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INSTITUTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA DE GOIÁS
                   IFITEG




A ESTÉTICA DO GROTESCO NO FILME “UM CÃO ANDALUZ”



               Andreia Morais de Deus




                     GOIÂNIA
                      2010
INSTITUTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA DE GOIÁS
                   IFITEG




A ESTÉTICA DO GROTESCO NO FILME “UM CÃO ANDALUZ”




                   Andreia Morais de Deus




                                       Orientadora:
                                       Profª Ms.Vera Bergerot




 Artigo apresentado ao Instituto de Filosofia e Teologia de
Goiás, como requisito para aprovação na especialização em
                     Filosofia da Arte.



                          GOIÂNIA
                           2010


                                                                2
Agradecimentos




          À Profª. Ms. Vera Bergerot, orientadora deste estudo, por toda
dedicação, atenção dispensada e conhecimento compartilhado.


          Ao meu amigo Rafael de Almeida, sempre disposto a contribuir com
ricas informações.




                                                                        3
SUMÁRIO



Resumo.......................................................................................................... 5

Abstract.......................................................................................................... 6

Artigo: A estética do grotesco no filme Um cão andaluz................................ 7
               1. O Surrealismo.............................................................................. 8
               2. O grotesco.................................................................................. 11
               3. O grotesco em “Um cão andaluz”.............................................. 13


Imagens
         Figura 1: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 15
         Figura 2: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 16
         Figura 3: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 17
         Figura 4: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 17
         Figura 5: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 17
         Figura 6: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 18
         Figura 7: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 18


Referências Bibliográficas........................................................................ 20




                                                                                                                       4
RESUMO



Este artigo pretende analisar a presença do grotesco como estética do filme
“Um cão andaluz”, produzido em 1928, por Luis Buñuel e Salvador Dalí. A obra,
considerada como um marco do Surrealismo, é repleta de cenas chocantes,
em que o bizarro e o onírico predominam como formas de se alcançar a
concretização dos desejos humanos. Através da constatação das funções e
intenções do uso do grotesco nesta obra cinematográfica, será possível
compreender sua importância para esse movimento artístico.




Palavras-chave: Grotesco, Surrealismo, Cinema




                                                                           5
ABSTRACT


This article aims to analyze the presence of the grotesque as an aesthetic of the
film "An Andalusian dog”, produced in 1928 by Luis Buñuel and Salvador Dali.
The work, considered a landmark of Surrealism, is full of shocking scenes,
where the bizarre and dreamlike predominate as ways of achieving the
realization of human desires. Through the observation of the roles and
intentions of the use of the grotesque in this film work, it will be possible to
understand its importance to this art movement.


Key-words: Grotesque, Surrealism, Cinema




                                                                               6
A ESTÉTICA DO GROTESCO NO FILME “UM CÃO ANDALUZ”



          Este artigo pretende analisar a presença do grotesco no curta-
metragem “Um cão andaluz”, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, verificando sua
plena integração com o movimento surrealista a fim de compreender a
relevância dessa estética para o movimento.


          Escrito e filmado em 1928, o roteiro do filme, de apenas dezessete
minutos, originou-se a partir de um sonho do cineasta espanhol Luis Buñuel
(1900-1983) e de um sonho do pintor, também espanhol, Salvador Dalí (1904-
1989). As imagens presentes nos sonhos dos autores – um olho cortado e uma
mão coberta por formigas –, aparentemente sem ligação direta com o real,
deram início ao roteiro que tinha como objetivo mostrar a irrealidade sob a ótica
cinematográfica. Para isso, nenhuma cena que pudesse ter relação racional
com a realidade poderia ser inserida, sendo permitidas apenas ideias com
isenção lógica, sem explicações possíveis.


          A escolha de uma obra cinematográfica, e não de uma pintura ou
texto literário, ocorreu devido ao fato de o cinema ter se tornado um dos
campos propícios para o desenvolvimento das ideias surrealistas, na medida
em que sua linguagem estimulava a simulação de um enredo onírico, em que a
composição de uma narrativa não linear, a sincronia imagem-som e o
enquadramento dos planos permitiam sugerir com perfeição o que se passa no
inconsciente (ZANI, 2001, p.50). As características surrealistas predominam em
todo o enredo e se misturam com aspectos do grotesco, podendo se observar
essa fusão através do onírico (presente desde a inversão de papéis entre as
personagens até a sugestão de transição espacial e temporal), do humor
negro, da provocação ao clero e à burguesia, do bizarro e da obsessão pela
mulher, entre outros aspectos.


          A exibição de “Um cão andaluz” foi a porta de entrada de Luís
Buñuel e Salvador Dalí para o movimento surrealista, afinal a obra encantou
tanto seus membros a ponto de até hoje ser considerado o mais autêntico filme


                                                                               7
surrealista já produzido, como afirma Paulo Emílio Sales Gomes (1981, p.198),
“[...] resta o fato de serem Um cão andaluz e A Idade do Ouro os dois únicos
filmes rigorosamente surrealistas de toda a história do cinema”.




          1. O Surrealismo


          O Surrealismo integra uma das diversas correntes artísticas que
constituíram o Modernismo, movimento iniciado no final do século XIX e que
lutou de várias maneiras para romper com o passado e com a continuidade.
Ganhou força durante o século XX, com a publicação do Manifesto Futurista
(1909) e do Manifesto Dadá (1918), correntes que buscavam além da ruptura
histórica, o choque e a quebra de uma constante social e artística, mas sem
pretensões de se impor por muito tempo.


          Esse espírito revolucionário emergiu, principalmente, devido a uma
profunda cisão entre o homem e o mundo (causada por guerras, crises e
tragédias),   na   qual   o   ser   humano     percebeu     que    o   universo    era
incompreensível. Diante de imensa desilusão, passou-se a negar tudo o que se
pretendia fixo e tradicional. Em meio à tamanha conturbação, o Surrealismo
surge, na década de 1920, envolto em uma crise de valores que levaria a
angústia humana ao seu ápice. Como consequência disso, os membros do
grupo propuseram reduzir o desespero humano por meio de uma estética da
redenção, que ofertaria uma utopia do sonho (GOMES, A.C., 1994, p.16).
Sobre o início do movimento, Benjamin afirma que


                      Quando irrompeu sobre criadores sob a forma de uma vaga
                      inspiradora de sonhos, ele parecia algo de integral, definitivo e
                      absoluto. Tudo o que evocava se integrava nele. A vida só
                      parecia digna de ser vivida quando se dissolvia a fronteira entre
                      o sono e a vigília, permitindo a passagem em massa de figuras
                      ondulantes, e a linguagem e o sonho se interpenetravam, com
                      exatidão automática, de forma tão feliz que não sobrava a
                      mínima fresta para inserir a pequena moeda a que chamamos
                      “sentido” (1994, p.22).




