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White Zombie e o Crioulo:
The Magic Island de William Seabrook e o Imperialismo Norte-Americano no
Haiti
Gyllian Phillips*
Tradução: Rodrigo Belinaso Guimarães
Em 1929, quando o descontentamento dos haitianos com a ocupação das forças norte-
americanas estava em seu ápice,1
William Seabrook publicava seu diário de viagem sobre o
“vodu” haitiano: The Magic Island.2
Este livro é citado pela maioria dos analistas dos primeiros
filmes de terror como sendo a principal fonte de inspiração para o filme de 1932 de Victor
Halperin: White Zombie.3
Contudo, o livro de Seabrook oferece uma visão completamente
diferente do Haiti e de suas tradições populares se comparado ao primeiro filme de zumbi da
história. Recentemente, a discussão acadêmica sobre o livro de Seabrook tem se debruçado
sobre a sua importância enquanto um texto original e, especialmente, em torno de suas
influências ideológicas para a criação do cenário haitiano do filme. Por sua vez, o valor do mais
antigo filme de zumbi tem sido atribuído enquanto uma representação dos anos iniciais do
colonialismo, ou seja, ele encenaria o “retorno de uma escravidão selvagem.”4
Na cultura
popular haitiana, o zumbi também está associado ao medo do retorno da exploração colonial
escravista.5
Mesmo a migração do termo “zumbi” para a língua inglesa tem suas raízes na
história colonial.6
Neste artigo, eu quero adentrar em um crescente debate sobre Seabrook
* Professora associada de Inglês na Universidade de Nippissing, Ontario, Canadá. Atualmente, tem focado suas
pesquisas nas correlações entre primitivismo, modernismo e horror.
1 O Haiti é chamado, muitas vezes, de “República Negra” por conta de seu status de primeira nação pós-colonial,
que conquistou através de uma rebelião de escravos bem-sucedida. O Haiti alcançou sua independência do
governo colonial francês em 1803 e foi governado por descendentes de trabalhadores escravos das plantações
coloniais. O país é oficialmente a primeira nação caribenha pós-colonial. Com a “intervenção” norte-americana
em 1915, que perdurou até 1934, os haitianos perderam sua soberania pela primeira vez em mais de 100 anos.
No artigo, quando eu faço referência ao Haiti como uma nação pós-colonial, eu quero indicar o Estado que
havia antes da ocupação norte-americana e que implicitamente acabava por ser uma ameaça àquele impulso
imperial. Uma discussão desse episódio da história dos EUA e do Haiti pode ser encontrada no livro, muito
influente, de Hans Schmidt de 1971: The United States Occupation of Haiti, 1915-1934 (New Brunswick, NJ:
Rutgers University Press, 1995). Em 1929, manifestações e greves anti norte-americanas explodiam pelo país e
ameaçavam a continuidade do regime, que logo após estes acontecimentos começaria a planejar sua retirada.
2 William Seabrook, The Magic Island (New York: Harcourt, Brace, 1929).
3 White Zombie, DVD, dirigido por Victor Halperin (RKO Studios, 1932; Madacy Entertainment, 2002). A
genealogia mais minuciosa do filme pode ser encontrada em Gary Rhodes, White Zombie: Anatomy of a Horror
Film (Jefferson, NC: Mc Farland, 2001). Conforme Rhodes: “Seabrook foi o primeiro a apresentar zumbis
abertamente em um texto de língua inglesa” (30). Rhodes estabelece relações entre o livro de Seabrook e o
filme. Estas conexões são baseadas, principalmente: no conceito de zumbi; na explanação do Dr. Bruner sobre
os zumbis; na longa citação se Seabrook, presente no roteiro do filme, do código penal haitiano (30-34). Outros
analistas do cinema, tal como Michael Sevastakis, Songs os Love and Death: The Classical American Horror
Film of the 1930s (Westport, CT: Greenwood Press, 1993) e Peter Dendle, The Zombie Movie: Encyclopedia
(Jefferson, NC: Mc Farland, 2001), também apresentam Seabrook como uma fonte do filme.
4 Jennifer Fay, “Dead Subjectivity: White Zombie, Black Baghdad,” CR: The New Centennial Review 8, no. 1
(2008): 88.
5 Joan Dayan, Haiti, History and the Gods (Berkeley: University of California Press, 1995), 37.
6 Rhodes apresenta uma etimologia bem-acabada do termo, começando pela citação de Moreau de Saint-Méry,
um escritor da França colonial, que identificou zumbi como uma “palavra crioula que significa espírito” (75).
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enquanto fonte para White Zombie, através da apresentação de uma figura largamente
desconhecida nesta discussão sobre o mais antigo filme de zumbi: o crioulo. Culturas crioulas
representam as inevitáveis misturas que resultam do colonialismo. Para o imperialismo norte-
americano branco, a simples existência do crioulo é uma fonte de terror ideológico, isto porque
ele indetermina o binarismo branco/preto que sustenta as estruturas de poder da supremacia
branca. No livro de Seabrook, a cultura crioula e os zumbis são caracterizados como uma
mistura ambivalente, sendo esta ambivalência refletida no livro através da combinação de uma
abordagem sensacionalista com uma explicação racionalista para a cultura pós-colonial
haitiana. Em The Magic Island, o zumbi está hibridado, em parte, porque é recrutado para o
trabalho na indústria norte-americana. Porém, White Zombie tenta, apenas com sucesso parcial,
simplificar a ambivalência de Seabrook ao identificar o crioulo como um príncipe do mal,
vivido pelo personagem Murder Legendre. Legendre ameaça infestar os brancos com o
contágio da magia e da farmacologia nativas, transformando-os em zumbis. De diferentes
modos, ambos os textos procuram defender a presença norte-americana no Haiti. Entretanto,
por reduzir as complexidades das análises culturais de Seabrook, White Zombie ironicamente
revelaria as ansiedades norte-americanas, aumentadas com a ocupação do Haiti, sobre a
manutenção da hierarquia racial e sobre a herança da história colonial francesa. Desse modo,
por focar no conceito de crioulo traçado por Seabrook, eu espero adicionar um aspecto
ambivalente no debate acadêmico em torno de White Zombie que tem, por sua vez, replicado o
binarismo preto/branco. Ou seja, analistas do filme parecem assumir que Murder Legendre seja
“branco” ou “preto,” não considerando que o personagem poderia ser racialmente ambíguo. Na
verdade, seria esta ambiguidade que ajudaria a gerar o medo que o mestre zumbi incorpora.
A ansiedade central do filme de Halperin, White Zombie, pode ser observada de
imediato em seu título: zumbis são uma coisa, mas um zumbi branco é um signo de horror. Tal
como “lixo branco” ou “escravo branco”, o termo “zumbi branco” implica a violação de uma
norma racial. Isto é, audiências brancas da cultura pop sobre zumbis nos anos 1930 poderiam
razoavelmente esperar por zumbis negros como sendo a norma cultural, isto graças ao livro de
Seabrook: The Magic Island. Lixo, escravos e zumbis são “normalmente” pretos, mas quando o
status zumbi cruza a fronteira racial para afetar pessoas brancas, temos como resultado o
horror. A fonte do horror é o medo, neste caso, para os brancos, ele se manifestaria na perda de
soberania sobre seu corpo, na ausência de autonomia intelectual e/ou no medo da servidão
Em seu recente livro sobre a filmografia zumbi, Kyle Bishop, American Zombie Gothic (Jefferson, NC: Mc
Farland, 2010), que será posteriormente referido apenas pela sigla AZG, 47, destaca a etimologia antropológica
do termo, cuja busca de suas raízes, o levaram até o “termo do Kimbundo angolano nzúmbe” que aparece
também no Congo e na África Ocidental. Entretanto, o livro de Seabrook tem o crédito de ser o primeiro a
introduzir “zumbi” (com esta ortografia) como um termo que se refere a corpos reanimados.
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“não natural.”7
Para os cidadãos haitianos, o medo do zumbi representa metaforicamente o
temor do retorno ao status colonial ou de escravo.8
A ameaça para as populações brancas,
entretanto, como Kyle Bishop salienta, é a de que elas poderiam ser forçadas, através da
zumbificação, a trocarem de papel racial, assumindo aquele que seria “naturalmente” dos
negros. Para Bishop, parte desse medo está intimamente ligado à miscigenação, implicado no
binarismo branco/preto. A violação das normas raciais no filme, então, incluiria dois aspectos
principais: por um lado, o deslocamento da autonomia e da supremacia branca; por outro, a
ameaça de subjugação sexual ou miscigenação. No filme, a zumbificação da mulher branca,
Madeline, é uma ameaça à supremacia branca sobre as estruturas de poder econômicas e
sociais, sendo a zumbificação também representada como uma ameaça à pureza racial.9
O filme de Victor Halperin (1932) não é sobre a ocupação norte-americana no Haiti, ao
menos não diretamente. Embora seu cenário seja o Haiti e os personagens tenham roupas e
cortes de cabelos característicos dos anos 1930, o tempo em que transcorre o filme não é exato.
A única e tênue conexão com os interesses do imperialismo norte-americano está no fato do
herói Neil Parker (representado por John Harron) trabalhar em um banco em Port-au-Prince. O
filme começa com Neil e Madeline Short (Madge Bellamy) em uma carruagem em direção a
casa de um fazendeiro: Charles Beaumont (Robert Frazer). Beaumont é algumas vezes descrito
pelos analistas do filme como um fazendeiro norte-americano e outras vezes como francês.10
Beaumont generosamente ofereceu sua casa para o jovem casal celebrar seu casamento, mas
seus motivos são outros: ele espera conquistar Madeline. No caminho para a fazenda, o casal
passa por um funeral de um nativo haitiano no meio da estrada, depois, encontram o mestre
zumbi e o principal vilão, Murder Legendre (vivido por Bela Lugosi, que acabara de atuar em
Dracula). Ao fundo, nós vemos o seu grupo sinistro de zumbis. Uma vez na opulenta casa de
7 Kyle Bishop, “The Sub-Subaltern Monster: Imperialist Hegemony and the Cinematic Voodoo Zombie,” The
Journal of American Culture 31, no. 2 (2008): 143.
8 Dayan, 37.
9 A conexão entre zumbificação e ameaça sexual está presente na narrativa do filme quando Dr. Brumer tenta
explicar para Neil o que aconteceu. Neil reage, imediatamente após ouvir que Madeline não está mais em seu
túmulo e provavelmente viva, com um lamento: “você acha que ela está viva? E nas mãos dos nativos! Oh não,
melhor morta do que isto!” O medo da miscigenação é assim uma ameaça comum nos filmes de aventuras
norte-americanos até os anos de 1960 e reflete uma persistente ansiedade cultural sobre pureza racial e sobre a
seguridade das estruturas de poder que sustentam a supremacia branca (como visto, por exemplo, em Birth of a
Nation, dirigido por D. W. Griffith [Epoch, 1915], ou The Searchers, dirigido por John Ford [Warner, 1956]).
Ver também, Bishop, AZG, 80.
10 Por exemplo, Rhodes e Fay. Embora eu não discuta este tema neste artigo, a confusão sobre Beaumont é tão
interessante quanto aquela sobre Legendre que preenche a maior parte da minha discussão. Se Beaumont é
norte-americano, então ele constitui uma forma de ligação ideológica entre a nova economia colonial haitiana e
o sistema financeiro norte-americano, dessa forma, esta conexão precisa ser poupada da ameaça de Legendre.
Se ele é francês, representaria uma regressão ao passado colonial do Haiti, assim, o personagem seria uma
imagem da aristocracia decadente que constitui uma parte das raízes históricas da cultura haitiana (há referência
à discussão de Seabrook sobre a decadência da aristocracia francesa ainda neste artigo). De fato, Beaumont
pode ser analisado como a fusão da história colonial francesa e inglesa, ou seja, as culturas europeias que o
filme parece extrair e que contribuem para a indeterminação do tempo e do espaço da filmagem.
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fazenda de Beaumont, eles encontram o missionário Dr. Bruner (Joseph Cawthorn) que
celebrará o casamento. Desde o início, Dr. Bruner representa uma figura paterna e protetora
para o casal. A cerimônia é interrompida, pois Beaumont usa uma poção, dada a ele por
Legendre, para transformar Madeline em zumbi. Assim, ela aparenta estar morta, é enterrada e
então desenterrada por Legendre e Beaumont com o intuito de transformá-la numa escrava
sexual do último. Neil e Dr. Bruner vão em busca dos culpados e o filme termina no castelo
gótico de Legendre,11
onde os zumbis, seu mestre e, finalmente, Beaumont (que havia sido semi-
zumbificado por Legendre) caem de uma ribanceira em direção ao mar. Isto faz com que Neil,
Madeline e o Dr. Bruner formem um tipo perfeito de proto sociedade ao final. Ao passo que há
zumbis (pretos) no filme de Halperin, o zumbi principal (branco) não é recrutado para o
trabalho no campo ou na fábrica. Ao invés disto, Madeline é zumbificada para se tornar, ao
menos implicitamente, uma escrava sexual. Os zumbis pretos são, supostamente, monstros
assustadores e robóticos, a la Romero, mas Madeline não é um monstro, ela é uma vítima.
Até muito recentemente, o vilão de White Zombie era identificado como um típico
representante da tradição gótica europeia, sem nenhuma relação mais específica com sua
localização no Haiti. Em Sevastakis, por exemplo, ele é um “necromancer” conforme a tradição
de Dracula e The Mummy.12
Rhodes faz com que a origem de Legendre seja mais complexa,
descrevendo-o como um “mestre zumbi” e trançando suas similaridades com Fausto e Svengali,
entre outros.13
Apenas atualmente, começa-se a explorar as implicações relativas à localização
colonial do filme, desse modo, a identificação racial de Legendre tem se tornado mais específica.
Em particular, dois analistas do filme apresentam representações opostas de Legendre,
resultando em argumentos bem diferentes sobre a caracterização das estruturas raciais e de
poder do filme. De um lado, Jennifer Fay identifica Murder Legendre como branco e argumenta
que esta categorização racial estaria vinculada às grandes preocupações sobre trabalho e capital
durante aquele período de recessão norte-americana: “Aquela norte-americana é escravizada
por outro – assim, homens e mulheres brancos são igualmente vulneráveis às várias formas de
exploração sem pagamento – demonstrando-nos que trabalho zumbificado em qualquer de suas
formas não é somente uma doença tropical.”14
Bishop, de outro modo, identifica Legendre como
preto, argumentando que o status zumbi de Madeline representa o “maior medo dos
colonizadores – que os nativos se desenvolvam e se tornem a força dominante.”15
Meu
11 Como Rhodes percebe, o castelo de Legendre é, na verdade, o cenário de Dracula de Browning que os irmãos
Halperin alugaram da United Artists. Mesmo que o cenário seja um expediente acidental devido ao baixo
orçamento do filme, ele, contudo, não deixa de carregar um peso semântico e de ter implicações no filme, tendo
em vista as minhas discussões neste artigo.
12 Sevastakis, 41.
13 Rhodes, 34-38.
14 Fay, 96.
15 Bishop, AZG, 80.
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argumento neste artigo, ao focar especificamente na ameaça do crioulo, deriva-se, em parte, da
aparente discordância entre Fay e Bishop em relação ao status racial de Murder Legendre.
