parabéns!
DIOGO
Bem, eu não sei se 'tou completamente... curado. (Pausa breve) Temos de esperar para ver... Pra já, posso
dizer que sinto mesmo que 'tou em recuperação. Nas outras clínicas, foi uma perda de tempo... (Pausa
breve) De tempo e de dinheiro!...
DR. BRITO
Calculo... Mas isso agora não importa; o que interessa é que estás no bom caminho, não é verdade?
DIOGO
(Timidamente) Espero bem... (Pausa) Sabe, eu já era pra cá ter vindo... Nem fui ao funeral nem
nada...(Pausa breve) A droga é lixada!... (Cabisbaixo) 'Tava completamente desatinado, percebe?
DR. BRITO
Estavas doente, foi por isso, com certeza. De qualquer maneira, não penses mais nisso, Diogo! Já lá vai!
DIOGO
(Erguendo o sobrolho, admirado) Já?.
DR. BRITO
Bem, foi uma maneira de falar... É claro que ainda estamos todos muito afectados, como podes com-
preender... Já passaste pelo mesmo com a tua irmã...
DIOGO
(Cabisbaixo) Já... Só que eu nunca pensei que a Joana...
DR. BRITO
Ninguém pensou. Foi esse o nosso erro...
DIOGO
(Inclinando-se no cadeirão para ver o baloiço que continua no mesmo lugar) E aquilo ali? Não 'tava no
quarto da Joana?
DR. BRITO
Estava sim, rapaz... Era a lua dela... Não sabemos o que fazer dela... A Joana estava tão ligada àquele
baloiço!
DIOGO (Surpreendido) 'Tava?
DR. BRITO
Sim. (Pausa breve) Eu só descobri isso... isso e muitas outras coisas importantes, depois de ler o que ela
deixou escrito...
DIOGO
(Surpreendido) A Joana deixou uma carta... assim tipo carta de... despedida, foi? Não imaginava...
DR. BRITO
Não, Diogo. A Joana escrevia, nos últimos anos, cartas, muitas cartas...
DIOGO
(Surpreendido) Escrevia-lhe cartas... a si?!
DR. BRITO
Não a mim... (Pausa breve) Eram dirigidas j... tua irmã.
DIOGO
(Incrédulo) À minha irmã?! À Marta?! E ela já tinha morrido?
DR. BRITO
Já, rapaz, já... Eu sei que parece estranho, mas a Joana sentia-se muito desamparada, percebes? Não tinha
com quem falar, depois que a tua irmã faleceu; assim, foi a maneira que ela encontrou de se sentir menos
só...
DIOGO
(Indignado) Fogo! Nunca pensei! Ela devia 'tar na pior! (Pausa) A Joana nunca aceitou a morte da minha
irmã... Eu fartei-me de lhe dizer para ela não pensar mais naquilo que tinha acontecido, mas ela teimava
em puxar o assunto... (Pausa) Mas... e ela escrevia a contar o quê?...
DR. BRITO
O que se ia passando de importante na vida dela, na cabeça dela... Foi assim que comecei a conhecer a
minha filha, Diogo... Só assim! (Pausa breve) E vi que tu foste importante para ela...
DIOGO
(Acanhado) Nem por isso... Acho que a Joana só queria ver-me para falar da Marta... Sei lá... Julgo que
gostava de ir lá a casa para, de alguma forma, se sentir mais perto da Marta.
DR. BRITO
(Pensativo) Talvez. Elas eram muito amigas...
DIOGO
Éramos amigos os três... Amigos de infância... (Sorri.) Amigos de sempre! Quando éramos pequenos e
íamos os três à praia com a minha mãe, divertíamo-nos à brava!... Ríamo-nos por tudo e por nada! Gozá-
vamos com tudo... (Pausa) Mas, depois, eu não soube ser o amigo que ela precisava. (Pesaroso) Agora,
sei que a devo ter decepcionado muito...
DR. BRITO
Não foste só tu, Diogo. (Eleva um pouco o tom de voz.) Eu também! E nem fazíamos ideia disso, não é?
(Suspira.) Às vezes, sem darmos conta, estamos tão longe daqueles que amamos...
DIOGO
(Acenando afirmativamente) Pois estamos...
DR. BRITO
(Pausadamente) Temos de aprender com os nossos erros, sobretudo os que nos custam mais caro, não é?
DIOGO
(Cabisbaixo) E...
DR. BRITO
Quando quiseres desabafar, podes contar comigo, Diogo, estás a ouvir? Não faças cerimónia! (Pausa bre-
ve) Sabes, eu agora tenho uma outra noção do tempo; uma outra noção das prioridades...
DIOGO
(Acanhado, levanta-se) Bem, eu até gostava de ficar aqui mais tempo a conversar consigo, mas fiquei de
passar em casa de uma amiga...
DR. BRITO
(Levantando-se) Claro, claro, compreendo. Eu acompanho-te à porta.
(Saem ambos.)




                                                CENA 2
(Entram na sala BÉ e Alice, mãe de Diogo.)


BE
(Apontando um dos cadeirões) Sente-se, Alice. (Sorrindo com simpatia) Que agradável surpresa receber a
sua visita!
ALICE
(Sentando-se) Eu não queria incomodar. Vim só para saber do meu filho. O Diogo deixou-me um recado
em casa a avisar que vinha até cá. Parece que foi o seu marido quem lhe ligou para terem uma conver-
sa...(Com um certo acanhamento) Se calhar, vim em má altura, Be...
BE
(Sentando-se no sofá) Não, que ideia! (Sorrindo de satisfação) Gosto até muito de a ter cá! Há que tem-
pos que não nos víamos! E moramos no mesmo prédio!... (Pausa breve) Não quer tomar um chá?
ALICE
Não, muito obrigada, Be. (Sorri com algum nervosismo) Não posso demorar-me. Era mesmo só para ver
se o Diogo ainda cá estava...
BE
O seu filho já saiu; aliás, cruzámo-nos à porta de casa, quando eu vinha a chegar do supermercado. (Pau-
sa breve) Pareceu-me com boa cara, o Diogo!
ALICE
(Sorrindo timidamente) Pois... Bem, de facto, ele anda muito melhor, graças a Deus! (Pausa breve) Esta
última clínica onde esteve fez-lhe muito bem, sabe? E claro que, como já se sabe, não se pode dizer que já
esteja completamente curado, infelizmente...
BE
(Assentindo com um gesto de cabeça) Pois... Estas coisas são mesmo assim. (Em tom optimista) Mas o
que importa é que ele está a recuperar! (Faz pausa breve e um sorriso triste.) Ao menos ele!...
ALICE
(Consternada) Não calcula como lamento o que se passou com a Joaninha! Gostava tanto dela... A Joana
era a melhor amiga da minha Marta... (Sorrindo) Eram inseparáveis! (Pausa) Pode crer que sei bem o que
vocês têm passado... (Muito triste) E tão duro!
BE
Pois é, Alice... Duro de mais... (Pausa breve) Ainda andamos todos atarantados; completamente desnor-
teados... (Emociona-se. Tira um lenço de assoar da algibeira e limpa os olhos.) Às vezes, dá-me a ideia
de que estou a ouvir a Joana... Dou por mim, muitas vezes, a perguntar à mulher-a-dias por que razão não
pôs um lugar à mesa de jantar para ela... (Suspira longamente.) É horrível! (Indignada) É tudo tão injusto!
ALICE
E...
BE
Sabe, temos andado a fazer terapia familiar com um psicólogo que nos foi recomendado por uma amiga, o
doutor Gomes.
ALICE
(Um pouco surpreendida) Ai sim? Parece-me uma óptima ideia, Be, sinceramente. Era isso que o meu ex-
marido e eu devíamos ter feito quando... quando a Marta desapareceu...
BE
(Corrigindo delicadamente) Morreu; quando a Marta morreu, Alice. O doutor Gomes diz que nos de-
vemos esforçar por chamar as coisas pelo nome; que é fundamental enfrentarmos a verdade... (Pausa bre-
ve) Eu sei que não é nada fácil... Também ainda não fui capaz de aceitar o que nos aconteceu... E o meu
marido ainda menos! Passa a vida agarrado a umas cartas que a Joana deixou... E, ultimamente, só quer é
ver se contacta todos os amigos da filha para... olhe, se quer que lhe diga, nem sei bem para quê! (Pausa
breve) Não se conforma, sabe? Não é que esteja conformada, que não estou! Mas, enfim, acho que estou a
conseguir reagir um pouco melhor do que ele. (Cabisbaixa) A verdade é que ainda não somos capazes de
ter uma vida normal... Acho que nunca mais teremos!
ALICE
E o vosso filho? Como vai ele?
BE
(Encolhendo os ombros) Olhe, nem sei que lhe diga... (Pausa breve) O Jorge está muito revoltado, com-
preende?
ALICE
Compreendo perfeitamente...
BE
Ainda há pouco tempo, resolveu trazer aqui para a sala o baloiço que a Joana tinha no quarto dela... Não
sei o que lhe deu! (Apontando o baloiço) Está a vê-lo ali? (Alice vira a cabeça na direcção do baloiço.)
Ainda não sabemos que destino dar-lhe. (Sorrindo com ternura) A Joana gostava tanto daquele baloiço...
(Pausa breve) Era muito criativa, muito original, a minha filha... (Suspira longamente.) Como ela
mudou!... (Chocada) Como é possível uma transformação tão grande?!