                                                                                     8
Embora negue o passado, podem ser verificadas algumas heranças
que ajudaram a formar os princípios do movimento. Mesmo rejeitando o
egocentrismo e o sentimentalismo do Romantismo, o Surrealismo aderiu ao
culto da interioridade, ao senso do mistério e ao ímpeto revolucionário desse
estilo. Do Dadaísmo, ele herdou o humor negro, a busca pelo primitivo e pelo
absurdo, visando a provocação da burguesia e a redução dos estragos
causados pela I Guerra Mundial (1914-1918). O movimento também sofreu
influências do socialismo utópico (Karl Marx e Friedrich Engels), do Simbolismo
(com imagens de duplo sentido e/ou andróginas), do Maneirismo e da
psicanálise, como cita Gombrich:


                     Muitos     dos      surrealistas  estavam     profundamente
                     impressionados com os escritos de Sigmund Freud, segundo o
                     qual, quando nossos pensamentos em estado vígil ficam
                     entorpecidos, a criança e o selvagem que existem em nós
                     passam a dominar [...] Podiam admitir que a razão pode dar-
                     nos a ciência, mas afirmavam que só a não-razão pode dar-nos
                     a arte (2000, p.592).



          André Breton, escritor francês e teórico surrealista, inspirou-se em
parte nos efeitos desorientadores dos dadaístas para escrever o Manifesto
Surrealista, publicado em 1924. A obra, no entanto, desvia-se do puro instinto
pregado, buscando a instauração de um método, baseado no desejo de
superar o niilismo e resgatar o homem por meio de utopias que modificariam a
realidade. O que Breton pressente são as energias revolucionárias presentes
nos objetos à volta, e esses autores surrealistas, segundo Benjamin (1994),
são os primeiros, a ler a situação por meio da interpretação dos sinais
presentes nos objetos à volta, a compreender “melhor que ninguém, a relação
entre os objetos [antigos, que começam a extinguir-se] e a instalação de uma
revolução”.
                     “Antes deles [os autores surrealistas] ninguém ainda havia
                     percebido os sinais presentes nos objetos, ninguém havia
                     percebido de que modo a miséria, não somente social como
                     arquitetônica, a miséria dos interiores, as coisas escravizadas e
                     escravizantes transformavam-se em niilismo revolucionário”
                     (BENJAMIN, 1994, p.25).



                                                                                    9
Em 1929, Breton publica seu segundo manifesto, enfatizando a
finalidade do movimento e explicando as dissidências surgidas no grupo. No
ano de 1942, o Surrealismo iniciou sua internacionalização, com a fundação da
revista VVV, nos Estados Unidos.


          Dentro de sua estética de excessos, os surrealistas rejeitavam a
simplicidade e os limites em busca da intensificação do potencial psíquico do
homem. Revelaram uma postura revolucionária e voltada para o futuro ao
refletir o momento entre guerras, a decadência da cultura e o consumismo
doentio. Mas seu principal objetivo era o conhecimento, fato que levou Breton a
considerar o automatismo como o primeiro passo para alcançá-lo. Tal técnica
consiste na perfeita integração do pensamento e de sua expressão, resultando
na “escrita automática” ou no “pensamento falado”. Como consequências têm-
se a revelação da espontaneidade e do acaso, que permitem a criação de
novas figurações.


          Através do automatismo, o homem eliminaria o pensamento
tradicional e o apego ao utilitarismo, impostos pela burguesia, superando a
lógica, a ética e as censuras e conquistando, consequentemente, a liberdade e
o maravilhoso. Isso era considerado necessário, pois o sistema sociocultural
burguês, segundo os surrealistas, eliminava o acaso da existência humana,
extinguindo o mistério, a aventura e a renovação. O homem tornar-se-ia, então,
um ser domesticado, com desejo e prazer reprimidos. A válvula de escape
dessa “prisão” seria o sonho que, de acordo com Freud (1980, p.680), que “não
é nada mais do que a continuação do pensamento durante o estado de vigília”.


          Ao observar, em Freud, a possibilidade de comunicação entre o
estado de vigília com os sonhos, Breton percebeu que eles poderiam fornecer
explicações para aspectos fundamentais da vida, sendo ainda uma poderosa
fonte de prazer, isto é, através dos sonhos e da imaginação, o homem poderia
alcançar a unificação entre o mundo exterior e interior, criando uma
suprarrealidade. Como explica Michel Carrouges (1968, apud GOMES, A.C.,
p.26), o acaso, também conhecido como pensamento não-dirigido, é:



                                                                            10
O conjunto de premonições, de reencontros insólitos e de
                     coincidências estupefacientes, que manifestam de tempos a
                     tempos na vida humana. Estes fenômenos aparecem como os
                     sinais de uma vida maravilhosa que viria a revelar-se por
                     intermitências, no curso da vida cotidiana.


          Diante de todos esses princípios, a obra de arte surrealista não
pretendia produzir uma satisfação estética no sentido clássico do termo. Ao
contrário, ela buscava “criar uma irritação intelectual, o sentimento de uma
falta, um desafio ou uma provocação” (BRÉCHON, 1971, p.154). Como
resultado, tem-se uma arte sempre contraditória em si mesma, inquietadora e
criadora de abismos, pois objetiva conscientemente à desorientação a fim de
tirar o homem do marasmo imposto pela sociedade burguesa. É, exatamente, a
partir desse objetivo que o Surrealismo encontra no grotesco um meio de
fantasiar e de incomodar o receptor/espectador.




          2. O grotesco


          A palavra “grotesco” deriva-se de gruta (grotta, em italiano) e surgiu
no final do século XV, quando escavações feitas no porão do palácio romano
de Nero, em frente ao Coliseu, nos subterrâneos das Termas de Tito e em
outros lugares da Itália, encontraram ornamentos incomuns, na forma de
vegetais, abismos e caracóis, que fascinaram os artistas da época (SODRÉ;
PAIVA, 2002, p.28-29). Tais peças possuíam formas que pareciam proceder do
universo onírico, diferentes de tudo que se conhecia. A partir dessa descoberta,
o grotesco passou a ser associado ao disforme e ao universo dos sonhos,
prestando-se a transformações metafóricas.


          O fenômeno ganha, no século XIX, caráter de categoria estética com
o poeta francês Victor Hugo que, ao escrever o prefácio de Cromwell (em
1827), revela que a forma grotesca está presente na natureza e no mundo à
nossa volta, e que o belo e o feio, assim como o grotesco e o sublime, podem
caminhar lado a lado (HUGO, 2007, p.26). Com esse prefácio – que,
posteriormente, tornou-se o livro Do grotesco e do sublime –, o gosto clássico é



                                                                             11
rompido e cria-se uma estética em que a genialidade se faz mais importante
que o gosto. A partir do choque e da provocação de um mal-estar, Hugo propôs
a criação de algo novo que não separasse os gêneros e que, ao mesmo tempo,
revelasse a complexidade total do homem, adentrando seu interior e exterior,
exatamente, como no Surrealismo.


