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TRÊS GERAÇÕES
        DE POLÍTICAS SOCIAIS
                    Augusto de Franco
                    Carta DLIS 32 (16/04/2003)



Carta DLIS era uma comunicação pessoal de Augusto de Franco
enviada quinzenalmente, desde 2001, para milhares de agentes de
desenvolvimento e outras pessoas interessadas no assunto, do Brasil
e de alguns países de língua portuguesa e espanhola. Posteriormente
a Carta DLIS passou a se chamar Carta Capital Social e, em seguida,
Carta Rede Social. A penúltima Carta Rede Social, de número 209, foi
enviada para 10 mil destinatários em 28/02/2010. A última carta –
Carta Rede Social 210 – ainda será enviada, explicando os motivos
pelos quais o autor abandonou esse tipo de mídia (e-mail) um-para-
muitos.



                             [Excertos]

Dando seguimento à investigação sobre a chamada revolução do
local, comecei a abordar, na ‘Carta DLIS 31’, o tema da glocalização.
Meu propósito, nesta ‘Carta DLIS 32’, era prosseguir no assunto
examinando as escolhas políticas que poderiam nos levar na direção
da nova realidade glocal e aquelas que, ao contrário, nos afastariam
desse caminho.

Todavia, um recente debate provocado por um Agente de
Desenvolvimento do ‘Projeto Comunidade Que Faz’, em uma lista
virtual de discussão da qual participam cerca de 200 agentes, me
levou a tomar outra decisão. O mencionado agente (cujo nome vou
omitir para preservar a sua privacidade) manifestou sua preocupação
com a continuidade do DLIS como política pública neste início de
2003 no Brasil.

Enviei para ele (e para todos os Agentes de Desenvolvimento da lista)
a minha visão particular do problema. No entanto, considerando que
os leitores das ‘Cartas DLIS’, como você, também podem estar



                                 1
interessados no assunto, resolvi compartilhar essa visão com um
público pelo menos dez vezes maior do que o dos participantes da
lista.

[...]


        TRÊS GERAÇÕES DE POLÍTICAS SOCIAIS
As políticas de intervenção centralizada do Estado, as políticas
públicas de oferta governamental descentralizada e as políticas
públicas de parceria entre Estado e sociedade para o investimento no
desenvolvimento social, representam três gerações diferentes de
políticas sociais. Pelo menos no Brasil, os dois primeiros tipos de
políticas mencionados, que predominaram, respectivamente, nas
décadas de 1980 e 1990, foram gestados, em grande parte, na
década imediatamente anterior. E cada geração de políticas, ao se
tornar dominante, incorpora ou mantém a geração anterior de modo
subordinado.


A PRIMEIRA GERAÇÃO:             POLÍTICAS       DE   INTERVENÇÃO
CENTRALIZADA DO ESTADO

Nos anos 80, predominaram as políticas de intervenção centralizada
do Estado, quer pela ação redentora de uma tecnoburocracia
pretensamente iluminada, quer pela atuação clientelista e
paternalista de atores políticos populistas ou de setores oligárquicos
conservadores. Mas as sementes desse tipo de política foram
plantadas nos anos anteriores, em grande parte na década de 1970.
No Brasil, aliás, a Ditadura Militar se orgulhava do prodígio de ter
elevado significativamente (quase) todos os indicadores sociais (o
que é verdade, se considerarmos os indicadores sociais tradicionais,
ou seja, aqueles que não pretendem medir a produção e a
reprodução do capital social).

As políticas de intervenção centralizada do Estado são as políticas
sociais de primeira geração, para as quais:

i) o Estado é suficiente;

ii) os benefícios são uma espécie de concessão do poder e/ou de
intermediação político-partidária, eleitoral ou institucional;

iii) seus serviços não são encarados propriamente como direitos; e




                                  2
iv) a gestão governamental não é pública porquanto não é
transparente, admite graus insuficientes de accountability e não
incorpora – em uma dinâmica democrática – outros atores na sua
elaboração, na sua execução, no seu monitoramento, na sua
avaliação, no seu controle ou na sua fiscalização.


A SEGUNDA GERAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS DE OFERTA
GOVERNAMENTAL DESCENTRALIZADA

Nos anos 90, predominaram as políticas públicas universais,
baseadas na oferta estatal e que podem ser resumidas na célebre (e
um tanto surrada) máxima: “direito do cidadão, dever do Estado”. No
entanto, as idéias e as práticas seminais que possibilitaram o
florescimento desse tipo de política foram experimentadas na década
de 1980 e, no Brasil, tiveram sua expressão-síntese legal na
Constituição de 1988.

As políticas públicas de oferta governamental descentralizada são as
políticas sociais de segunda geração, para as quais:

i) o Estado não é mais suficiente porém cumpre ainda um (quase)
exclusivo papel protagônico (desde que consiga se publicizar, razão
pela qual as políticas públicas são encaradas, apenas ou
principalmente, como políticas governamentais);

ii) deve-se perseguir os objetivos da despartidarização e da
despersonalização, com o fim da intermediação político-partidária,
eleitoral ou mesmo institucional, na oferta dos recursos públicos;

iii) deve-se eliminar    progressivamente     o   clientelismo   e   o
assistencialismo;

iv) deve estar obrigatoriamente presente a preocupação com a
eficiência, a eficácia e a efetividade dos programas e das ações de
governo, com seu monitoramento e avaliação e com a sua
fiscalização ou controle por parte da sociedade;

v) embora admitam ações focalizadas em alvos ou públicos
específicos (trabalho infantil, portadores de deficiências, crianças,
gestantes e nutrizes em situação de risco etc.) os programas
universais ainda são concebidos, em grande parte, de forma
centralizada e sua execução é pensada a partir da oferta massiva e
indiferenciada, enfatizando-se sempre, e não por acaso, os bilhões
destinados para programas de previdência social, saúde e
saneamento, educação, qualificação para o trabalho, combate à



                                 3
pobreza e distribuição de terra e de renda, os quais comporiam uma
“rede” de proteção social, suposto sucedâneo, ou melhor,
substitutivo, no caso do Brasil, do inatingido (e inatingível) Welfare
State.