A confusão é compreensível. No filme, ele é repetidamente e contraditoriamente
associado com os dois lados da história haitiana: a europeia e a africana. Associando-o com a
Europa está o fato do personagem ser vivido por Bela Lugosi, obviamente tipificado como um
aristocrata europeu (ocidental) decaído, além do cenário montanhoso escolhido para o lar de
Legendre que parece habitar num castelo gótico,16
sem esquecer o fato de que, ao contrário dos
outros personagens “negros” vividos por atores brancos, ele não tem seu rosto maquiado de
preto. Entretanto, algumas passagens na narrativa também parecem vinculá-lo com os
“nativos” haitianos. Talvez, o mais óbvio destes vínculos esteja na cena em que Dr. Bruner
apresenta, em seu escritório, suas considerações sobre a morte de Madeline a Neil e este
expressa todo o seu desgosto por ela estar nas mãos dos “nativos.”17
Um pouco mais tarde nesta
mesma conversa, Neil revela sua suposição de que seja Beamount quem estaria por detrás do
envenenamento e desaparecimento de Madeline, porém, Dr. Bruner discorda, replicando: “não,
não, isto é trabalho dos nativos.” Eles resolvem sair em busca de Madeline, o que os leva, ao
final, até o castelo de Legendre.
Ele é um nativo? Ele é um representante do capital europeu ou norte-americano? A
expressiva ambiguidade sugere uma terceira opção. Legendre representa um horror pós-
colonial, um tipo misturado e crescido em seu próprio solo, temido pelo regime norte-
americano. Legendre não é somente uma ameaça, ele também exerce poder sobre a indústria e
sobre os agentes governamentais (estes últimos na forma de uma gangue de zumbis que ainda
será discutida neste artigo). Deste modo, ele incorpora uma fonte de horror mais primária que
está relacionada à miscigenação: quando Madeline, mais tarde Beaumont, ingerem o pó secreto
zumbificante, eles estão de certo modo infestados ou ao menos contaminados. As fronteiras de
seus corpos são violadas e invadidas, deixando-os sem controle de seus próprios organismos.
Enquanto a miscigenação é uma ameaça para a ordem social, através da produção de uma raça
de cidadãos misturada, a metáfora zumbi mostra que as fronteiras das identidades associadas
com a cor da pele são permeáveis e não fixas. Assim, o filme possui um quase problema
filosófico sobre a natureza da autonomia corporal e sobre as estruturas sociais e raciais na
cultura norte-americana. A cultura pós-colonial produz o crioulo cuja identidade indetermina o
binarismo branco/preto necessário para a supremacia branca nas estruturas de poder.
Neste sentido, para explorar o status racial dúbio de Legendre e a natureza da ameaça
do crioulo para a subjetividade (branca) gerada pelo processo de zumbificação, eu quero
16 Cf. nota 11.
17 Cf. nota 9.
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retornar para a fonte central do conceito de zumbi do filme: o livro The Magic Island de
Seabrook. O filme não é de modo nenhum uma adaptação do livro, que é essencialmente uma
publicação de não-ficção popular, escrito ao modo de um diário de viagens ou de uma
etnografia leiga. Entretanto, as principais citações do livro presentes no filme seriam: a ideia de
trabalhadores negros zumbificados, sendo estes erguidos da morte; a explicação racionalista (o
estado comatoso produzido através de agentes químicos); a leitura do código penal haitiano. Os
dois últimos aspectos são quase que citados literalmente na cena entre Neil e Dr. Bruner após a
suposta morte de Madeline. Embora a narrativa romanceada seja uma adição completamente
nova para a ideia central de Seabrook, outras situações comparativas são recorrentes no filme,
notavelmente em referência ao status de Legendre como proprietário do engenho e figura
central no poder do Haiti. Portanto, através da ressurreição no filme destes fantasmas
remanescentes do livro de Seabrook, eu mostro o caminho pelo qual a ambivalência da cultura
crioula é implicitamente traçada e, no fim, apagada em White Zombie.
Crioulização, zumbificação e William Seabrook
A palavra “crioulo” é um termo encontrado nos estudos pós-colonias de literatura.
Personagens que representam “tipos diferentes de brancura”18
são figuras familiares vindas da
literatura colonial e pós-colonial: alguns exemplos incluem a famosa Bertha de Jane Eyre, a
menos conhecida White Silent Tread (1890) de Frieda Cassin, A High Wind in Jamaica (1928) de
Richard Hughes e as novelas de Jean Rhys, especialmente, Voyage in the Dark (1934) e Wide
Sargasso Sea (1965). Retornando aos analistas da literatura pós-colonial, eles estabelecem o
paradigma conceitual do crioulo, considerando-o como uma natureza hibridizada. Assim, tal
como a miscigenação, a zumbificação no filme é representada como contaminação da “pura”
subjetividade branca. Na literatura colonial, “crioulos brancos da diáspora caribenha eram
vistos com suspeição porque eles eram outros, um resultado da fácil associação dos
colonizadores com os negros, ou, para pôr tudo mais as claras, por causa da mácula de sua
origem preta.”19
Na literatura colonial e pós-colonial, o medo da miscigenação representado
pelo crioulo e a ameaça que ele carrega para a construção da superioridade do corpo branco
são muitas vezes associados com a ideia de doença contagiosa. Com o zumbi e o crioulo, a
noção de corpo soberano, independente, branco e pertencente ao eu é invadido e colonizado
pelo outro, não somente sexualmente e geneticamente, mas também através dos tecidos e das
membranas corporais. Os corpos brancos estão sob ameaça nas sociedades coloniais, e esta
infestação local se espalha através da perda da subjetividade branca, de suas estruturas de
18 Evelyn O' Callaghan. “'The Unhomely Moment': Frieda Cassin's Nineteenth-Century Antiguan Novel and the
Construction of the White Creole,” Small Axe 29, 13 no. 2 (June 2008): 98.
19 Ibid., 102.
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poder e, por fim, de suas propriedades econômicas. Outra analista da literatura pós-colonial,
Adelai Murdoch, salienta que a simples definição de “crioulo” indetermina a aparente
estabilidade binária que está subjacente na colonização: “Como resultado deste discurso e deste
deslocamento, uma pessoa crioula pode ser branca ou negra, colonizador ou colonizado, assim,
o termo articula uma essencial ambiguidade que media e rompe as estratégias de contenção,
[borrando] as designações dominantes da diferença.”20
Esta ambiguidade e deslocamento é
também evidente no texto de Seabrook, dessa forma ele avalia a sincrética combinação das
culturas africanas e europeias no Haiti como sendo uma “mistura excelente.”21
Ele também
demonstra que a ocupação norte-americana estava pouco preparada para aceitar esta mistura
racial e cultural. No retrato de Seabrook dos governantes pós-coloniais do Haiti, a
indeterminação racial do crioulo identificada por Murdoch serve para inquietar a ideologia
norte-americana de que deveria haver uma supremacia branca no poder tanto em seu território
quanto no Haiti. Em White Zombie, então, a figura do crioulo é transformada exclusivamente
em uma ameaça, que deve ser expurgada, à soberania branca.
The Magic Island é um típico diário de viagem de Seabrook e foi um best-seller nos
Estados Unidos, sendo um dos primeiros, talvez o único, que explora em profundidade e com
apelo popular a cultura haitiana em língua inglesa antes dos anos de 1930.22
Seabrook publicava
seus diários de campo que resultavam de viagens aos extremos coloniais, este famoso pseudo-
etnólogo começou sua carreira de escritor como jornalista, publicando matérias
sensacionalistas para jornais e periódicos populares, incluindo The Ladies Home Journal e The
New York Times. Ele era largamente conhecido por descrever as práticas de ocultismo primitivo
sob o ponto de vista de um branco racionalista que havia tido acesso especial a essas práticas
culturais. Como Susan Zeiger salienta, ele conscientemente adota uma identidade racial
performativa, se auto representando como o único capaz de penetrar nas mentes e nas culturas
dos negros, seja estas no Caribe ou na África.23
Em The Magic Island, em particular, ele procura
se tornar um iniciado nas práticas do vodu e, além disso, experimentar êxtases irracionais em
primeira mão. O capítulo descrevendo zumbis, “'...Dead Men Working in the Cane Fields,'” é
somente uma pequena seção de um livro que começa apresentado ao leitor o testemunho de
20 Adlai Murdoch, “Rhys's Pieces: Unhomeliness as Arbiter of Caribbean Creolization,” Callaboo 26, no.1 (Winter
2003): 254.
21 Seabrook, 141.
22 Rhodes, 72-78. Há muitas fontes identificadas que são, no geral, antipáticas à cultura e às pessoas do Haiti e que
tratam de “vodu”, porém não de zumbis. Um conjunto de reportagens tendiam para o sensacionalismo sobre a
selvageria dos nativos haitianos, notadamente “Why the Black Cannibals of Haiti Mutilated our Soldiers” in
New York American, Feb. 13, 1921. Outros, tal como Haiti: Her History and Her Detractors (1907)
apresentaram um quadro um pouco mais complexo do sincretismo e da mistura da África e da Europa na cultura
haitiana.
23 Susan Zeiger, “Magic Island, Jungle Ways: William Seabrook, Popular Primitivism, and the Imperial
Imagination,” Invitation, American Literature and Cultures Workshop, Univ. of Chicago, May 2010.
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Seabrook sobre uma cerimônia vodu que simulava um sacrifício humano (e que densamente
rememora a perversa sensualidade da qual ele também foi um participante). The Magic Island
também abre algum espaço de discussão sobre o clima político do Haiti na época, incluindo o
estado das relações raciais entre haitianos e norte-americanos.
Em seu diário de viagem ao Haiti, tal como em seus outros trabalhos, a autoridade da
narrativa de Seabrook vem, em parte, de sua suposta habilidade em ocupar, de uma única vez,
uma dupla posição racial. Esta postura retórica faz com que Seabrook esteja mais próximo dos
haitianos pós-coloniais do que dos ocupantes norte-americanos. Talvez seja esta estratégia que
permite ao livro de Seabrook uma abertura para o que poderia ser descrito como uma
identidade crioula – uma abertura claramente ignorada no filme. A sistemática comparação
destes dois textos, sendo um o progenitor nominal do outro, demonstra que a descrição das
complexidades raciais e culturais do crioulo em Seabrook se sobrepõe às estruturas de poder
explícitas no binarismo preto-branco. No filme, os zumbis e especialmente o mestre dos zumbis
representam a figura do crioulo. Por conta do fato dos zumbis e de Legendre serem meramente
uma ameaça no filme, o crioulo perde sua completa ambiguidade e complexidade associada a
ele no livro de Seabrook.
Em The Magic Island, Seabrook apresenta uma análise surpreendentemente sutil e
crítica da desconexão cultural entre a classe governante haitiana e os ocupantes norte-
americanos, principalmente por causa dele ser um defensor e valorizador do primitivismo. Em
uma seção do livro, intitulada “A Blind Man Walking on Eggshells,” ele relata a divisão social,
cultural e racial entre norte-americanos e haitianos com uma pitada de ironia, talvez para ser
intencionalmente ignorada pela maioria de seus leitores brancos. Ele argumenta que junto com
os presentes de “excelentes estradas, esgotos, hospitais, saneamento, estabilidade da moeda,
prosperidade econômica e paz política” está um espinhento e afiado “presente” norte-
americano: “A mais persuasiva e interessante das inovações norte-americanas está na lição
tardia em termos de consciência de raça, a qual agora nos temos estado empenhados em
ensinar para a classe dominante do Haiti. Estes haitianos urbanos, livres, fúteis, independentes
e, assim, senhores em suas próprias terras por cem anos ou mais… tinham de algum modo
esquecido que Deus em Sua infinita sabedoria tinha intencionalmente designado os negros a
permanecerem sempre como uma raça inferior.”24
Seabrook implicitamente reconhece os
benefícios de uma cultura pós-colonial e isso o leva um pouco mais além da polarização
requerida pela supremacia branca. Ele também mostra as tentativas norte-americanas para
reduzir a ameaça sobre a sua própria soberania racial, através principalmente de importar um
tipo de Jim Crowismo, efetivado pela simples existência de uma “República Negra.” A remoção
24 Seabrook, 127.
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das ameaças implicou a reeducação dos “nativos” em sua própria terra, além de uma educação
dos brancos nos USA. A educação dos brancos ocasionou, tal como apresentado por Fay, uma
reescrita e um esquecimento da história da ocupação norte-americana.25
William Seabrook não é nem um escritor pós-colonial nem um advogado da
autodeterminação haitiana, então suas discussões sobre raça são necessariamente
contraditórias e ambivalentes. O encontro de Seabrook com os haitianos da classe dominante,
que eram descritos pela literatura da época como “mulatos”, revela sua valorização da
crioulização ao mesmo tempo que faz suposições racistas subjacentes ao seu primitivismo.26
Ao
comparecer a uma festa bastante sofisticada de uma família dos altos-estratos sociais do Haiti,
ele descreve a bela filha da família como “algum tipo futuro definitivo, superior talvez a
qualquer outro que nenhuma raça sozinha poderia criar.”27
Ele vai ao ponto de avaliar essa
mistura racial superior através de lentes eugênicas: “Os primeiros plantadores coloniais
franceses e proprietários de escravos eram aristocratas pre-napoleônicos… Os escravos [foram
importados]… de povos africanos diversos e muito dispersos… Ligeiramente decadente porém
autêntico sangue aristocrata, hibridou-se com o sangue primitivo forte e rico, criando uma
excelente mistura biológica.”28
Representando-se a si mesmo como um jornalista desinteressado,
Seabrook atravessava a divisão cultural que separava a ultrassofisticada classe dominante do
Haiti e a supremacia branca dos norte-americanos. Os haitianos, em particular, eram ofendidos
e confundidos pela prática dos norte-americanos de designar qualquer cidadão do Haiti como
um “nigger,” embora toda a complexidade racial existente.29
A ideia de uma identidade racial
25 Fay, 99.
26 Conforme muitos dos analistas do então chamado primitivismo observam, as avaliações ocidentais das artes e
das culturas africanas ou afro-americanas/caribenhas, mesmo que positivas ou negativas, são sempre baseadas
em alegações racistas. Naquele ponto de vista, qualquer descendente africano estaria necessariamente próximo
de algum passado, ou seja, de algum estado original da humanidade. Exemplos desta escola modernista pós-
colonial proliferam e incluem, para nomear apenas alguns, os seguintes livros: Petrine Archer-Shaw,
Negrophilia: Avant-garde Paris and Black Culture of the 1920s (London: Thames and Hudson, 2000), Patricia
Chu, “Modernist (Pre)Occupations: Haiti, Primitivism and Anticolonial Nationalism” (171-186) e Simom
Gikandi, “Africa and the Epiphany of Modernism,” (31-50) ambos em Geomodernisms: race, Modernism and
Modernity, ed. Laura Doyle and Laura Winkiel (Bloomington: Indiana University Press, 2005), Susan Gubar,
Racechanges: White Skin, Black Face in American Culture (New York and Oxford: Oxford University Press,
1997), e Marianne Torgovnick, Gone Primitive: Savage Intellects, Modern Lives (Chicago: University of
Chicago Press, 1990).
27 Seabrook, 140-41. Apenas como um ponto de contraste, eu incluo aqui um pensamento bastante típico dos
administradores norte-americanos no Haiti: “Os negros de tipos misturados [mulatos], que constituem a maioria
das pessoas escolarizadas e dos políticos, possuem as características gerais de tais pessoas ao redor do mundo –
fúteis, amantes do prazer, excitáveis, influenciáveis, crentes em irracionalismos e mentirosas. Muitos deles são
altamente educados e polidos, mas sua sinceridade deve ser sempre motivo de dúvidas” (Brigade Commander
Cole, em 1917: citado em Schmidt, 146).
28 Seabrook, 141.
29 Seabrook descreve a experiência de ter sofrido um equívoco em sua própria identificação racial (resultando num
potencial engano de avaliação de seu status social) de uma tal Senhora John T. Myers, esposa de um
comandante de tropas dos Estados Unidos, que o qualificou como um haitiano de pele clara. Outra esposa de
comandante norte-americano se recusava a participar de qualquer evento social no Haiti, afirmando que: “um
negrinho era um negrinho” (Seabrook, 155).