           Segundo Sodré e Paiva (2002, p.55), o grotesco pode surgir na
visão de quem sonha, de quem devaneia, tendo destaque as formas
monstruosas, mas também podendo ocorrer formas que produzam um
“estranhamento” do mundo. O onírico se faz presente também no grotesco,
interligando o espaço visível e o oculto e criando figurações que transgridem as
fronteiras natureza/cultura e os reinos animal/humano. Essa busca pela
espontaneidade imaginativa dos modos de ser é uma herança dos maneiristas
e reflete-se na constante fuga do tradicional e do lógico.


           O grotesco “é o belo de cabeça para baixo”, disse Sodré e Paiva
(2002), e funciona por catástrofe, através de uma mutação brusca, de uma
deformação inesperada. Geralmente, é resultado de um conflito entre cultura e
corporalidade, apresentando-se como outro estado da consciência. As reações
que provoca são diversificadas, variando entre o riso, o horror, o espanto e/ou
a repulsa. Sua presença pode ocorrer de várias maneiras, pois como afirma
Victor Hugo (2007, p.36), “o belo tem somente um tipo; o feio tem mil”. Dentre
as principais, podemos citar o contraste, o exagero na absorção de outras
culturas, as aberrações, os aspectos bizarros do comportamento humano, as
disparidades sociais chocantes, o humor negro/sarcasmo, a humilhação, a
animalidade, corpos despedaçados e descrições detalhadas de feridas.


           No cinema, de acordo com Sodré e Paiva (2002, p.68-69), o
grotesco é representado como suporte imagístico, assumindo diversas
espécies, como o escatológico - envolvendo dejetos humanos, secreções e
partes baixas do corpo; o teratológico – com referências risíveis a aberrações e
deformações; o chocante – visando à provocação de um choque perceptivo, e
o crítico, cujo objetivo é desmascarar convenções e ideais, levando, inclusive, a
uma reflexão social.


                                                                              12
3. O grotesco em Um cão andaluz


          O    Surrealismo   posicionou-se    completamente      favorável    ao
maquinismo, que era visto por seus membros como símbolo da sensibilidade
do homem moderno e sua consequente extensão. Eles exaltavam o progresso,
impulsionados pela Revolução Industrial e Francesa (ambas em finais do
século XVIII). Dessa forma, o cinema aparece como uma síntese da imagem e
da velocidade do século XX, cuja junção dos meios visual e sonoro permitiria
aos surrealistas expressar com clareza suas ideias. Aliado a isso, o fato de o
espectador estar em uma sala escura para assistir ao filme favorecia o
desenvolvimento do onírico, simulando um estado de hipnose e estimulando o
mistério. Jean Epstein (apud XAVIER, 1983, p.297) afirma que


                    Do mesmo modo que o sonho, o filme pode desenvolver um
                    tempo próprio, capaz de diferir amplamente do tempo da vida
                    exterior; de ser mais lento ou mais rápido do que este. Todas
                    essas características comuns desenvolvem e apoiam uma
                    identidade fundamental de natureza, uma vez que ambos, filme
                    e sonho, constituem discursos visuais.



          Sabemos que na realização de um filme, seu diretor poderá optar
por diversos caminhos, contando sua história por meio de diferentes
linguagens, e dentre elas poderá usar do Realismo e suas variadas vertentes
(neo-realismo, realismo poético, realismo socialista); ou do Idealismo, ou
Intimismo – que tem seu ápice na idade de ouro do cinema americano, entre os
anos 30 e 40; poderá optar também pela linguagem expressionista, remetendo-
nos à Alemanha dos anos 10 e 20; ou, como veremos, utilizar-se da linguagem
surrealista, que tem em Luis Buñuel a sua maior expressão. Evidentemente, o
grande público encontrará maior afinidade com o Realismo e o Intimismo, uma
vez que não observará, num filme surrealista, as rotas conhecidas do
pensamento lógico, sequências que trazem respostas – muitas vezes já
conhecidas –, roteiros que nos transportam com facilidade por temas
autoexplicativos.
          Na obra surrealista o espectador encontrará o impacto do non
sense, o susto pelo não conhecido, carecerá da coerência lógica e do trânsito



                                                                              13
por lugares reconhecíveis, emergindo, muitas vezes, uma inevitável sensação
de confusão. No desejo de provocar tais sensações, Luis Buñuel e Salvador
Dalí conseguiram retratar em Um cão andaluz, praticamente todos esses ideais
surrealistas, antes mesmo de se inserirem no grupo. O filme inverteu os
princípios da cinematografia clássica, como a clareza, a homogeneidade, a
linearidade e a coerência da narrativa, abolindo a referência do tempo e do
espaço,   explorando    imagens    mentais   e   confundindo    subjetividade   e
objetividade.


          A busca na realização do desejo sexual é o principal objetivo do
filme, que utiliza o grotesco em diversas cenas para revelar suas propostas
relacionadas ao amor impossível, à obsessão pelo corpo feminino e à dúvida
da sexualidade de alguns de seus personagens. E Dali traz, segundo Argan
(1992, p.364), “à visão onírica e plena de implicações sensuais um delírio
próprio de grandeza, uma empolada retórica espanholesca e neobarroca, uma
repugnante mescla de lúbrico e sagrado”.


          Para analisarmos a presença dessa estética em Um cão andaluz,
foram selecionadas algumas sequências que retratam de diferentes formas o
grotesco e sua importância para o Surrealismo. São elas (por ordem de
aparição): o homem cortando o olho de uma mulher com uma navalha; uma
moça mexendo em uma mão decepada com uma vara e, em seguida, sendo
atropelada; homem atacando a mulher e logo carregando o burro morto e os
padres; e finalmente, homem com a boca substituída por pelos da axila de sua
amada.


          Na primeira sequência selecionada, vê-se um homem afiando uma
navalha, e o corte em sua unha com o objeto retrata o masoquismo em uma
cena grotesca, causando arrepios em boa parte dos espectadores. Em
seguida, o personagem vê uma nuvem “cortar” a lua e, essa cena
aparentemente delicada o inspira a rasgar, com a navalha, o olho da mulher.
Esse ato de extrema violência, contraditoriamente, não sofre nenhuma
resistência por parte da mutilada, que se mostra tranquila e receptiva.



                                                                                14
Figura 1: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928.



          Essa disparidade entre um fenômeno natural e romântico e um ato
de extrema brutalidade revela o aspecto sádico do comportamento humano,
em que a mutilação do corpo é utilizada para promover um sentimento de
repulsa e pavor no espectador. Nesta sequência, podemos destacar o grotesco
chocante e o escatológico, sendo que este último é percebido pela secreção
que escorre do olho ao ser cortado.