ALICE
Também não tenho respostas, Be... Com a Marta foi a mesma coisa. E tudo tão rápido que quase nem dá
para nos apercebermos! (Pausa breve) Há jovens a quem sucede tanta coisa em tão pouco tempo!...
Suponho que a Marta e a Joana até nisso foram gémeas, como elas gostavam de chamar uma à outra,
quando eram pequenas... (Sorri com ternura.) Quem poderia dizer que uma coisa destas lhes viria a acon-
tecer?!
BE
(Pensativa) A vida é tão complicada para os jovens de hoje, não é, Alice? (Pausa breve) Nunca foi muito
fácil ser-se adolescente, bem o sabemos, mas agora há tantas solicitações para coisas terríveis! Coisas que
nem sequer nos passam pela cabeça... Se os pais não estiverem muito atentos, acabam por ter surpresas
muito desagradáveis... Falo por mim, que andava sempre tão atarefada com o meu trabalho lá na loja... E
o meu marido, então, nem se fala!... (Pausa) Julgávamos que estava tudo a correr bem...
ALICE
Nunca nos passa pela cabeça que certas coisas aconteçam aos nossos filhos... Vamos à escola, falamos
com os professores... Analisamos as notas... Vêmo--los sair, muito satisfeitos, com os amigos... Achamo-
los normais, saudáveis... (Acabrunhada) Mas, na verdade, nunca me lembrei de perguntar à minha filha se
ela se sentia feliz... (Indignada) Como é que ela não haveria de sentir-se feliz?! Era jovem, bonita, tinha
boas notas, estávamos sempre a comprar-lhe o que ela pedia! (Sorrindo com tristeza) E era tão exigente, a
Marta... Mais até do que o Diogo...
BE
Cá em casa, era o contrário... O Jorge pareceu--nos sempre mais... extravagante. Enfim... (Suspira.)
ALICE
Bem, vou andando, Be. (Consulta o relógio de pulso.) JÁ é tarde e não quero que o Diogo fique muito
tempo sozinho em casa... O médico dele pediu que ficássemos atentos, naturalmente, sem o pressionar-
mos! (Levantando-se) Tenho de ir. Obrigada por este bocadinho, Be! (Sorrindo satisfeita) É tão bom con-
versar com quem pode entender-nos!
BE
(Levantando-se) Eu acompanho-a. (Saem ambas.)
CENA 3
(O Dr. Brito e Be estão sentados: ele no sofá; ela no cadeirão mais distante. Ela lê uma revista.)
DR. BRITO
(Atende uma chamada no telemóvel e a mulher deixa de ler a revista e Jïca a olhá-lo atentamente.) Sim,
filho... Não vieste jantar a casa... Com quem? Ah, sim, já sei... Está bem, Jorge, mas não venhas muito
tarde, filho, amanhã tens aulas cedo... Espera, comeste alguma coisa, ao menos? Está? Está?... (Virando-
separa a mulher) Desligou!
BE
Por onde é que ele anda?
DR. BRITO
Disse-me que estava com o Rocha e o Almeida...
BE
(Preocupada) E ainda não jantou?! Já passa das dez!
DR. BRITO
(Suspira e levanta-se para ir dar uma olhada no baloiço da Joana. Em seguida, volta para o seu lugar e
senta-se.) Sabes, Be... (Elevando o tom de voz) Be!
BE
(Enfadada por ter de interromper novamente a leitura da revista) O que foi agora?! Será que não posso
ficar um pouco sossegada, depois do jantar? Tive um dia péssimo, na loja!
DR. BRITO
(Delicadamente) Desculpa estar a interromper a tua leitura, mas estive a pensar nisto do... da... lua da
Joana...
BE
E então?
DR. BRITO
Acho que tive uma boa ideia.
BE
(Desinteressada, volta a pegar na revista.) Óptimo. Faz o que entenderes.
DR. BRITO
E... não queres saber o que pensei?
BE
(Enervada, pousando, novamente, a revista no colo) Não, não quero! A única coisa que me interessa é
que se dê um destino àquilo. Tiveste uma boa ideia, não foi? Ainda bem. Desde que aquilo saia cá de
casa, faz o que achares melhor. O Jorge já não pode ver aquele baloiço à frente, traumatizado já ele está;
eu, francamente, também não. No quarto da Joana deixou de fazer sentido; aqui na sala, menos sentido
faz! Dá-lhe o destino que pensaste e pronto. Não se fala mais nisso. (Pega na revista, abre-a e começa a
ler, permanecendo assim até ao final da cena.)
DR. BRITO
E que, em conversa com o doutor Gomes, trocámos umas ideias sobre o assunto... Ele também achou que
não era... saudável, saudável foi a palavra que ele usou, mantermos este baloiço cá em casa, até porque,
como disseste, o Jorge, ao trazê-lo para aqui, já transmitiu a sua mensagem... (Pausa breve) Estás a ouvir,
Be?
BE
(Sem tirar os olhos da revista) Hum-hum.
DR. BRITO
De maneira que acabei por ter uma ideia que talvez faça algum sentido...
BE
(Continuando a ler) Hum-hum.
DR. BRITO
(Levanta-se e volta a sentar-se, inquieto.) Temos de dar mais atenção ao Jorge... Parece-me que, pela pri-
meira vez desde que era ainda uma criança, está a tentar comunicar connosco... Não podemos forçar nada,
claro, mas..., enfim, é preciso acompanhá-lo. (Sorri com ternura.) Ele julga que já é um homem, evi-
dentemente, mas tem coisas ainda tão... infantis... (Suspira e aflige-se.) Não podemos perder também o
Jorge! (Pausa) Era bom começarmos a pensar no que havemos de oferecer-lhe pêlos anos, que o aniversá-
rio dele é já no mês que vem. (Sorri com tristeza.) Uma coisa é certa: não vou comprar-lhe um relógio,
que ele já tem um de que gosta... (Pausa breve) Tantos relógios que eu dei à Joana... Que disparates que
eu fiz!... (Levanta-se e aproxima-se do baloiço, ficando a observá-lo.) Pois é... Vamos ter de organizar a
nossa vida. (Olha para o tecto e, em seguida, para o baloiço; depois, novamente para cima.) Há tanta
coisa para mudar, não há?...


(Cai o pano.)
ACTO VI
O palco tem o pano caído. Do lado esquerdo, encontra-se o baloiço da Joana, no chão, sobre o qual incide
um foco de luz branca.


(A professora Margarida, directora de turma da Joana, vinda da plateia, sobe ao palco, coloca-se ao
centro e fica à boca de cena.)


PROFESSORA MARGARIDA
Boa tarde a todos! Eu sou a professora Margarida. Fui directora de turma da Joana, do sétimo ao nono ano
e queria pedir a vossa máxima atenção para um convidado especial que aqui vamos ter hoje para nos dar o
seu testemunho e que quis oferecer à nossa escola um presente muito... original. (Aproxima-se do baloiço
e aponta-o.) O que temos aqui é... um baloiço diferente dos normais e, para nós que fomos amigos da
Joana, tem um significado profundo, visto que lhe pertencia e estava pendurado no seu quarto. (Pausa
breve) Não vou dar-vos mais explicações sobre este baloiço branco em meia-lua, porque, para isso, va-
mos contar com a presença do nosso convidado, que chamo agora ao palco, o doutor Brito, médico-
cirurgião!


(O público bate palmas, mas logo o Dr. Brito faz sinal para que parem, com um gesto da mão.)


(Uma aluna do Secundário, surge, então, pelo meio da cortina. Traz na mão direita a flor branca que
esteve sempre no cenário A e, solenemente, vai entregá-la ao Dr. Brito. Depois, em silêncio, dá-lhe um
abraço apertado e, sempre devagar e olhando o Dr. Brito, afasta-se, entrando pelo meio da cortina.)


DR. BRITO
(Sorrindo com modéstia) Boa tarde! Sou o pai da Joana e chamo-me João Brito... (Pausa) Começo por
vos confessar que é a primeira vez que venho aqui à vossa escola... (Com alguma ironia) Dantes, achava
que não tinha tempo... (Pausa breve) É bom reconhecer, no meio de vós, alguns dos amigos da minha
filha! Bem hajam por estarem presentes! (Pausa) Queria contar-vos uma história... (Pausa breve) Uma
história verdadeira! E, para contar uma história verdadeira, é preciso dizer toda a verdade... Por isso, a
primeira coisa que devo confessar-vos é que comecei a conhecer a minha filha, a Joana, no dia em que ela
morreu... (Pausa breve) Para contar esta história, vou chamar quem nela participou. (Pausa. Em seguida,
chama, um a um os actores da peça, por ordem de entrada em cena, os quais, de mãos dadas e com o Dr.
Brito ao centro, fazem uma vénia prolongada.)
(Enquanto os actores se retiram do palco, ouve-se o refrão de uma canção de Luís Represas: «Há sempre
alguém que nos diz: Tem cuidado! / Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco. / Há sempre
alguém que nos faz falta à saudade...»)