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indeterminada, incorporada pelo crioulo, é geralmente percebida pelos norte-americanos,
segundo Seabrook, como uma ameaça ao seu “natural” governo. Em sua adaptação dos
elementos encontrados no livro de Seabrook, White Zombie apenas implicitamente configura
Legendre como um crioulo. Contudo, como um personagem fronteiriço, ele é explicitamente
mal. O filme anula a presença do cidadão pós-colonial haitiano descrito em Seabrook e o troca
por uma criação gótica.
O capítulo sobre zumbis no livro, “'… Dead Men Working in the Cane Fields'” traz a
típica tensão de Seabrook entre o poder imperial norte-americano e a cultura “primitiva” do
Haiti. Neste capítulo, que é a fonte do conceito de zumbi em White Zombie e do qual passagens
são citadas verbalmente no filme, Seabrook se deparou com um monstro das Américas:
“Lobisomens, vampiros e demônios não são novidades. Porém, eu recordo de uma criatura, que
eu tenho ouvido falar no Haiti e que soa exclusivamente local – o zumbi.”30
Seabrook explica
que os zumbis são corpos “tirados de seus túmulos e dotados por feitiçaria de um semblante
mecânico de vida.”31
O arco narrativo do capítulo começa com uma história folclórica
assustadora contada ao fim de tarde sob o levantar de uma lua cheia e com “colinas negras” ao
fundo.32
Assim, Seabrook investiga neste capítulo o aparente fenômeno sobrenatural, para,
gradualmente, oferecer uma explicação mais racionalista e farmacêutica: pessoas saudáveis são
transformadas em zumbis através de “substâncias” que produzem um “coma letárgico.”33
Ele
termina o capítulo dentro do escritório do Dr. Antoine Villiers que representa uma das
“mente[s] mais cientificamente treinadas” e “seguramente racionalista[s]” em “todo o Haiti.”34
A conclusão para a história de zumbi provêm do artigo 249 do corrente (i.e., nos anos de 1920)
Código Penal haitiano,35
que é citado em White Zombie quando Dr. Bruner, também em seu
escritório, está explicando ao transtornado Neil sobre o desaparecimento de Madeline. Como
tem sido notado em outros estudos, este final do capítulo de Seabrook é ambíguo, mas ele
certamente parece selar uma explicação materialista e psicológica, em oposição à sobrenatural,
para os zumbis.36
A aproximação racionalista e materialista está sublinhada pelo movimento
30 Seabrook, 93.
31 Ibid.
32 Ibid., 92.
33 Ibid., 103.
34 Ibid.
35 Ibid. “'Artigo 249. Também deve ser qualificado como tentativa de homicídio o emprego de substâncias que
pode ser feito em qualquer pessoa que, sem causar uma morte verdadeira, produz um coma letárgico mais ou
menos prolongado. Se, depois de serem administradas tais substâncias, a pessoa for enterrada, o ato pode ser
considerado homicídio, não importando as ocorrências posteriores.'” Em uma nota de rodapé na página 335,
Seabrook apresenta o artigo no francês original. Assim, ele traduziu “produisent un effet lethargique plus ou
moins prolongé” como “produz um coma letárgico mais ou menos prolongado” que, desse modo, adiciona uma
ambivalente e confusa conclusão de seu capítulo (uma mais acurada tradução deveria ser “produz um efeito
letárgico mais ou menos prolongado”; minha tradução [do autor]). É difícil observar como uma pessoa em coma
poderia ser obrigada a trabalhar.
36 Fay, 92. Também ver Zeiger para uma discussão sobre a dependência de Seabrook de uma retórica racionalista.
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espacial da narrativa de Seabrook, ou seja, de uma história contada na varanda por um
camponês ao cair da tarde para uma tarde civilizada num gabinete de estudos de um médico.
A clara divisão entre o camponês haitiano supersticioso e as codificações da lei e da
medicina é dissolvida, entretanto, no meio do capítulo através da mistura das práticas de
trabalho dos haitianos com a moderna indústria norte-americana. Desse modo, Seabrook
descreve o refino do açúcar operado pela Hasco:
A palavra significa Comercial Sintética Americana, tal como Nabisco, Delco, Socony.
Ela é responsável pela Haitian-American Sugar Company – uma imensa planta fabril
capitaneada por uma imensa chaminé, pelo som metálico do maquinário, pelo chiado
do vapor e pelos cargueiros. É como se fosse uma parte de Hoboken… Trata-se de um
grande empreendimento moderno e aquilo soa como isto, parece com isto, cheira
como isto. Desta forma, formava um incongruente pano de fundo para a história
estranha que Constant Polynice [informante camponês de Seabrook] agora me
contava.37
O cenário industrial descrito por Seabrook é certamente incongruente com a magia
popular haitiana e/ou com a exploração de sua medicina popular. Entretanto, Seabrook revela
que agenciadores usavam trabalho “zumbi” nas colheitas de cana para a Hasco por pagamentos
muito baixos. O dinheiro nunca ficava com os trabalhadores, assim eles se tornavam
efetivamente escravos nas plantações. Enquanto Hans Schmidt não trata do uso de zumbis pela
Hasco, ele percebe claramente que a corporação era uma das que lucrava substancialmente com
a ocupação norte-americana do Haiti, ao utilizar trabalhadores mal pagos.38
Conforme Fay
salienta, com ou sem zumbis, “a política dos USA recriou uma economia colonial/escravista” e
os zumbis são uma metáfora para o trabalho explorado e conscrito.39
Seabrook não comenta
sobre esta forma de exploração do trabalho senão para mostrar a justaposição entre uma
suposta influência civilizatória da indústria norte-americana e a “magia nativa.” Eu
argumentaria que a “incongruência” é, na verdade, uma irônica justaposição, desse modo, como
o duvidoso presente da “consciência de raça” discutido acima. No colonialismo, misturas são
inevitáveis. Na cultura pós-colonial, a autodeterminação é estabelecida na base de uma mistura
entre o senhor e o escravo, que necessariamente freia a dialética. Seabrook não tenta resolver
este dilema aberto, sendo que nem condena nem claramente celebra a ocupação norte-
americana. De outro modo, White Zombie tenta mitigar a ansiedade colonial em culturas
hibridadas através da localização do mal na mistura. O modo como o filme veda e desvia esta
incongruência revela a ambivalência da potencial “síntese” entre os grandes empreendimentos
norte-americanos com a bruxaria haitiana que estão representados no capítulo de Seabrook.
37 Seabrook, 95.
38 Schmdt, 171.
39 Fay, 92-3.
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White Zombie refaz Seabrook
The Magic Island é certamente uma fonte textual para White Zombie, mas o filme não
pode ser considerado uma adaptação. O livro de Seabrook é um diário de viagem não ficcional,
enquanto que o filme é essencialmente uma narrativa ficcional sobre um romance, em que a
zombificação funciona como um suspense extra, um obstáculo para o amor verdadeiro. Há
somente zumbis negros haitianos em Seabrook, nunca zumbis brancos. Rhodes e Sevastakis o
identificam como o precursor genérico da narrativa do filme, mas Seabrook apenas estabelece o
conceito de zumbi e relata o perigo oculto da ameaça do crioulo. A transformação destes
paradigmas conceituais em personagens e na narrativa em si mesma de alguma forma
simplifica as ideologias raciais que estão por detrás deles. No restante do artigo, eu apresentarei
alguns exemplos comparativos entre o livro e o filme, para ao final demonstrar a simplificação
e o deslocamento da mais bem formatada avaliação da história e da cultura haitiana em
Seabrook. Por exemplo, a cena central da fábrica onde os zumbis convergem com a indústria
norte-americana é o primeiro deslocamento. Entretanto, algumas outras cenas chaves ajudam a
construir nosso entendimento de Legendre como um crioulo e como uma ameaça de
contaminação aos norte-americanos brancos. A cena no túmulo mostra Legendre em relação
paralela ao presidente haitiano deposto pouco antes da intervenção norte-americana (ver n. 1),
justificando a continuidade da presença norte-americana através do entrelaçamento do
governante haitiano com a personalidade pós-colonial ameaçadora. A busca de Neil e do Dr.
Bruner por Legendre é, de certa forma, baseada na expedição pela montanha levada a cabo por
Seabrook e alguns outros homens. Na expedição de Magic Island, Seabrook e os montanhistas
encontram as ruínas de uma casa de fazenda que evoca os percalços da história colonial
haitiana. Os traços desta história são ressuscitados no filme através do personagem de
Legendre que se torna um eco do passado. No fim de Magic Island, a narrativa compreensiva de
Seabrook é respeitosa com os mistérios remanescentes do Haiti, mas o fim do filme
cuidadosamente extingue a ameaça de contaminação representada pelos zumbis e pelo seu
mestre.
Em White Zombie, a cena paralela com a fábrica da Hasco de Seabrook é também a
primeira real introdução ao público do principal vilão do filme, o mestre dos zumbis: Murder
Legendre. Ele substitui, no filme, a hibridação do “grande empreendimento” norte-americano
que está presente no capítulo de Seabrook, aparecendo como proprietário da refinaria de
açúcar. Na cena do moinho do filme, nós não construímos nenhuma relação entre este local
com os interesses norte-americanos que estão envolvidos na colheita e no refino da cana-de-
açúcar. Pelo contrário, o processamento desta rentável commoditie é realizado por um
misterioso proprietário “estrangeiro” do moinho, vivido por Bela Lugosi, famoso por causa do
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recente papel em Dracula (1931). Por que a corporação norte-americana é substituída como a
proprietária do moinho na cena que apresenta o processamento do açúcar e, assim, posto em
seu lugar Muder Legendre? Esta evacuação da propriedade norte-americana liberta os EUA de
qualquer cumplicidade com o neoescravagismo e, também, de estar associado com o primitivo
pseudo-mágico controle do trabalho “escravo”. Em uma grande escala ideológica, eu
argumento, o medo do estilo colonial europeu encontrado no espectro da crioulização, a
ameaça de se misturar e de ser contagiado, é aliviada por esta mudança de propriedade. Além
disso, Legendre é representado, embora sua ambiguidade, como um exemplo de crioulização e
serve como um implícito contraste para o imperialismo norte-americano, que é exclusivamente
branco, racional e, portanto, melhor do que os inevitáveis modelos sincréticos da Europa.
A cena no moinho de açúcar é um contraste direto da imagem da fábrica ultramoderna
do livro de Seabrook. Descrita por Fay como “tecnologicamente arcaica,” a fábrica de Legendre
na verdade não apresenta ter nenhuma tecnologia “moderna,” com exceção da luz elétrica.40
De
fato, a fábrica tem um mise-en-scène deliberadamente gótico/medieval completado pelas
engrenagens manuais, pelo prédio construído com madeira e pedra e pelo barulho persistente
do atrito dos mecanismos de madeira. Em outras palavras, a fábrica não se parece em nada com
o “som metálico” e com “os suspiros de vapor” semelhantes a Hasco de Hoboken, tal como
Seabrook a descreve. Nós vemos o interior da fábrica na perspectiva de Beaumont em uma
longa tomada, que lá está em busca de conquistar de algum modo a afeição de Madeline, sendo
conduzido para o escritório, em um nível abaixo da fábrica, do proprietário Legendre. A câmera
nos identifica com o horror despertado em Beaumont quando um trabalhador zumbi desaba
para as lâminas gigantes do maquinário, sendo engolido junto com a cana. Ninguém parece
reagir ao fato, com exceção de Beaumont. A primeira coisa que vemos de Legendre é sua mão,
passando por uma tomada mais baixa de seu ombro e face, enfatizando seu poder sinistro. A
conversa dos dois homens começa emoldurada por uma janela. Nós olhamos para dentro do
escritório do exterior e a visão é parcialmente obscurecida por estar emoldurada pela janela e
pela presença de outros objetos. De modo que nós, como Beaumont, estamos inicialmente
alienados (de fora), mas gradualmente seduzidos pelo proprietário do engenho/mestre dos
zumbis. A próxima tomada é dentro da sala onde Legendre está enquadrado pelos objetos de
sua escrivaninha. De um lado, está uma caneta de pena, representando indubitavelmente a era
colonial francesa, signo de comunicação, civilização e, naturalmente, suspeita sofisticação. Do
outro lado, está a cabeça de um leopardo empalhado com sua boca escancarada, associando
Legendre com um animal predador. Quando ele se inclina para revelar a Beaumont o meio
secreto de transformar Madeleine em sua escrava sexual, este gesto sensualizado recorda-nos o
40 Ibid., 86-7.
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de um amante inclinando-se para um beijo ou, inevitavelmente, Drácula inclinando-se para
uma mordida. De todo modo, o efeito é tão sugestivo que a produção econômica material do
Haiti é associada com a sombria fusão do estilo gótico do feudalismo europeu com a
apropriação primitiva e pagã dos corpos dos outros.
Murder Legendre não é apenas uma imagem do mal ao estilo da “velha escola” colonial
europeia, em oposição ao brilhante e moderno imperialismo norte-americano. Ele é muito mais
um involucro híbrido, uma representação do crioulo. Conforme a ideologia do filme, ele tem
um papel central, embora implícito, para a justificação do imperialismo norte-americano. De
todo modo, ele é uma figura estranha e, no fundo, associa-se com a herança colonial híbrida da
“República Negra” haitiana. Para começar, ele não tem um nome no filme. Embora, seja
identificado como “Murder Legendre” no roteiro,41
na verdade, ele é referido como “aquela
pessoa” (por Beaumont no início) e mais tarde como uma figura perigosa, um homem “cujo
nome é [M]urder” - significando seu próprio nome? Ou as implicações de seu nome? O filme
não é claro. O efeito do seu suposto nome, obviamente, combina com a ameaça de morte
(Murder), com os efeitos da lenda (Legendre) e com as marcas da crioulização francesa.42
O feito
dessa falta de nomeação é fazê-lo um significante aberto, pronto pra receber qualquer
significado esboçado para ele. Talvez isso, junto com outras ambiguidades narrativas, tem dado
vazão também para o seu ambíguo status racial, tal como é evidenciado pelos exemplos de Fay
e Bishop citados acima.
Outra incorporação do livro de Seabrook na narrativa do filme é encontrada na
implícita relação entre políticos haitianos corruptos e Legendre. Murder Legendre está
associado no filme com os cargos centrais do controle pós-colonial no Haiti, restituindo estas
posições suspeitas de poder. Além de ser um capitão da indústria, embora medieval e não
moderna, e uma espécie de feiticeiro, Legendre é também associado com a figura central da
recente história política haitiana, ou seja, com o presidente deposto Guillaume Sam. A
sensacional queda do poder de Sam possui ecos na severidade da conversa de Legendre com
Beaumont, na qual Legendre revela as identidades das pessoas que formam seu bando de
zumbis. Ele identifica cada um deles através do trabalho que tinham em vida: um ministro do
governo, um carrasco do alto escalão, um feiticeiro e o chefe do exército. Quando questionado
sobre o que aconteceria se estes homens recuperassem suas almas, Legendre responde: “eles me
cortariam em pedaços.” Esta não é apenas uma sugestão terrificante para despertar o apetite de
terror nos espectadores do filme. De fato, é uma alusão à recente história haitiana, certamente
os eventos que levaram à “intervenção” norte-americana. O paralelo é aqui óbvio com o modo
41 Rhodes, 37.
42 Rhodes salienta que Marie Laveau, a famosa “rainha vodu” de Lousiana, tinha uma filha chamada Madame
Legendre (38).