          O olho foi um tema recorrente entre os surrealistas, que o viam
como a ligação humana mais forte entre o mundo exterior e o mundo interior.
Assim, podemos cogitar, de acordo com Zani (2001, p.103), que, ao cortar o
olho da personagem com uma navalha, o homem rompe essa barreira, criando
uma ponte entre esses universos que o possibilitaria alcançar o acaso.


          Em outra sequência, vê-se uma mulher, de aspecto andrógino,
extremamente interessada em uma mão decepada, localizada no meio de uma
rua. Sem esboçar nenhuma expressão de espanto ou nojo, ela cutuca a mão
com uma bengala até que um policial coloca aquele membro em uma caixinha
e a entrega para a moça, que abraça com força aquele objeto contra o peito.
Neste momento, verifica-se certa intimidade da personagem com a mão
decepada (ou talvez com o dono da mesma), mais uma vez revelando o
grotesco, aqui por meio do prazer demonstrado no abraço àquela parte
mutilada de um corpo humano.




                                                                                    15
Figura 2: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928.


          Também é possível observar a presença dessa estética através da
dúvida inicial que se tem sobre o gênero sexual da personagem, que utiliza um
corte de cabelo e trajes bastante masculinos. Cenas como esta, envolvendo
androginia, geralmente, fornecem incoerentes momentos de riso devido ao
rebaixamento sofrido por tudo que é incomum e ilógico na sociedade. Da
mesma forma o ciclista também pode ser visto como grotesco na medida em
que provoca o riso por vestir-se com babados em volta do pescoço e da
cintura, e com uma touca na cabeça.


          Voltando à sequência da mulher abraçando a caixinha que contém a
mão decepada, vê-se em seguida, um casal observando-a da janela de uma
casa. O homem está ansioso, parecendo desejar que um carro atropele a moça
na rua. Ele olha freneticamente para os carros que passam, apresentando o
sadismo como um meio de satisfação individual. Finalmente, a moça é
atropelada. O homem, agora excitado, investe para a mulher que se encontra
no quarto com ele. Nessa cena, o grotesco atinge seu ápice no momento em
que o homem toca os seios da mulher e começa a babar, aparentando estar
completamente fora de si.




                                                                                   16
Figura 3: Cenas de Um cão Andaluz, Luis Buñuel, 1928.    Figura 4: Cenas de Um cão Andaluz, Luis Buñuel, 1928.




                                   Figura 5: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928.


              Na sequência dessa ação, observa-se a presença do grotesco
crítico, quando a mulher tenta fugir e o homem carrega sobre suas costas as
tábuas dos dez mandamentos, arrasta padres pelo chão e puxa um burro morto
sobre um piano de cauda. Essa cena talvez possa ser vista como uma alusão
ao peso da racionalidade na sociedade, que impede o homem de concretizar
seus desejos. O humor negro aparece na figura dos padres, que representam a
Igreja Católica reprimindo a liberdade humana – alusão à revolta amarga e
apaixonada contra o catolicismo, em cujo bojo é engendrado o surrealismo
(BENJAMIN, 1994, p.23) – e também com o piano, que pode ser visto como a
burguesia impondo seu sistema repressor do pensamento (ZANI, 2001, p.78) –
a burguesia artificialmente honesta, aquela que mantém uma relação
ideológica com a virtude (Idem, p.31).




                                                                                                           17
Figura 6: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928.



          Outra cena de estética grotesca ocorre quando um casal se
reencontra, mas o espectador percebe que a não-concretização do amor
prevalecerá, pois a boca do homem desaparece de seu rosto. A mulher tenta
recompô-la passando batom em si mesma, mas surgem na face do rapaz os
pelos da axila da mulher. Essa cena bizarra revela o grotesco teratológico e
incita, ao mesmo tempo, o asco e o riso no espectador.




                          Figura 7: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928.



          Analisando essas sequências, podemos concluir que “Um cão
andaluz” trabalhou o grotesco como um elemento indispensável para se
conseguir objetivar o mundo interno dos surrealistas, o inconsciente. Se o
consciente é a região do distinto, o inconsciente é a região do indistinto: onde o


                                                                                     18
ser humano não objetiva a realidade, mas constitui uma realidade com ela
(Argan, 1992, p.360). Como afirma Robert Stam (2000, p.46), o Surrealismo fez
uso do excesso imagético e do estilo grotesco para romper com o puritanismo
e as regras da sociedade rígida e de gosto neoclássico do começo do século
XX. Dessa forma, compreende-se que a intenção de Luis Buñuel e Salvador
Dalí em provocar choque foi calculada, e pretendia provocar aversão no
espectador, através justamente de cenas grotescas que revelam desejos e
comportamentos bizarros do ser humano – que, no entanto, dentro do
pensamento surreal, só são considerados incomuns devido à repressão do
pensamento, promovida pela burguesia, em sua artificial honestidade.


          Assim, através da valorização do inconsciente e do onírico, podemos
sintetizar a importância do grotesco para Um cão andaluz e para todo o
movimento surrealista com as palavras de Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002,
p.39), afirmando que:


                     O grotesco é aí, propriamente, a sensibilidade espontânea de
                     uma forma de vida. É algo que ameaça continuamente
                     qualquer representação (escrita, visual) ou comportamento
                     marcado pela excessiva idealização. Pelo ridículo ou pela
                     estranheza, pode fazer descer ao chão tudo aquilo que a ideia
                     eleva alto demais.

          Vimos, então, que a presença do grotesco caracteriza a obra
surrealista de Buñuel e Dalí, e aqui buscamos pontuá-lo, tendo como principal
objetivo provocarmos a reflexão sobre tal estética. Distantes da intenção de
nos aproximarmos de qualquer juízo, lembramos aqui, embora sem tomarmos
como verdade única, o que há muito foi exposto por Matisse (ARGAN, 1992,
p.235), ao declarar que não é possível distinguir entre uma imagem bela ou
feia, pois, segundo o artista, essa distinção só pode ser aplicada às coisas pelo
prazer ou dor que provocam ao homem. Para ele, as imagens estão além de
qualquer possibilidade de juízo, pois escolher... Seria renunciar.




                                                                               19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




ARGAN, Giulio Carlo. A arte moderna. Trad. Denise Bottmann e Federico
Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história e cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7ª ed., São Paulo: Brasiliense,
1994.

BRÉCHON, Robert. Le Surréalisme. 2 ed. Paris: Armand Colin, 1971.

FREUD, Sigmund. “O estranho”, in: Obras psicológicas completas de Sigmund
Freud volume XVII. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1980.

GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. Trad.: Álvaro Cabral. 16 ed. Rio de
Janeiro: LTC, 2000.

GOMES, Álvaro Cardoso. A estética            surrealista:   textos   doutrinários
comentados. São Paulo: Atlas, 1994.