A TERCEIRA GERAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS DE PARCERIA
ENTRE ESTADO E SOCIEDADE PARA O INVESTIMENTO NO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Nos primeiros anos do Século 21, entretanto, ainda não floresceram
plenamente as idéias e práticas seminais incubadas nos anos 90 e
que constituiriam uma terceira geração de políticas sociais, a qual
poderia ser resumida pela nova máxima giddensiana: “nenhum
direito sem responsabilidade”. As políticas sociais de terceira geração
são políticas multi e intersetoriais de desenvolvimento social, de
investimento em ativos (nas potencialidades já existentes em setores
e localidades) e não apenas de gasto estatal para satisfazer
necessidades setoriais.

Para essa terceira geração de políticas sociais (da qual o DLIS é um
exemplo):

i) o Estado é necessário, é imprescindível, é insubstituível, porém não
é suficiente, ou melhor, o Estado é tão necessário quanto insuficiente,
devendo-se, portanto, lançar mão de parcerias e buscar constelar
sinergias entre todos os setores (o Estado, o mercado e a sociedade
civil) para promover o desenvolvimento;

ii) política pública não é sinônimo de política governamental, o Estado
não detem nem deve deter o monopólio do público, existe uma esfera
pública não-estatal em expansão, constituída por entes e processos
da sociedade civil de caráter público, voltados, cada vez mais, à
promoção do desenvolvimento;

iii) promover o desenvolvimento social não constitui uma tarefa
lateral e separável das outras tarefas do Estado como indutor do
desenvolvimento, na medida em que todo desenvolvimento é
desenvolvimento social;

iv) induzir o desenvolvimento significa investir em capacidades
permanentes de pessoas e comunidades (ou seja, basicamente,
investir em capital humano e em capital social) para que possam
afirmar uma nova indentidade no mundo ao ensaiar seu próprio
caminho de superação de problemas e de satisfação de necessidades,
tornando dinâmicas suas potencialidades para antecipar o futuro que



                                  4
almejam.

Evidentemente, essa terceira geração de políticas sociais corresponde
a uma pauta de superação dos anos 90. Entretanto, por alguma
razão, essa pauta ainda não está vigorando, a não ser de modo
fragmentado e disperso, em localidades e setores, em geral
periféricos do ponto de vista do padrão predominante de
desenvolvimento.

Ora, isso indica três coisas. Em primeiro lugar, que os anos 90 devem
ainda ser revelados. Em segundo lugar, que se deve trabalhar para
difundir uma nova pauta para as primeiras décadas do presente
século, uma pauta que materialize as inovações introduzidas na
década anterior. E, em terceiro lugar, que enquanto esses trabalhos
de convencimento e de disseminação não se consumam, a
semeadura da década de 1990 deve ser protegida.


DESVELANDO OS ANOS 90: DO NOVO PARADIGMA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA UM NOVO PADRÃO DE
RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE

Os anos 90 foram os anos em que se materializou um novo
paradigma da administração pública, representado por uma reforma
administrativa da estrutura e do funcionamento do aparelho de
Estado que contemplava, entre outras coisas:

i) a redefinição do papel do Estado e a reformatação legal de seus
organismos;

ii) a privatização e a publicização de funções consideradas não
privativas ou exclusivas de Estado e a execução descentralizada e,
em alguns casos, terceirizada, de programas governamentais;

iii) a idéia de direito universal à oferta estatal de políticas de
qualidade;

iv) a satisfação do beneficiário como cliente de serviços públicos;

v) a avaliação de resultados com base em critérios de eficiência,
eficácia e efetividade (impacto); e

vi) o controle social de programas e ações de governo por parte de
uma grande variedade de conselhos setoriais de políticas públicas
com participação cidadã.




                                   5
Todavia, nos anos 90 foram também lançadas as sementes de um
novo padrão de relação entre Estado e sociedade, que poderia ser
representado por algo como uma “reforma” das políticas sociais. Tal
“reforma” foi prefigurada, porém não foi consumada. Ao contrário das
outras reformas – digamos, clássicas – do Estado, ela não seria
baseada em uma nova lei, nem seria operada por atores político-
institucionais tradicionais, mas seria feita “por dentro”, como
rebatimento de um experimentalismo inovador que apenas começou
a vicejar sob o influxo de novas realidades emegentes, tais como:

i) a expansão de uma esfera pública não-estatal;

ii) o crescimento espantoso de um chamado terceiro setor;

iii) o surgimento de novas idéias e práticas de responsabilidade social
por parte de empresas e instituições da sociedade civil;

iv) a progressiva mudança da configuração da sociedade hierárquica
para uma sociedade-rede (com destaque para a possibilidade da
conexão global-local viabilizada pela Internet); e,

v) a construção de novos desenhos de programas públicos, mais
compatíveis com essa nova configuração da sociedade – os chamados
programas inovadores: focalizados, flexíveis, que desencadeiam
inovações capazes de alterar seu desenho original, baseados em
múltiplas parcerias, preocupados com monitoramento e avaliação
constantes e voltados para a conquista da sustentabilidade.

Sobre esse último ponto, correndo os riscos do esquematismo e da
caricaturização, sempre presentes nas tentativas de contrapor
características de realidades diversas, poder-se-ia elaborar um
quadro comparativo de programas tradicionais conservadores versus
programas experimentais inovadores (ver Tabela 1). Como em todo
esquema, as características assinaladas nas duas colunas da Tabela 1
constituem limites, em geral não-atingíveis plenamente. Por exemplo,
não existem ações setoriais totalmente desarticuladas e, em
contraposição, também não existem ações globais totalmente
integradas. Para sermos mais precisos deveríamos dizer que os
programas conservadores tendem a ser mais setorais e mais
desarticulados do que os programas considerados inovadores. A
rigor, portanto, não existem programas (totalmente) conservadores e
programas (totalmente) inovadores. Nos programas realmente
existentes predominam, todavia, ou características conservadoras ou
características inovadoras.