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como Seabrook relata o destino de Sam. Guillaume Sam, o último autodeclarado presidente, em
uma série de golpes, prendeu e massacrou um grande número de políticos haitianos poderosos
e foi, então, deposto por uma multidão raivosa de cidadãos de Port-au-Prince: “A multidão
simplesmente o retalhou em pedaços.”43
Para reforçar esta hipótese de conexão política com o
governante pós-colonial deposto do Haiti, o filme identifica cada um dos zumbis haitianos
sobre o controle de Legendre como membros proeminentes da classe governante.
De certo modo, Legendre e seu bando estão relacionados com os governantes pós-
coloniais anteriores à ocupação do Haiti. A imagem de uma multidão violenta como uma
resposta para o instável e corrupto governo, que não possui o signo da democracia, seria
implicitamente o resultado final da autodeterminação pós-colonial. Quando a cultura mistura
os títulos de nobreza do feudalismo europeu com a atávica selvageria do tribalismo africano, o
argumento fala por si próprio, o resultado inevitável é uma cultura de crueldade e corrupção. A
questão aqui é que o filme parece relacionar Legendre com Guillaume Sam ou, ao menos, a uma
figura política com tais características: ele é um líder corrupto que tem o aparato
governamental completo sob sua influência e, não distante do governo, é um feiticeiro, ou seja,
o espectro da primitiva magia dos nativos. Qual é o resultado deste acúmulo de poder que
utiliza meios ilícitos? Inevitável instabilidade. De fato, a imagem aqui sugere o outro lado da
infestação crioula sobre a identidade e a autonomia do corpo dos brancos. A ameaça do crioulo
está na contaminação; a ameaça para o crioulo está na desintegração.
A história do passado colonial subentendida na conversa ao lado do túmulo é mais
tarde complexificada pelas conexões de Legendre com a antiga história colonial do Haiti. Em
outro empréstimo do texto de Seabrook, Legendre implicitamente se torna um corrupto
proprietário de terras. Novamente, esta cena implica uma identidade misturada e demonizada
para Legendre. Neil e Dr. Bruner cavalgam em direção do que parece ser um velho pomar, este
último interrompe a cavalgada para falar com um idoso (um ator branco com maquiagem
negra). Talvez ele também seja um iniciado nas práticas “vodus”, já que oferece avisos e
ouangas aos viajantes. Dr. Brumer pede pela direção do caminho e o homem velho o aconselha
a ficar longe de Legendre, descrevendo ou nomeando-o (ambiguidade discutida acima) como
“Murder” e descrevendo a “montanha” como a “terra dos mortos-vivos.” O missionário
pergunta ao idoso se ele gostaria de acompanhá-los, mas ele recusa. Em The Magic Island, esta
cena tem duas origens. Uma passagem do livro descreve geograficamente o “lar” dos zumbis no
43 Seabrook, 281. Em 1938, quatro anos após os norte-americanos desocuparem o Haiti, Zora Neale Hurston
repetiria esta mesma história em Tell My Horse (New York: Harper and Row, 1990). Conforme Seabrook e
Hurston, os acontecimentos com Guillaume Sam são uma justificativa direta para a invasão norte-americana.
Conforme os autores: “no momento preciso destes eventos, o navio de guerra norte-americano Washington
estava fumegando no porto” (Seabrook, 282); a fumaça do navio era uma “coluna negra de uma esperança
branca” (Hurston, 72).
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capítulo “Dead Men Working” como “Morne-du-Diable, uma montanha com poucos acessos,
próxima à fronteira com a Dominica”44
e presumivelmente a inspiração para o castelo na
montanha de Legendre como “a terra dos mortos-vivos.” Em outra passagem, que também serve
como final para Magic Island, Seabrook e alguns companheiros realizam uma jornada ao topo
do mais alto pico do Haiti, Morne La Selle, onde eles descobrem as fundações em ruínas de uma
fazenda colonial. Neste lugar, Seabrook imagina os horríveis capatazes coloniais e suas
propensões sexuais.45
No filme, entretanto, a ambivalência da história colonial é recontada no
presente já que o filme reconstrói aquele cenário no topo de uma montanha. Embora o uso
acidental do cenário de Drácula, devido ao baixo orçamento do filme independente, este não
deixa de carregar um peso semântico (veja n.11). O castelo gótico sugere o colonialismo
europeu, até mesmo o feudalismo. Este retorno para a Europa medieval se casa com um cenário
gótico e exótico do Haiti, tudo isso para produzir uma manifestação física da história colonial e
do horror pós-colonial que esta história criou.
O clímax de White Zombie ocorre no penhasco ao lado do castelo gótico de Legendre,
onde o contagio crioulo é ritualisticamente apagado. Uma vez que Dr. Bruner e Neil alcançam o
castelo, eles são confrontados com Legendre e seus zumbis. Neil tenta em vão acertar os zumbis
com sua pistola, mas no final eles simplesmente caminham para a beira do precipício e
desabam nas rochas abaixo. Murder Legendre é assassinado pelo meio zumbificado Beaumont
que redime-se, parcialmente, por empurrar o mestre zumbi para o precipício e então se atira
após ele. Há uma tomada do corpo sem vida de Legendre sendo atingido pelas ondas por cima
das rochas. Se os zumbis e Legendre representam, como eu argumento, a contagiosa ameaça do
crioulo, eles teriam sido literalmente jogados fora de sua ilha e esta “etnicamente limpa” pelas
ondas do oceano. O falecimento dos zumbis e de seu mestre deixa apenas um zumbi para trás,
Madeline. Ela recobra a consciência de seu torpor induzido por drogas como se tudo não
44 Seabrook, 95.
45 O senhor sábio e amedrontado alertando os exploradores brancos aparece no filme tal como uma citação de
Seabrook. Durante sua trilha na montanha, Seabrook e seus companheiros encontram um caminho de
“gigantescas castanheiras, plantadas em duas fileiras paralelas” (249) que são claramente remanescentes de uma
fazenda colonial. Seabrook fantasia chegar ali 150 anos antes, quando “um marquês teria nos saudado e
escravos cuidariam de nossos cavalos” (249). Nesta trilha, eles encontraram um senhor que Seabrook descreve
como uma “autoridade anciã,” que lhes diz para não irem mais longe: “Era proibido, ele nos disse, porém não
por nenhuma autoridade humana, seja local ou outra qualquer; o Morne La Selle, como todo mundo sabe, era
vedado pelos lobisomens e demônios” (256). Próximo ao topo da montanha, eles descobrem os traços
remanescentes de outra casa de fazenda. Novamente, Seabrook especula sobre o passado de glória e terror
daqueles tempos góticos e coloniais. “Aqui, um dia, num lugar tão isolado tal como ainda é agora, havia
habitado um luxuoso senhor de escravos… Se o Senhor dali, como Count Kenscoff havia sido mais abaixo da
montanha, tinha agido como um monstro que se divertia por ter suas amantes de cor destroçadas por cães
bloodhounds ou um amável marquês cujos escravos o defenderam de Jacmel quando a sanguinária revolução
irrompeu… ninguém nunca saberá” (268). Seabrook enfatiza, ao invés das questões problemáticas para o
colonialismo, a mesma ideologia que também guiaria o filme: o encontro com o passado colonial é uma horrível
e assustadora recordação dos perigos das misturas crioulas. Assim, as amantes “de cor” avançam como peças
num tabuleiro.
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passasse de um sonho, liberta, segundo a lógica do filme, pela morte de Legendre. No fim, nós
somos presenteados com a “pura” sociedade: a virginal mulher branca, o herói bancário norte-
americano e o missionário racionalista cristão.
No filme, Madeline é aparentemente uma mulher independente e representa a função
simbólica da inocente feminilidade branca. A união final do casal restaura a confiança na
supremacia branca, além de uma sociedade racialmente pura. Dessa forma, Madeline é
resgatada da ameaça de miscigenação, do controle de Legendre e dos efeitos de drogas
invasivas. Por sua vez, Neil não é um herói musculoso, mas um gerente de classe média ideal,
ou seja, um empregado do sistema financeiro. Esta caracterização serve, também, para fechar
outra ansiedade norte-americana, a que se apresenta na relação entre imperialismo e a
prosperidade econômica. Enquanto Legendre substitui a indústria norte-americana de seu
dúbio papel na economia do açúcar haitiano, Neil repõe todas as relações sociais necessárias à
produção material, que consistem da presença de Beaumont como dono da plantação, Legendre
como proprietário do moinho e, além deles, a virtualmente limpa economia bancária. Isto
completa a separação do trabalho haitiano e a liderança norte-americana iniciada na cena da
fábrica discutida acima. Assim, os norte-americanos não estão preocupados com o espectro da
escravidão (ou quase escravidão) enquanto condição de trabalho nas plantações de cana ou nas
indústrias de processamento, o que traz a memória a incômoda lembrança da divisão racial do
trabalho presentes na cultura norte-americana dos anos de 1930. No final do filme, norte-
americanos chegam ao Haiti e erradicam qualquer mancha da velha, pós ou nova economia
agrícola colonial através de uma nova racionalidade nos negócios, encontrada em escritórios e
não em fábricas ou plantações. O filme sugere que o imperialismo norte-americano trouxe
consigo uma moderna civilização econômica para o Haiti.
Nessa nova união social ao final do filme, o cristianismo é entrelaçado com o
racionalismo na figura do Dr. Bruner, contra a irracionalidade pagã do vodu.46
Ele ocupa a
posição do bem, oposta aquela do mal de Legendre. Enquanto este seduz e vitimiza o decadente
Beaumont, Dr. Bruner educa e acalma o transtornado Neil. Mesmo a edição cinematográfica de
cada uma destas cenas apresentam paralelos: no moinho nós começamos do lado de fora da
janela e somos levados para dentro enquanto que no escritório do Dr. Bruner nós começamos
atrás das costas de Neil e somos levados em direção às explicações do Dr. Bruner.47
Enquanto
Legendre é flanqueado por uma caneta e um leopardo, Dr. Bruner está circundado por livros, os
símbolos da racionalidade e da acumulação de conhecimentos. Enquanto Legendre é um
“feiticeiro” que se apropriou dos poderes nativos de magia negra, Dr. Bruner brinca que seu
46 Bishop, AZG, 80 e Rhodes, 35.
47 Rhodes, 20.
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status junto aos nativos, fazendo piada, é o de “mágico”, tal como entendem suas funções de
pastor. No filme, então, o bom “racional” mágico do cristianismo vence o mau pagão mágico (e
seu conhecimento farmacológico) do vodu. O resultado para esta perfeitamente limpa união
social ao fim do filme é o de que o estilo imperialista norte-americano é o contrário do modelo
da velha escola do colonialismo europeu. Este último está implicado e orientado para uma
perigosa e instável hibridação. A reificação das divisões raciais do filme, isto é, branco versus
preto ao invés da mistura “amarela” do crioulo presente na elite haitiana, também apoia a
política e a ideologia de ocupação dos EUA.
Com o risco de indeterminar meu próprio argumento, entretanto, eu preciso fazer ao
final alguns comentários sobre os problemas decorrentes desta rígida ideologia. É certo que
uma das convenções do gênero terror é a de recusar a apresentação final de uma inequívoca
resolução. Especialmente com o avanço do século XX, os filmes de horror geralmente não
conformavam ou não reiteravam a ordem social dominante em seu final. No caso de White
Zombie, os elementos perturbadores que poderiam indeterminar a mensagem pro norte-
americana e anti-crioula do final seriam, provavelmente, o resultado de uma filmagem
precipitada devido ao seu orçamento reduzido, além disso, dos problemas decorrentes da
transição do cinema mudo para o falado. Assim, são as próprias incongruências do filme que
geram instabilidade no endereçamento de sua mensagem social final. A integridade da
feminilidade branca é resgatada no final, mas o que significa este resgate? Está questão é
lançada, eu penso, pela forma como Madeline foi caracterizada, no roteiro e também pela atriz
Madge Belamy. Madeline é quase tão robótica antes do que depois de ser zumbificada, limitada
como ela parece ser para viver qualquer personagem em vez de mal representá-lo. Na cena de
abertura quando é ameaçada por Legendre na carruagem, sua resposta é atrasada e nem um
pouco dramática. Naquela cena em que eu chamaria de “facílima,” quando nós vemos Madeline
somente com suas roupas íntimas, se vestindo para o casamento, ela está muito estática e sem
qualquer expressão. Mesmo quando Beaumont está implorando para ela abandonar Neil e
casar-se com ele, ela parece apenas moderadamente perplexa, dizendo: “Você tem sido tão
querido. Por favor, não estrague tudo agora.” Sem dúvidas, de forma não intencional da parte
dos realizadores do filme, a atuação de Belamy provoca uma assombrosa impressão enquanto
noiva, parece que Madeleine é meramente um objeto no comércio matrimonial e, na frente do
olhar fixo da câmera, ela tem o mesmíssimo comportamento quando se torna de fato um objeto
em um perigosíssimo mercado do desejo.
Neil também falha em sua representação da masculinidade ideal do herói que se poderia
esperar conforme a tradição dos filmes de aventura.48
Ele não faz nada em relação as óbvias
48 Ibid.
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intenções de Beaumont sobre Madeline, e quando ela “morre,” ele olha desamparadamente ao
redor, dizendo: “Alguém pode fazer alguma coisa?”49
A falta do heroísmo másculo está na
direção oposta da estrutura ideológica do final do filme, sugerindo que o Haiti é completamente
excessivo para os povos brancos e que a contaminação é inevitável. O lugar por si só já deixa
Neil doente, mesmo que seu corpo não tenha sido invadido pelo poder de Legendre.
Finalmente, Dr. Bruner é também suspeito em virtude do fato de que ele representa uma
espécie de paralelo de Legendre.50
Ele é, tal como aparenta seu sotaque, de ancestralidade alemã
e isso, por si mesmo, o rotula como suspeito, dado os originais motivos para a ocupação norte-
americana.51
Na última cena do filme, planejada para ser cômica, Dr. Bruner interrompe a
aproximação do casal no momento em que eles iam se beijar – com um tapa no ombro e um
pedido por um fósforo que insinua uma desconexão da união social em vez de sua resolução.
O primeiro filme de zumbi do mundo permanece um intrigante, por vezes desajeitado,
documento das preocupações culturais norte-americanas. Ele tem permanecido aberto para
uma grande variedade de leituras e aproximações, as mais recentes das quais têm se
concentrado em suas representações de raça e poder. Entretanto, estas leituras tendem a
reafirmar o binarismo racial, embora os fundamentos pós-coloniais destas críticas estejam
assentados para o desafiar. Ao chamar a atenção para as relações intertextuais entre The Magic
Island e White Zombie, eu espero expandir o conjunto referencial do pós-colonialismo,
postulando na figura do crioulo o início do fim da raça. O fato desta figura ser essencializada e
demonizada no filme somente indica sua centralidade como uma fonte de ansiedade cultural.
49 Depois da morte dela, ele fica bêbado num bar caindo aos pedaços que é apresentado de um modo quase surreal,
com os outros clientes vistos somente enquanto sombras projetadas na parede. Ele tenta encontrar uma resposta
para o desaparecimento do corpo de sua noiva e, por fim, preparar um resgate. Em toda a operação, ele é
comandado pelo Dr. Bruner. Após a aproximação deles do castelo, Neil sucumbe a uma doença tropical não
identificada que lhe rende cuidados intensivos. Seu espaço na perfeita união social ao final do filme é
assegurado pelos outros, não é conquistada por seus próprios esforços. Talvez, esta paralisia ajude a estabelecer
uma das mais duradouras características dos filmes de terror – a falta de habilidade, como num sonho, de lutar
contra uma ameaça - que indubitavelmente dá a eles seu poder de atração.