GOMES, Paulo Emílio Sales. Surrealismo e cinema, in: Crítica no Suplemento
Literário – vol. I. Coleção Cinema. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. Trad.: Célia Berretini. São Paulo:
Perspectiva, 2007.

SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: Mauad,
2002.

STAM, Robert. Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. Trad.: Heloísa
Jahn. Série Temas. São Paulo, Ática, 2000.

XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema: antologia. Trad.: Teresa
Machado. Coleção de Arte e Cultura. Rio de Janeiro:Edições Graal/Embrafilme,
1983.

ZANI, R. Intertextualidades em Um cão andaluz: pinturas em fotogramas. 2001.
209 f. Dissertação (Mestrado em Multimeios) - Universidade Estadual de
Campinas, São Paulo, 2001.




                                                                              20

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A estética do grotesco em "Um cão andaluz"

  • 1. INSTITUTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA DE GOIÁS IFITEG A ESTÉTICA DO GROTESCO NO FILME “UM CÃO ANDALUZ” Andreia Morais de Deus GOIÂNIA 2010
  • 2. INSTITUTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA DE GOIÁS IFITEG A ESTÉTICA DO GROTESCO NO FILME “UM CÃO ANDALUZ” Andreia Morais de Deus Orientadora: Profª Ms.Vera Bergerot Artigo apresentado ao Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás, como requisito para aprovação na especialização em Filosofia da Arte. GOIÂNIA 2010 2
  • 3. Agradecimentos À Profª. Ms. Vera Bergerot, orientadora deste estudo, por toda dedicação, atenção dispensada e conhecimento compartilhado. Ao meu amigo Rafael de Almeida, sempre disposto a contribuir com ricas informações. 3
  • 4. SUMÁRIO Resumo.......................................................................................................... 5 Abstract.......................................................................................................... 6 Artigo: A estética do grotesco no filme Um cão andaluz................................ 7 1. O Surrealismo.............................................................................. 8 2. O grotesco.................................................................................. 11 3. O grotesco em “Um cão andaluz”.............................................. 13 Imagens Figura 1: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 15 Figura 2: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 16 Figura 3: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 17 Figura 4: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 17 Figura 5: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 17 Figura 6: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 18 Figura 7: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel,......................... 18 Referências Bibliográficas........................................................................ 20 4
  • 5. RESUMO Este artigo pretende analisar a presença do grotesco como estética do filme “Um cão andaluz”, produzido em 1928, por Luis Buñuel e Salvador Dalí. A obra, considerada como um marco do Surrealismo, é repleta de cenas chocantes, em que o bizarro e o onírico predominam como formas de se alcançar a concretização dos desejos humanos. Através da constatação das funções e intenções do uso do grotesco nesta obra cinematográfica, será possível compreender sua importância para esse movimento artístico. Palavras-chave: Grotesco, Surrealismo, Cinema 5
  • 6. ABSTRACT This article aims to analyze the presence of the grotesque as an aesthetic of the film "An Andalusian dog”, produced in 1928 by Luis Buñuel and Salvador Dali. The work, considered a landmark of Surrealism, is full of shocking scenes, where the bizarre and dreamlike predominate as ways of achieving the realization of human desires. Through the observation of the roles and intentions of the use of the grotesque in this film work, it will be possible to understand its importance to this art movement. Key-words: Grotesque, Surrealism, Cinema 6
  • 7. A ESTÉTICA DO GROTESCO NO FILME “UM CÃO ANDALUZ” Este artigo pretende analisar a presença do grotesco no curta- metragem “Um cão andaluz”, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, verificando sua plena integração com o movimento surrealista a fim de compreender a relevância dessa estética para o movimento. Escrito e filmado em 1928, o roteiro do filme, de apenas dezessete minutos, originou-se a partir de um sonho do cineasta espanhol Luis Buñuel (1900-1983) e de um sonho do pintor, também espanhol, Salvador Dalí (1904- 1989). As imagens presentes nos sonhos dos autores – um olho cortado e uma mão coberta por formigas –, aparentemente sem ligação direta com o real, deram início ao roteiro que tinha como objetivo mostrar a irrealidade sob a ótica cinematográfica. Para isso, nenhuma cena que pudesse ter relação racional com a realidade poderia ser inserida, sendo permitidas apenas ideias com isenção lógica, sem explicações possíveis. A escolha de uma obra cinematográfica, e não de uma pintura ou texto literário, ocorreu devido ao fato de o cinema ter se tornado um dos campos propícios para o desenvolvimento das ideias surrealistas, na medida em que sua linguagem estimulava a simulação de um enredo onírico, em que a composição de uma narrativa não linear, a sincronia imagem-som e o enquadramento dos planos permitiam sugerir com perfeição o que se passa no inconsciente (ZANI, 2001, p.50). As características surrealistas predominam em todo o enredo e se misturam com aspectos do grotesco, podendo se observar essa fusão através do onírico (presente desde a inversão de papéis entre as personagens até a sugestão de transição espacial e temporal), do humor negro, da provocação ao clero e à burguesia, do bizarro e da obsessão pela mulher, entre outros aspectos. A exibição de “Um cão andaluz” foi a porta de entrada de Luís Buñuel e Salvador Dalí para o movimento surrealista, afinal a obra encantou tanto seus membros a ponto de até hoje ser considerado o mais autêntico filme 7
  • 8. surrealista já produzido, como afirma Paulo Emílio Sales Gomes (1981, p.198), “[...] resta o fato de serem Um cão andaluz e A Idade do Ouro os dois únicos filmes rigorosamente surrealistas de toda a história do cinema”. 1. O Surrealismo O Surrealismo integra uma das diversas correntes artísticas que constituíram o Modernismo, movimento iniciado no final do século XIX e que lutou de várias maneiras para romper com o passado e com a continuidade. Ganhou força durante o século XX, com a publicação do Manifesto Futurista (1909) e do Manifesto Dadá (1918), correntes que buscavam além da ruptura histórica, o choque e a quebra de uma constante social e artística, mas sem pretensões de se impor por muito tempo. Esse espírito revolucionário emergiu, principalmente, devido a uma profunda cisão entre o homem e o mundo (causada por guerras, crises e tragédias), na qual o ser humano percebeu que o universo era incompreensível. Diante de imensa desilusão, passou-se a negar tudo o que se pretendia fixo e tradicional. Em meio à tamanha conturbação, o Surrealismo surge, na década de 1920, envolto em uma crise de valores que levaria a angústia humana ao seu ápice. Como consequência disso, os membros do grupo propuseram reduzir o desespero humano por meio de uma estética da redenção, que ofertaria uma utopia do sonho (GOMES, A.C., 1994, p.16). Sobre o início do movimento, Benjamin afirma que Quando irrompeu sobre criadores sob a forma de uma vaga inspiradora de sonhos, ele parecia algo de integral, definitivo e absoluto. Tudo o que evocava se integrava nele. A vida só parecia digna de ser vivida quando se dissolvia a fronteira entre o sono e a vigília, permitindo a passagem em massa de figuras ondulantes, e a linguagem e o sonho se interpenetravam, com exatidão automática, de forma tão feliz que não sobrava a mínima fresta para inserir a pequena moeda a que chamamos “sentido” (1994, p.22). 8