                                  6
TABELA 1

PROGRAMAS TRADICIONAIS                   PROGRAMAS EXPERIMENTAIS
CONSERVADORES                            INOVADORES
Centralizados em termos de gestão        Descentralizados em termos de
                                         elaboração, execução,
                                         monitoramento, avaliação e
                                         fiscalização
Ações setoriais e desarticuladas         Ações globais e integradas
Ações divergentes e sobrepostas          Ações convergentes
Promovidos por um ator                   Promovidos em parceria por vários
governamental                            atores (estatais, empresariais,
                                         sociais)
Desenho fechado                          Desenho aberto para promover e
                                         estimular a negociação
Rígidos                                  Flexíveis, desencadeiam inovações
                                         que modificam seu desenho original
Sem foco definido ou desfocados          Focalizados
Setoriais e lineares                     Sistêmicos e complexos
Baseados em um padrão de oferta,         Baseados no casamento entre oferta
assistencialistas, compensatórios        e demanda, exigem contrapartidas
Baseados em diagnósticos de              Baseados em diagnósticos de
carecimentos (“mapa de                   carecimentos e potencialidades
necessidades”)                           (“mapa de necessidades” e “mapa
                                         de ativos”)
Realizam gastos para ofertar             Realizam investimentos em
recursos e coisas                        capacidades permamentes e em
                                         ambientes favoráveis (capital
                                         humano e capital social)
Dependentes apenas do orçamento          Mobilizam e alavancam recursos
fiscal                                   novos que não podem ser extraídos
                                         como receita fiscal mas podem ser
                                         mobilizados na base da sociedade
Sem preocupação com                      Monitoramento e avaliação fazem
monitoramento constante e                parte do desenho dos programas
avaliação periódica independente
Despreocupados com a                     Desenhados para se tornar
sustentabilidade                         sustentáveis
Baseados em uma concepção de             Baseados em uma concepção de
política social como política setorial   política social como política de
                                         desenvolvimento social (“todo
                                         desenvolvimento é desenvolvimento
                                         social”)
O papel do Estado é fazer tudo           O papel do Estado é induzir para
sozinho                                  fazer acontecer




                                         7
É preciso ver ainda que nos anos 90 foram também experimentados
novos modelos de programas sociais como programas de indução ao
desenvolvimento,    baseados   em    uma    nova    concepção     de
desenvolvimento (humano, social e sustentável). Isso tudo teve a ver
com inovações conceituais surgidas em diversos lugares do mundo e
que, sobretudo graças à Internet, puderam ser compartilhadas em
tempo real.

Apenas para dar um exemplo dessas inovações em termos de
concepções que influenciaram fortemente a experimentação de novos
programas e de novas ações de desenvolvimento, poder-se-ia citar:

i) a concepção sistêmica, sobretudo a concepção dos sistemas
complexos     adaptativos,   trazendo   consigo    as    idéias  de
sustentabilidade como função de integração e como conservação da
adaptação (destacando-se nesta área o papel do Santa Fe Institute,
fundado pelo físico Murray Gell-Man em 1984 mas que somente na
década de 1990 pôde apresentar resultados mais significativos no
tocante a uma nova visão sistêmica sobre as interações sociais);

ii) a hipótese da existência de vários fatores do desenvolvimento –
não como externalidades, porém com o mesmo status de
centralidade, os quais foram interpretados, assim, como outros tipos
de “capitais” – e sobretudo o conceito de capital social (de vez que foi
nos anos 90 que surgiu a maior parte das teorias do capital social,
inclusive aquelas baseadas no suposto da capacidade da sociedade
humana de gerar ordem espontaneamente a partir da cooperação);

iii) a idéia de cooperação e de cooperatividade sistêmica como
elementos sem os quais a competição e a competitividade sistêmica
levam a crescimento concentrador e, portanto, a crescimento sem
desenvolvimento;

iv) a idéia da sociedade-rede (devendo ser lembrado que a obra
principal de Castells, que melhor identificou tal fenômeno, é um fruto
dos anos 90) bem como o desenvolvimento de uma nova disciplina de
análise das redes sociais (Social Network Analysis), o surgimento das
redes P2P e o estudo do encurtamento do tamanho do mundo em
virtude do aumento da conectividade (o efeito “small-world
networks”);

v) a idéia da radicalização ou democratização da democracia, da
democracia em tempo real, democracia digital ou cyberdemocracy, e
a compreensão das relações intrínsecas entre desenvolvimento e
política (quer dizer, a concepção de desenvolvimento como mudança
social);



                                   8
vi) a compreensão da existência e do papel estratégico, para o
desenvolvimento, da nova sociedade civil (ou seja, daquele conjunto
de entes e processos extra-estatais e extra-mercantis, também
chamado de terceiro setor);

vii) a compreensão do fenômeno complexo chamado de globalização
e a idéia de glocalização; e

viii) o reflorescimento da perspectiva comunitária, a ‘volta ao local’, a
revolução do local e a reformulação da idéia original de glocalização
como localização (ou seja, a idéia de que ‘o local conectado é o
mundo todo’ – esta última, porém, já fruto dos primeiros anos do
terceiro milênio).

Tais idéias induziram (e continuam induzindo) profundas mudanças
nas maneiras de pensar e de fazer políticas públicas. Não podemos
simplesmente ignorá-las, sob pena de perder boa parte do que de
inovador foi aportado pelos anos 90. Ao ficar fora da década de 1990
(neste sentido) corremos o risco de não perceber a promessa de
“reforma” das políticas sociais que foi prenunciada por arte do
experimentalismo inovador e que ainda poderá ser consumada.

Por isso é tão importante fazer um balanço da década anterior,
investigando, por um lado, as políticas (governamentais) de segunda
geração que nela se desenvolveram e, por outro lado, o
experimentalismo pulverizado e desordenado da sociedade (muitas
vezes em parceria com o Estado) em uma antecipação das políticas
de terceira geração. Se não fizermos isso, corremos o risco de ser
automaticamente remetidos ao passado, ficando sujeitos a ser
orientados por concepções e práticas dos anos 80 (que nos induzirão
a reeditar políticas de primeira geração).

De qualquer modo faz parte do exercício da nossa responsabilidade
política pelo desenvolvimento social do Brasil tentar colocar na ordem
do dia uma nova pauta, mais sintonizada com o novo século.


UMA NOVA PAUTA PARA AS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO
21

Uma pauta capaz de dar continuidade às inovações introduzidas nos
anos 90, ou melhor, capaz de ensejar o pleno florescimento das
idéias e práticas seminais experimentadas na década passada,
constituiria uma proposta-base para um novo consenso, nem
mercadocêntrico nem estadocêntrico, porém centrado na sociedade.
Uma pauta como essa deveria contemplar, pelo menos, os oito



                                   9
pontos seguintes:

1 – Como correspondente da disciplina e da responsabilidade fiscal, a
responsabilidade social de indivíduos e organizações.