50 Rhodes, 36.
51 Conforme Schmidt, a invasão do Haiti era parte da política de expansão dos EUA nas Américas e do desejo de
proteger os interesses norte-americanos na região. Cuba, Panamá, Haiti e República Dominicana estavam entre
as regiões que os EUA sentiam que eram as mais vulneráveis ao controle Alemão (56). Como a I Guerra
Mundial ainda estava em curso, o impulso para assegurar essas regiões, especialmente para proteger o acesso
marítimo vital ao canal do Panamá, era muito forte.

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White Zombie e o Crioulo: O livro de William Seabrook The Magic Island e o imperialismo norte-maericano no Haiti

  • 1. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 1 White Zombie e o Crioulo: The Magic Island de William Seabrook e o Imperialismo Norte-Americano no Haiti Gyllian Phillips* Tradução: Rodrigo Belinaso Guimarães Em 1929, quando o descontentamento dos haitianos com a ocupação das forças norte- americanas estava em seu ápice,1 William Seabrook publicava seu diário de viagem sobre o “vodu” haitiano: The Magic Island.2 Este livro é citado pela maioria dos analistas dos primeiros filmes de terror como sendo a principal fonte de inspiração para o filme de 1932 de Victor Halperin: White Zombie.3 Contudo, o livro de Seabrook oferece uma visão completamente diferente do Haiti e de suas tradições populares se comparado ao primeiro filme de zumbi da história. Recentemente, a discussão acadêmica sobre o livro de Seabrook tem se debruçado sobre a sua importância enquanto um texto original e, especialmente, em torno de suas influências ideológicas para a criação do cenário haitiano do filme. Por sua vez, o valor do mais antigo filme de zumbi tem sido atribuído enquanto uma representação dos anos iniciais do colonialismo, ou seja, ele encenaria o “retorno de uma escravidão selvagem.”4 Na cultura popular haitiana, o zumbi também está associado ao medo do retorno da exploração colonial escravista.5 Mesmo a migração do termo “zumbi” para a língua inglesa tem suas raízes na história colonial.6 Neste artigo, eu quero adentrar em um crescente debate sobre Seabrook * Professora associada de Inglês na Universidade de Nippissing, Ontario, Canadá. Atualmente, tem focado suas pesquisas nas correlações entre primitivismo, modernismo e horror. 1 O Haiti é chamado, muitas vezes, de “República Negra” por conta de seu status de primeira nação pós-colonial, que conquistou através de uma rebelião de escravos bem-sucedida. O Haiti alcançou sua independência do governo colonial francês em 1803 e foi governado por descendentes de trabalhadores escravos das plantações coloniais. O país é oficialmente a primeira nação caribenha pós-colonial. Com a “intervenção” norte-americana em 1915, que perdurou até 1934, os haitianos perderam sua soberania pela primeira vez em mais de 100 anos. No artigo, quando eu faço referência ao Haiti como uma nação pós-colonial, eu quero indicar o Estado que havia antes da ocupação norte-americana e que implicitamente acabava por ser uma ameaça àquele impulso imperial. Uma discussão desse episódio da história dos EUA e do Haiti pode ser encontrada no livro, muito influente, de Hans Schmidt de 1971: The United States Occupation of Haiti, 1915-1934 (New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 1995). Em 1929, manifestações e greves anti norte-americanas explodiam pelo país e ameaçavam a continuidade do regime, que logo após estes acontecimentos começaria a planejar sua retirada. 2 William Seabrook, The Magic Island (New York: Harcourt, Brace, 1929). 3 White Zombie, DVD, dirigido por Victor Halperin (RKO Studios, 1932; Madacy Entertainment, 2002). A genealogia mais minuciosa do filme pode ser encontrada em Gary Rhodes, White Zombie: Anatomy of a Horror Film (Jefferson, NC: Mc Farland, 2001). Conforme Rhodes: “Seabrook foi o primeiro a apresentar zumbis abertamente em um texto de língua inglesa” (30). Rhodes estabelece relações entre o livro de Seabrook e o filme. Estas conexões são baseadas, principalmente: no conceito de zumbi; na explanação do Dr. Bruner sobre os zumbis; na longa citação se Seabrook, presente no roteiro do filme, do código penal haitiano (30-34). Outros analistas do cinema, tal como Michael Sevastakis, Songs os Love and Death: The Classical American Horror Film of the 1930s (Westport, CT: Greenwood Press, 1993) e Peter Dendle, The Zombie Movie: Encyclopedia (Jefferson, NC: Mc Farland, 2001), também apresentam Seabrook como uma fonte do filme. 4 Jennifer Fay, “Dead Subjectivity: White Zombie, Black Baghdad,” CR: The New Centennial Review 8, no. 1 (2008): 88. 5 Joan Dayan, Haiti, History and the Gods (Berkeley: University of California Press, 1995), 37. 6 Rhodes apresenta uma etimologia bem-acabada do termo, começando pela citação de Moreau de Saint-Méry, um escritor da França colonial, que identificou zumbi como uma “palavra crioula que significa espírito” (75).
  • 2. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 2 enquanto fonte para White Zombie, através da apresentação de uma figura largamente desconhecida nesta discussão sobre o mais antigo filme de zumbi: o crioulo. Culturas crioulas representam as inevitáveis misturas que resultam do colonialismo. Para o imperialismo norte- americano branco, a simples existência do crioulo é uma fonte de terror ideológico, isto porque ele indetermina o binarismo branco/preto que sustenta as estruturas de poder da supremacia branca. No livro de Seabrook, a cultura crioula e os zumbis são caracterizados como uma mistura ambivalente, sendo esta ambivalência refletida no livro através da combinação de uma abordagem sensacionalista com uma explicação racionalista para a cultura pós-colonial haitiana. Em The Magic Island, o zumbi está hibridado, em parte, porque é recrutado para o trabalho na indústria norte-americana. Porém, White Zombie tenta, apenas com sucesso parcial, simplificar a ambivalência de Seabrook ao identificar o crioulo como um príncipe do mal, vivido pelo personagem Murder Legendre. Legendre ameaça infestar os brancos com o contágio da magia e da farmacologia nativas, transformando-os em zumbis. De diferentes modos, ambos os textos procuram defender a presença norte-americana no Haiti. Entretanto, por reduzir as complexidades das análises culturais de Seabrook, White Zombie ironicamente revelaria as ansiedades norte-americanas, aumentadas com a ocupação do Haiti, sobre a manutenção da hierarquia racial e sobre a herança da história colonial francesa. Desse modo, por focar no conceito de crioulo traçado por Seabrook, eu espero adicionar um aspecto ambivalente no debate acadêmico em torno de White Zombie que tem, por sua vez, replicado o binarismo preto/branco. Ou seja, analistas do filme parecem assumir que Murder Legendre seja “branco” ou “preto,” não considerando que o personagem poderia ser racialmente ambíguo. Na verdade, seria esta ambiguidade que ajudaria a gerar o medo que o mestre zumbi incorpora. A ansiedade central do filme de Halperin, White Zombie, pode ser observada de imediato em seu título: zumbis são uma coisa, mas um zumbi branco é um signo de horror. Tal como “lixo branco” ou “escravo branco”, o termo “zumbi branco” implica a violação de uma norma racial. Isto é, audiências brancas da cultura pop sobre zumbis nos anos 1930 poderiam razoavelmente esperar por zumbis negros como sendo a norma cultural, isto graças ao livro de Seabrook: The Magic Island. Lixo, escravos e zumbis são “normalmente” pretos, mas quando o status zumbi cruza a fronteira racial para afetar pessoas brancas, temos como resultado o horror. A fonte do horror é o medo, neste caso, para os brancos, ele se manifestaria na perda de soberania sobre seu corpo, na ausência de autonomia intelectual e/ou no medo da servidão Em seu recente livro sobre a filmografia zumbi, Kyle Bishop, American Zombie Gothic (Jefferson, NC: Mc Farland, 2010), que será posteriormente referido apenas pela sigla AZG, 47, destaca a etimologia antropológica do termo, cuja busca de suas raízes, o levaram até o “termo do Kimbundo angolano nzúmbe” que aparece também no Congo e na África Ocidental. Entretanto, o livro de Seabrook tem o crédito de ser o primeiro a introduzir “zumbi” (com esta ortografia) como um termo que se refere a corpos reanimados.
  • 3. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 3 “não natural.”7 Para os cidadãos haitianos, o medo do zumbi representa metaforicamente o temor do retorno ao status colonial ou de escravo.8 A ameaça para as populações brancas, entretanto, como Kyle Bishop salienta, é a de que elas poderiam ser forçadas, através da zumbificação, a trocarem de papel racial, assumindo aquele que seria “naturalmente” dos negros. Para Bishop, parte desse medo está intimamente ligado à miscigenação, implicado no binarismo branco/preto. A violação das normas raciais no filme, então, incluiria dois aspectos principais: por um lado, o deslocamento da autonomia e da supremacia branca; por outro, a ameaça de subjugação sexual ou miscigenação. No filme, a zumbificação da mulher branca, Madeline, é uma ameaça à supremacia branca sobre as estruturas de poder econômicas e sociais, sendo a zumbificação também representada como uma ameaça à pureza racial.9 O filme de Victor Halperin (1932) não é sobre a ocupação norte-americana no Haiti, ao menos não diretamente. Embora seu cenário seja o Haiti e os personagens tenham roupas e cortes de cabelos característicos dos anos 1930, o tempo em que transcorre o filme não é exato. A única e tênue conexão com os interesses do imperialismo norte-americano está no fato do herói Neil Parker (representado por John Harron) trabalhar em um banco em Port-au-Prince. O filme começa com Neil e Madeline Short (Madge Bellamy) em uma carruagem em direção a casa de um fazendeiro: Charles Beaumont (Robert Frazer). Beaumont é algumas vezes descrito pelos analistas do filme como um fazendeiro norte-americano e outras vezes como francês.10 Beaumont generosamente ofereceu sua casa para o jovem casal celebrar seu casamento, mas seus motivos são outros: ele espera conquistar Madeline. No caminho para a fazenda, o casal passa por um funeral de um nativo haitiano no meio da estrada, depois, encontram o mestre zumbi e o principal vilão, Murder Legendre (vivido por Bela Lugosi, que acabara de atuar em Dracula). Ao fundo, nós vemos o seu grupo sinistro de zumbis. Uma vez na opulenta casa de 7 Kyle Bishop, “The Sub-Subaltern Monster: Imperialist Hegemony and the Cinematic Voodoo Zombie,” The Journal of American Culture 31, no. 2 (2008): 143. 8 Dayan, 37. 9 A conexão entre zumbificação e ameaça sexual está presente na narrativa do filme quando Dr. Brumer tenta explicar para Neil o que aconteceu. Neil reage, imediatamente após ouvir que Madeline não está mais em seu túmulo e provavelmente viva, com um lamento: “você acha que ela está viva? E nas mãos dos nativos! Oh não, melhor morta do que isto!” O medo da miscigenação é assim uma ameaça comum nos filmes de aventuras norte-americanos até os anos de 1960 e reflete uma persistente ansiedade cultural sobre pureza racial e sobre a seguridade das estruturas de poder que sustentam a supremacia branca (como visto, por exemplo, em Birth of a Nation, dirigido por D. W. Griffith [Epoch, 1915], ou The Searchers, dirigido por John Ford [Warner, 1956]). Ver também, Bishop, AZG, 80. 10 Por exemplo, Rhodes e Fay. Embora eu não discuta este tema neste artigo, a confusão sobre Beaumont é tão interessante quanto aquela sobre Legendre que preenche a maior parte da minha discussão. Se Beaumont é norte-americano, então ele constitui uma forma de ligação ideológica entre a nova economia colonial haitiana e o sistema financeiro norte-americano, dessa forma, esta conexão precisa ser poupada da ameaça de Legendre. Se ele é francês, representaria uma regressão ao passado colonial do Haiti, assim, o personagem seria uma imagem da aristocracia decadente que constitui uma parte das raízes históricas da cultura haitiana (há referência à discussão de Seabrook sobre a decadência da aristocracia francesa ainda neste artigo). De fato, Beaumont pode ser analisado como a fusão da história colonial francesa e inglesa, ou seja, as culturas europeias que o filme parece extrair e que contribuem para a indeterminação do tempo e do espaço da filmagem.
  • 4. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 4 fazenda de Beaumont, eles encontram o missionário Dr. Bruner (Joseph Cawthorn) que celebrará o casamento. Desde o início, Dr. Bruner representa uma figura paterna e protetora para o casal. A cerimônia é interrompida, pois Beaumont usa uma poção, dada a ele por Legendre, para transformar Madeline em zumbi. Assim, ela aparenta estar morta, é enterrada e então desenterrada por Legendre e Beaumont com o intuito de transformá-la numa escrava sexual do último. Neil e Dr. Bruner vão em busca dos culpados e o filme termina no castelo gótico de Legendre,11 onde os zumbis, seu mestre e, finalmente, Beaumont (que havia sido semi- zumbificado por Legendre) caem de uma ribanceira em direção ao mar. Isto faz com que Neil, Madeline e o Dr. Bruner formem um tipo perfeito de proto sociedade ao final. Ao passo que há zumbis (pretos) no filme de Halperin, o zumbi principal (branco) não é recrutado para o trabalho no campo ou na fábrica. Ao invés disto, Madeline é zumbificada para se tornar, ao menos implicitamente, uma escrava sexual. Os zumbis pretos são, supostamente, monstros assustadores e robóticos, a la Romero, mas Madeline não é um monstro, ela é uma vítima. Até muito recentemente, o vilão de White Zombie era identificado como um típico representante da tradição gótica europeia, sem nenhuma relação mais específica com sua localização no Haiti. Em Sevastakis, por exemplo, ele é um “necromancer” conforme a tradição de Dracula e The Mummy.12 Rhodes faz com que a origem de Legendre seja mais complexa, descrevendo-o como um “mestre zumbi” e trançando suas similaridades com Fausto e Svengali, entre outros.13 Apenas atualmente, começa-se a explorar as implicações relativas à localização colonial do filme, desse modo, a identificação racial de Legendre tem se tornado mais específica. Em particular, dois analistas do filme apresentam representações opostas de Legendre, resultando em argumentos bem diferentes sobre a caracterização das estruturas raciais e de poder do filme. De um lado, Jennifer Fay identifica Murder Legendre como branco e argumenta que esta categorização racial estaria vinculada às grandes preocupações sobre trabalho e capital durante aquele período de recessão norte-americana: “Aquela norte-americana é escravizada por outro – assim, homens e mulheres brancos são igualmente vulneráveis às várias formas de exploração sem pagamento – demonstrando-nos que trabalho zumbificado em qualquer de suas formas não é somente uma doença tropical.”14 Bishop, de outro modo, identifica Legendre como preto, argumentando que o status zumbi de Madeline representa o “maior medo dos colonizadores – que os nativos se desenvolvam e se tornem a força dominante.”15 Meu 11 Como Rhodes percebe, o castelo de Legendre é, na verdade, o cenário de Dracula de Browning que os irmãos Halperin alugaram da United Artists. Mesmo que o cenário seja um expediente acidental devido ao baixo orçamento do filme, ele, contudo, não deixa de carregar um peso semântico e de ter implicações no filme, tendo em vista as minhas discussões neste artigo. 12 Sevastakis, 41. 13 Rhodes, 34-38. 14 Fay, 96. 15 Bishop, AZG, 80.