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  • 1. NOTA PRÉVIA O livro A Lua de Joana contou, desde a primeira hora, com uma entusiástica adesão por parte das mais variadas pessoas e instituições (entre elas, inúmeros estabelecimentos de ensino, o Instituto Camões e o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas) a quem, naturalmente, estarei para sempre muito grata. A Editorial Verbo não se poupou a esforços para divulgar a referida obra e fê-lo com um empenho que eu não poderia deixar de salientar. Mas muito me surpreende verificar que tantas pessoas fora do meio edito- rial se têm também interessado por este livro, ao ponto de colaborarem directamente na sua promoção. Pelo importante contributo que, tão generosamente, quiseram dar, não posso deixar de destacar a Excelen- tíssima Senhora Doutora Manuela Eanes, dedicada Presidente do IAC — Instituto de Apoio à Criança, e o Senhor Padre Vítor Feytor Pinto, que, na altura do lançamento do livro, assumia, entre outras, as funções de Alto Comissário para o Projecto Vida e se dispôs a redigir o texto para a contracapa. Depois, veio ainda a inestimável colaboração de outras pessoas cujo papel na sociedade portuguesa é indiscutivelmente relevante, como é o caso de vários profissionais da Comunicação Social, entre os quais seria injusto não salientar o Senhor Dr. Carlos Pinto Coelho, responsável pelo programa cultural «Acon- tece», no qual, entre outras formas de divulgação, foi exibido um vídeo promocional de A Lua de Joana. Naturalmente, estou também muito grata aos livreiros portugueses, pelo destaque que quiseram dar a este livro e pela sua presença em várias feiras do livro nas escolas, de Norte a Sul do País. Muitos têm sido os bibliotecários portugueses que me convidam a participar em encontros com grupos de jovens nas bibliotecas municipais, actividades que são, evidentemente, um estímulo para mim e uma oportunidade de reflexão e diálogo, em espaços privilegiados, onde o livro é sujeito e objecto. O facto de A Lua de Joana ter suscitado o interesse de editoras estrangeiras constituiu outra agradável surpresa para mim, tanto mais que não podia esperar ver um livro da minha autoria publicado em países como a Albânia, a Bulgária ou... a China! Muito grata estou, especialmente, às senhoras tradutoras, Pro- fessora Doutora Margaritta Drenska (Bulgária) e Doutora Iliriana Agallia (Albânia), pelo seu empenho, que tanto me sensibilizou. Devo, igualmente, uma palavra de reconhecimento aos autores de manuais de Língua Portuguesa que qui- seram incluir nos seus livros excertos de A Lua de Joana, seguidos de interessantes propostas de activi- dades pedagógicas a desenvolver nas aulas. Por último, mas com toda a consideração e muita emoção, devo agradecer publicamente a todos os pro- fessores das escolas portuguesas (públicas e particulares) que viram neste livro um ponto de partida para reflexões com os alunos, bem como para outro tipo de actividades — plenas de criatividade! — que tive o prazer de conhecer nos encontros que, semanalmente, tenho com alunos e professores dos ensinos básico e secundário. Foi, justamente, nas visitas às escolas que nasceu em mim a vontade de escrever a peça de teatro Os Herdeiros da Lua de Joana, dado que tantos têm sido os grupos de alunos e professores que
  • 2. levaram aos palcos das escolas dramatizações inspiradas no livro A Lua de Joana. Muitas dessas drama- tizações deixaram-me profundamente sensibilizada e, sem desprimor para as restantes escolas (e são tan- tas!), gostaria de evidenciar aqui o meu enorme apreço pela peça levada à cena pêlos alunos da Escola Se- cundária Infanta D. Maria, de Coimbra, cidade onde nasci. Assim, foi com o maior prazer que resolvi aventurar-me pelo texto dramático, procurando retomar as per- sonagens de A Lua de Joana, no momento do seu luto pela perda irreparável que sofreram. Pareceu-me interessante confrontá-las entre si e levá-las a transmitir uma mensagem que se me afigura cada vez mais importante. Espero, sinceramente, não decepcionar os leitores de A Lua de Joana, a quem tanto devo — são eles tam- bém os «Herdeiros da Lua de Joana»! Gostaria que esta peça servisse como instrumento sobretudo para a actividade de expressão dramática nas escolas, bem como para bons momentos de convívio entre todos aqueles (e, segundo tenho visto, são muitos!) que gostam de teatro. E... da Joana! A Autora
  • 3. «Altas marés no tumulto me ressoam E paredes de silêncio me reflectem (…)» Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética III
  • 4. PERSONAGENS DR. BRITO, pai de Joana BE, mãe de Joana JORGE BRITO, irmão de Joana DIOGO, irmão de Marta ALICE, mãe de Marta DR. GOMES, psicólogo JOÃO PEDRO, colega e amigo de Joana LUÍS, colega e amigo de Joana PROFESSORA MARGARIDA, directora de turma de Joana ALUNA DO SECUNDÁRIO GUARDA-ROUPA Vestem-se de luto carregado as seguintes personagens: Pai, Mãe e Irmão de Joana; Mãe e Irmão de Marta; Vestem-se de cinzento as restantes personagens, excepto a aluna do Secundário, que veste uma túnica comprida preta (do lado esquerdo, onde deverá ser cosida uma meia-lua branca) e branca (do lado direito) e usa um sapato preto (o esquerdo) e outro branco. CENÁRIO A - Sala da casa de Joana Vê-se, em primeiro plano, no chão, do lado esquerdo do palco, um baloiço em forma de lua, preso a uma corrente metálica e comprida. Constituem outros elementos deste espaço cénico: um sofá e dois cadei- rões; uma mesa pequena, na qual se encontra, do lado esquerdo, uma jarra com uma flor branca; sob a mesa, há um tapete de cor lisa e escura. B - Consultório do Psicólogo Um cadeirão (para o psicólogo) atrás de uma mesa de trabalho, onde se encontra um pequeno candeeiro, alguns livros empilhados, um cinzeiro e um pequeno vaso com uma planta verde; três cadeirões.
  • 5. ACTO I CENA l CENÁRIO A - Sala da casa de Joana A sala está parcamente iluminada, incidindo um foco de luz branca sobre a flor e outro sobre o baloiço em forma de meia-lua. DR. BRITO (Entra cabisbaixo, senta-se no sofá, trazendo na mão as cartas de Joana, e começa a reler a última, pau- sadamente.) «... Não está ninguém em casa...» (Faz uma pausa breve, olhando em seu redor.) «Acho que vou telefo- nar a alguém. Talvez à Rita. O Lucas é óptima companhia, mas não fala...» (Paz nova pausa e sorri tris- temente.) «Pode ser que, dentro de alguns anos, com o avanço da tecnologia, dêem voz humana aos cães. E toda a gente ficará menos só.» (Pausa) «Um beijo da tua amiga Joana.» (Tira um lenço de assoar do bolso das calças e limpa os olhos; volta a pegar na carta e relê.) «Não está ninguém em casa...» (Olha novamente em redor e, abanando a cabeça em jeito de negação, repete, em voz mais alta, dirigindo-se ao público.) Não está ninguém em casa!... (Levanta-se, sempre com as canas na mão, e dirige--se para o baloiço em forma de lua; baixa-se e permanece acocorado por algum tempo, a olhar a lua; depois, aca- ricia o baloiço. Levanta-se devagar e volta a olharem redor, antes de repetir, abanando a cabeça) Não está ninguém em casa... CENA 2 BE (Entrando na sala e vendo o marido de pé, com papéis na mão, franze o sobrolho e senta-se no cadeirão mais afastado do sofá.) Voltaste a ir buscar as... cartas... (Eleva o tom de voz.) Para quê? Para quê?! Não as saberás ainda de cor?! (Abana a cabeça, em jeito de reprovação.) DR. BRITO (Agarrando as cartas contra o peito, senta-se no sofá.) Não percebes, Be? Será que não percebes?! Estas cartas são tudo quanto nos resta da Joana... São a única coisa a que posso agarrar-me para tentar com- preender... Para tentar... BE (Irritada) Para tentares o quê?! Não vês que não há nada mais a tentar; nada mais a fazer?!