2 – Ao invés de contenção (ou do aumento) do gasto público na área
social, a mudança do perfil desse gasto, com a progressiva mas
determinada substituição de programas centralizados e baseados na
oferta estatal (principalmente os de transferência direta de recursos
ou de renda) por programas descentralizados, que promovam a
negociação e exijam contrapartidas locais visando estabelecer o
casamento entre oferta e demanda, e por programas de indução ao
desenvolvimento e de investimento em capital humano e em capital
social baseados na parceria com o mercado e com o terceiro setor.

3 – Para além de uma reforma tributária que evite déficits fiscais,
uma reforma tributária que também desonere a produção formal,
abarque a economia informal e estimule o engajamento do terceiro
setor nas atividades de interesse público.

4 – Concomitantemente com políticas voltadas para o saneamento e
o fortalecimento do sistema financeiro nacional, o incentivo à
construção de um sistema microfinanceiro, a ser operado tanto pelo
mercado quanto pelo terceiro setor, tendo por objetivo ofertar crédito
produtivo para tomadores formais e informais que não possam
apresentar garantias reais, e com condições de captar poupança
popular e de prestar outros serviços financeiros às populações sem
acesso ao crédito formal e à propriedade produtiva.

5 – Contrabalançando políticas de privatização, políticas de
publicização que envolvam a parceria com a sociedade e, em alguns
casos, a transferência, para organizações da nova sociedade civil
situadas na intercessão com o Estado e para organizações da
sociedade civil de caráter público constituídas sob o influxo de razões
de Estado, de funções até então desempenhadas pelo Estado.

6 – Juntamente com a desregulamentação, a instituição de
mecanismos de controle social do Estado pela sociedade, de
orientação social do mercado e de responsabilização social de todos
os setores, que promovam a correspondência entre direito e
responsabilidade (segundo a máxima “nenhum direito sem
responsabilidade”).

7 – Avançando sobre o aumento das garantias associadas aos direitos
de propriedade para os setores produtivo e financeiro, uma reforma
legal que promova o acesso aos direitos formais de propriedade, das



                                  10
posses imobiliárias de pessoas de baixa renda, com o intuito de
possibilitar sua utilização como alavanca para obter crédito e gerar
capital.

8 – Por último, uma reforma do marco legal que regule as relações do
Estado com o terceiro setor e com o mercado (com tratamento
diferenciado para organizações da sociedade civil de interesse público
e para micro e pequenas empresas), facilite as parcerias
intersetoriais, possibilite a construção de um sistema de
financiamento mais sustentável para o terceiro setor, promova a
inclusão da economia informal, crie ambientes locais e setoriais
favoráveis à obtenção de sinergias entre ações governamentais e
não-governamentais, de modo a aumentar a eficiência e a eficácia
das políticas públicas e a alavancar recursos novos — que não podem
ser extraídos como receita fiscal, mas podem ser mobilizados na base
da sociedade e direcionados para o desenvolvimento dos ativos já
existentes, a dinamização das potencialidades latentes e a satisfação
das necessidades das populações.

É importante frisar que uma pauta como essa, de seguimento dos
anos 90, é também uma pauta de superação dos consensos
mercadocêntricos (como o chamado “Consenso de Washington”) que
floresceram na década de 1990 (conquanto, no Brasil, tais consensos
não tenham prevalecido tanto assim quanto se afirmou). E que uma
volta aos anos 80 representaria uma volta à concepções
estadocêntricas de décadas pretéritas, cujas raízes são anteriores
inclusive aos anos 70, ou seja, representaria uma espécie de “fuga
pra trás” que, no afã de se contrapor ao neoliberalismo, poderia
reintroduzir idéias e práticas contra-liberais e regressivas capazes de
ameaçar a integridade das sementes usinadas pelo experimentalismo
inovador exercitado durante a década de 1990. Por isso torna-se
fundamental proteger tais sementes.


PROTEGENDO A SEMEADURA DOS ANOS 90

Para continuar com a metáfora da semente, podemos dizer que do
ponto de vista da nova geração (prenunciada) de políticas sociais, os
anos 80 foram anos de preparação da terra. Os anos 90 foram anos
de semeadura. Mas a primeira década do século 21, a julgar pelos
acontecimentos ocorridos, no plano global, nos seus primeiros anos –
sobretudo a “America’s new war”, um ‘estado de guerra’ permanente,
introduzido pelo governo da maior nação do planeta, acarretando um
recrudescimento do estatismo no mundo inteiro – não será, ainda, de
pleno florescimento, porém, em grande parte, de germinação (o
tempo em que “o grão tem que morrer”). Por isso, ao que tudo



                                  11
indica, será uma era de (aparente) retrocesso em vários campos e
em vários lugares, com a retomada de velhos paradigmas de
administração pública e de velhos padrões de relação entre Estado e
sociedade – e isso de várias maneiras, patrocinadas por atores
conflitantes e em circunstâncias contraditórias.

Oxalá nossos novos governos, eleitos em 2002, consigam
compreender e acompanhar o caminho já iniciado por múltiplos
setores de nossa sociedade, que estão neste momento se
mobilizando e se organizando para definir seus próprios caminhos de
desenvolvimento. E não sucumbam à tentação de resolver tudo para
o povo e pelo povo, despejando “tapetes de programas” (parodiando
a expressão “tapete de bombas”, usada por um membro do Estado
Maior dos USA na guerra atual contra o Iraque), baseados puramente
na oferta de recursos para suprir necessidades, ao invés de
empoderar as populações para que elas próprias se emancipem,
encorajando e capacitando suas lideranças para que invistam em
seus próprios ativos.

Como tenho repetido, em várias ocasiões, a questão da pobreza no
Brasil é muito mais uma questão política do que de carecimento de
recursos. Como todo desenvolvimento é desenvolvimento social e
como desenvolvimento social é mudança social e como mudança
social é uma questão política, tudo depende – muito mais do que, às
vezes, imaginamos – de não reproduzir uma atuação política
intervencionista, verticalista e centralizadora, pois é esse tipo de
atuação que extermina capital social e impede que pessoas e
comunidades valorizem e desenvolvam seus próprios ativos,
encontrando suas próprias soluções para resolver seus problemas, da
sua maneira, afirmando a sua identidade.

Mesmo em um cenário mundial adverso (como o que provavelmente
teremos pela frente), cabe aos governos e às organizações indutoras
ou promotoras do desenvolvimento, se quiserem surfar nessa nova
onda, incentivar a participação de atores locais e setoriais na esfera
pública, estimular a cooperação e a conexão horizontal entre pessoas,
comunidades e organizações e democratizar procedimentos e
processos decisórios, quebrando os elos inferiores da cadeia
clientelista para libertar latentes energias empreendedoras coletivas e
individuais.