  • 9. Embora negue o passado, podem ser verificadas algumas heranças que ajudaram a formar os princípios do movimento. Mesmo rejeitando o egocentrismo e o sentimentalismo do Romantismo, o Surrealismo aderiu ao culto da interioridade, ao senso do mistério e ao ímpeto revolucionário desse estilo. Do Dadaísmo, ele herdou o humor negro, a busca pelo primitivo e pelo absurdo, visando a provocação da burguesia e a redução dos estragos causados pela I Guerra Mundial (1914-1918). O movimento também sofreu influências do socialismo utópico (Karl Marx e Friedrich Engels), do Simbolismo (com imagens de duplo sentido e/ou andróginas), do Maneirismo e da psicanálise, como cita Gombrich: Muitos dos surrealistas estavam profundamente impressionados com os escritos de Sigmund Freud, segundo o qual, quando nossos pensamentos em estado vígil ficam entorpecidos, a criança e o selvagem que existem em nós passam a dominar [...] Podiam admitir que a razão pode dar- nos a ciência, mas afirmavam que só a não-razão pode dar-nos a arte (2000, p.592). André Breton, escritor francês e teórico surrealista, inspirou-se em parte nos efeitos desorientadores dos dadaístas para escrever o Manifesto Surrealista, publicado em 1924. A obra, no entanto, desvia-se do puro instinto pregado, buscando a instauração de um método, baseado no desejo de superar o niilismo e resgatar o homem por meio de utopias que modificariam a realidade. O que Breton pressente são as energias revolucionárias presentes nos objetos à volta, e esses autores surrealistas, segundo Benjamin (1994), são os primeiros, a ler a situação por meio da interpretação dos sinais presentes nos objetos à volta, a compreender “melhor que ninguém, a relação entre os objetos [antigos, que começam a extinguir-se] e a instalação de uma revolução”. “Antes deles [os autores surrealistas] ninguém ainda havia percebido os sinais presentes nos objetos, ninguém havia percebido de que modo a miséria, não somente social como arquitetônica, a miséria dos interiores, as coisas escravizadas e escravizantes transformavam-se em niilismo revolucionário” (BENJAMIN, 1994, p.25). 9
  • 10. Em 1929, Breton publica seu segundo manifesto, enfatizando a finalidade do movimento e explicando as dissidências surgidas no grupo. No ano de 1942, o Surrealismo iniciou sua internacionalização, com a fundação da revista VVV, nos Estados Unidos. Dentro de sua estética de excessos, os surrealistas rejeitavam a simplicidade e os limites em busca da intensificação do potencial psíquico do homem. Revelaram uma postura revolucionária e voltada para o futuro ao refletir o momento entre guerras, a decadência da cultura e o consumismo doentio. Mas seu principal objetivo era o conhecimento, fato que levou Breton a considerar o automatismo como o primeiro passo para alcançá-lo. Tal técnica consiste na perfeita integração do pensamento e de sua expressão, resultando na “escrita automática” ou no “pensamento falado”. Como consequências têm- se a revelação da espontaneidade e do acaso, que permitem a criação de novas figurações. Através do automatismo, o homem eliminaria o pensamento tradicional e o apego ao utilitarismo, impostos pela burguesia, superando a lógica, a ética e as censuras e conquistando, consequentemente, a liberdade e o maravilhoso. Isso era considerado necessário, pois o sistema sociocultural burguês, segundo os surrealistas, eliminava o acaso da existência humana, extinguindo o mistério, a aventura e a renovação. O homem tornar-se-ia, então, um ser domesticado, com desejo e prazer reprimidos. A válvula de escape dessa “prisão” seria o sonho que, de acordo com Freud (1980, p.680), que “não é nada mais do que a continuação do pensamento durante o estado de vigília”. Ao observar, em Freud, a possibilidade de comunicação entre o estado de vigília com os sonhos, Breton percebeu que eles poderiam fornecer explicações para aspectos fundamentais da vida, sendo ainda uma poderosa fonte de prazer, isto é, através dos sonhos e da imaginação, o homem poderia alcançar a unificação entre o mundo exterior e interior, criando uma suprarrealidade. Como explica Michel Carrouges (1968, apud GOMES, A.C., p.26), o acaso, também conhecido como pensamento não-dirigido, é: 10
  • 11. O conjunto de premonições, de reencontros insólitos e de coincidências estupefacientes, que manifestam de tempos a tempos na vida humana. Estes fenômenos aparecem como os sinais de uma vida maravilhosa que viria a revelar-se por intermitências, no curso da vida cotidiana. Diante de todos esses princípios, a obra de arte surrealista não pretendia produzir uma satisfação estética no sentido clássico do termo. Ao contrário, ela buscava “criar uma irritação intelectual, o sentimento de uma falta, um desafio ou uma provocação” (BRÉCHON, 1971, p.154). Como resultado, tem-se uma arte sempre contraditória em si mesma, inquietadora e criadora de abismos, pois objetiva conscientemente à desorientação a fim de tirar o homem do marasmo imposto pela sociedade burguesa. É, exatamente, a partir desse objetivo que o Surrealismo encontra no grotesco um meio de fantasiar e de incomodar o receptor/espectador. 2. O grotesco A palavra “grotesco” deriva-se de gruta (grotta, em italiano) e surgiu no final do século XV, quando escavações feitas no porão do palácio romano de Nero, em frente ao Coliseu, nos subterrâneos das Termas de Tito e em outros lugares da Itália, encontraram ornamentos incomuns, na forma de vegetais, abismos e caracóis, que fascinaram os artistas da época (SODRÉ; PAIVA, 2002, p.28-29). Tais peças possuíam formas que pareciam proceder do universo onírico, diferentes de tudo que se conhecia. A partir dessa descoberta, o grotesco passou a ser associado ao disforme e ao universo dos sonhos, prestando-se a transformações metafóricas. O fenômeno ganha, no século XIX, caráter de categoria estética com o poeta francês Victor Hugo que, ao escrever o prefácio de Cromwell (em 1827), revela que a forma grotesca está presente na natureza e no mundo à nossa volta, e que o belo e o feio, assim como o grotesco e o sublime, podem caminhar lado a lado (HUGO, 2007, p.26). Com esse prefácio – que, posteriormente, tornou-se o livro Do grotesco e do sublime –, o gosto clássico é 11