  • 6. DR. BRITO (Em tom solene) Enganas-te, Be. Enganas-te redondamente. BE (Em tom de ironia) Como sempre... Mas explica lá, para ver se eu entendo, já que nunca compreendo nada... DR. BRITO Ora, Be! Tu não queres compreender! (Com vos: desolada) Tu preferes esquecer... BE (Indignada) Esquecer?! Esquecer?! Como é que eu me posso esquecer?! Como?!, se Cu não falas de outra coisa, não pensas noutra coisa?! Achas que é da nossa filha que quero esquecer-me, achas?! É isso que pensas de mim?! DR. BRITO (Atabalhoadamente) Não, Be! Não é isso... BE (Em tom muito amargo) O que eu quero, o que eu preciso é de me esquecer do horror, da aflição por que passámos! Esquecer o túmulo em que esta casa se tornou! (Olhando para o baloiço, levanta-se, aproxi- ma-se dele e aponta-o com a mão.) O que faz isto aqui na sala?! Que disparate! Quem trouxe isto para aqui? DR. BRITO (Timidamente) Não fui eu... Também me surpreendi ao dar com o... baloiço que estava no quarto dela... Não fui eu, Be. BE (Voltando a sentar-se no mesmo lugar) Então, quem foi? CENA 3 JORGE (Entrando na sala com cara de enfado) Já não se pode estar sossegado, nesta casa?! 'Tão aos gritos outra vez... Tss... Que paranóia... BE (Virando-se para o filho) É que alguém teve a ideia absurda de trazer para aqui aquilo (Aponta o baloiço com o indicador espetado.) Deve ter sido a Clementina, que tem sempre ideias disparatadas... JORGE (Sentando-se no cadeirão vazio) Não, não foi a Clementina, mãe. A desgraçada 'tá sempre a levar com as culpas em cima... Tss... BE
  • 7. (Indignada) Não me digas que foste tu, Jorginho! JORGE (Descontraidamente) Fui. Fui eu mesmo. DR. BRITO (Com bons modos) E o que foi que te fez trazer para o meio da nossa sala a lua da Joana, filho? BE Diz lá! Não faz sentido nenhum, Jorge! JORGE (Elevando o tom de voz) O que não faz sentido nenhum é essa lua ou esse baloiço ou lá o que é essa cena continuar à porta do quarto que era da Joana, fogo! De cada vez que entro ou saio do meu quarto, tenho de gramar com essa cena! 'Tou farto. BE (Amuada) Não posso ser sempre eu a fazer tudo, nesta casa! Fui eu que tive de entrar no quarto dela; fui eu que tive de meter tudo em sacos; fui eu que tive de dar destino às coisas dela; fui eu que arrumei tudo... Faltou-me a lua, pronto! Não sabia o que fazer daquilo, se querem saber. Pensei que haveria de ter uma ideia, uma solução, sei lá... JORGE (Com ironia) E achaste que a solução era pores a lua à porta do quarto, no corredor... Fixe, mãe! A tua imaginação não pára de me surpreender... Julgava que até sabias umas tretas sobre decoração, passas a vida a ler revistas de gente beta... Só que te esqueceste de um pormenor: eu não tenho de gramar com essa lua de cada vez que passo no corredor, okay? DR. BRITO (Virando-se para a mulher) E então? O que é que se faz com esta lua? BE (Irritada) Sei lá! Se soubesse, já lhe teria dado um destino, não acham?! Francamente! JORGE (Virando-se para a mãe) Não foste tu que mandaste fazer essa cena para a Joana, quando ela fez anos? BE (Virando-se para o filho) Fui. Foi ela que me pediu, sei lá bem porquê... Enfim, ideias da tua irmã... Aliás, foi ela que fez o desenho para eu levar ao marceneiro. Foi ela que quis! E insistiu, que eu lembro- me perfeitamente! Eu bem lhe disse que era uma ideia sem pés nem cabeça, mas sabes como a tua irmã era... Teimosa!... JORGE (Encolhendo os ombros) Foste tu que mandaste fazer aquela cena; agora, vê-te livre dela! O problema é teu. (Virando-se para o pai, em quando se levanta para sair) O problema é vosso. (Saem Jorge e o pai.)
  • 8. CENA 4 BE (Sozinha na sala, levanta-se devagar e ajeita o cabelo com a mão. Depois, lentamente, aproxima-se do baloiço em forma de lua e fica a observá-lo por uns segundos. Virando-se para o público) Que hei-de fazer com esta lua?!... ACTO II CENA l CENÁRIO B — Consultório do Psicólogo (O psicólogo, Dr. Gomes, está sentado à mesa, onde se vê o candeeiro aceso. Um f oco de luz incide sobre o cadeirão onde está sentado Jorge.) JORGE (Levanta-se, nervoso, dá uns passos e volta a sentar-se, roendo as unhas.) Aquela casa 'tá a pôr-me maluco, doutor Gomes! (Com ironia) Mais ainda do que já era... DR. GOMES (Acenando afirmativamente com a cabeça) Já é a terceira vez que dizes isso, hoje... Seria bom avançar- mos, Jorge. Precisamos de fazer progressos, lembras--te? JORGE (Sorrindo ironicamente) Progressos, pois... Progressos... Para si, que é psicólogo e não faz parte da minha família, se é que se lhe pode chamar família..., é fácil falar de progressos! É que não dá, percebe? DR. GOMES (Em tom paciente) O que é que não dá, Jorge? JORGE (Elevando um pouco o tom de voz) Na minha família não há progressos; só retrocessos! (A beira do desespero) 'Tá tudo a andar pra trás! Tudo a andar pra trás... DR. GOMES Explica-te melhor. JORGE (Encolhendo os ombros) Não adianta. DR. GOMES (Com alguma autoridade na voz) Faz um esforço! JORGE
  • 9. (Nervoso, passa as mãos pela cabeleira.) Por que razão é que hei-de ser eu a fazer um esforço, hein?! Pra variar, seria bom pedir um esforço aos meus pais! Eles é que pararam no tempo! Desistiram de tudo... Já não são os meus pais, são zombies... (Elevando o tom de voz) Zombies, percebe?! DR. GOMES (Franzindo o sobrolho) Porque é que dizes que eles desistiram de tudo, Jorge? JORGE (Indignado) Porquê?! Porque é a verdade. (Elevando o tom de voz) A verdade! Não é disso que se trata? Não me pediu que dissesse a verdade? Pois aí a tem, a verdade nua e crua. Não gosta, paciência. Não pos- so fazer nada... (Com ironia) A não ser que me queira receitar umas pastilhas para ver tudo de outra maneira, tudo cor-de-rosa; cor-de-rosa não, que não é o meu género; pra ver tudo menos... negro. E isso! Arranje-me aí uns comprimidos fixes! Pode ser, quem sabe?, que possa voltar a ver o mundo às cores... E que, pra ser sincero, há muito tempo que não vejo uma cor na minha casa, na minha vida... (Pausa bre- ve) Lembro-me de que, quando éramos pequenos, a Joana e eu íamos à janela ver o arco-íris, nos dias cin- zentos... (Sorri tristemente) A Joana... era tão apanhada, a minha irmã... A Joana dizia que o arco-íris nas- cia sempre no quarto da avó Ju e que era dali que crescia e se estendia até ao outro lado do mundo... E dizia que a avó era a fada das cores; que era ela quem as tinha inventado... DR. GOMES Sabes que é normal os teus pais estarem deprimidos, não sabes, Jorge? JORGE Os meus pais não estão deprimidos, doutor Gomes; para isso precisavam de se encontrar no estado sólido, como a maioria das pessoas... Eles passaram para o estado gasoso, 'tá a ver? (Pensativo, como quem fala sozinho) São fantasmas feitos de vapor. Uma espécie de nuvens... Há alturas em que fico à espera que se desfaçam e caia uma carga de água lá em casa; que haja um dilúvio que leve tudo... que lave tudo... (Ele- vando o tom de voz) Uma enxurrada que arraste pra bem longe a lua! DR. GOMES (Incrédulo) A lua?! JORGE A lua da Joana... A minha irmã, com as paranóias dela, mandou fazer um baloiço branco, em forma de meia-lua, para suspender do tecto do quarto dela, com uma corrente. Psicadélico, não é? A Joana era assim... Houve um tempo em que eu pensava que ela era original, tipo artista, 'tá a ver? Depois... DR. GOMES Depois o quê? JORGE (Encolhendo os ombros) Passou-se. E eu também 'tou quase a passar-me. Mas pior do que eu 'tá o meu pai! O meu pai 'tá numa de querer, à força, perceber o que aconteceu... Passa a vida agarrado a umas cenas que a minha irmã escreveu e lê aquilo os dias inteiros! DR. GOMES
  • 10. O teu pai contou-me que a tua irmã mantinha correspondência com uma amiga que já tinha morrido... Era disso que estavas a falar, Jorge? JORGE Iá. Sabe, quando o meu pai me falou daquelas cartas, fiquei a pensar que é preciso 'tar muito maluco... ou muito só para se escrever cartas a quem já morreu... (Muito triste) E o cúmulo da solidão... (Pausa breve) E eu não fazia a mínima ideia de que a Joana... enfim, de que a Joana se sentia assim; não imaginava que ela 'tava na pior...(Pausa breve) Ela até não era feia; tinha sempre notas fixes; saía-se bem no desporto, chegou mesmo a ganhar umas medalhas, parece-me; tinha amigos... (Desolado) Não percebo! DR. GOMES (Sorrindo) Os teus pais também não. Talvez seja por isso que o teu pai está a tentar compreender agora o que aconteceu na vossa vida, Jorge. Já que ninguém se deu conta do que estava, realmente, a suceder na vossa casa, talvez ele precise de encontrar algumas explicações. JORGE (Indignado) Para quê?! DR. GOMES Para poder continuar a viver, Jorge... JORGE (Levanta-se, dá uns passos e volta a sentar-se. Sorri com amargura.) Sabe o que é mais ridículo? Quando a Joana era viva, não dávamos por ela lá em casa; agora, sei lá... Dá ideia de que está mais viva do que nunca! (Pensativo) É estranho como o caraças, mas até parece que a Joana continua lá em casa, em todas as divisões da casa! Todas! Até... DR. GOMES Até... onde, Jorge? JORGE (Tentando disfarçar a comoção) Até no meu quarto... DR. GOMES Isso não é assim tão estranho como te parece. Acontece nas famílias que sofreram uma perda im- portante... JORGE (Incrédulo) Acha?! DR. GOMES (Acenando afirmativamente com a cabeça) Tenho a certeza disso. JORGE E... como é que se faz para voltar tudo ao normal? DR. GOMES (Sorrindo) Define «normal». JORGE
  • 11. (Coçando a cabeça, atrapalhado) Eu sei que nunca fomos lá muito normais... Mas também não éramos como hoje! Pelo menos, vivíamos! E estávamos no estado sólido (sorri), embora a minha mãe tenha vivi- do sempre no gasoso, um gasoso tipo perfumado, no meio das futilidades lá da loja dela, no meio das dondocas, das betas, das tias... A minha mãe nunca teve os pés, ou melhor, os saltos altíssimos que ela usa, na terra. Viveu sempre aí a uns dez centímetros do solo... Já o meu pai é diferente, aliás, era! Agora também não 'tá cá. Transformou-se em urso, hibernou. 'Tá a viver numa caverna escura, no meio das car- tas da Joana. (Pensativo) Acho que... tem medo de acordar... DR. GOMES E tu, Jorge? JORGE Eu o quê? DR. GOMES Queres acordar? JORGE (Elevando o tom de voz) Lógico que quero! DR. GOMES E o que é que gostarias de ver, ao acordares? JORGE (Pensativo) Acho que... (Pausa breve) Gostaria de acordar noutro lugar. DR. GOMES Que lugar? JORGE (Em voz alta) Num lugar qualquer, desde que não fosse a minha casa... Ou então, na minha casa, mas depois de uma grande mudança. DR. GOMES O que é que mudarias, em primeiro lugar, Jorge? JORGE Tiraria lá de casa a lua... (Sorri com tristeza.) Podia ser que, assim, a Joana desaparecesse com ela e ficas- se, para sempre, no céu...