Os que apostam nesse caminho – sejam governos, de qualquer nível,
empresas ou organizações da sociedade, nacionais ou internacionais
– têm agora a missão de construir “viveiros” ou “incubadoras” para
que as experiências-semente de uma terceira geração de políticas
sociais, ensaiadas na década de 1990, não desapareçam antes de



                                  12
poderem florescer, algum dia, em toda a sua plenitude.

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  • 1. TRÊS GERAÇÕES DE POLÍTICAS SOCIAIS Augusto de Franco Carta DLIS 32 (16/04/2003) Carta DLIS era uma comunicação pessoal de Augusto de Franco enviada quinzenalmente, desde 2001, para milhares de agentes de desenvolvimento e outras pessoas interessadas no assunto, do Brasil e de alguns países de língua portuguesa e espanhola. Posteriormente a Carta DLIS passou a se chamar Carta Capital Social e, em seguida, Carta Rede Social. A penúltima Carta Rede Social, de número 209, foi enviada para 10 mil destinatários em 28/02/2010. A última carta – Carta Rede Social 210 – ainda será enviada, explicando os motivos pelos quais o autor abandonou esse tipo de mídia (e-mail) um-para- muitos. [Excertos] Dando seguimento à investigação sobre a chamada revolução do local, comecei a abordar, na ‘Carta DLIS 31’, o tema da glocalização. Meu propósito, nesta ‘Carta DLIS 32’, era prosseguir no assunto examinando as escolhas políticas que poderiam nos levar na direção da nova realidade glocal e aquelas que, ao contrário, nos afastariam desse caminho. Todavia, um recente debate provocado por um Agente de Desenvolvimento do ‘Projeto Comunidade Que Faz’, em uma lista virtual de discussão da qual participam cerca de 200 agentes, me levou a tomar outra decisão. O mencionado agente (cujo nome vou omitir para preservar a sua privacidade) manifestou sua preocupação com a continuidade do DLIS como política pública neste início de 2003 no Brasil. Enviei para ele (e para todos os Agentes de Desenvolvimento da lista) a minha visão particular do problema. No entanto, considerando que os leitores das ‘Cartas DLIS’, como você, também podem estar 1
  • 2. interessados no assunto, resolvi compartilhar essa visão com um público pelo menos dez vezes maior do que o dos participantes da lista. [...] TRÊS GERAÇÕES DE POLÍTICAS SOCIAIS As políticas de intervenção centralizada do Estado, as políticas públicas de oferta governamental descentralizada e as políticas públicas de parceria entre Estado e sociedade para o investimento no desenvolvimento social, representam três gerações diferentes de políticas sociais. Pelo menos no Brasil, os dois primeiros tipos de políticas mencionados, que predominaram, respectivamente, nas décadas de 1980 e 1990, foram gestados, em grande parte, na década imediatamente anterior. E cada geração de políticas, ao se tornar dominante, incorpora ou mantém a geração anterior de modo subordinado. A PRIMEIRA GERAÇÃO: POLÍTICAS DE INTERVENÇÃO CENTRALIZADA DO ESTADO Nos anos 80, predominaram as políticas de intervenção centralizada do Estado, quer pela ação redentora de uma tecnoburocracia pretensamente iluminada, quer pela atuação clientelista e paternalista de atores políticos populistas ou de setores oligárquicos conservadores. Mas as sementes desse tipo de política foram plantadas nos anos anteriores, em grande parte na década de 1970. No Brasil, aliás, a Ditadura Militar se orgulhava do prodígio de ter elevado significativamente (quase) todos os indicadores sociais (o que é verdade, se considerarmos os indicadores sociais tradicionais, ou seja, aqueles que não pretendem medir a produção e a reprodução do capital social). As políticas de intervenção centralizada do Estado são as políticas sociais de primeira geração, para as quais: i) o Estado é suficiente; ii) os benefícios são uma espécie de concessão do poder e/ou de intermediação político-partidária, eleitoral ou institucional; iii) seus serviços não são encarados propriamente como direitos; e 2
  • 3. iv) a gestão governamental não é pública porquanto não é transparente, admite graus insuficientes de accountability e não incorpora – em uma dinâmica democrática – outros atores na sua elaboração, na sua execução, no seu monitoramento, na sua avaliação, no seu controle ou na sua fiscalização. A SEGUNDA GERAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS DE OFERTA GOVERNAMENTAL DESCENTRALIZADA Nos anos 90, predominaram as políticas públicas universais, baseadas na oferta estatal e que podem ser resumidas na célebre (e um tanto surrada) máxima: “direito do cidadão, dever do Estado”. No entanto, as idéias e as práticas seminais que possibilitaram o florescimento desse tipo de política foram experimentadas na década de 1980 e, no Brasil, tiveram sua expressão-síntese legal na Constituição de 1988. As políticas públicas de oferta governamental descentralizada são as políticas sociais de segunda geração, para as quais: i) o Estado não é mais suficiente porém cumpre ainda um (quase) exclusivo papel protagônico (desde que consiga se publicizar, razão pela qual as políticas públicas são encaradas, apenas ou principalmente, como políticas governamentais); ii) deve-se perseguir os objetivos da despartidarização e da despersonalização, com o fim da intermediação político-partidária, eleitoral ou mesmo institucional, na oferta dos recursos públicos; iii) deve-se eliminar progressivamente o clientelismo e o assistencialismo; iv) deve estar obrigatoriamente presente a preocupação com a eficiência, a eficácia e a efetividade dos programas e das ações de governo, com seu monitoramento e avaliação e com a sua fiscalização ou controle por parte da sociedade; v) embora admitam ações focalizadas em alvos ou públicos específicos (trabalho infantil, portadores de deficiências, crianças, gestantes e nutrizes em situação de risco etc.) os programas universais ainda são concebidos, em grande parte, de forma centralizada e sua execução é pensada a partir da oferta massiva e indiferenciada, enfatizando-se sempre, e não por acaso, os bilhões destinados para programas de previdência social, saúde e saneamento, educação, qualificação para o trabalho, combate à 3