  • 5. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 5 argumento neste artigo, ao focar especificamente na ameaça do crioulo, deriva-se, em parte, da aparente discordância entre Fay e Bishop em relação ao status racial de Murder Legendre. A confusão é compreensível. No filme, ele é repetidamente e contraditoriamente associado com os dois lados da história haitiana: a europeia e a africana. Associando-o com a Europa está o fato do personagem ser vivido por Bela Lugosi, obviamente tipificado como um aristocrata europeu (ocidental) decaído, além do cenário montanhoso escolhido para o lar de Legendre que parece habitar num castelo gótico,16 sem esquecer o fato de que, ao contrário dos outros personagens “negros” vividos por atores brancos, ele não tem seu rosto maquiado de preto. Entretanto, algumas passagens na narrativa também parecem vinculá-lo com os “nativos” haitianos. Talvez, o mais óbvio destes vínculos esteja na cena em que Dr. Bruner apresenta, em seu escritório, suas considerações sobre a morte de Madeline a Neil e este expressa todo o seu desgosto por ela estar nas mãos dos “nativos.”17 Um pouco mais tarde nesta mesma conversa, Neil revela sua suposição de que seja Beamount quem estaria por detrás do envenenamento e desaparecimento de Madeline, porém, Dr. Bruner discorda, replicando: “não, não, isto é trabalho dos nativos.” Eles resolvem sair em busca de Madeline, o que os leva, ao final, até o castelo de Legendre. Ele é um nativo? Ele é um representante do capital europeu ou norte-americano? A expressiva ambiguidade sugere uma terceira opção. Legendre representa um horror pós- colonial, um tipo misturado e crescido em seu próprio solo, temido pelo regime norte- americano. Legendre não é somente uma ameaça, ele também exerce poder sobre a indústria e sobre os agentes governamentais (estes últimos na forma de uma gangue de zumbis que ainda será discutida neste artigo). Deste modo, ele incorpora uma fonte de horror mais primária que está relacionada à miscigenação: quando Madeline, mais tarde Beaumont, ingerem o pó secreto zumbificante, eles estão de certo modo infestados ou ao menos contaminados. As fronteiras de seus corpos são violadas e invadidas, deixando-os sem controle de seus próprios organismos. Enquanto a miscigenação é uma ameaça para a ordem social, através da produção de uma raça de cidadãos misturada, a metáfora zumbi mostra que as fronteiras das identidades associadas com a cor da pele são permeáveis e não fixas. Assim, o filme possui um quase problema filosófico sobre a natureza da autonomia corporal e sobre as estruturas sociais e raciais na cultura norte-americana. A cultura pós-colonial produz o crioulo cuja identidade indetermina o binarismo branco/preto necessário para a supremacia branca nas estruturas de poder. Neste sentido, para explorar o status racial dúbio de Legendre e a natureza da ameaça do crioulo para a subjetividade (branca) gerada pelo processo de zumbificação, eu quero 16 Cf. nota 11. 17 Cf. nota 9.
  • 6. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 6 retornar para a fonte central do conceito de zumbi do filme: o livro The Magic Island de Seabrook. O filme não é de modo nenhum uma adaptação do livro, que é essencialmente uma publicação de não-ficção popular, escrito ao modo de um diário de viagens ou de uma etnografia leiga. Entretanto, as principais citações do livro presentes no filme seriam: a ideia de trabalhadores negros zumbificados, sendo estes erguidos da morte; a explicação racionalista (o estado comatoso produzido através de agentes químicos); a leitura do código penal haitiano. Os dois últimos aspectos são quase que citados literalmente na cena entre Neil e Dr. Bruner após a suposta morte de Madeline. Embora a narrativa romanceada seja uma adição completamente nova para a ideia central de Seabrook, outras situações comparativas são recorrentes no filme, notavelmente em referência ao status de Legendre como proprietário do engenho e figura central no poder do Haiti. Portanto, através da ressurreição no filme destes fantasmas remanescentes do livro de Seabrook, eu mostro o caminho pelo qual a ambivalência da cultura crioula é implicitamente traçada e, no fim, apagada em White Zombie. Crioulização, zumbificação e William Seabrook A palavra “crioulo” é um termo encontrado nos estudos pós-colonias de literatura. Personagens que representam “tipos diferentes de brancura”18 são figuras familiares vindas da literatura colonial e pós-colonial: alguns exemplos incluem a famosa Bertha de Jane Eyre, a menos conhecida White Silent Tread (1890) de Frieda Cassin, A High Wind in Jamaica (1928) de Richard Hughes e as novelas de Jean Rhys, especialmente, Voyage in the Dark (1934) e Wide Sargasso Sea (1965). Retornando aos analistas da literatura pós-colonial, eles estabelecem o paradigma conceitual do crioulo, considerando-o como uma natureza hibridizada. Assim, tal como a miscigenação, a zumbificação no filme é representada como contaminação da “pura” subjetividade branca. Na literatura colonial, “crioulos brancos da diáspora caribenha eram vistos com suspeição porque eles eram outros, um resultado da fácil associação dos colonizadores com os negros, ou, para pôr tudo mais as claras, por causa da mácula de sua origem preta.”19 Na literatura colonial e pós-colonial, o medo da miscigenação representado pelo crioulo e a ameaça que ele carrega para a construção da superioridade do corpo branco são muitas vezes associados com a ideia de doença contagiosa. Com o zumbi e o crioulo, a noção de corpo soberano, independente, branco e pertencente ao eu é invadido e colonizado pelo outro, não somente sexualmente e geneticamente, mas também através dos tecidos e das membranas corporais. Os corpos brancos estão sob ameaça nas sociedades coloniais, e esta infestação local se espalha através da perda da subjetividade branca, de suas estruturas de 18 Evelyn O' Callaghan. “'The Unhomely Moment': Frieda Cassin's Nineteenth-Century Antiguan Novel and the Construction of the White Creole,” Small Axe 29, 13 no. 2 (June 2008): 98. 19 Ibid., 102.
  • 7. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 7 poder e, por fim, de suas propriedades econômicas. Outra analista da literatura pós-colonial, Adelai Murdoch, salienta que a simples definição de “crioulo” indetermina a aparente estabilidade binária que está subjacente na colonização: “Como resultado deste discurso e deste deslocamento, uma pessoa crioula pode ser branca ou negra, colonizador ou colonizado, assim, o termo articula uma essencial ambiguidade que media e rompe as estratégias de contenção, [borrando] as designações dominantes da diferença.”20 Esta ambiguidade e deslocamento é também evidente no texto de Seabrook, dessa forma ele avalia a sincrética combinação das culturas africanas e europeias no Haiti como sendo uma “mistura excelente.”21 Ele também demonstra que a ocupação norte-americana estava pouco preparada para aceitar esta mistura racial e cultural. No retrato de Seabrook dos governantes pós-coloniais do Haiti, a indeterminação racial do crioulo identificada por Murdoch serve para inquietar a ideologia norte-americana de que deveria haver uma supremacia branca no poder tanto em seu território quanto no Haiti. Em White Zombie, então, a figura do crioulo é transformada exclusivamente em uma ameaça, que deve ser expurgada, à soberania branca. The Magic Island é um típico diário de viagem de Seabrook e foi um best-seller nos Estados Unidos, sendo um dos primeiros, talvez o único, que explora em profundidade e com apelo popular a cultura haitiana em língua inglesa antes dos anos de 1930.22 Seabrook publicava seus diários de campo que resultavam de viagens aos extremos coloniais, este famoso pseudo- etnólogo começou sua carreira de escritor como jornalista, publicando matérias sensacionalistas para jornais e periódicos populares, incluindo The Ladies Home Journal e The New York Times. Ele era largamente conhecido por descrever as práticas de ocultismo primitivo sob o ponto de vista de um branco racionalista que havia tido acesso especial a essas práticas culturais. Como Susan Zeiger salienta, ele conscientemente adota uma identidade racial performativa, se auto representando como o único capaz de penetrar nas mentes e nas culturas dos negros, seja estas no Caribe ou na África.23 Em The Magic Island, em particular, ele procura se tornar um iniciado nas práticas do vodu e, além disso, experimentar êxtases irracionais em primeira mão. O capítulo descrevendo zumbis, “'...Dead Men Working in the Cane Fields,'” é somente uma pequena seção de um livro que começa apresentado ao leitor o testemunho de 20 Adlai Murdoch, “Rhys's Pieces: Unhomeliness as Arbiter of Caribbean Creolization,” Callaboo 26, no.1 (Winter 2003): 254. 21 Seabrook, 141. 22 Rhodes, 72-78. Há muitas fontes identificadas que são, no geral, antipáticas à cultura e às pessoas do Haiti e que tratam de “vodu”, porém não de zumbis. Um conjunto de reportagens tendiam para o sensacionalismo sobre a selvageria dos nativos haitianos, notadamente “Why the Black Cannibals of Haiti Mutilated our Soldiers” in New York American, Feb. 13, 1921. Outros, tal como Haiti: Her History and Her Detractors (1907) apresentaram um quadro um pouco mais complexo do sincretismo e da mistura da África e da Europa na cultura haitiana. 23 Susan Zeiger, “Magic Island, Jungle Ways: William Seabrook, Popular Primitivism, and the Imperial Imagination,” Invitation, American Literature and Cultures Workshop, Univ. of Chicago, May 2010.
  • 8. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 8 Seabrook sobre uma cerimônia vodu que simulava um sacrifício humano (e que densamente rememora a perversa sensualidade da qual ele também foi um participante). The Magic Island também abre algum espaço de discussão sobre o clima político do Haiti na época, incluindo o estado das relações raciais entre haitianos e norte-americanos. Em seu diário de viagem ao Haiti, tal como em seus outros trabalhos, a autoridade da narrativa de Seabrook vem, em parte, de sua suposta habilidade em ocupar, de uma única vez, uma dupla posição racial. Esta postura retórica faz com que Seabrook esteja mais próximo dos haitianos pós-coloniais do que dos ocupantes norte-americanos. Talvez seja esta estratégia que permite ao livro de Seabrook uma abertura para o que poderia ser descrito como uma identidade crioula – uma abertura claramente ignorada no filme. A sistemática comparação destes dois textos, sendo um o progenitor nominal do outro, demonstra que a descrição das complexidades raciais e culturais do crioulo em Seabrook se sobrepõe às estruturas de poder explícitas no binarismo preto-branco. No filme, os zumbis e especialmente o mestre dos zumbis representam a figura do crioulo. Por conta do fato dos zumbis e de Legendre serem meramente uma ameaça no filme, o crioulo perde sua completa ambiguidade e complexidade associada a ele no livro de Seabrook. Em The Magic Island, Seabrook apresenta uma análise surpreendentemente sutil e crítica da desconexão cultural entre a classe governante haitiana e os ocupantes norte- americanos, principalmente por causa dele ser um defensor e valorizador do primitivismo. Em uma seção do livro, intitulada “A Blind Man Walking on Eggshells,” ele relata a divisão social, cultural e racial entre norte-americanos e haitianos com uma pitada de ironia, talvez para ser intencionalmente ignorada pela maioria de seus leitores brancos. Ele argumenta que junto com os presentes de “excelentes estradas, esgotos, hospitais, saneamento, estabilidade da moeda, prosperidade econômica e paz política” está um espinhento e afiado “presente” norte- americano: “A mais persuasiva e interessante das inovações norte-americanas está na lição tardia em termos de consciência de raça, a qual agora nos temos estado empenhados em ensinar para a classe dominante do Haiti. Estes haitianos urbanos, livres, fúteis, independentes e, assim, senhores em suas próprias terras por cem anos ou mais… tinham de algum modo esquecido que Deus em Sua infinita sabedoria tinha intencionalmente designado os negros a permanecerem sempre como uma raça inferior.”24 Seabrook implicitamente reconhece os benefícios de uma cultura pós-colonial e isso o leva um pouco mais além da polarização requerida pela supremacia branca. Ele também mostra as tentativas norte-americanas para reduzir a ameaça sobre a sua própria soberania racial, através principalmente de importar um tipo de Jim Crowismo, efetivado pela simples existência de uma “República Negra.” A remoção 24 Seabrook, 127.
  • 9. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 9 das ameaças implicou a reeducação dos “nativos” em sua própria terra, além de uma educação dos brancos nos USA. A educação dos brancos ocasionou, tal como apresentado por Fay, uma reescrita e um esquecimento da história da ocupação norte-americana.25 William Seabrook não é nem um escritor pós-colonial nem um advogado da autodeterminação haitiana, então suas discussões sobre raça são necessariamente contraditórias e ambivalentes. O encontro de Seabrook com os haitianos da classe dominante, que eram descritos pela literatura da época como “mulatos”, revela sua valorização da crioulização ao mesmo tempo que faz suposições racistas subjacentes ao seu primitivismo.26 Ao comparecer a uma festa bastante sofisticada de uma família dos altos-estratos sociais do Haiti, ele descreve a bela filha da família como “algum tipo futuro definitivo, superior talvez a qualquer outro que nenhuma raça sozinha poderia criar.”27 Ele vai ao ponto de avaliar essa mistura racial superior através de lentes eugênicas: “Os primeiros plantadores coloniais franceses e proprietários de escravos eram aristocratas pre-napoleônicos… Os escravos [foram importados]… de povos africanos diversos e muito dispersos… Ligeiramente decadente porém autêntico sangue aristocrata, hibridou-se com o sangue primitivo forte e rico, criando uma excelente mistura biológica.”28 Representando-se a si mesmo como um jornalista desinteressado, Seabrook atravessava a divisão cultural que separava a ultrassofisticada classe dominante do Haiti e a supremacia branca dos norte-americanos. Os haitianos, em particular, eram ofendidos e confundidos pela prática dos norte-americanos de designar qualquer cidadão do Haiti como um “nigger,” embora toda a complexidade racial existente.29 A ideia de uma identidade racial 25 Fay, 99. 26 Conforme muitos dos analistas do então chamado primitivismo observam, as avaliações ocidentais das artes e das culturas africanas ou afro-americanas/caribenhas, mesmo que positivas ou negativas, são sempre baseadas em alegações racistas. Naquele ponto de vista, qualquer descendente africano estaria necessariamente próximo de algum passado, ou seja, de algum estado original da humanidade. Exemplos desta escola modernista pós- colonial proliferam e incluem, para nomear apenas alguns, os seguintes livros: Petrine Archer-Shaw, Negrophilia: Avant-garde Paris and Black Culture of the 1920s (London: Thames and Hudson, 2000), Patricia Chu, “Modernist (Pre)Occupations: Haiti, Primitivism and Anticolonial Nationalism” (171-186) e Simom Gikandi, “Africa and the Epiphany of Modernism,” (31-50) ambos em Geomodernisms: race, Modernism and Modernity, ed. Laura Doyle and Laura Winkiel (Bloomington: Indiana University Press, 2005), Susan Gubar, Racechanges: White Skin, Black Face in American Culture (New York and Oxford: Oxford University Press, 1997), e Marianne Torgovnick, Gone Primitive: Savage Intellects, Modern Lives (Chicago: University of Chicago Press, 1990). 27 Seabrook, 140-41. Apenas como um ponto de contraste, eu incluo aqui um pensamento bastante típico dos administradores norte-americanos no Haiti: “Os negros de tipos misturados [mulatos], que constituem a maioria das pessoas escolarizadas e dos políticos, possuem as características gerais de tais pessoas ao redor do mundo – fúteis, amantes do prazer, excitáveis, influenciáveis, crentes em irracionalismos e mentirosas. Muitos deles são altamente educados e polidos, mas sua sinceridade deve ser sempre motivo de dúvidas” (Brigade Commander Cole, em 1917: citado em Schmidt, 146). 28 Seabrook, 141. 29 Seabrook descreve a experiência de ter sofrido um equívoco em sua própria identificação racial (resultando num potencial engano de avaliação de seu status social) de uma tal Senhora John T. Myers, esposa de um comandante de tropas dos Estados Unidos, que o qualificou como um haitiano de pele clara. Outra esposa de comandante norte-americano se recusava a participar de qualquer evento social no Haiti, afirmando que: “um negrinho era um negrinho” (Seabrook, 155).