  • 12. ACTO III CENA l CENÁRIO A - Sala da casa de Joana Mantém-se a iluminação do ACTO I. (João Pedro e Luís estão sentados nos dois cadeirões, à espera do dono da casa.) JOÃO PEDRO Pois é, Luís, não esperava nada encontrar-te aqui, meu! LUÍS Eu também fiquei admirado quando o pai da Joana me ligou a dizer que gostava de conversar comigo... JOÃO PEDRO O doutor Brito pareceu-me muito em baixo de forma, ao telefone... LUÍS A mim também. Mas é normal, não é?... JOÃO PEDRO Iá. LUÍS (Intrigado) O que será que ele nos quer dizer, João Pedro? JOÃO PEDRO Deve ser sobre a Joana. Só pode. LUÍS Lógico... JOÃO PEDRO (Pensativo) Sabes, quando ele me telefonou, fiquei um bocado à rasca, meu... No dia do funeral da Joana, fui cumprimentá-lo, mas nem sequer fui capaz de lhe dar os meus sentimentos... Fui um básico... LUÍS Oh! Ele deve ter compreendido que a gente não sabia o que lhe havia de dizer. Além do mais, isso de dar os sentimentos é uma cena que eu nunca percebi muito bem, João Pedro. JOÃO PEDRO Eu também não! (Ri-se.) Aliás, os sentimentos são das poucas coisas que a gente não pode dar, não é? (Sorri com tristeza.) Até é pena... Às vezes, dava jeito... A Joana, por exemplo, tinha montes de senti- mentos! E mostrava-os! LUÍS (Com voz triste) Eu sei! (Pausa) Eu cá sempre tive dificuldade em mostrar o que sinto. Acho que é uma coisa hereditária: os meus pais também são assim...
  • 13. JOÃO PEDRO Os cotas são todos assim! Ou melhor, só mostram os sentimentos quando 'tão furiosos... Nessas alturas, toda a gente fica a saber o que eles sentem... De resto, fecham-se. (Pausa breve) Acho que têm vergonha de mostrar que sentem orgulho dos filhos; de dar a entender que os amam... LUÍS (Sorrindo) Continuas um intelectual, meu! Aposto que, desde que entraste para o secundário, já leste os poetas e os filósofos todos! Ainda por cima, foste pró quarto agrupamento... (Ironicamente) Ouve lá, ... ainda andas a reler Marx? JOÃO PEDRO (Um pouco embatucado) Tenho lido bastante... E é por isso que... LUÍS (Em tom de brincadeira) Só sabes que nada sabes e... do que sabes não tens a certeza! JOÃO PEDRO (Descontraído) Errado! Só sei que nada sei e... o que sei ainda não me serviu pra nada, meu... Quero dizer, serviu apenas pra mostrar ao professor de Filosofia que não sou tão básico como pareço. (Ri-se.) LUÍS (Pensativo) Eu gramava que algum filósofo soubesse explicar por que razão é que uma pessoa como a Joana decide destruir-se... É um enigma! JOÃO PEDRO (Pausadamente) A Joana não decidiu destruir-se, Luís. Ela simplesmente, deixou-se levar, meu... Lem- bras--te daquela peça de teatro que fizemos a propósito do que aconteceu com a Marta, «Os amigos da onça»? Pois é... As companhias que ela escolheu não eram recomendáveis, como costuma dizer a minha mãe... (Sorri.) Acho que 'tou a ficar velho! Já cito a minha mãe pra lhe dar razão e tudo! Fogo!... 'Tou a ficar senil... LUÍS (Consultando o relógio de pulso) E o pai da Joana? 'Tá atrasado... JOÃO PEDRO Ele é médico... Sabes como é... LUÍS (Levanta-se e vai ver o baloiço em forma de meia-lua.) O que será esta cena, meu? JOÃO PEDRO (Levanta-se e vai ter com o amigo.) Não faço ideia, Luís! Parece um... baloiço. LUÍS (Com ironia) Até aí, já tinha chegado... JOÃO PEDRO
  • 14. (Baixando-se para mexer no baloiço) Não sei porquê, mas tenho um feeling de que isto devia ser da Joa- na. Ela era tipo artista... Um bocado original... Fazia uns desenhos bué fixes. Até me deu uns... Tinha talento! LUÍS (Intrigado) Mas o que é que isto estará aqui a fazer no chão da sala?! CENA 2 DR. BRITO (Entra na sala, poisa uma pasta no chão e cumprimenta os dois jovens, que imediatamente se dirigem a ele para lhe estenderem a mão.) Desculpem o meu atraso! Estava um trânsito infernal! (Senta-se no sofá.) Vocês querem tomar alguma coisa? JOÃO PEDRO e LUÍS (Em simultâneo e com um certo acanhamento) Não, obrigado. DR. BRITO Sentem-se! Sentem-se! Desculpem, uma vez mais, ter-vos feito esperar... (Pausa breve) Devem ter ficado um pouco... surpreendidos com o meu telefonema, suponho. JOÃO PEDRO Um pouco, sim, doutor Brito... LUÍS Enquanto esperávamos, não resistimos e fomos dar uma olhada por aquela... coisa que ali está no chão. (Aponta o baloiço.) Achámos... curioso. DR. BRITO (Com um sorriso triste) É a lua da Joana... JOÃO PEDRO e LUÍS (Intrigados) A lua da Joana?! DR. BRITO É um baloiço que a Joana pediu que mandássemos fazer para ela pendurar no quarto. Era lá que ela se sentava para ler, para escrever, para pensar... Quando estava alegre, punha a lua em quarto crescente; quando estava triste, punha-a em posição de quarto minguante. (Pausa breve) Eu sei isto porque tenho andado a ler umas cartas que a minha filha deixou... Devo confessar que, se não fosse pelas cartas, não saberia o significado daquela meia-lua (com muita tristeza); aliás, não saberia praticamente nada... JOÃO PEDRO A Joana deixou umas cartas para a família, foi? DR. BRITO Não. A Joana escrevia, quase diariamente, para a melhor amiga dela... LUÍS A... Marta, que era vossa vizinha e andou na nossa turma?
  • 15. JOÃO PEDRO (Incrédulo) A que morreu com uma overdose. DR. BRITO Essa mesmo. LUÍS (Surpreendido) E a Joana não mandou essas cartas à Marta porquê, doutor Brito? DR. BRITO Porque a Marta já tinha falecido... (O João Pedro e o Luís olham-se espantados.) JOÃO PEDRO (Perplexo) A Joana escreveu para...?! DR. BRITO Para alguém que já tinha morrido, sim. (Pausa) A minha filha... (emocionado) sentia-se muito só... Muito só! Era com a Marta que ela mais convivia. Cá em casa, era com a avó que se abria... (Pausa) Depois da morte da Marta e da avó, a Joana entrou em ruptura... LUÍS (Desolado) Não fazia ideia... Sabia que ela andava meio estranha, mas... JOÃO PEDRO (Emocionado) Eu, a certa altura, também percebi que ela estava com problemas, mas já foi tarde de mais... Lamento... DR. BRITO Eu também! Como lamento! (Pausa) Vocês eram apenas colegas de escola, amigos... Eu... era o pai dela! (Muito desolado, abanando a cabeça negativamente) E também não me apercebi a tempo do sofrimento da minha filha... (Pausa breve) Mas eu pedi que cá viessem hoje para vos dizer que encontrei muitas coi- sas agradáveis a vosso respeito nas... cartas da Joana. Para ser sincero, não sei se, moralmente, tinha o direito de ler essas cartas, mas a verdade é que, vendo-as no quarto dela, não resisti. Fiquei tão perdido, tão desorientado, que precisei urgentemente de encontrar um fio da meada. LUÍS (Timidamente) E... encontrou? DR. BRITO Encontrei algumas respostas para as minhas perguntas, sim... Mas só algumas... A Joana escrevia as car- tas como quem faz um diário, sabem? Assim, acabei por tomar conhecimento de uma data de coisas que se iam passando na vida dela, desde a morte da Marta... LUÍS (Sorrindo com tristeza) Ela era tão boa aluna!... JOÃO PEDRO (Com convicção) Além disso, toda a gente gostava dela! DR. BRITO (Desolado) Só que a Joana, pêlos vistos, não sentiu isso... (Muito consternado) Eu não lhe fiz sentir isso!