  • 4. pobreza e distribuição de terra e de renda, os quais comporiam uma “rede” de proteção social, suposto sucedâneo, ou melhor, substitutivo, no caso do Brasil, do inatingido (e inatingível) Welfare State. A TERCEIRA GERAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS DE PARCERIA ENTRE ESTADO E SOCIEDADE PARA O INVESTIMENTO NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL Nos primeiros anos do Século 21, entretanto, ainda não floresceram plenamente as idéias e práticas seminais incubadas nos anos 90 e que constituiriam uma terceira geração de políticas sociais, a qual poderia ser resumida pela nova máxima giddensiana: “nenhum direito sem responsabilidade”. As políticas sociais de terceira geração são políticas multi e intersetoriais de desenvolvimento social, de investimento em ativos (nas potencialidades já existentes em setores e localidades) e não apenas de gasto estatal para satisfazer necessidades setoriais. Para essa terceira geração de políticas sociais (da qual o DLIS é um exemplo): i) o Estado é necessário, é imprescindível, é insubstituível, porém não é suficiente, ou melhor, o Estado é tão necessário quanto insuficiente, devendo-se, portanto, lançar mão de parcerias e buscar constelar sinergias entre todos os setores (o Estado, o mercado e a sociedade civil) para promover o desenvolvimento; ii) política pública não é sinônimo de política governamental, o Estado não detem nem deve deter o monopólio do público, existe uma esfera pública não-estatal em expansão, constituída por entes e processos da sociedade civil de caráter público, voltados, cada vez mais, à promoção do desenvolvimento; iii) promover o desenvolvimento social não constitui uma tarefa lateral e separável das outras tarefas do Estado como indutor do desenvolvimento, na medida em que todo desenvolvimento é desenvolvimento social; iv) induzir o desenvolvimento significa investir em capacidades permanentes de pessoas e comunidades (ou seja, basicamente, investir em capital humano e em capital social) para que possam afirmar uma nova indentidade no mundo ao ensaiar seu próprio caminho de superação de problemas e de satisfação de necessidades, tornando dinâmicas suas potencialidades para antecipar o futuro que 4
  • 5. almejam. Evidentemente, essa terceira geração de políticas sociais corresponde a uma pauta de superação dos anos 90. Entretanto, por alguma razão, essa pauta ainda não está vigorando, a não ser de modo fragmentado e disperso, em localidades e setores, em geral periféricos do ponto de vista do padrão predominante de desenvolvimento. Ora, isso indica três coisas. Em primeiro lugar, que os anos 90 devem ainda ser revelados. Em segundo lugar, que se deve trabalhar para difundir uma nova pauta para as primeiras décadas do presente século, uma pauta que materialize as inovações introduzidas na década anterior. E, em terceiro lugar, que enquanto esses trabalhos de convencimento e de disseminação não se consumam, a semeadura da década de 1990 deve ser protegida. DESVELANDO OS ANOS 90: DO NOVO PARADIGMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA UM NOVO PADRÃO DE RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE Os anos 90 foram os anos em que se materializou um novo paradigma da administração pública, representado por uma reforma administrativa da estrutura e do funcionamento do aparelho de Estado que contemplava, entre outras coisas: i) a redefinição do papel do Estado e a reformatação legal de seus organismos; ii) a privatização e a publicização de funções consideradas não privativas ou exclusivas de Estado e a execução descentralizada e, em alguns casos, terceirizada, de programas governamentais; iii) a idéia de direito universal à oferta estatal de políticas de qualidade; iv) a satisfação do beneficiário como cliente de serviços públicos; v) a avaliação de resultados com base em critérios de eficiência, eficácia e efetividade (impacto); e vi) o controle social de programas e ações de governo por parte de uma grande variedade de conselhos setoriais de políticas públicas com participação cidadã. 5
  • 6. Todavia, nos anos 90 foram também lançadas as sementes de um novo padrão de relação entre Estado e sociedade, que poderia ser representado por algo como uma “reforma” das políticas sociais. Tal “reforma” foi prefigurada, porém não foi consumada. Ao contrário das outras reformas – digamos, clássicas – do Estado, ela não seria baseada em uma nova lei, nem seria operada por atores político- institucionais tradicionais, mas seria feita “por dentro”, como rebatimento de um experimentalismo inovador que apenas começou a vicejar sob o influxo de novas realidades emegentes, tais como: i) a expansão de uma esfera pública não-estatal; ii) o crescimento espantoso de um chamado terceiro setor; iii) o surgimento de novas idéias e práticas de responsabilidade social por parte de empresas e instituições da sociedade civil; iv) a progressiva mudança da configuração da sociedade hierárquica para uma sociedade-rede (com destaque para a possibilidade da conexão global-local viabilizada pela Internet); e, v) a construção de novos desenhos de programas públicos, mais compatíveis com essa nova configuração da sociedade – os chamados programas inovadores: focalizados, flexíveis, que desencadeiam inovações capazes de alterar seu desenho original, baseados em múltiplas parcerias, preocupados com monitoramento e avaliação constantes e voltados para a conquista da sustentabilidade. Sobre esse último ponto, correndo os riscos do esquematismo e da caricaturização, sempre presentes nas tentativas de contrapor características de realidades diversas, poder-se-ia elaborar um quadro comparativo de programas tradicionais conservadores versus programas experimentais inovadores (ver Tabela 1). Como em todo esquema, as características assinaladas nas duas colunas da Tabela 1 constituem limites, em geral não-atingíveis plenamente. Por exemplo, não existem ações setoriais totalmente desarticuladas e, em contraposição, também não existem ações globais totalmente integradas. Para sermos mais precisos deveríamos dizer que os programas conservadores tendem a ser mais setorais e mais desarticulados do que os programas considerados inovadores. A rigor, portanto, não existem programas (totalmente) conservadores e programas (totalmente) inovadores. Nos programas realmente existentes predominam, todavia, ou características conservadoras ou características inovadoras. 6