  • 10. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 10 indeterminada, incorporada pelo crioulo, é geralmente percebida pelos norte-americanos, segundo Seabrook, como uma ameaça ao seu “natural” governo. Em sua adaptação dos elementos encontrados no livro de Seabrook, White Zombie apenas implicitamente configura Legendre como um crioulo. Contudo, como um personagem fronteiriço, ele é explicitamente mal. O filme anula a presença do cidadão pós-colonial haitiano descrito em Seabrook e o troca por uma criação gótica. O capítulo sobre zumbis no livro, “'… Dead Men Working in the Cane Fields'” traz a típica tensão de Seabrook entre o poder imperial norte-americano e a cultura “primitiva” do Haiti. Neste capítulo, que é a fonte do conceito de zumbi em White Zombie e do qual passagens são citadas verbalmente no filme, Seabrook se deparou com um monstro das Américas: “Lobisomens, vampiros e demônios não são novidades. Porém, eu recordo de uma criatura, que eu tenho ouvido falar no Haiti e que soa exclusivamente local – o zumbi.”30 Seabrook explica que os zumbis são corpos “tirados de seus túmulos e dotados por feitiçaria de um semblante mecânico de vida.”31 O arco narrativo do capítulo começa com uma história folclórica assustadora contada ao fim de tarde sob o levantar de uma lua cheia e com “colinas negras” ao fundo.32 Assim, Seabrook investiga neste capítulo o aparente fenômeno sobrenatural, para, gradualmente, oferecer uma explicação mais racionalista e farmacêutica: pessoas saudáveis são transformadas em zumbis através de “substâncias” que produzem um “coma letárgico.”33 Ele termina o capítulo dentro do escritório do Dr. Antoine Villiers que representa uma das “mente[s] mais cientificamente treinadas” e “seguramente racionalista[s]” em “todo o Haiti.”34 A conclusão para a história de zumbi provêm do artigo 249 do corrente (i.e., nos anos de 1920) Código Penal haitiano,35 que é citado em White Zombie quando Dr. Bruner, também em seu escritório, está explicando ao transtornado Neil sobre o desaparecimento de Madeline. Como tem sido notado em outros estudos, este final do capítulo de Seabrook é ambíguo, mas ele certamente parece selar uma explicação materialista e psicológica, em oposição à sobrenatural, para os zumbis.36 A aproximação racionalista e materialista está sublinhada pelo movimento 30 Seabrook, 93. 31 Ibid. 32 Ibid., 92. 33 Ibid., 103. 34 Ibid. 35 Ibid. “'Artigo 249. Também deve ser qualificado como tentativa de homicídio o emprego de substâncias que pode ser feito em qualquer pessoa que, sem causar uma morte verdadeira, produz um coma letárgico mais ou menos prolongado. Se, depois de serem administradas tais substâncias, a pessoa for enterrada, o ato pode ser considerado homicídio, não importando as ocorrências posteriores.'” Em uma nota de rodapé na página 335, Seabrook apresenta o artigo no francês original. Assim, ele traduziu “produisent un effet lethargique plus ou moins prolongé” como “produz um coma letárgico mais ou menos prolongado” que, desse modo, adiciona uma ambivalente e confusa conclusão de seu capítulo (uma mais acurada tradução deveria ser “produz um efeito letárgico mais ou menos prolongado”; minha tradução [do autor]). É difícil observar como uma pessoa em coma poderia ser obrigada a trabalhar. 36 Fay, 92. Também ver Zeiger para uma discussão sobre a dependência de Seabrook de uma retórica racionalista.
  • 11. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 11 espacial da narrativa de Seabrook, ou seja, de uma história contada na varanda por um camponês ao cair da tarde para uma tarde civilizada num gabinete de estudos de um médico. A clara divisão entre o camponês haitiano supersticioso e as codificações da lei e da medicina é dissolvida, entretanto, no meio do capítulo através da mistura das práticas de trabalho dos haitianos com a moderna indústria norte-americana. Desse modo, Seabrook descreve o refino do açúcar operado pela Hasco: A palavra significa Comercial Sintética Americana, tal como Nabisco, Delco, Socony. Ela é responsável pela Haitian-American Sugar Company – uma imensa planta fabril capitaneada por uma imensa chaminé, pelo som metálico do maquinário, pelo chiado do vapor e pelos cargueiros. É como se fosse uma parte de Hoboken… Trata-se de um grande empreendimento moderno e aquilo soa como isto, parece com isto, cheira como isto. Desta forma, formava um incongruente pano de fundo para a história estranha que Constant Polynice [informante camponês de Seabrook] agora me contava.37 O cenário industrial descrito por Seabrook é certamente incongruente com a magia popular haitiana e/ou com a exploração de sua medicina popular. Entretanto, Seabrook revela que agenciadores usavam trabalho “zumbi” nas colheitas de cana para a Hasco por pagamentos muito baixos. O dinheiro nunca ficava com os trabalhadores, assim eles se tornavam efetivamente escravos nas plantações. Enquanto Hans Schmidt não trata do uso de zumbis pela Hasco, ele percebe claramente que a corporação era uma das que lucrava substancialmente com a ocupação norte-americana do Haiti, ao utilizar trabalhadores mal pagos.38 Conforme Fay salienta, com ou sem zumbis, “a política dos USA recriou uma economia colonial/escravista” e os zumbis são uma metáfora para o trabalho explorado e conscrito.39 Seabrook não comenta sobre esta forma de exploração do trabalho senão para mostrar a justaposição entre uma suposta influência civilizatória da indústria norte-americana e a “magia nativa.” Eu argumentaria que a “incongruência” é, na verdade, uma irônica justaposição, desse modo, como o duvidoso presente da “consciência de raça” discutido acima. No colonialismo, misturas são inevitáveis. Na cultura pós-colonial, a autodeterminação é estabelecida na base de uma mistura entre o senhor e o escravo, que necessariamente freia a dialética. Seabrook não tenta resolver este dilema aberto, sendo que nem condena nem claramente celebra a ocupação norte- americana. De outro modo, White Zombie tenta mitigar a ansiedade colonial em culturas hibridadas através da localização do mal na mistura. O modo como o filme veda e desvia esta incongruência revela a ambivalência da potencial “síntese” entre os grandes empreendimentos norte-americanos com a bruxaria haitiana que estão representados no capítulo de Seabrook. 37 Seabrook, 95. 38 Schmdt, 171. 39 Fay, 92-3.
  • 12. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 12 White Zombie refaz Seabrook The Magic Island é certamente uma fonte textual para White Zombie, mas o filme não pode ser considerado uma adaptação. O livro de Seabrook é um diário de viagem não ficcional, enquanto que o filme é essencialmente uma narrativa ficcional sobre um romance, em que a zombificação funciona como um suspense extra, um obstáculo para o amor verdadeiro. Há somente zumbis negros haitianos em Seabrook, nunca zumbis brancos. Rhodes e Sevastakis o identificam como o precursor genérico da narrativa do filme, mas Seabrook apenas estabelece o conceito de zumbi e relata o perigo oculto da ameaça do crioulo. A transformação destes paradigmas conceituais em personagens e na narrativa em si mesma de alguma forma simplifica as ideologias raciais que estão por detrás deles. No restante do artigo, eu apresentarei alguns exemplos comparativos entre o livro e o filme, para ao final demonstrar a simplificação e o deslocamento da mais bem formatada avaliação da história e da cultura haitiana em Seabrook. Por exemplo, a cena central da fábrica onde os zumbis convergem com a indústria norte-americana é o primeiro deslocamento. Entretanto, algumas outras cenas chaves ajudam a construir nosso entendimento de Legendre como um crioulo e como uma ameaça de contaminação aos norte-americanos brancos. A cena no túmulo mostra Legendre em relação paralela ao presidente haitiano deposto pouco antes da intervenção norte-americana (ver n. 1), justificando a continuidade da presença norte-americana através do entrelaçamento do governante haitiano com a personalidade pós-colonial ameaçadora. A busca de Neil e do Dr. Bruner por Legendre é, de certa forma, baseada na expedição pela montanha levada a cabo por Seabrook e alguns outros homens. Na expedição de Magic Island, Seabrook e os montanhistas encontram as ruínas de uma casa de fazenda que evoca os percalços da história colonial haitiana. Os traços desta história são ressuscitados no filme através do personagem de Legendre que se torna um eco do passado. No fim de Magic Island, a narrativa compreensiva de Seabrook é respeitosa com os mistérios remanescentes do Haiti, mas o fim do filme cuidadosamente extingue a ameaça de contaminação representada pelos zumbis e pelo seu mestre. Em White Zombie, a cena paralela com a fábrica da Hasco de Seabrook é também a primeira real introdução ao público do principal vilão do filme, o mestre dos zumbis: Murder Legendre. Ele substitui, no filme, a hibridação do “grande empreendimento” norte-americano que está presente no capítulo de Seabrook, aparecendo como proprietário da refinaria de açúcar. Na cena do moinho do filme, nós não construímos nenhuma relação entre este local com os interesses norte-americanos que estão envolvidos na colheita e no refino da cana-de- açúcar. Pelo contrário, o processamento desta rentável commoditie é realizado por um misterioso proprietário “estrangeiro” do moinho, vivido por Bela Lugosi, famoso por causa do
  • 13. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 13 recente papel em Dracula (1931). Por que a corporação norte-americana é substituída como a proprietária do moinho na cena que apresenta o processamento do açúcar e, assim, posto em seu lugar Muder Legendre? Esta evacuação da propriedade norte-americana liberta os EUA de qualquer cumplicidade com o neoescravagismo e, também, de estar associado com o primitivo pseudo-mágico controle do trabalho “escravo”. Em uma grande escala ideológica, eu argumento, o medo do estilo colonial europeu encontrado no espectro da crioulização, a ameaça de se misturar e de ser contagiado, é aliviada por esta mudança de propriedade. Além disso, Legendre é representado, embora sua ambiguidade, como um exemplo de crioulização e serve como um implícito contraste para o imperialismo norte-americano, que é exclusivamente branco, racional e, portanto, melhor do que os inevitáveis modelos sincréticos da Europa. A cena no moinho de açúcar é um contraste direto da imagem da fábrica ultramoderna do livro de Seabrook. Descrita por Fay como “tecnologicamente arcaica,” a fábrica de Legendre na verdade não apresenta ter nenhuma tecnologia “moderna,” com exceção da luz elétrica.40 De fato, a fábrica tem um mise-en-scène deliberadamente gótico/medieval completado pelas engrenagens manuais, pelo prédio construído com madeira e pedra e pelo barulho persistente do atrito dos mecanismos de madeira. Em outras palavras, a fábrica não se parece em nada com o “som metálico” e com “os suspiros de vapor” semelhantes a Hasco de Hoboken, tal como Seabrook a descreve. Nós vemos o interior da fábrica na perspectiva de Beaumont em uma longa tomada, que lá está em busca de conquistar de algum modo a afeição de Madeline, sendo conduzido para o escritório, em um nível abaixo da fábrica, do proprietário Legendre. A câmera nos identifica com o horror despertado em Beaumont quando um trabalhador zumbi desaba para as lâminas gigantes do maquinário, sendo engolido junto com a cana. Ninguém parece reagir ao fato, com exceção de Beaumont. A primeira coisa que vemos de Legendre é sua mão, passando por uma tomada mais baixa de seu ombro e face, enfatizando seu poder sinistro. A conversa dos dois homens começa emoldurada por uma janela. Nós olhamos para dentro do escritório do exterior e a visão é parcialmente obscurecida por estar emoldurada pela janela e pela presença de outros objetos. De modo que nós, como Beaumont, estamos inicialmente alienados (de fora), mas gradualmente seduzidos pelo proprietário do engenho/mestre dos zumbis. A próxima tomada é dentro da sala onde Legendre está enquadrado pelos objetos de sua escrivaninha. De um lado, está uma caneta de pena, representando indubitavelmente a era colonial francesa, signo de comunicação, civilização e, naturalmente, suspeita sofisticação. Do outro lado, está a cabeça de um leopardo empalhado com sua boca escancarada, associando Legendre com um animal predador. Quando ele se inclina para revelar a Beaumont o meio secreto de transformar Madeleine em sua escrava sexual, este gesto sensualizado recorda-nos o 40 Ibid., 86-7.
  • 14. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 14 de um amante inclinando-se para um beijo ou, inevitavelmente, Drácula inclinando-se para uma mordida. De todo modo, o efeito é tão sugestivo que a produção econômica material do Haiti é associada com a sombria fusão do estilo gótico do feudalismo europeu com a apropriação primitiva e pagã dos corpos dos outros. Murder Legendre não é apenas uma imagem do mal ao estilo da “velha escola” colonial europeia, em oposição ao brilhante e moderno imperialismo norte-americano. Ele é muito mais um involucro híbrido, uma representação do crioulo. Conforme a ideologia do filme, ele tem um papel central, embora implícito, para a justificação do imperialismo norte-americano. De todo modo, ele é uma figura estranha e, no fundo, associa-se com a herança colonial híbrida da “República Negra” haitiana. Para começar, ele não tem um nome no filme. Embora, seja identificado como “Murder Legendre” no roteiro,41 na verdade, ele é referido como “aquela pessoa” (por Beaumont no início) e mais tarde como uma figura perigosa, um homem “cujo nome é [M]urder” - significando seu próprio nome? Ou as implicações de seu nome? O filme não é claro. O efeito do seu suposto nome, obviamente, combina com a ameaça de morte (Murder), com os efeitos da lenda (Legendre) e com as marcas da crioulização francesa.42 O feito dessa falta de nomeação é fazê-lo um significante aberto, pronto pra receber qualquer significado esboçado para ele. Talvez isso, junto com outras ambiguidades narrativas, tem dado vazão também para o seu ambíguo status racial, tal como é evidenciado pelos exemplos de Fay e Bishop citados acima. Outra incorporação do livro de Seabrook na narrativa do filme é encontrada na implícita relação entre políticos haitianos corruptos e Legendre. Murder Legendre está associado no filme com os cargos centrais do controle pós-colonial no Haiti, restituindo estas posições suspeitas de poder. Além de ser um capitão da indústria, embora medieval e não moderna, e uma espécie de feiticeiro, Legendre é também associado com a figura central da recente história política haitiana, ou seja, com o presidente deposto Guillaume Sam. A sensacional queda do poder de Sam possui ecos na severidade da conversa de Legendre com Beaumont, na qual Legendre revela as identidades das pessoas que formam seu bando de zumbis. Ele identifica cada um deles através do trabalho que tinham em vida: um ministro do governo, um carrasco do alto escalão, um feiticeiro e o chefe do exército. Quando questionado sobre o que aconteceria se estes homens recuperassem suas almas, Legendre responde: “eles me cortariam em pedaços.” Esta não é apenas uma sugestão terrificante para despertar o apetite de terror nos espectadores do filme. De fato, é uma alusão à recente história haitiana, certamente os eventos que levaram à “intervenção” norte-americana. O paralelo é aqui óbvio com o modo 41 Rhodes, 37. 42 Rhodes salienta que Marie Laveau, a famosa “rainha vodu” de Lousiana, tinha uma filha chamada Madame Legendre (38).