  • 16. LUÍS (Cabisbaixo) Eu acho que também não.. JOÃO PEDRO (Em voz baixa) Provavelmente, nem eu. DR. BRITO Mas eu não vos chamei aqui para vos deprimir! Não fiquem assim, por favor! Conforme vos disse, a Joa- na gostava de vocês e creio que, no fundo, ela sabia que vocês eram amigos dela. Vocês não têm culpa de nada. Nem pensem numa coisa dessas! Só quis... enfim, só quis conhecer-vos um pouco melhor, conver- sar um pouco convosco... E, claro, agradecer-vos a vossa presença no funeral da Joana. (Pausa breve) Na verdade, fiquei surpreendido com a quantidade de jovens que lá apareceram! Foi muito impressionante... Não me lembrava de ter conhecido algum deles... Mas, claro, eu nunca tinha tempo para ir à escola... (Elevando um pouco o tom de voz) Nunca tinha tempo para nada! Nunca chegava a horas a lugar nenhum! E o mais ridículo é que passava a vida a oferecer relógios à minha filha... Como se eu, nessa altura, tives- se alguma noção do que o tempo significava... LUÍS O meu pai também é mais ou menos assim... Trabalha numa multinacional e está sempre a viajar... JOÃO PEDRO O meu não viaja muito, mas também só o vemos quando ele chega para jantar, lá pràs nove e tal... DR. BRITO Eu queria pedir-vos uma coisa, embora não me sinta com esse direito... JOÃO PEDRO e LUÍS (Em simultâneo) Diga! DR. BRITO Queria pedir-vos que se lembrem sempre do que aconteceu com a Joana, para que, um dia, não tenham de lamentar uma tragédia como a que se abateu sobre mim e a minha família... Se, um dia, tiverem filhos, lembrem-se de que eles não vão ficar convosco para sempre... (Pausa breve) Era isto que eu queria dizer- vos. LUÍS (Levantando-se) E... aquela lua? Vai ficar por aqui? DR. BRITO Não sei. Parece que, nesta casa, ainda ninguém sabe o que fazer com essa lua...
  • 17. ACTO IV CENA l CENÁRIO B - Consultório do Psicólogo Mantém-se a iluminação do ACTO 2 DR. GOMES (Sentado à mesa, virando-se para Be) Finalmente, tenho o prazer de a conhecer, minha senhora! Já cá esteve o seu marido... e, claro, o Jorge, mas esse já o conheço há uns tempos, como sabe... BE E como vai o meu filho, doutor Gomes? Parece-me tão... desorientado! DR. GOMES Eu diria... revoltado. Mas a revolta do Jorge já vem de longe. BE (Indignada) Não sei porquê! Teve sempre tudo o que quis! DR. GOMES (Sorrindo) Talvez por isso mesmo. BE (Abanando a cabeça negativamente) Não compreendo! Aliás, ultimamente, tenho a sensação de que já não compreendo nada nem ninguém! DR. GOMES Quer exemplificar, senhora dona Isabel? BE Por favor, trate-me por Bé, como toda a gente. Nunca gostei do meu nome, sabe? DR. GOMES (Sorrindo) Fiquei agora a saber... Mas estava a dizer... BE Ainda no outro dia houve uma discussão lá em casa por causa de uma coisa sem importância. (Pausa bre- ve) A minha filha, a Joana... tinha um baloiço no quarto dela; era uma coisa especial para ela, julgo... Foi ela quem me pediu que o mandasse fazer, de acordo com as indicações que me deu. Quando a Joana... desapareceu... DR. GOMES (Corrigindo delicadamente) Morreu... BE (Morde o lábio inferior e respira fundo.) Sim, claro... Bem, como deve calcular, tivemos de dar um desti- no às coisas dela; ou melhor, quem fez isso fui eu, o que já era de esperar...
  • 18. DR. GOMES Porquê? BE (Irritada) Ora! Porque o meu marido não teve coragem de decidir para onde iriam as coisas da filha! Se fosse por ele, não nos tínhamos desfeito de nada... (Elevando um pouco o tom de voz) E claro que era preciso decidir o que fazer com as coisas da Joana! DR. GOMES Mas não deixa de ser um processo muito doloroso... BE (Nervosa) Evidentemente! DR. GOMES Mas continue, por favor. BE Fui eu que dei um destino a tudo, quero dizer... a quase tudo. Ficou... DR. GOMES O tal baloiço... BE Pois foi. (Pausa breve) Sabe, é um baloiço muito original: tem a forma de uma meia-lua pintada de bran- co; de resto, todo o quarto da Joana era branco, completamente branco, até... enfim, até ela começar a... desnortear-se... DR. GOMES E a discussão foi sobre essa lua... BE Pois foi. Não sabia o que fazer dela e deixei-a no corredor lá de casa, até encontrar uma solução... (Pausa breve) Ora, o meu filho, irritadiço como tem andado, embirrou com aquilo e resolveu levar o baloiço para a sala! (Elevando o tom de voz) Uma coisa sem cabimento... DR. GOMES E como é que a BÉ interpreta essa atitude do Jorge? BE (Irritada) Sei lá! Foi para nos enervar ainda mais, a mim e ao pai! Como se não bastasse o que nos acon- teceu... DR. GOMES (Corrigindo delicadamente) O que vos aconteceu a todos! O Jorge também sofreu e está a sofrer muito... BE (Cabisbaixa) Sim, eu sei. DR. GOMES
  • 19. E não lhe ocorreu que o Jorge pode ter levado o baloiço da irmã para a sala para chamar a vossa atenção para alguma coisa que ele gostaria de ver mudada? BE (Intrigada) O quê? DR. GOMES (Pausadamente) Esse baloiço... essa tal lua... de certa maneira, representa a Joana, não será? BE Bem, talvez... (Pausa breve) Nunca tinha pensado nisso, mas faz algum sentido, sim... DR. GOMES Eu acho que faz muito sentido. Pelo que tenho ouvido acerca da sua filha, a visão que tenho dela pode bem ser materializada nessa tal meia-lua branca: a outra metade, como no astro, fica invisível, mas pode- mos visualizá-la facilmente... Ora, por aquilo que o seu marido me transmitiu, a Joana sentia-se muito... incompleta. Muito... só. (Pausa breve) Faltava-lhe a tal metade... BE (Perplexa) Qual?! DR. GOMES (Sorrindo com condescendência) Vejo que ainda não pensou nisso, Be, mas há-de chegar lá... BE (Abespinhada) Mas eu dei atenção à minha filha, ora essa! Atenção e muitos mimos! (Irritada) Se o meu marido lhe disse o contrário, mentiu! DR. GOMES Não, o seu marido nem me falou de si... BE (Com ironia) Era de esperar... Ele vive obcecado com a Joana... Só pensa nela, só fala dela... Para ele, nada mais existe... Esquece-se de que era ele quem passava menos tempo a dar-lhe atenção!... DR. GOMES (Pausadamente) Não, Bé. Está enganada. O seu marido nunca mais se vai esquecer disso... É, aliás, isso que mais lamenta, para além do que aconteceu à Joana, evidentemente. BE (Preocupada) E... quanto ao Jorge? Como é que posso ajudá-lo? DR. GOMES Primeiro, se me permite um conselho, cada um de vós terá de aprender a aceitar a perda que sofreu... E aceitar que cada um levará o seu tempo até isso acontecer e reagirá de forma diferente até que esse momento venha... BE (Com alguma ironia) O seu conselho é fácil de perceber, mas difícil de pôr em prática... DR. GOMES
  • 20. E para isso que podem contar com a minha ajuda. BE (Emocionada, elevando o tom de voz) Mas como é que havemos de aceitar uma brutalidade como a que nos atingiu?! Como vamos viver até conseguirmos aceitar?! DR. GOMES (Sorrindo com ternura) Um dia de cada vez... Procurando deixar para trás o que não se pode recuperar e retendo aquilo que vale a pena... BE (Com tristeza) Um dia de cada vez... (Pausa breve) Um dia é um século, naquela casa... (Sorrindo com ironia) E por isso que nós os três temos envelhecido tanto... Até o Jorge! DR. GOMES Envelhecer não é assim tão mau, desde que, ao mesmo tempo, se vá crescendo... E eu acredito que têm crescido. Todos! São todos sobreviventes de uma tragédia e isso prova que têm energia para continuar a lutar. BE (Sorrindo com tristeza) De facto, sobrevivemos todos... (Suspira longamente.) Nem sei como! (Pausa breve) Só o Lucas não sobreviveu à morte da Joana... DR. GOMES (Intrigado) O... BE Era o cão da Joana. (Sorrindo com ternura) A minha filha apareceu, um dia, com ele, todo sujo, esquelé- tico, faminto... Eu confesso que não o queria lá em casa, mas a Joana insistiu tanto!... Na verdade, dedi- cou-se a ele como se o tivesse desde sempre! (Pausa breve) E o cão, de facto, era-lhe muito chegado. Queria ir com ela para todo o lado... DR. GOMES (Sorrindo) Os cães costumam ser assim com quem lhes quer bem, com quem lhes dá atenção... BE Pois é... E o pobre do Lucas não resistiu às saudades... (Pesarosa) Deixou de comer... Já nem queria sair à rua... Deixou-se abater por completo. Até me fez impressão! (Pausa breve; suspira.) Sabe, chego a pensar que o Lucas era o único amigo da Joana, o seu único amigo verdadeiro. Os outros...