  • 7. TABELA 1 PROGRAMAS TRADICIONAIS PROGRAMAS EXPERIMENTAIS CONSERVADORES INOVADORES Centralizados em termos de gestão Descentralizados em termos de elaboração, execução, monitoramento, avaliação e fiscalização Ações setoriais e desarticuladas Ações globais e integradas Ações divergentes e sobrepostas Ações convergentes Promovidos por um ator Promovidos em parceria por vários governamental atores (estatais, empresariais, sociais) Desenho fechado Desenho aberto para promover e estimular a negociação Rígidos Flexíveis, desencadeiam inovações que modificam seu desenho original Sem foco definido ou desfocados Focalizados Setoriais e lineares Sistêmicos e complexos Baseados em um padrão de oferta, Baseados no casamento entre oferta assistencialistas, compensatórios e demanda, exigem contrapartidas Baseados em diagnósticos de Baseados em diagnósticos de carecimentos (“mapa de carecimentos e potencialidades necessidades”) (“mapa de necessidades” e “mapa de ativos”) Realizam gastos para ofertar Realizam investimentos em recursos e coisas capacidades permamentes e em ambientes favoráveis (capital humano e capital social) Dependentes apenas do orçamento Mobilizam e alavancam recursos fiscal novos que não podem ser extraídos como receita fiscal mas podem ser mobilizados na base da sociedade Sem preocupação com Monitoramento e avaliação fazem monitoramento constante e parte do desenho dos programas avaliação periódica independente Despreocupados com a Desenhados para se tornar sustentabilidade sustentáveis Baseados em uma concepção de Baseados em uma concepção de política social como política setorial política social como política de desenvolvimento social (“todo desenvolvimento é desenvolvimento social”) O papel do Estado é fazer tudo O papel do Estado é induzir para sozinho fazer acontecer 7
  • 8. É preciso ver ainda que nos anos 90 foram também experimentados novos modelos de programas sociais como programas de indução ao desenvolvimento, baseados em uma nova concepção de desenvolvimento (humano, social e sustentável). Isso tudo teve a ver com inovações conceituais surgidas em diversos lugares do mundo e que, sobretudo graças à Internet, puderam ser compartilhadas em tempo real. Apenas para dar um exemplo dessas inovações em termos de concepções que influenciaram fortemente a experimentação de novos programas e de novas ações de desenvolvimento, poder-se-ia citar: i) a concepção sistêmica, sobretudo a concepção dos sistemas complexos adaptativos, trazendo consigo as idéias de sustentabilidade como função de integração e como conservação da adaptação (destacando-se nesta área o papel do Santa Fe Institute, fundado pelo físico Murray Gell-Man em 1984 mas que somente na década de 1990 pôde apresentar resultados mais significativos no tocante a uma nova visão sistêmica sobre as interações sociais); ii) a hipótese da existência de vários fatores do desenvolvimento – não como externalidades, porém com o mesmo status de centralidade, os quais foram interpretados, assim, como outros tipos de “capitais” – e sobretudo o conceito de capital social (de vez que foi nos anos 90 que surgiu a maior parte das teorias do capital social, inclusive aquelas baseadas no suposto da capacidade da sociedade humana de gerar ordem espontaneamente a partir da cooperação); iii) a idéia de cooperação e de cooperatividade sistêmica como elementos sem os quais a competição e a competitividade sistêmica levam a crescimento concentrador e, portanto, a crescimento sem desenvolvimento; iv) a idéia da sociedade-rede (devendo ser lembrado que a obra principal de Castells, que melhor identificou tal fenômeno, é um fruto dos anos 90) bem como o desenvolvimento de uma nova disciplina de análise das redes sociais (Social Network Analysis), o surgimento das redes P2P e o estudo do encurtamento do tamanho do mundo em virtude do aumento da conectividade (o efeito “small-world networks”); v) a idéia da radicalização ou democratização da democracia, da democracia em tempo real, democracia digital ou cyberdemocracy, e a compreensão das relações intrínsecas entre desenvolvimento e política (quer dizer, a concepção de desenvolvimento como mudança social); 8
  • 9. vi) a compreensão da existência e do papel estratégico, para o desenvolvimento, da nova sociedade civil (ou seja, daquele conjunto de entes e processos extra-estatais e extra-mercantis, também chamado de terceiro setor); vii) a compreensão do fenômeno complexo chamado de globalização e a idéia de glocalização; e viii) o reflorescimento da perspectiva comunitária, a ‘volta ao local’, a revolução do local e a reformulação da idéia original de glocalização como localização (ou seja, a idéia de que ‘o local conectado é o mundo todo’ – esta última, porém, já fruto dos primeiros anos do terceiro milênio). Tais idéias induziram (e continuam induzindo) profundas mudanças nas maneiras de pensar e de fazer políticas públicas. Não podemos simplesmente ignorá-las, sob pena de perder boa parte do que de inovador foi aportado pelos anos 90. Ao ficar fora da década de 1990 (neste sentido) corremos o risco de não perceber a promessa de “reforma” das políticas sociais que foi prenunciada por arte do experimentalismo inovador e que ainda poderá ser consumada. Por isso é tão importante fazer um balanço da década anterior, investigando, por um lado, as políticas (governamentais) de segunda geração que nela se desenvolveram e, por outro lado, o experimentalismo pulverizado e desordenado da sociedade (muitas vezes em parceria com o Estado) em uma antecipação das políticas de terceira geração. Se não fizermos isso, corremos o risco de ser automaticamente remetidos ao passado, ficando sujeitos a ser orientados por concepções e práticas dos anos 80 (que nos induzirão a reeditar políticas de primeira geração). De qualquer modo faz parte do exercício da nossa responsabilidade política pelo desenvolvimento social do Brasil tentar colocar na ordem do dia uma nova pauta, mais sintonizada com o novo século. UMA NOVA PAUTA PARA AS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO 21 Uma pauta capaz de dar continuidade às inovações introduzidas nos anos 90, ou melhor, capaz de ensejar o pleno florescimento das idéias e práticas seminais experimentadas na década passada, constituiria uma proposta-base para um novo consenso, nem mercadocêntrico nem estadocêntrico, porém centrado na sociedade. Uma pauta como essa deveria contemplar, pelo menos, os oito 9