  • 15. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 15 como Seabrook relata o destino de Sam. Guillaume Sam, o último autodeclarado presidente, em uma série de golpes, prendeu e massacrou um grande número de políticos haitianos poderosos e foi, então, deposto por uma multidão raivosa de cidadãos de Port-au-Prince: “A multidão simplesmente o retalhou em pedaços.”43 Para reforçar esta hipótese de conexão política com o governante pós-colonial deposto do Haiti, o filme identifica cada um dos zumbis haitianos sobre o controle de Legendre como membros proeminentes da classe governante. De certo modo, Legendre e seu bando estão relacionados com os governantes pós- coloniais anteriores à ocupação do Haiti. A imagem de uma multidão violenta como uma resposta para o instável e corrupto governo, que não possui o signo da democracia, seria implicitamente o resultado final da autodeterminação pós-colonial. Quando a cultura mistura os títulos de nobreza do feudalismo europeu com a atávica selvageria do tribalismo africano, o argumento fala por si próprio, o resultado inevitável é uma cultura de crueldade e corrupção. A questão aqui é que o filme parece relacionar Legendre com Guillaume Sam ou, ao menos, a uma figura política com tais características: ele é um líder corrupto que tem o aparato governamental completo sob sua influência e, não distante do governo, é um feiticeiro, ou seja, o espectro da primitiva magia dos nativos. Qual é o resultado deste acúmulo de poder que utiliza meios ilícitos? Inevitável instabilidade. De fato, a imagem aqui sugere o outro lado da infestação crioula sobre a identidade e a autonomia do corpo dos brancos. A ameaça do crioulo está na contaminação; a ameaça para o crioulo está na desintegração. A história do passado colonial subentendida na conversa ao lado do túmulo é mais tarde complexificada pelas conexões de Legendre com a antiga história colonial do Haiti. Em outro empréstimo do texto de Seabrook, Legendre implicitamente se torna um corrupto proprietário de terras. Novamente, esta cena implica uma identidade misturada e demonizada para Legendre. Neil e Dr. Bruner cavalgam em direção do que parece ser um velho pomar, este último interrompe a cavalgada para falar com um idoso (um ator branco com maquiagem negra). Talvez ele também seja um iniciado nas práticas “vodus”, já que oferece avisos e ouangas aos viajantes. Dr. Brumer pede pela direção do caminho e o homem velho o aconselha a ficar longe de Legendre, descrevendo ou nomeando-o (ambiguidade discutida acima) como “Murder” e descrevendo a “montanha” como a “terra dos mortos-vivos.” O missionário pergunta ao idoso se ele gostaria de acompanhá-los, mas ele recusa. Em The Magic Island, esta cena tem duas origens. Uma passagem do livro descreve geograficamente o “lar” dos zumbis no 43 Seabrook, 281. Em 1938, quatro anos após os norte-americanos desocuparem o Haiti, Zora Neale Hurston repetiria esta mesma história em Tell My Horse (New York: Harper and Row, 1990). Conforme Seabrook e Hurston, os acontecimentos com Guillaume Sam são uma justificativa direta para a invasão norte-americana. Conforme os autores: “no momento preciso destes eventos, o navio de guerra norte-americano Washington estava fumegando no porto” (Seabrook, 282); a fumaça do navio era uma “coluna negra de uma esperança branca” (Hurston, 72).
  • 16. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 16 capítulo “Dead Men Working” como “Morne-du-Diable, uma montanha com poucos acessos, próxima à fronteira com a Dominica”44 e presumivelmente a inspiração para o castelo na montanha de Legendre como “a terra dos mortos-vivos.” Em outra passagem, que também serve como final para Magic Island, Seabrook e alguns companheiros realizam uma jornada ao topo do mais alto pico do Haiti, Morne La Selle, onde eles descobrem as fundações em ruínas de uma fazenda colonial. Neste lugar, Seabrook imagina os horríveis capatazes coloniais e suas propensões sexuais.45 No filme, entretanto, a ambivalência da história colonial é recontada no presente já que o filme reconstrói aquele cenário no topo de uma montanha. Embora o uso acidental do cenário de Drácula, devido ao baixo orçamento do filme independente, este não deixa de carregar um peso semântico (veja n.11). O castelo gótico sugere o colonialismo europeu, até mesmo o feudalismo. Este retorno para a Europa medieval se casa com um cenário gótico e exótico do Haiti, tudo isso para produzir uma manifestação física da história colonial e do horror pós-colonial que esta história criou. O clímax de White Zombie ocorre no penhasco ao lado do castelo gótico de Legendre, onde o contagio crioulo é ritualisticamente apagado. Uma vez que Dr. Bruner e Neil alcançam o castelo, eles são confrontados com Legendre e seus zumbis. Neil tenta em vão acertar os zumbis com sua pistola, mas no final eles simplesmente caminham para a beira do precipício e desabam nas rochas abaixo. Murder Legendre é assassinado pelo meio zumbificado Beaumont que redime-se, parcialmente, por empurrar o mestre zumbi para o precipício e então se atira após ele. Há uma tomada do corpo sem vida de Legendre sendo atingido pelas ondas por cima das rochas. Se os zumbis e Legendre representam, como eu argumento, a contagiosa ameaça do crioulo, eles teriam sido literalmente jogados fora de sua ilha e esta “etnicamente limpa” pelas ondas do oceano. O falecimento dos zumbis e de seu mestre deixa apenas um zumbi para trás, Madeline. Ela recobra a consciência de seu torpor induzido por drogas como se tudo não 44 Seabrook, 95. 45 O senhor sábio e amedrontado alertando os exploradores brancos aparece no filme tal como uma citação de Seabrook. Durante sua trilha na montanha, Seabrook e seus companheiros encontram um caminho de “gigantescas castanheiras, plantadas em duas fileiras paralelas” (249) que são claramente remanescentes de uma fazenda colonial. Seabrook fantasia chegar ali 150 anos antes, quando “um marquês teria nos saudado e escravos cuidariam de nossos cavalos” (249). Nesta trilha, eles encontraram um senhor que Seabrook descreve como uma “autoridade anciã,” que lhes diz para não irem mais longe: “Era proibido, ele nos disse, porém não por nenhuma autoridade humana, seja local ou outra qualquer; o Morne La Selle, como todo mundo sabe, era vedado pelos lobisomens e demônios” (256). Próximo ao topo da montanha, eles descobrem os traços remanescentes de outra casa de fazenda. Novamente, Seabrook especula sobre o passado de glória e terror daqueles tempos góticos e coloniais. “Aqui, um dia, num lugar tão isolado tal como ainda é agora, havia habitado um luxuoso senhor de escravos… Se o Senhor dali, como Count Kenscoff havia sido mais abaixo da montanha, tinha agido como um monstro que se divertia por ter suas amantes de cor destroçadas por cães bloodhounds ou um amável marquês cujos escravos o defenderam de Jacmel quando a sanguinária revolução irrompeu… ninguém nunca saberá” (268). Seabrook enfatiza, ao invés das questões problemáticas para o colonialismo, a mesma ideologia que também guiaria o filme: o encontro com o passado colonial é uma horrível e assustadora recordação dos perigos das misturas crioulas. Assim, as amantes “de cor” avançam como peças num tabuleiro.
  • 17. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 17 passasse de um sonho, liberta, segundo a lógica do filme, pela morte de Legendre. No fim, nós somos presenteados com a “pura” sociedade: a virginal mulher branca, o herói bancário norte- americano e o missionário racionalista cristão. No filme, Madeline é aparentemente uma mulher independente e representa a função simbólica da inocente feminilidade branca. A união final do casal restaura a confiança na supremacia branca, além de uma sociedade racialmente pura. Dessa forma, Madeline é resgatada da ameaça de miscigenação, do controle de Legendre e dos efeitos de drogas invasivas. Por sua vez, Neil não é um herói musculoso, mas um gerente de classe média ideal, ou seja, um empregado do sistema financeiro. Esta caracterização serve, também, para fechar outra ansiedade norte-americana, a que se apresenta na relação entre imperialismo e a prosperidade econômica. Enquanto Legendre substitui a indústria norte-americana de seu dúbio papel na economia do açúcar haitiano, Neil repõe todas as relações sociais necessárias à produção material, que consistem da presença de Beaumont como dono da plantação, Legendre como proprietário do moinho e, além deles, a virtualmente limpa economia bancária. Isto completa a separação do trabalho haitiano e a liderança norte-americana iniciada na cena da fábrica discutida acima. Assim, os norte-americanos não estão preocupados com o espectro da escravidão (ou quase escravidão) enquanto condição de trabalho nas plantações de cana ou nas indústrias de processamento, o que traz a memória a incômoda lembrança da divisão racial do trabalho presentes na cultura norte-americana dos anos de 1930. No final do filme, norte- americanos chegam ao Haiti e erradicam qualquer mancha da velha, pós ou nova economia agrícola colonial através de uma nova racionalidade nos negócios, encontrada em escritórios e não em fábricas ou plantações. O filme sugere que o imperialismo norte-americano trouxe consigo uma moderna civilização econômica para o Haiti. Nessa nova união social ao final do filme, o cristianismo é entrelaçado com o racionalismo na figura do Dr. Bruner, contra a irracionalidade pagã do vodu.46 Ele ocupa a posição do bem, oposta aquela do mal de Legendre. Enquanto este seduz e vitimiza o decadente Beaumont, Dr. Bruner educa e acalma o transtornado Neil. Mesmo a edição cinematográfica de cada uma destas cenas apresentam paralelos: no moinho nós começamos do lado de fora da janela e somos levados para dentro enquanto que no escritório do Dr. Bruner nós começamos atrás das costas de Neil e somos levados em direção às explicações do Dr. Bruner.47 Enquanto Legendre é flanqueado por uma caneta e um leopardo, Dr. Bruner está circundado por livros, os símbolos da racionalidade e da acumulação de conhecimentos. Enquanto Legendre é um “feiticeiro” que se apropriou dos poderes nativos de magia negra, Dr. Bruner brinca que seu 46 Bishop, AZG, 80 e Rhodes, 35. 47 Rhodes, 20.
  • 18. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 18 status junto aos nativos, fazendo piada, é o de “mágico”, tal como entendem suas funções de pastor. No filme, então, o bom “racional” mágico do cristianismo vence o mau pagão mágico (e seu conhecimento farmacológico) do vodu. O resultado para esta perfeitamente limpa união social ao fim do filme é o de que o estilo imperialista norte-americano é o contrário do modelo da velha escola do colonialismo europeu. Este último está implicado e orientado para uma perigosa e instável hibridação. A reificação das divisões raciais do filme, isto é, branco versus preto ao invés da mistura “amarela” do crioulo presente na elite haitiana, também apoia a política e a ideologia de ocupação dos EUA. Com o risco de indeterminar meu próprio argumento, entretanto, eu preciso fazer ao final alguns comentários sobre os problemas decorrentes desta rígida ideologia. É certo que uma das convenções do gênero terror é a de recusar a apresentação final de uma inequívoca resolução. Especialmente com o avanço do século XX, os filmes de horror geralmente não conformavam ou não reiteravam a ordem social dominante em seu final. No caso de White Zombie, os elementos perturbadores que poderiam indeterminar a mensagem pro norte- americana e anti-crioula do final seriam, provavelmente, o resultado de uma filmagem precipitada devido ao seu orçamento reduzido, além disso, dos problemas decorrentes da transição do cinema mudo para o falado. Assim, são as próprias incongruências do filme que geram instabilidade no endereçamento de sua mensagem social final. A integridade da feminilidade branca é resgatada no final, mas o que significa este resgate? Está questão é lançada, eu penso, pela forma como Madeline foi caracterizada, no roteiro e também pela atriz Madge Belamy. Madeline é quase tão robótica antes do que depois de ser zumbificada, limitada como ela parece ser para viver qualquer personagem em vez de mal representá-lo. Na cena de abertura quando é ameaçada por Legendre na carruagem, sua resposta é atrasada e nem um pouco dramática. Naquela cena em que eu chamaria de “facílima,” quando nós vemos Madeline somente com suas roupas íntimas, se vestindo para o casamento, ela está muito estática e sem qualquer expressão. Mesmo quando Beaumont está implorando para ela abandonar Neil e casar-se com ele, ela parece apenas moderadamente perplexa, dizendo: “Você tem sido tão querido. Por favor, não estrague tudo agora.” Sem dúvidas, de forma não intencional da parte dos realizadores do filme, a atuação de Belamy provoca uma assombrosa impressão enquanto noiva, parece que Madeleine é meramente um objeto no comércio matrimonial e, na frente do olhar fixo da câmera, ela tem o mesmíssimo comportamento quando se torna de fato um objeto em um perigosíssimo mercado do desejo. Neil também falha em sua representação da masculinidade ideal do herói que se poderia esperar conforme a tradição dos filmes de aventura.48 Ele não faz nada em relação as óbvias 48 Ibid.
  • 19. Blog Geração Zumbi: http://geracao-zumbi.blogspot.com.br/ 19 intenções de Beaumont sobre Madeline, e quando ela “morre,” ele olha desamparadamente ao redor, dizendo: “Alguém pode fazer alguma coisa?”49 A falta do heroísmo másculo está na direção oposta da estrutura ideológica do final do filme, sugerindo que o Haiti é completamente excessivo para os povos brancos e que a contaminação é inevitável. O lugar por si só já deixa Neil doente, mesmo que seu corpo não tenha sido invadido pelo poder de Legendre. Finalmente, Dr. Bruner é também suspeito em virtude do fato de que ele representa uma espécie de paralelo de Legendre.50 Ele é, tal como aparenta seu sotaque, de ancestralidade alemã e isso, por si mesmo, o rotula como suspeito, dado os originais motivos para a ocupação norte- americana.51 Na última cena do filme, planejada para ser cômica, Dr. Bruner interrompe a aproximação do casal no momento em que eles iam se beijar – com um tapa no ombro e um pedido por um fósforo que insinua uma desconexão da união social em vez de sua resolução. O primeiro filme de zumbi do mundo permanece um intrigante, por vezes desajeitado, documento das preocupações culturais norte-americanas. Ele tem permanecido aberto para uma grande variedade de leituras e aproximações, as mais recentes das quais têm se concentrado em suas representações de raça e poder. Entretanto, estas leituras tendem a reafirmar o binarismo racial, embora os fundamentos pós-coloniais destas críticas estejam assentados para o desafiar. Ao chamar a atenção para as relações intertextuais entre The Magic Island e White Zombie, eu espero expandir o conjunto referencial do pós-colonialismo, postulando na figura do crioulo o início do fim da raça. O fato desta figura ser essencializada e demonizada no filme somente indica sua centralidade como uma fonte de ansiedade cultural. 49 Depois da morte dela, ele fica bêbado num bar caindo aos pedaços que é apresentado de um modo quase surreal, com os outros clientes vistos somente enquanto sombras projetadas na parede. Ele tenta encontrar uma resposta para o desaparecimento do corpo de sua noiva e, por fim, preparar um resgate. Em toda a operação, ele é comandado pelo Dr. Bruner. Após a aproximação deles do castelo, Neil sucumbe a uma doença tropical não identificada que lhe rende cuidados intensivos. Seu espaço na perfeita união social ao final do filme é assegurado pelos outros, não é conquistada por seus próprios esforços. Talvez, esta paralisia ajude a estabelecer uma das mais duradouras características dos filmes de terror – a falta de habilidade, como num sonho, de lutar contra uma ameaça - que indubitavelmente dá a eles seu poder de atração. 50 Rhodes, 36. 51 Conforme Schmidt, a invasão do Haiti era parte da política de expansão dos EUA nas Américas e do desejo de proteger os interesses norte-americanos na região. Cuba, Panamá, Haiti e República Dominicana estavam entre as regiões que os EUA sentiam que eram as mais vulneráveis ao controle Alemão (56). Como a I Guerra Mundial ainda estava em curso, o impulso para assegurar essas regiões, especialmente para proteger o acesso marítimo vital ao canal do Panamá, era muito forte.