  • 21. ACTO V CENA l CENÁRIO A - Sala da casa de Joana Mantém-se a iluminação do ACTO I (O Dr. Brito e o Diogo estão sentados na sala. Sobre a mesa de apoio ao sofá, há dois copos de refresco e as cartas da Joana, presas por um clipe.) DR. BRITO Folgo em saber que estás muito melhor, Diogo! Já há muito tempo que não te via... A tua mãe tem-me dado notícias tuas, quando nos cruzamos à entrada do prédio ou no elevador. DIOGO (Acabando de dar um gole no refresco) Estive fora uns tempos, como deve ter sabido... Estive numa clí- nica de desintoxicação... Desta vez, acho que correu tudo bastante bem, doutor Brito. Sinto-me, realmen- te, melhor. DR. BRITO (Sorrindo com satisfação) E muito bom ouvir-te dizer isso, rapaz! Parabéns! DIOGO Bem, eu não sei se 'tou completamente... curado. (Pausa breve) Temos de esperar para ver... Pra já, posso dizer que sinto mesmo que 'tou em recuperação. Nas outras clínicas, foi uma perda de tempo... (Pausa breve) De tempo e de dinheiro!... DR. BRITO Calculo... Mas isso agora não importa; o que interessa é que estás no bom caminho, não é verdade? DIOGO (Timidamente) Espero bem... (Pausa) Sabe, eu já era pra cá ter vindo... Nem fui ao funeral nem nada...(Pausa breve) A droga é lixada!... (Cabisbaixo) 'Tava completamente desatinado, percebe? DR. BRITO Estavas doente, foi por isso, com certeza. De qualquer maneira, não penses mais nisso, Diogo! Já lá vai! DIOGO (Erguendo o sobrolho, admirado) Já?. DR. BRITO Bem, foi uma maneira de falar... É claro que ainda estamos todos muito afectados, como podes com- preender... Já passaste pelo mesmo com a tua irmã... DIOGO (Cabisbaixo) Já... Só que eu nunca pensei que a Joana...
  • 22. DR. BRITO Ninguém pensou. Foi esse o nosso erro... DIOGO (Inclinando-se no cadeirão para ver o baloiço que continua no mesmo lugar) E aquilo ali? Não 'tava no quarto da Joana? DR. BRITO Estava sim, rapaz... Era a lua dela... Não sabemos o que fazer dela... A Joana estava tão ligada àquele baloiço! DIOGO (Surpreendido) 'Tava? DR. BRITO Sim. (Pausa breve) Eu só descobri isso... isso e muitas outras coisas importantes, depois de ler o que ela deixou escrito... DIOGO (Surpreendido) A Joana deixou uma carta... assim tipo carta de... despedida, foi? Não imaginava... DR. BRITO Não, Diogo. A Joana escrevia, nos últimos anos, cartas, muitas cartas... DIOGO (Surpreendido) Escrevia-lhe cartas... a si?! DR. BRITO Não a mim... (Pausa breve) Eram dirigidas j... tua irmã. DIOGO (Incrédulo) À minha irmã?! À Marta?! E ela já tinha morrido? DR. BRITO Já, rapaz, já... Eu sei que parece estranho, mas a Joana sentia-se muito desamparada, percebes? Não tinha com quem falar, depois que a tua irmã faleceu; assim, foi a maneira que ela encontrou de se sentir menos só... DIOGO (Indignado) Fogo! Nunca pensei! Ela devia 'tar na pior! (Pausa) A Joana nunca aceitou a morte da minha irmã... Eu fartei-me de lhe dizer para ela não pensar mais naquilo que tinha acontecido, mas ela teimava em puxar o assunto... (Pausa) Mas... e ela escrevia a contar o quê?... DR. BRITO O que se ia passando de importante na vida dela, na cabeça dela... Foi assim que comecei a conhecer a minha filha, Diogo... Só assim! (Pausa breve) E vi que tu foste importante para ela... DIOGO (Acanhado) Nem por isso... Acho que a Joana só queria ver-me para falar da Marta... Sei lá... Julgo que gostava de ir lá a casa para, de alguma forma, se sentir mais perto da Marta. DR. BRITO
  • 23. (Pensativo) Talvez. Elas eram muito amigas... DIOGO Éramos amigos os três... Amigos de infância... (Sorri.) Amigos de sempre! Quando éramos pequenos e íamos os três à praia com a minha mãe, divertíamo-nos à brava!... Ríamo-nos por tudo e por nada! Gozá- vamos com tudo... (Pausa) Mas, depois, eu não soube ser o amigo que ela precisava. (Pesaroso) Agora, sei que a devo ter decepcionado muito... DR. BRITO Não foste só tu, Diogo. (Eleva um pouco o tom de voz.) Eu também! E nem fazíamos ideia disso, não é? (Suspira.) Às vezes, sem darmos conta, estamos tão longe daqueles que amamos... DIOGO (Acenando afirmativamente) Pois estamos... DR. BRITO (Pausadamente) Temos de aprender com os nossos erros, sobretudo os que nos custam mais caro, não é? DIOGO (Cabisbaixo) E... DR. BRITO Quando quiseres desabafar, podes contar comigo, Diogo, estás a ouvir? Não faças cerimónia! (Pausa bre- ve) Sabes, eu agora tenho uma outra noção do tempo; uma outra noção das prioridades... DIOGO (Acanhado, levanta-se) Bem, eu até gostava de ficar aqui mais tempo a conversar consigo, mas fiquei de passar em casa de uma amiga... DR. BRITO (Levantando-se) Claro, claro, compreendo. Eu acompanho-te à porta. (Saem ambos.) CENA 2 (Entram na sala BÉ e Alice, mãe de Diogo.) BE (Apontando um dos cadeirões) Sente-se, Alice. (Sorrindo com simpatia) Que agradável surpresa receber a sua visita! ALICE (Sentando-se) Eu não queria incomodar. Vim só para saber do meu filho. O Diogo deixou-me um recado em casa a avisar que vinha até cá. Parece que foi o seu marido quem lhe ligou para terem uma conver- sa...(Com um certo acanhamento) Se calhar, vim em má altura, Be... BE
  • 24. (Sentando-se no sofá) Não, que ideia! (Sorrindo de satisfação) Gosto até muito de a ter cá! Há que tem- pos que não nos víamos! E moramos no mesmo prédio!... (Pausa breve) Não quer tomar um chá? ALICE Não, muito obrigada, Be. (Sorri com algum nervosismo) Não posso demorar-me. Era mesmo só para ver se o Diogo ainda cá estava... BE O seu filho já saiu; aliás, cruzámo-nos à porta de casa, quando eu vinha a chegar do supermercado. (Pau- sa breve) Pareceu-me com boa cara, o Diogo! ALICE (Sorrindo timidamente) Pois... Bem, de facto, ele anda muito melhor, graças a Deus! (Pausa breve) Esta última clínica onde esteve fez-lhe muito bem, sabe? E claro que, como já se sabe, não se pode dizer que já esteja completamente curado, infelizmente... BE (Assentindo com um gesto de cabeça) Pois... Estas coisas são mesmo assim. (Em tom optimista) Mas o que importa é que ele está a recuperar! (Faz pausa breve e um sorriso triste.) Ao menos ele!... ALICE (Consternada) Não calcula como lamento o que se passou com a Joaninha! Gostava tanto dela... A Joana era a melhor amiga da minha Marta... (Sorrindo) Eram inseparáveis! (Pausa) Pode crer que sei bem o que vocês têm passado... (Muito triste) E tão duro! BE Pois é, Alice... Duro de mais... (Pausa breve) Ainda andamos todos atarantados; completamente desnor- teados... (Emociona-se. Tira um lenço de assoar da algibeira e limpa os olhos.) Às vezes, dá-me a ideia de que estou a ouvir a Joana... Dou por mim, muitas vezes, a perguntar à mulher-a-dias por que razão não pôs um lugar à mesa de jantar para ela... (Suspira longamente.) É horrível! (Indignada) É tudo tão injusto! ALICE E... BE Sabe, temos andado a fazer terapia familiar com um psicólogo que nos foi recomendado por uma amiga, o doutor Gomes. ALICE (Um pouco surpreendida) Ai sim? Parece-me uma óptima ideia, Be, sinceramente. Era isso que o meu ex- marido e eu devíamos ter feito quando... quando a Marta desapareceu... BE (Corrigindo delicadamente) Morreu; quando a Marta morreu, Alice. O doutor Gomes diz que nos de- vemos esforçar por chamar as coisas pelo nome; que é fundamental enfrentarmos a verdade... (Pausa bre- ve) Eu sei que não é nada fácil... Também ainda não fui capaz de aceitar o que nos aconteceu... E o meu marido ainda menos! Passa a vida agarrado a umas cartas que a Joana deixou... E, ultimamente, só quer é