  • 10. pontos seguintes: 1 – Como correspondente da disciplina e da responsabilidade fiscal, a responsabilidade social de indivíduos e organizações. 2 – Ao invés de contenção (ou do aumento) do gasto público na área social, a mudança do perfil desse gasto, com a progressiva mas determinada substituição de programas centralizados e baseados na oferta estatal (principalmente os de transferência direta de recursos ou de renda) por programas descentralizados, que promovam a negociação e exijam contrapartidas locais visando estabelecer o casamento entre oferta e demanda, e por programas de indução ao desenvolvimento e de investimento em capital humano e em capital social baseados na parceria com o mercado e com o terceiro setor. 3 – Para além de uma reforma tributária que evite déficits fiscais, uma reforma tributária que também desonere a produção formal, abarque a economia informal e estimule o engajamento do terceiro setor nas atividades de interesse público. 4 – Concomitantemente com políticas voltadas para o saneamento e o fortalecimento do sistema financeiro nacional, o incentivo à construção de um sistema microfinanceiro, a ser operado tanto pelo mercado quanto pelo terceiro setor, tendo por objetivo ofertar crédito produtivo para tomadores formais e informais que não possam apresentar garantias reais, e com condições de captar poupança popular e de prestar outros serviços financeiros às populações sem acesso ao crédito formal e à propriedade produtiva. 5 – Contrabalançando políticas de privatização, políticas de publicização que envolvam a parceria com a sociedade e, em alguns casos, a transferência, para organizações da nova sociedade civil situadas na intercessão com o Estado e para organizações da sociedade civil de caráter público constituídas sob o influxo de razões de Estado, de funções até então desempenhadas pelo Estado. 6 – Juntamente com a desregulamentação, a instituição de mecanismos de controle social do Estado pela sociedade, de orientação social do mercado e de responsabilização social de todos os setores, que promovam a correspondência entre direito e responsabilidade (segundo a máxima “nenhum direito sem responsabilidade”). 7 – Avançando sobre o aumento das garantias associadas aos direitos de propriedade para os setores produtivo e financeiro, uma reforma legal que promova o acesso aos direitos formais de propriedade, das 10
  • 11. posses imobiliárias de pessoas de baixa renda, com o intuito de possibilitar sua utilização como alavanca para obter crédito e gerar capital. 8 – Por último, uma reforma do marco legal que regule as relações do Estado com o terceiro setor e com o mercado (com tratamento diferenciado para organizações da sociedade civil de interesse público e para micro e pequenas empresas), facilite as parcerias intersetoriais, possibilite a construção de um sistema de financiamento mais sustentável para o terceiro setor, promova a inclusão da economia informal, crie ambientes locais e setoriais favoráveis à obtenção de sinergias entre ações governamentais e não-governamentais, de modo a aumentar a eficiência e a eficácia das políticas públicas e a alavancar recursos novos — que não podem ser extraídos como receita fiscal, mas podem ser mobilizados na base da sociedade e direcionados para o desenvolvimento dos ativos já existentes, a dinamização das potencialidades latentes e a satisfação das necessidades das populações. É importante frisar que uma pauta como essa, de seguimento dos anos 90, é também uma pauta de superação dos consensos mercadocêntricos (como o chamado “Consenso de Washington”) que floresceram na década de 1990 (conquanto, no Brasil, tais consensos não tenham prevalecido tanto assim quanto se afirmou). E que uma volta aos anos 80 representaria uma volta à concepções estadocêntricas de décadas pretéritas, cujas raízes são anteriores inclusive aos anos 70, ou seja, representaria uma espécie de “fuga pra trás” que, no afã de se contrapor ao neoliberalismo, poderia reintroduzir idéias e práticas contra-liberais e regressivas capazes de ameaçar a integridade das sementes usinadas pelo experimentalismo inovador exercitado durante a década de 1990. Por isso torna-se fundamental proteger tais sementes. PROTEGENDO A SEMEADURA DOS ANOS 90 Para continuar com a metáfora da semente, podemos dizer que do ponto de vista da nova geração (prenunciada) de políticas sociais, os anos 80 foram anos de preparação da terra. Os anos 90 foram anos de semeadura. Mas a primeira década do século 21, a julgar pelos acontecimentos ocorridos, no plano global, nos seus primeiros anos – sobretudo a “America’s new war”, um ‘estado de guerra’ permanente, introduzido pelo governo da maior nação do planeta, acarretando um recrudescimento do estatismo no mundo inteiro – não será, ainda, de pleno florescimento, porém, em grande parte, de germinação (o tempo em que “o grão tem que morrer”). Por isso, ao que tudo 11
  • 12. indica, será uma era de (aparente) retrocesso em vários campos e em vários lugares, com a retomada de velhos paradigmas de administração pública e de velhos padrões de relação entre Estado e sociedade – e isso de várias maneiras, patrocinadas por atores conflitantes e em circunstâncias contraditórias. Oxalá nossos novos governos, eleitos em 2002, consigam compreender e acompanhar o caminho já iniciado por múltiplos setores de nossa sociedade, que estão neste momento se mobilizando e se organizando para definir seus próprios caminhos de desenvolvimento. E não sucumbam à tentação de resolver tudo para o povo e pelo povo, despejando “tapetes de programas” (parodiando a expressão “tapete de bombas”, usada por um membro do Estado Maior dos USA na guerra atual contra o Iraque), baseados puramente na oferta de recursos para suprir necessidades, ao invés de empoderar as populações para que elas próprias se emancipem, encorajando e capacitando suas lideranças para que invistam em seus próprios ativos. Como tenho repetido, em várias ocasiões, a questão da pobreza no Brasil é muito mais uma questão política do que de carecimento de recursos. Como todo desenvolvimento é desenvolvimento social e como desenvolvimento social é mudança social e como mudança social é uma questão política, tudo depende – muito mais do que, às vezes, imaginamos – de não reproduzir uma atuação política intervencionista, verticalista e centralizadora, pois é esse tipo de atuação que extermina capital social e impede que pessoas e comunidades valorizem e desenvolvam seus próprios ativos, encontrando suas próprias soluções para resolver seus problemas, da sua maneira, afirmando a sua identidade. Mesmo em um cenário mundial adverso (como o que provavelmente teremos pela frente), cabe aos governos e às organizações indutoras ou promotoras do desenvolvimento, se quiserem surfar nessa nova onda, incentivar a participação de atores locais e setoriais na esfera pública, estimular a cooperação e a conexão horizontal entre pessoas, comunidades e organizações e democratizar procedimentos e processos decisórios, quebrando os elos inferiores da cadeia clientelista para libertar latentes energias empreendedoras coletivas e individuais. Os que apostam nesse caminho – sejam governos, de qualquer nível, empresas ou organizações da sociedade, nacionais ou internacionais – têm agora a missão de construir “viveiros” ou “incubadoras” para que as experiências-semente de uma terceira geração de políticas sociais, ensaiadas na década de 1990, não desapareçam antes de 12
  • 13. poderem florescer, algum dia, em toda a sua plenitude. [...] 13