  • 12. rompido e cria-se uma estética em que a genialidade se faz mais importante que o gosto. A partir do choque e da provocação de um mal-estar, Hugo propôs a criação de algo novo que não separasse os gêneros e que, ao mesmo tempo, revelasse a complexidade total do homem, adentrando seu interior e exterior, exatamente, como no Surrealismo. Segundo Sodré e Paiva (2002, p.55), o grotesco pode surgir na visão de quem sonha, de quem devaneia, tendo destaque as formas monstruosas, mas também podendo ocorrer formas que produzam um “estranhamento” do mundo. O onírico se faz presente também no grotesco, interligando o espaço visível e o oculto e criando figurações que transgridem as fronteiras natureza/cultura e os reinos animal/humano. Essa busca pela espontaneidade imaginativa dos modos de ser é uma herança dos maneiristas e reflete-se na constante fuga do tradicional e do lógico. O grotesco “é o belo de cabeça para baixo”, disse Sodré e Paiva (2002), e funciona por catástrofe, através de uma mutação brusca, de uma deformação inesperada. Geralmente, é resultado de um conflito entre cultura e corporalidade, apresentando-se como outro estado da consciência. As reações que provoca são diversificadas, variando entre o riso, o horror, o espanto e/ou a repulsa. Sua presença pode ocorrer de várias maneiras, pois como afirma Victor Hugo (2007, p.36), “o belo tem somente um tipo; o feio tem mil”. Dentre as principais, podemos citar o contraste, o exagero na absorção de outras culturas, as aberrações, os aspectos bizarros do comportamento humano, as disparidades sociais chocantes, o humor negro/sarcasmo, a humilhação, a animalidade, corpos despedaçados e descrições detalhadas de feridas. No cinema, de acordo com Sodré e Paiva (2002, p.68-69), o grotesco é representado como suporte imagístico, assumindo diversas espécies, como o escatológico - envolvendo dejetos humanos, secreções e partes baixas do corpo; o teratológico – com referências risíveis a aberrações e deformações; o chocante – visando à provocação de um choque perceptivo, e o crítico, cujo objetivo é desmascarar convenções e ideais, levando, inclusive, a uma reflexão social. 12
  • 13. 3. O grotesco em Um cão andaluz O Surrealismo posicionou-se completamente favorável ao maquinismo, que era visto por seus membros como símbolo da sensibilidade do homem moderno e sua consequente extensão. Eles exaltavam o progresso, impulsionados pela Revolução Industrial e Francesa (ambas em finais do século XVIII). Dessa forma, o cinema aparece como uma síntese da imagem e da velocidade do século XX, cuja junção dos meios visual e sonoro permitiria aos surrealistas expressar com clareza suas ideias. Aliado a isso, o fato de o espectador estar em uma sala escura para assistir ao filme favorecia o desenvolvimento do onírico, simulando um estado de hipnose e estimulando o mistério. Jean Epstein (apud XAVIER, 1983, p.297) afirma que Do mesmo modo que o sonho, o filme pode desenvolver um tempo próprio, capaz de diferir amplamente do tempo da vida exterior; de ser mais lento ou mais rápido do que este. Todas essas características comuns desenvolvem e apoiam uma identidade fundamental de natureza, uma vez que ambos, filme e sonho, constituem discursos visuais. Sabemos que na realização de um filme, seu diretor poderá optar por diversos caminhos, contando sua história por meio de diferentes linguagens, e dentre elas poderá usar do Realismo e suas variadas vertentes (neo-realismo, realismo poético, realismo socialista); ou do Idealismo, ou Intimismo – que tem seu ápice na idade de ouro do cinema americano, entre os anos 30 e 40; poderá optar também pela linguagem expressionista, remetendo- nos à Alemanha dos anos 10 e 20; ou, como veremos, utilizar-se da linguagem surrealista, que tem em Luis Buñuel a sua maior expressão. Evidentemente, o grande público encontrará maior afinidade com o Realismo e o Intimismo, uma vez que não observará, num filme surrealista, as rotas conhecidas do pensamento lógico, sequências que trazem respostas – muitas vezes já conhecidas –, roteiros que nos transportam com facilidade por temas autoexplicativos. Na obra surrealista o espectador encontrará o impacto do non sense, o susto pelo não conhecido, carecerá da coerência lógica e do trânsito 13
  • 14. por lugares reconhecíveis, emergindo, muitas vezes, uma inevitável sensação de confusão. No desejo de provocar tais sensações, Luis Buñuel e Salvador Dalí conseguiram retratar em Um cão andaluz, praticamente todos esses ideais surrealistas, antes mesmo de se inserirem no grupo. O filme inverteu os princípios da cinematografia clássica, como a clareza, a homogeneidade, a linearidade e a coerência da narrativa, abolindo a referência do tempo e do espaço, explorando imagens mentais e confundindo subjetividade e objetividade. A busca na realização do desejo sexual é o principal objetivo do filme, que utiliza o grotesco em diversas cenas para revelar suas propostas relacionadas ao amor impossível, à obsessão pelo corpo feminino e à dúvida da sexualidade de alguns de seus personagens. E Dali traz, segundo Argan (1992, p.364), “à visão onírica e plena de implicações sensuais um delírio próprio de grandeza, uma empolada retórica espanholesca e neobarroca, uma repugnante mescla de lúbrico e sagrado”. Para analisarmos a presença dessa estética em Um cão andaluz, foram selecionadas algumas sequências que retratam de diferentes formas o grotesco e sua importância para o Surrealismo. São elas (por ordem de aparição): o homem cortando o olho de uma mulher com uma navalha; uma moça mexendo em uma mão decepada com uma vara e, em seguida, sendo atropelada; homem atacando a mulher e logo carregando o burro morto e os padres; e finalmente, homem com a boca substituída por pelos da axila de sua amada. Na primeira sequência selecionada, vê-se um homem afiando uma navalha, e o corte em sua unha com o objeto retrata o masoquismo em uma cena grotesca, causando arrepios em boa parte dos espectadores. Em seguida, o personagem vê uma nuvem “cortar” a lua e, essa cena aparentemente delicada o inspira a rasgar, com a navalha, o olho da mulher. Esse ato de extrema violência, contraditoriamente, não sofre nenhuma resistência por parte da mutilada, que se mostra tranquila e receptiva. 14
  • 15. Figura 1: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928. Essa disparidade entre um fenômeno natural e romântico e um ato de extrema brutalidade revela o aspecto sádico do comportamento humano, em que a mutilação do corpo é utilizada para promover um sentimento de repulsa e pavor no espectador. Nesta sequência, podemos destacar o grotesco chocante e o escatológico, sendo que este último é percebido pela secreção que escorre do olho ao ser cortado. O olho foi um tema recorrente entre os surrealistas, que o viam como a ligação humana mais forte entre o mundo exterior e o mundo interior. Assim, podemos cogitar, de acordo com Zani (2001, p.103), que, ao cortar o olho da personagem com uma navalha, o homem rompe essa barreira, criando uma ponte entre esses universos que o possibilitaria alcançar o acaso. Em outra sequência, vê-se uma mulher, de aspecto andrógino, extremamente interessada em uma mão decepada, localizada no meio de uma rua. Sem esboçar nenhuma expressão de espanto ou nojo, ela cutuca a mão com uma bengala até que um policial coloca aquele membro em uma caixinha e a entrega para a moça, que abraça com força aquele objeto contra o peito. Neste momento, verifica-se certa intimidade da personagem com a mão decepada (ou talvez com o dono da mesma), mais uma vez revelando o grotesco, aqui por meio do prazer demonstrado no abraço àquela parte mutilada de um corpo humano. 15