  • 25. ver se contacta todos os amigos da filha para... olhe, se quer que lhe diga, nem sei bem para quê! (Pausa breve) Não se conforma, sabe? Não é que esteja conformada, que não estou! Mas, enfim, acho que estou a conseguir reagir um pouco melhor do que ele. (Cabisbaixa) A verdade é que ainda não somos capazes de ter uma vida normal... Acho que nunca mais teremos! ALICE E o vosso filho? Como vai ele? BE (Encolhendo os ombros) Olhe, nem sei que lhe diga... (Pausa breve) O Jorge está muito revoltado, com- preende? ALICE Compreendo perfeitamente... BE Ainda há pouco tempo, resolveu trazer aqui para a sala o baloiço que a Joana tinha no quarto dela... Não sei o que lhe deu! (Apontando o baloiço) Está a vê-lo ali? (Alice vira a cabeça na direcção do baloiço.) Ainda não sabemos que destino dar-lhe. (Sorrindo com ternura) A Joana gostava tanto daquele baloiço... (Pausa breve) Era muito criativa, muito original, a minha filha... (Suspira longamente.) Como ela mudou!... (Chocada) Como é possível uma transformação tão grande?! ALICE Também não tenho respostas, Be... Com a Marta foi a mesma coisa. E tudo tão rápido que quase nem dá para nos apercebermos! (Pausa breve) Há jovens a quem sucede tanta coisa em tão pouco tempo!... Suponho que a Marta e a Joana até nisso foram gémeas, como elas gostavam de chamar uma à outra, quando eram pequenas... (Sorri com ternura.) Quem poderia dizer que uma coisa destas lhes viria a acon- tecer?! BE (Pensativa) A vida é tão complicada para os jovens de hoje, não é, Alice? (Pausa breve) Nunca foi muito fácil ser-se adolescente, bem o sabemos, mas agora há tantas solicitações para coisas terríveis! Coisas que nem sequer nos passam pela cabeça... Se os pais não estiverem muito atentos, acabam por ter surpresas muito desagradáveis... Falo por mim, que andava sempre tão atarefada com o meu trabalho lá na loja... E o meu marido, então, nem se fala!... (Pausa) Julgávamos que estava tudo a correr bem... ALICE Nunca nos passa pela cabeça que certas coisas aconteçam aos nossos filhos... Vamos à escola, falamos com os professores... Analisamos as notas... Vêmo--los sair, muito satisfeitos, com os amigos... Achamo- los normais, saudáveis... (Acabrunhada) Mas, na verdade, nunca me lembrei de perguntar à minha filha se ela se sentia feliz... (Indignada) Como é que ela não haveria de sentir-se feliz?! Era jovem, bonita, tinha boas notas, estávamos sempre a comprar-lhe o que ela pedia! (Sorrindo com tristeza) E era tão exigente, a Marta... Mais até do que o Diogo... BE
  • 26. Cá em casa, era o contrário... O Jorge pareceu--nos sempre mais... extravagante. Enfim... (Suspira.) ALICE Bem, vou andando, Be. (Consulta o relógio de pulso.) JÁ é tarde e não quero que o Diogo fique muito tempo sozinho em casa... O médico dele pediu que ficássemos atentos, naturalmente, sem o pressionar- mos! (Levantando-se) Tenho de ir. Obrigada por este bocadinho, Be! (Sorrindo satisfeita) É tão bom con- versar com quem pode entender-nos! BE (Levantando-se) Eu acompanho-a. (Saem ambas.) CENA 3 (O Dr. Brito e Be estão sentados: ele no sofá; ela no cadeirão mais distante. Ela lê uma revista.) DR. BRITO (Atende uma chamada no telemóvel e a mulher deixa de ler a revista e Jïca a olhá-lo atentamente.) Sim, filho... Não vieste jantar a casa... Com quem? Ah, sim, já sei... Está bem, Jorge, mas não venhas muito tarde, filho, amanhã tens aulas cedo... Espera, comeste alguma coisa, ao menos? Está? Está?... (Virando- separa a mulher) Desligou! BE Por onde é que ele anda? DR. BRITO Disse-me que estava com o Rocha e o Almeida... BE (Preocupada) E ainda não jantou?! Já passa das dez! DR. BRITO (Suspira e levanta-se para ir dar uma olhada no baloiço da Joana. Em seguida, volta para o seu lugar e senta-se.) Sabes, Be... (Elevando o tom de voz) Be! BE (Enfadada por ter de interromper novamente a leitura da revista) O que foi agora?! Será que não posso ficar um pouco sossegada, depois do jantar? Tive um dia péssimo, na loja! DR. BRITO (Delicadamente) Desculpa estar a interromper a tua leitura, mas estive a pensar nisto do... da... lua da Joana... BE E então? DR. BRITO Acho que tive uma boa ideia. BE (Desinteressada, volta a pegar na revista.) Óptimo. Faz o que entenderes. DR. BRITO
  • 27. E... não queres saber o que pensei? BE (Enervada, pousando, novamente, a revista no colo) Não, não quero! A única coisa que me interessa é que se dê um destino àquilo. Tiveste uma boa ideia, não foi? Ainda bem. Desde que aquilo saia cá de casa, faz o que achares melhor. O Jorge já não pode ver aquele baloiço à frente, traumatizado já ele está; eu, francamente, também não. No quarto da Joana deixou de fazer sentido; aqui na sala, menos sentido faz! Dá-lhe o destino que pensaste e pronto. Não se fala mais nisso. (Pega na revista, abre-a e começa a ler, permanecendo assim até ao final da cena.) DR. BRITO E que, em conversa com o doutor Gomes, trocámos umas ideias sobre o assunto... Ele também achou que não era... saudável, saudável foi a palavra que ele usou, mantermos este baloiço cá em casa, até porque, como disseste, o Jorge, ao trazê-lo para aqui, já transmitiu a sua mensagem... (Pausa breve) Estás a ouvir, Be? BE (Sem tirar os olhos da revista) Hum-hum. DR. BRITO De maneira que acabei por ter uma ideia que talvez faça algum sentido... BE (Continuando a ler) Hum-hum. DR. BRITO (Levanta-se e volta a sentar-se, inquieto.) Temos de dar mais atenção ao Jorge... Parece-me que, pela pri- meira vez desde que era ainda uma criança, está a tentar comunicar connosco... Não podemos forçar nada, claro, mas..., enfim, é preciso acompanhá-lo. (Sorri com ternura.) Ele julga que já é um homem, evi- dentemente, mas tem coisas ainda tão... infantis... (Suspira e aflige-se.) Não podemos perder também o Jorge! (Pausa) Era bom começarmos a pensar no que havemos de oferecer-lhe pêlos anos, que o aniversá- rio dele é já no mês que vem. (Sorri com tristeza.) Uma coisa é certa: não vou comprar-lhe um relógio, que ele já tem um de que gosta... (Pausa breve) Tantos relógios que eu dei à Joana... Que disparates que eu fiz!... (Levanta-se e aproxima-se do baloiço, ficando a observá-lo.) Pois é... Vamos ter de organizar a nossa vida. (Olha para o tecto e, em seguida, para o baloiço; depois, novamente para cima.) Há tanta coisa para mudar, não há?... (Cai o pano.)
  • 28. ACTO VI O palco tem o pano caído. Do lado esquerdo, encontra-se o baloiço da Joana, no chão, sobre o qual incide um foco de luz branca. (A professora Margarida, directora de turma da Joana, vinda da plateia, sobe ao palco, coloca-se ao centro e fica à boca de cena.) PROFESSORA MARGARIDA Boa tarde a todos! Eu sou a professora Margarida. Fui directora de turma da Joana, do sétimo ao nono ano e queria pedir a vossa máxima atenção para um convidado especial que aqui vamos ter hoje para nos dar o seu testemunho e que quis oferecer à nossa escola um presente muito... original. (Aproxima-se do baloiço e aponta-o.) O que temos aqui é... um baloiço diferente dos normais e, para nós que fomos amigos da Joana, tem um significado profundo, visto que lhe pertencia e estava pendurado no seu quarto. (Pausa breve) Não vou dar-vos mais explicações sobre este baloiço branco em meia-lua, porque, para isso, va- mos contar com a presença do nosso convidado, que chamo agora ao palco, o doutor Brito, médico- cirurgião! (O público bate palmas, mas logo o Dr. Brito faz sinal para que parem, com um gesto da mão.) (Uma aluna do Secundário, surge, então, pelo meio da cortina. Traz na mão direita a flor branca que esteve sempre no cenário A e, solenemente, vai entregá-la ao Dr. Brito. Depois, em silêncio, dá-lhe um abraço apertado e, sempre devagar e olhando o Dr. Brito, afasta-se, entrando pelo meio da cortina.) DR. BRITO (Sorrindo com modéstia) Boa tarde! Sou o pai da Joana e chamo-me João Brito... (Pausa) Começo por vos confessar que é a primeira vez que venho aqui à vossa escola... (Com alguma ironia) Dantes, achava que não tinha tempo... (Pausa breve) É bom reconhecer, no meio de vós, alguns dos amigos da minha filha! Bem hajam por estarem presentes! (Pausa) Queria contar-vos uma história... (Pausa breve) Uma história verdadeira! E, para contar uma história verdadeira, é preciso dizer toda a verdade... Por isso, a primeira coisa que devo confessar-vos é que comecei a conhecer a minha filha, a Joana, no dia em que ela morreu... (Pausa breve) Para contar esta história, vou chamar quem nela participou. (Pausa. Em seguida, chama, um a um os actores da peça, por ordem de entrada em cena, os quais, de mãos dadas e com o Dr. Brito ao centro, fazem uma vénia prolongada.)
  • 29. (Enquanto os actores se retiram do palco, ouve-se o refrão de uma canção de Luís Represas: «Há sempre alguém que nos diz: Tem cuidado! / Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco. / Há sempre alguém que nos faz falta à saudade...»)