  • 16. Figura 2: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928. Também é possível observar a presença dessa estética através da dúvida inicial que se tem sobre o gênero sexual da personagem, que utiliza um corte de cabelo e trajes bastante masculinos. Cenas como esta, envolvendo androginia, geralmente, fornecem incoerentes momentos de riso devido ao rebaixamento sofrido por tudo que é incomum e ilógico na sociedade. Da mesma forma o ciclista também pode ser visto como grotesco na medida em que provoca o riso por vestir-se com babados em volta do pescoço e da cintura, e com uma touca na cabeça. Voltando à sequência da mulher abraçando a caixinha que contém a mão decepada, vê-se em seguida, um casal observando-a da janela de uma casa. O homem está ansioso, parecendo desejar que um carro atropele a moça na rua. Ele olha freneticamente para os carros que passam, apresentando o sadismo como um meio de satisfação individual. Finalmente, a moça é atropelada. O homem, agora excitado, investe para a mulher que se encontra no quarto com ele. Nessa cena, o grotesco atinge seu ápice no momento em que o homem toca os seios da mulher e começa a babar, aparentando estar completamente fora de si. 16
  • 17. Figura 3: Cenas de Um cão Andaluz, Luis Buñuel, 1928. Figura 4: Cenas de Um cão Andaluz, Luis Buñuel, 1928. Figura 5: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928. Na sequência dessa ação, observa-se a presença do grotesco crítico, quando a mulher tenta fugir e o homem carrega sobre suas costas as tábuas dos dez mandamentos, arrasta padres pelo chão e puxa um burro morto sobre um piano de cauda. Essa cena talvez possa ser vista como uma alusão ao peso da racionalidade na sociedade, que impede o homem de concretizar seus desejos. O humor negro aparece na figura dos padres, que representam a Igreja Católica reprimindo a liberdade humana – alusão à revolta amarga e apaixonada contra o catolicismo, em cujo bojo é engendrado o surrealismo (BENJAMIN, 1994, p.23) – e também com o piano, que pode ser visto como a burguesia impondo seu sistema repressor do pensamento (ZANI, 2001, p.78) – a burguesia artificialmente honesta, aquela que mantém uma relação ideológica com a virtude (Idem, p.31). 17
  • 18. Figura 6: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928. Outra cena de estética grotesca ocorre quando um casal se reencontra, mas o espectador percebe que a não-concretização do amor prevalecerá, pois a boca do homem desaparece de seu rosto. A mulher tenta recompô-la passando batom em si mesma, mas surgem na face do rapaz os pelos da axila da mulher. Essa cena bizarra revela o grotesco teratológico e incita, ao mesmo tempo, o asco e o riso no espectador. Figura 7: Cenas de Um cão Andaluz, de Luis Buñuel, 1928. Analisando essas sequências, podemos concluir que “Um cão andaluz” trabalhou o grotesco como um elemento indispensável para se conseguir objetivar o mundo interno dos surrealistas, o inconsciente. Se o consciente é a região do distinto, o inconsciente é a região do indistinto: onde o 18
  • 19. ser humano não objetiva a realidade, mas constitui uma realidade com ela (Argan, 1992, p.360). Como afirma Robert Stam (2000, p.46), o Surrealismo fez uso do excesso imagético e do estilo grotesco para romper com o puritanismo e as regras da sociedade rígida e de gosto neoclássico do começo do século XX. Dessa forma, compreende-se que a intenção de Luis Buñuel e Salvador Dalí em provocar choque foi calculada, e pretendia provocar aversão no espectador, através justamente de cenas grotescas que revelam desejos e comportamentos bizarros do ser humano – que, no entanto, dentro do pensamento surreal, só são considerados incomuns devido à repressão do pensamento, promovida pela burguesia, em sua artificial honestidade. Assim, através da valorização do inconsciente e do onírico, podemos sintetizar a importância do grotesco para Um cão andaluz e para todo o movimento surrealista com as palavras de Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002, p.39), afirmando que: O grotesco é aí, propriamente, a sensibilidade espontânea de uma forma de vida. É algo que ameaça continuamente qualquer representação (escrita, visual) ou comportamento marcado pela excessiva idealização. Pelo ridículo ou pela estranheza, pode fazer descer ao chão tudo aquilo que a ideia eleva alto demais. Vimos, então, que a presença do grotesco caracteriza a obra surrealista de Buñuel e Dalí, e aqui buscamos pontuá-lo, tendo como principal objetivo provocarmos a reflexão sobre tal estética. Distantes da intenção de nos aproximarmos de qualquer juízo, lembramos aqui, embora sem tomarmos como verdade única, o que há muito foi exposto por Matisse (ARGAN, 1992, p.235), ao declarar que não é possível distinguir entre uma imagem bela ou feia, pois, segundo o artista, essa distinção só pode ser aplicada às coisas pelo prazer ou dor que provocam ao homem. Para ele, as imagens estão além de qualquer possibilidade de juízo, pois escolher... Seria renunciar. 19
  • 20. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGAN, Giulio Carlo. A arte moderna. Trad. Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história e cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1994. BRÉCHON, Robert. Le Surréalisme. 2 ed. Paris: Armand Colin, 1971. FREUD, Sigmund. “O estranho”, in: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud volume XVII. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1980. GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. Trad.: Álvaro Cabral. 16 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000. GOMES, Álvaro Cardoso. A estética surrealista: textos doutrinários comentados. São Paulo: Atlas, 1994. GOMES, Paulo Emílio Sales. Surrealismo e cinema, in: Crítica no Suplemento Literário – vol. I. Coleção Cinema. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. Trad.: Célia Berretini. São Paulo: Perspectiva, 2007. SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. STAM, Robert. Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. Trad.: Heloísa Jahn. Série Temas. São Paulo, Ática, 2000. XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema: antologia. Trad.: Teresa Machado. Coleção de Arte e Cultura. Rio de Janeiro:Edições Graal/Embrafilme, 1983. ZANI, R. Intertextualidades em Um cão andaluz: pinturas em fotogramas. 2001. 209 f. Dissertação (Mestrado em Multimeios) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2001. 20